Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00764/13.1BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2016
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:AJUDAS DE CUSTO
RETRIBUIÇÃO
IRS
Sumário:I - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
II - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da LGT).
III – É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
IV - Consignando-se no contrato de trabalho que o local de trabalho era na sede da entidade patronal, em Portugal, as verbas pagas, por força das despesas com alojamento, alimentação e deslocação por exercício de funções em obras da entidade patronal localizadas no estrangeiro, poderão ser consideradas ajudas de custo para os efeitos atrás referidos, já que visarão compensar o trabalhador por despesas por si realizadas ao serviço da entidade patronal por motivo de deslocação do lugar habitual de trabalho.
V - Se o impugnante marido prestava serviço à sua entidade patronal (sediada em Portugal) em obras sitas no estrangeiro, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho, deslocação que, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia à Administração Tributária demonstrar, ainda que através de factos indiciantes, que o abono mensal (e diário) previsto no contrato celebrado era totalmente independente dessa deslocação e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais da deslocação ao serviço da entidade patronal.
VI - O abono de quantias mensais fixas a título de ajudas de custo de trabalhador deslocado no estrangeiro não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não constituem ajudas de custo.
VII - Pelo que a Administração Tributária não demonstra que essas quantias não constituem ajudas de custo se, na informação que suporta as correcções respectivas, se limita a consignar que a quantia paga a título de ajudas de custo deve ser considerada como rendimento por ter sido paga em quantia fixa e regular.
VIII - A lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações, sendo admissível qualquer meio de prova em conformidade com o preceituado nos artigos 72.º da LGT e 115.º do CPPT.
IX - Destinando-se as ajudas de custo a compensar o trabalhador por despesas suportadas em favor da entidade patronal por motivo de deslocações ao serviço desta, é normal e comum que a entidade patronal só pague esse abono diário durante os dias úteis, e já não em férias ou aos fins-de-semana, dias em que o trabalhador não presta serviço. Todavia, o seu pagamento em dias não úteis não releva para descaracterizar aquela natureza de ajudas de custo, pois o facto de o abono diário variar nalguns meses é até indiciador da existência de correspondência entre as despesas efectuadas e as quantias pagas, tendo de ser encarado, na ausência de outros elementos que apontem em sentido contrário, como um facto conatural e inerente à sua natureza compensatória daqueles abonos.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:M... e mulher
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Excelentíssima Representante da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, proferida em 30/06/2014, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M… e F…, titulares dos NIF 1…e 1…, respectivamente, com domicílio fiscal na Rua…, Valongo, contra a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada quanto à liquidação adicional n.º 2012 4004859414, relativa ao IRS do ano fiscal de 2008, no montante de €5.305,62, que compreende a liquidação de juros compensatórios no montante de €587,50.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A. Julgou a douta sentença recorrida procedente, a impugnação deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2008, identificada com o n.º 2012 4004859414 e respectivos acréscimos legais - que compreende o valor do imposto de € 4.718,12 e dos juros compensatórios de € 585,50, por haver concluído, enfermar o acto tributário de vício de violação de lei consubstanciado na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo impugnante a título de ajudas de custo.
B. Para assim decidir entendeu o Tribunal a quo, que «O entendimento propugnado pela AF, que originou o ato de liquidação impugnado, enferma de vício de violação de lei (…) face à fundada dúvida sobre a qualificação do facto tributário, determina-se a anulação da liquidação oficiosa de IRS referente ao ano e 2008 e respectivos juros compensatórios, no que respeita ao ora impugnante (…) O ato de liquidação impugnado enferma dos vícios que lhe são imputados pelo que se reconhece a ilegalidade do mesmo por insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo impugnante a título de ajudas de custo.»
C. Com a ressalva do sempre devido respeito, não se conforma a Fazenda Pública com o assim doutamente decidido, na senda aliás do propugnado pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público que se pronúncia pela improcedência desta acção, porquanto considera existir erro de julgamento de facto e de direito, carecendo de sentido a(s) apontada(s) ilegalidade(s).
D. A Autoridade Tributária (doravante, AT) considera, que o montante em causa - no total de € 25.940,38, pago ano de 2008 -, constitui remunerações provenientes de trabalho por conta de outrem, prestado ao abrigo de um contrato de trabalho, sendo por isso considerado como rendimento de trabalho dependente, de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS, que não foi declarado, e por isso ocorreram as correcções designadas de técnicas ou aritméticas.
E. Ao contrário da decisão recorrida, considera a Fazenda Pública que a AT não se limitou a determinar o enquadramento fiscal daquela verba, tendo alegado e provado os factos fundamentadores ou enformadores do acto tributário como se percebe pelo teor do Relatório de Inspecção Tributária, corolário do procedimento inspectivo credenciado pelo Ordem de Serviço n.º OI201202406, constante de fls. 30 e sgs. do PA., donde decorre a consideração, como rendimento de trabalho, dos montantes recebidos pelo Impugnante marido a título de ajudas de custo, no ano de 2008.
F. Na verdade, apuraram os Serviços de Inspeção que “…os locais de trabalho, determinados nos contratos (…), coincidiam com os locais onde o trabalhador prestou o serviço…”, inexistindo fundamento para o pagamento de qualquer importância a título de ajudas de custo.
G. Apuraram ainda, que faltavam muitos dos documentos justificativos de tais ajudas de custo - mormente os boletins de itinerários - e, bem assim, que a empresa C... – Manutenção Industrial e Naval, Conservação e Serviços, Lda. (doravante, C..., Lda.), entidade patronal do Impugnante marido, suportava encargos relacionados com a deslocação, alojamento e alimentação dos seus trabalhadores deslocados, (i) contabilizando tais valores como deslocações e estadas, (ii) contabilizando igualmente os valores de ajudas de custo pagos aos trabalhadores, independentemente da apresentação de documentos comprovativos dessas despesas.
H. Primordialmente, cabe realçar, que após o cotejo dos dados coligidos em sede inspectiva foi entendido que os montantes atribuídos ao Impugnante marido/recorrido não podiam ser aceites como ajudas de custo, na medida em que o local de trabalho era o constante do contrato laboral, inexistindo as deslocações que justificavam o pagamento de qualquer importância a título de ajudas de custo.
I. Pese embora, viesse afirmado (vide artigos 33.º da PI) que o Impugnante marido foi contratado para exercer funções em Amora, Seixal, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton), a mesma não é corroborada com o conteúdo dos documentos recolhidos pela AT, aquando da ação inspectiva.
J. Com efeito, no confronto entre o Contrato de Trabalho celebrado entre o Impugnante marido e a C..., Lda., junto como Documento 3 à PI e o “Mapa de Pagamentos por Empregado (Resumo)”, junto a fls. 23 a 25 do PA., surgem diversas incongruências, que de seguida de elencam, à semelhança do que em momento oportuno se deixou expresso na Contestação.
K. No referido “Mapa de Pagamentos por Empregado (Resumo)”, percebe-se que os montantes pagos ao Impugnante como sendo de ajudas de custo pressupõem a laboração em dias não úteis (31 dias em julho, 29 dias em outubro e 29 dias em novembro, etc.) mas, estranhamente, não ocorreu qualquer pagamento pela prestação de trabalho suplementar naqueles meses. Ademais, o contrato celebrado previa, expressamente, que o Impugnante devia respeitar as leis do Estado “…em que se encontrar destacado…”, denotando que ab initio a sua vigência não estava pensada para Portugal. (cf. Cláusula Oitava do contrato junto à PI de impugnação, sob a forma de Documento 3).
L. E, na verdade, no ano de 2008, e ao serviço da C..., Lda., o Impugnante apenas trabalhou em Inglaterra (Southampton).
M. Não sendo junto pelos Impugnantes, qualquer documento que indicie que o Impugnante marido tenha prestado serviço em Amora durante o ano de 2008, um único dia, o que só por si põe por terra a argumentação de que o seu domicílio profissional seria no Seixal e, que a ser assim redundaria na improcedência da argumentação usada.
N. Por outro lado, como referido supra, os Serviços de Inspeção no decurso da acção inspectiva verificaram que muitos dos boletins de itinerários estavam em falta e alguns dos existentes não se encontravam sequer assinados, o que coarta a possibilidade de admissão das quantias alegadamente pagas a título de ajudas de custo como custos de exercício, na esfera jurídica da C..., Lda..
O. Ora, a inexistência de elementos de prova que permitam concluir à AT, no exercício do seu poder - dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, por parte dos contribuintes, pela realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, será suficiente para que englobe os respetivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.
P. Para que assim não sucedesse, sempre os aqui Recorridos, poderiam demonstrar que tais quantitativos correspondiam, efectivamente, à compensação por despesas de deslocação que o marido suportou, fazendo-o mesmo em substituição da sua entidade patronal, sendo a forma mais direta de se proceder a tal demonstração é através da prova documental, designadamente, através dos respetivos boletins de itinerário, cf. se decidiu no Acórdão do TCAS de 29.03.2011, proferido no Processo n.º 04592/11.
Q. Ante a ausência de prova que contrariasse a veracidade das correcções prosseguidas no procedimento de inspecção e, depois em sede da reclamação graciosa e sede judicial, bem andou a AT.
R. Segundo a Jurisprudência e da Doutrina, é entendimento de que “as ajudas de custos visam compensar o trabalhador por despesas efetuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado e daí que não sejam tributadas em sede de IRS”, cf. o Acórdão do STA de 23.04.2008, proferido no Processo n.º 01055/07, de entre muitos outros.
S. A característica essencial das ajudas de custo é o seu caráter compensatório, visando o reembolso ao trabalhador das despesas que foi obrigado a suportar, em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ocasionais ao serviço desta. Esse caráter compensatório tem subjacente a existência, por parte do trabalhador, de “deslocações do seu domicílio necessário por motivos de serviço”, vide n.º 1, do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 106/98, de 24 de abril.
T. Como o domicílio necessário do ora Impugnante foi, durante todo o ano de 2008, Southampton, em Inglaterra e, verificando-se que este não foi deslocado do seu domicílio profissional, porque na verdade, nunca teve outro domicílio profissional senão naquela cidade inglesa, não fazia qualquer sentido o pagamento de quaisquer importâncias a título de ajudas de custo pela entidade patronal, visto que o ora Recorrido/Impugnante foi contratado, precisamente, para exercer funções num local previamente determinado, fixado no contrato de trabalho e que deve ser considerado como o seu domicílio necessário.
U. Visualizando, o “Mapa de Pagamentos por Empregado (Resumo)”, confirma-se que todos os meses em que esteve ao serviço da C..., Lda., no ano de 2008, o Impugnante marido recebeu sempre Ajudas de Custo, o permite concluir que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular, sem qualquer interrupção o que claramente lhes retira o caráter ocasional, pois que as verdadeiras ajudas de custo, destinando-se, sempre, a ressarcir despesas extraordinárias incorridas.
V. Resulta ainda demonstrado no Relatório de Inspecção Tributária, que a CNM, Lda., entidade empregadora do Impugnante marido, suportava os encargos realizados com a deslocação, alojamento e alimentação dos seus trabalhadores, contabilizando-os como “Deslocações e Estadas”, o que só pode significar também, que o valor pago ou posto à sua disposição, foi-o a título de remuneração e não corresponde a qualquer despesa por ele suportada.
W. No que concerne à decisão do Tribunal a quo sobre a fundamentação do acto e, em clara discordância com o decidido, reitera-se que quer no Relatório de Inspecção, quer na decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e na Contestação apresentada, a AT sempre assentou a sua posição numa fundamentação clara, concreta e concisa, referindo, sempre, as razões de facto e de direito que justificam as correções propostas e a decisão levada a cabo, permitindo aos sujeitos passivos perceberem, sempre, a motivação daqueles atos.
X. É de tal maneira completa e exaustiva a fundamentação, que se tornou possível aos Impugnantes apresentarem Reclamação Graciosa e a presente Impugnação Judicial, nos termos em que o fizeram, donde não é demais relembrar que os objetivos inerentes à exigência de fundamentação foram atingidos, agora se concorda com eles é questão diferente que nada tem a ver com o apontado vicio de fundamentação, acompanhamos a doutrina que emana do Acórdão do TCAS de 25.01.2011, proferido no Processo n.º 04410/10.
Y. Afigurando-se-nos que a liquidação controvertida respeita os requisitos da fundamentação legalmente exigidos, permitindo perceber a sua natureza, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável, e aos destinatários a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela entidade decidente e defender-se nos termos em que o fizeram.
Z. O caso sub judicio, torna-se evidente que as verbas mensais, abonadas a título de ajudas de custo, não se destinavam a reembolsar o aqui Impugnante por despesas que tivesse de efetuar em serviço e a favor da sua entidade patronal, constituindo antes uma prestação regular e periódica, quando muito um complemento de salário ou subsídio de alojamento e alimentação, correspetivo da sua prestação de trabalho, expressiva de uma forma de retribuição, sujeita a tributação em sede de IRS, de acordo com o disposto no artigo 2.º do CIRS.
AA. Nos termos do n.º 1 alínea a) daquele diploma, «consideram-se rendimentos do trabalho dependente todas as remunerações pagas ou postas à disposição do seu titular provenientes de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de contrato individual de trabalho...». Por seu turno, o n.º 2 do mesmo artigo 2º enumera, de forma exemplificativa, as formas que pode assumir o rendimento caracterizado no n.º 1, mencionando expressamente as remunerações acessórias.
BB. Além disso, o disposto no n.º 3 alínea d) mesmo artigo 2º do CIRS, pressupõe-se que para que as importâncias abonadas e recebidas a título de ajudas de custo, assim sejam consideradas, é necessário que na sua atribuição sejam considerados os pressupostos da atribuição dessas importâncias aos servidores do Estado, i. e., que não excedam os limites legais e tenham que ser prestadas contas até ao termo do exercício.
CC. In casu nem se deve colocar tal questão, dado que não estamos perante verdadeiras e próprias ajudas de custo, mas sim, retribuição por trabalho prestado e, só se a AT considerasse os montantes recebidos como ajudas de custo, o que não se verifica, é que em momento ulterior, deveria apurar se excediam ou não os tais limites anualmente fixados para os servidores do Estado, circunstância que não ocorre.
DD. Não estando demonstrado o carácter de precariedade e a limitação temporal que representa o traço essencial do abono das ajudas de custo, as referidas verbas apresentam-se como reais e objectivas retribuições do trabalho prestado, sujeitas a tributação nos termos das disposições legais citadas, porque reitera-se a verba aqui em causa tem única e exclusivamente natureza remuneratória.
EE. É verdade que os elementos declarados pelos contribuintes gozam de uma presunção de verdade, mas também é certo, que posteriormente em caso fiscalização, os contribuintes têm de provar os montantes declarados ou não declarados, quer a título de despesa quer a título de rendimento, nas suas declarações.
FF. É também verdade, - sem rejeitar a obrigatoriedade o ónus da prova - que a aquisição de provas por parte da AT, porque a investigação tem lugar, muito posteriormente à ocorrência dos factos, se torna muito mais difícil se como in casu, se trata de situação localizada fora do território nacional.
GG. Tal entendimento é, quanto a nós, aquele que se afigura mais consentâneo com as próprias regras gerais estabelecidas nos artigos 342.º e 343.º do C.Civil sobre o ónus de prova, na medida em que assim se afasta a exigência da denominada prova diabólica a que conduziria a posição contrária, de fazer recair sobre a AT todo o ónus da prova, além de que só este entendimento se encontra em perfeita sintonia com a regra do ónus da prova assumido pelo artigo 74.º nº 1 da LGT.
HH. Não é possível à AT provar que o Impugnante não tinha deslocações, apenas pode inferir que as não tinha ou não fazia, dada a sua profissão, o local das obras, e o facto de apesar dos valores envolvidos, não ter prestado contas à entidade patronal, nem esta dispor de critérios objectivos de atribuição.
II. Como refere André Salgado de Matos, na base da inclusão das ajudas de custo no conceito fiscal de rendimento, ainda que com um diferente esquema de tributação face aos demais rendimentos, está o raciocínio de que “...a entrada no património do trabalhador de determinadas importâncias que, se abaixo de certos limites ou certas circunstâncias, não correspondem propriamente a rendimento, passam a partir desses limites ou fora dessas circunstâncias a ter uma finalidade equivalente à da remuneração”. (Cf. Acórdão do TCASul de 20.05.2003, proferido no Processo 07284/02)
Por ultimo,
JJ. o Tribunal a quo, para decidir pela procedência da impugnação considerou além do mais que ocorria dúvida fundada, relativamente à existência do facto tributário.
KK. A nosso ver não existe qualquer contradição com a fundada dúvida do artigo 100.º do CPPT, nos termos referidos na Decisão recorrida, pela simples razão de que o disposto nesse preceito não tem aplicação ao caso, pois que o ónus nele consagrado se refere exclusivamente às situações em que é a AT a afirmar e a quantificar um facto tributário, e não às situações em que está em causa a natureza ou qualificação de determinado rendimento, cujo recebimento e quantificação não vêm questionados.
LL. Ora, no caso sub judicio é conhecido o rendimento e a sua qualificação como facto tributário depende da qualificação que lhe deva ser dada. Se esse rendimento for considerado como retribuição do trabalho cairá na previsão das referidas normas de incidência, mas se dever ser considerado como ajuda de custo já ficará excluído, cf. se decidiu no Acórdão do STA de 05.07.2012, proferido no Processo n.º 0764/10.
MM. O Tribunal a quo decidiu com violação do sentido das disposições legais supra citadas.
Termos em que, e nos melhores de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta Sentença recorrida, com o que se fará inteira JUSTIÇA.”
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Os Recorridos apresentaram contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
I. A sentença ora recorrida determinou a anulação da liquidação de IRS do ano 2008 por vício de violação de lei consubstanciado na insuficiência da fundamentação e errónea interpretação da citada norma de incidência no que respeita à desconsideração dos rendimentos auferidos pelo recorrido marido a título de ajudas de custo por parte da AT.
II. O objecto recurso da Ilustre Representante da Fazenda Pública considera que a liquidação adicional se deverá manter atendendo a que montante pago a título de ajudas de custo ao Recorrido constitui remuneração proveniente de trabalho por conta de outrem prestado ao abrigo de um contrato de trabalho e, nessa medida, considerado como rendimento de trabalho dependente de acordo com o disposto na alínea a) do n°1 do art.2.° do CIRS.
III. Considerou o Tribunal a quo, e bem, que sempre caberia à Autoridade Tributária (AT) demonstrar que as ajudas de custos não corresponderam a efectivas deslocações e que os montantes pagos excediam os limites previstos na lei.
IV. Ora, dos autos e tal como exaustivamente fundamentado na sentença ora recorrida, em nenhum momento a Representação da Fazenda Pública ou a AT faz a prova que lhe competia para afastar a verificação dos pressupostos legais quanto à não tributação das ajudas de custos: (i) a prova de que os montantes auferidos enquanto ajudas de custo ocorreram por inexistência de efectivas deslocações por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) de que o pagamento de quantitativo diário excedia os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
Assim,
V. Bem andou a decisão proferida pelo Tribunal a quo, que considerou, na senda do acórdão do STA de 08/11/06, recurso 01082/04, que, sendo a alínea d) do n°3 do art.2.° do CIRS uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou exclusão de tributação de IRS, o ónus da prova de tal excesso, bem como a verificação da falta de pressupostos da sua atribuição, enquanto pressuposto da norma de tributação, sempre recairia sobre a AT.
VI. Na verdade, da apreciação da prova vertida nos autos, resultou claro que não foi possível qualificar, sem mais, as ajudas de custo como revestindo natureza remuneratória - antes pelo contrário, ficou provado que as deslocações do Recorrido ocorreram efectivamente para Southampton e que o local de trabalho, previsto no contrato de trabalho assinado, era em Portugal.
VII. De facto, nos termos do disposto na aludida norma de exclusão de incidência de IRS, apenas as ajudas de custos que excedam o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado estão sujeitas a IRS. Sendo certo que, o ónus de prova de tal excesso, bem como a verificação dos pressupostos da sua atribuição, como pressuposto da norma de tributação, impendia sobre a AT.
VIII. Ora, resultou claro dos presentes autos, que quer a AT, quer a Fazenda Pública não fizeram prova nesse sentido, atendo-se a uma presunção, a um mero enquadramento legal, nem sequer considerando existir excesso para além do limite legalmente estabelecido, nem contrariando a existência de verdadeiras deslocações.
IX. Mais, a própria Fazenda admite o pagamento das ajudas de custo.
X. Provando-se que ocorreram efectivas deslocações do Recorrido do seu local de trabalho, sempre caberia à AT a prova do excesso do seu pagamento ou a prova da inexistência das deslocações em causa. Relevando para efeitos de tributação de ajudas de custo que o trabalhador esteja efectivamente deslocado do seu local de trabalho e que as mesmas tenham um carácter compensatório.
XI. Assim, a definição do regime da atribuição das ajudas de custo e a sua não tributação na esfera de um trabalhador particular resulta do regime consagrado no artigo 2.° do Código do IRS.
XII. O pagamento das ajudas de custo e sua não tributação dependem, de acordo com a aludida norma legal, da verificação dos seguintes pressupostos substantivos: (i) os montantes serem auferidos enquanto ajudas de custo por realização de uma efectiva deslocação por parte do trabalhador ao serviço e no interesse da sua entidade patronal; e, (ii) o pagamento de quantitativo diário não exceder os limites anualmente fixados para os servidores do Estado.
XIII. Nesse sentido, o acórdão do STA n.° 24239 de 15.12: “De facto, (...) tudo se passa por conhecer se num montante de ajudas custo são descortináveis os dois vectores patentes na alínea d) do n.°3 do art.2.° do Código do CIRS; ou seja, tem que se identificar a natureza legal dos pagamentos e, num segundo momento, verificar se o montante reembolsado excedeu os limites legais. Ora, esses vectores ou condições sempre se encontraram no Código do CIRS e não, como pretendia a Administração Fiscal, no Decreto-lei n.° 519-M/79, de 28 de Dezembro” (actual DL 106/98).
XIV. Ora in casu, ficou mais do que provado e admitido pela própria Fazenda, que ocorreram efectivas deslocações por parte do Recorrido marido para tora do território nacional ao serviço da entidade patronal, em concreto para Southampton, Inglaterra.
XV. De facto, ficou provado que os Impugnantes à data da celebração do contrato de trabalho residiam em Portugal bem como, o Impugnante marido havia sido contratado para o desempenho de funções nas oficinas sitas no local da sede da C....
XVI. Assim, ficou determinado pelo Tribunal a quo que a liquidação adicional é ilegal, uma vez que a AT se limitou a desconsiderar as ajudas de custo nos termos em que haviam sido atribuídas pela entidade empregadora ao trabalhador, sem ponderar os limites previstos na lei quanto à sua atribuição e não sujeição a IRS.
XVII. Deste modo, ficou provado que, não logrou a AT, em sede de inspecção tributária, dar a conhecer ao contribuinte os fundamentos da tributação dos montantes recebidos a título de ajudas de custo, que, de acordo com os dois pressupostos substantivos para a sua determinação, passaria por demonstrar que os valores pagos constituem ajudas de custo que excederam os valores máximos legalmente estabelecidos, ou seja, as ajudas de custo atribuídas ultrapassaram os limites impostos na alínea d) do n°3 do art.2.° do CIRS;
ou
XVIII. Demonstrar que, nos termos do art. 74.° da LGT, o trabalhador não realizou as deslocações ao serviço da sua entidade patronal, nem suportou as despesas em causa.
XIX. Não tendo logrado demonstrar tais pressupostos, bem andou a sentença do Tribunal a quo ao considerar que nunca estaria a AT em condições de efectuar correcções às declarações dos contribuintes, assentes na descaracterização das ajudas de custo, pois que tal revelará uma errada aplicação das normas jurídicas atinentes á presente querela, o que determinou, e bem, a anulação da liquidação adicional de IRS.
XX. Ou seja, bem andou e sentença recorrida ao determinar que a AT não logrou demonstrar que as ajudas de custo pagas ao Recorrido marido excederam os limites legais, nem que não ocorreram efectivas deslocações.
XXI. O mesmo é dizer que não conseguiu a AT em definitivo fundamentar a desconsideração das ajudas de custo a que procedeu.
XXII. Face ao que foi vertido nos presentes autos, em particular o invocado quanto ao dever de fundamentação da AT, bem assim o que foi referido quanto ao ónus da prova que sobre si impendia, considerou o Tribunal a quo, por ser evidente, que não se almeja o propósito de a Fazenda considerar ser o domicílio necessário do Recorrido marido em Inglaterra.
XXIII. Porquanto, sempre caberia à AT a obrigação de demonstrar/provar que as estadias do Recorrido em Inglaterra não eram ocasionais, o que não aconteceu.
XXIV. Contudo, sempre se reiterará que, ficou provado que o Recorrido foi contratado para exercer funções em Amora - Seixal, na sede da empresa, e tal situação decorre expressamente do seu contrato de trabalho junto aos presentes autos.
XXV. Bem como, ficou provado que o domicílio necessário do Recorrido marido ser Amora, Seixal - Portugal -, e nunca Inglaterra.
XXVI. Ao contrário do que pretende fazer a AT, que refere ser o domicílio do trabalhador em Inglaterra, sendo que, tal como já demonstrado, as estadias nessa localidade trataram-se de efectivas deslocações.
XXVII. Na verdade, da leitura atenta do contrato de trabalho que serviu de base à relação laboral estabelecida entre o sujeito passivo e a entidade patronal, não é outra a conclusão senão a de que o domicílio necessário do Recorrido marido era Amora - Seixal, por ser esse o local onde aceitou o lugar ou cargo e aí se obrigou a prestar serviço, ao contrário do alegado pela Fazenda, que muito mal se compreende.
XXVIII. Desta forma, por cada deslocação que realizou, sempre seriam devidas ajudas de custo.
XXIX. Se a AT ambicionava demonstrar que tal não era verdade, teria, forçosamente, que provar que assim não era, não estando esse ónus do lado do sujeito passivo, não podendo agora vir transparecer que essa seria uma obrigação dos Recorridos.
XXX. Quando, face ao que vem dito, bem se sabe não o ser!
XXXI. Nesse sentido atento o disposto na alínea d) do n.° 3 do art. 2º do CIRS, deveria a AT fundamentar a liquidação adicional de IRS que teve por base as ajudas de custo consideradas enquanto rendimento de trabalho dependente, ou invocando que a sua atribuição foi excessiva face aos limites legais estabelecido na lei ou provando a sua não ocorrência.
XXXII. Assim, resultou claro, como provado e devidamente apreciado pelo Tribunal a quo, reitere-se, que sede da C... situa-se em Amora, pelo que, sem mais, se pode reter que o Recorrido marido foi contratado para prestar trabalho na Amora, podendo deslocar-se (!) para outros locais.
XXXIII. De facto, o Recorrido marido foi, como se infere do contrato de trabalho, contratado para prestar trabalho em Amora - Seixal, tratando-se a sua prestação de trabalho em quaisquer outros locais de verdadeiras deslocações, pelas quais sempre seria devido o pagamento de ajudas de custo por parte da entidade patronal.
XXXIV. Com efeito, apesar de ter sido contratado para prestar trabalho na sede da C..., obrigou-se, no momento da celebração do contrato de trabalho, a aceitar as deslocações que a entidade patronal lhe pudesse impor para fora da sede da empresa, sendo que esta custearia as despesas com tais deslocações.
XXXV, De facto, a questão da “residência habitual” deverá ser tida em primordial conta.
XXXVI. Isto porque, entendem os tribunais ser legítimo o pagamento de valores a título de ajudas de custo quando exista deslocação da residência habitual.
Ora,
XXXVII. Não só ficou demonstrado coma provado nos presentes autos a efectiva deslocação da residência habitual, por parte do Recorrido marido, como também se conseguiu patentear a deslocação do domicílio profissional.
XXXVIII. Pelo que, bem andou a sentença do Tribunal a quo, ao considerar que a AT interpretou de forma absolutamente errada os pressupostos da não tributação das ajudas de custo, conduzindo a um entendimento e, consequentemente, liquidação ilegal por errada aplicação das normas jurídicas.
Pelo que, deverão V. Exas. negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida que determinou a anulação da liquidação adicional de IRS do ano de 2008.
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O Ministério Público junto deste Tribunal teve vista do processo.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito aos factos, ao concluir que os indicadores de facto recolhidos pela administração tributária não são suficientes para deduzir que as ajudas de custo têm carácter remuneratório.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
Dos factos provados, com relevância para a decisão da causa, com base nos elementos de prova documental existente nos autos.
1.º - Os ora impugnantes detêm a sua residência e domicílio fiscal na Rua…, 4460-703 Custóias - cf. doc.de fls.26 dos autos.
2.º - O impugnante marido exerceu no ano de 2008 atividade profissional mediante contrato de trabalho a termo incerto celebrado com a sociedade comercial «C…, Lda.» (doravante “C…”), em 18.02.2008, detendo a categoria profissional de serralheiro civil de 1.ª - cf. doc.de fls.26 dos autos.
3.º - A C... tem sede na Rua…, 2845-358, Amora - cf. doc.de fls.26 dos autos.
4.º - De acordo com a cláusula “Quarta” do contrato de trabalho, o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua atividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada - cf. doc. de fls.26 dos autos.
5.º - No início da execução do presente contrato, o ora impugnante marido deslocou-se para as instalações/obra da S… s.r.I. em Southampton, podendo esta a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho - cf. doc. de fls.27 dos autos.
6.º - O impugnante marido obriga-se ainda a efetuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C... - cf. doc. de fls.27 dos autos.
7.º - Em eventual situação de destacamento, o ora impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais - cf. doc. de fls.27 dos autos.
8.º - Com vista a suportar o acréscimo de custos o impugnante marido recebeu da sociedade entidade patronal no ano de 2008, além do seu salário, um valor a título de ajudas de custo no montante de €25.940,38.
9.º - Os impugnantes declararam, no ano de 2008, para efeitos de IRS, rendimentos da categoria A (trabalho dependente), tendo declarado no anexo A da declaração modelo 3 de IRS, a título de trabalho dependente o valor que foi comunicado pela entidade empregadora - cf. doc. de fls.38 a 41 do Processo Administrativo (PA), apenso a este processo.
10.º - No âmbito da ação inspetiva externa, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI201202406 para o exercício de 2008 - tributação em sede de categoria A de IRS, efetuada pelo Departamento de Fiscalização do Instituto da Segurança Social à empresa C..., Lda., NIPC: 5…, os serviços de inspeção tributária constataram situações que deram origem a “Acções de controlo de contribuintes com divergências em rendimentos pagos por terceiros – Exercício de 2008” - cf. teor de fls.31 do PA, correspondente ao Relatório de Inspeção Tributária (RIT), apenso a este processo.
11.º - Na sequência do que os ora impugnantes foram notificados através do ofício n.º36032/0506 datado de 06.06.2012, para no prazo de 15 (quinze) dias se pronunciar - cf. teor de fls.32 do PA, correspondente ao RIT, apenso a este processo.
12.º - Para conclusão do procedimento inspetivo foi elaborado um relatório final com vista à identificação e sistematização dos factos detetados e sua qualificação jurídico-tributária - cf.doc. de fls.30 a 32 do PA apenso a este processo.
13.º - Do qual os ora impugnantes foram notificados em 02.07.2012.
14.º - Do relatório de inspeção tributária (RIT) resulta a fls.30 a 36 que o ora impugnante marido auferiu rendimentos pagos pela referida sociedade a título de Ajudas de Custo, no montante de € 25.940,38.
15.º - Consideraram os serviços de inspeção tributária que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.º3 do art.2º do CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n.º 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei n.º 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro” - cf. teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo.
16.º - De acordo com as informações recolhidas pelos serviços de inspeção tributária, no ano em análise, os trabalhadores da referida sociedade estiveram envolvidos na prestação de serviços de “manutenção e reparações de fábricas, transformações e reparações industriais e navais, indústria de montagens de estruturas metálicas de tubagens, soldaduras serralharia e eletricidade, instalações de gás e ar condicionado”, em diversos países da União Europeia. Para esse efeito a empresa recrutava trabalhadores em Portugal e suportava os encargos relacionados com a deslocação, o alojamento e a alimentação - cf. teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo.
17.º - Os serviços de inspeção tributária concluíram que o ora impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos [países] fora de Portugal - cf. teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo.
18.º - As despesas incorridas foram suportadas pela “C...” - cf. teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo.
19.º - Os serviços de inspeção tributária constataram que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular não dependendo de apresentação de despesas, nem tendo por objeto o reembolso das mesmas - cf. teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo.
20.º - Pelo que concluíram os serviços de inspeção tributária que os montantes recebidos a título de ajudas de custo, revestem caráter de verdadeiras remunerações, enquadrados no art.2º do CIRS, pelo que, no seu entender deveriam constar do anexo A da declaração de rendimentos mod.3 IRS - cf. teor do RIT, ínsito no PA apenso a este processo.
21.º - Os ora impugnantes foram notificados da liquidação de IRS relativa ao exercício de 2008, com data limite de pagamento voluntário a 05.09.2012, bem como das liquidações de juros compensatórios - cf.doc. de fls.13 do PA apenso a este processo.
22.º - Os impugnantes apresentaram oportunamente a sua declaração de rendimentos relativa ao ano fiscal de 2008.
23.º - Por ofício de 03 de Julho de 2012, foram os ora impugnantes notificados de ter sido instaurado contra si um processo de contraordenação, por violação das normas inscritas no art.119º, n.º1 e art.24º, n.º2, ambas do RGIT - cf.doc. de fls.14 do PA apenso a este processo.
24.º - A AT considera que o valor total das quantias recebidas pelo impugnante marido, pagas pela entidade patronal, perfazem o valor de € 33.684,23.
25.º - Em 10.01.2013, os ora impugnantes apresentaram reclamação graciosa n.º1899201304000145 contra a liquidação de IRS n.º2012 4004859414 - cf. doc. de fls. 1 a 29 do Processo de Reclamação Graciosa (PRG), ínsito no PA, apenso a este processo.
26.º - Em 23.10.2013 foi proferido pelo Chefe do serviço de finanças, projeto de despacho no sentido do indeferimento da reclamação graciosa n.º1899201304000145 - cf. doc. de fls.46 a 51 do PRG, ínsito no PA, apenso a este processo.
27.º - A reclamante foi notificada, através de carta registada em 24.10.2013, para exercício do direito de audição previsto na alínea b) do n.º1 do art.60º da LGT, no prazo de 15 (quinze) dias contados da notificação - cf.doc. de fls.52 do PRG, ínsito no PA, apenso a este processo.
28.º - Em sede de audição prévia o ora impugnante marido vem invocar os elementos já apresentados aquando da elaboração da petição - cf. doc. de fls.53 a 58 do PRG, ínsito no PA, apenso a este processo.
29.º - Entendeu a administração fiscal (AF) que não foram apresentados factos novos suscetíveis de fazer alterar o projeto de despacho que lhe foi notificado e sentido da decisão - cf. doc.de fls.69 do PRG, ínsito no PA, apenso a este processo.
30.º - Na sequência do que veio a ser-lhes efetuada a liquidação adicional ora em crise - cf. doc. de fls.70 do PRG, ínsito no PA, apenso a este processo.
31.º - O valor de imposto apurado foi pago pelos impugnantes.
32.º - A presente impugnação deu entrada no deu 16.12.2013 - cf. carimbo aposto a fls.2 dos autos.
Não ficou por provar qualquer facto com relevo para a decisão.
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Motivação:
No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da causa, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e do processo administrativo e que não foram objeto de impugnação, designadamente o RIT, o contrato de trabalho, a nota de liquidação, o processo de reclamação graciosa, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74º e 76º n.1 da LGT e artigos 362º e seguintes do Código Civil).
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2. O Direito

Vem o presente recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que, tendo concluído que a administração tributária não logrou provar a existência dos pressupostos legais da sua actuação, isto é, que as importâncias auferidas a título de ajudas de custo eram, afinal, remuneração derivada da prestação de trabalho, anulou a consequente liquidação adicional de IRS do ano de 2008.
Com o assim decidido não se conformou a Fazenda Pública, ora Recorrente, por entender que o local de trabalho determinado no contrato celebrado coincidia com o local onde o trabalhador prestou o serviço, inexistindo, portanto, deslocações. Acrescentando que faltavam muitos dos documentos justificativos de tais ajudas de custo, mormente os boletins itinerários.
A expressão «ajudas de custo», devidamente enquadrada no contexto laboral, significa que estamos perante montantes colocados à disposição do trabalhador para compensar os custos que este suportou ao serviço da entidade patronal. Estas importâncias não devem ser consideradas rendimento para efeitos tributários (e muito menos remuneração) porque não representam nenhum acréscimo patrimonial, destinando-se apenas a compensar gastos que afectam negativamente a esfera patrimonial do trabalhador e que devam ser imputados à sua actividade laboral e no interesse da sua entidade empregadora.
Na prática, porém, as coisas não se apresentam com tal linearidade. A dificuldade na determinação concreta dos custos elegíveis ou da sua comprovação conduz a que, muitas vezes, se convencionem atribuições patrimoniais fixas ou variáveis para compensar custos mais ou menos presumidos. E por vezes, o trabalhador faz a sua própria gestão de custos, poupando nas despesas e obtendo assim um rédito suplementar. Ora estas quantias, embora sejam justificadas com a ocorrência de custos ao serviço da entidade patrimonial, podem gerar verdadeiros acréscimos patrimoniais, na parte em que excedam os custos efectivamente suportados. E, assim sendo, as «ajudas de custo» podem conter verdadeiros rendimentos. Que, por apresentarem alguma conexão com a prestação do trabalho, cabem no conceito de remuneração acessória a que aludem a parte final do n.º 2 e a alínea b) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
Todavia, a tributação da totalidade das «ajudas de custo» nas situações descritas também coloca problemas delicados. Problemas, desde logo, relacionados com a desigualdade de tratamento dos trabalhadores que, pela natureza do seu trabalho ou das circunstâncias em que fosse prestado, não pudessem determinar em cada momento a componente do custo e a componente do ganho das ajudas. Problemas relacionados com objectivos sociais e económicos que, muitas vezes, se associam à atribuição destas quantias, que extravasam a relação laboral e que se entende dever estimular e proteger. Problemas relacionados com a capacidade de fiscalização concreta destas situações, o custo que lhes está associado e a sua proporção com o valor das receitas potenciais.
Razões de sobra para que o legislador abdicasse da tributação das eventuais vantagens económicas que trabalhador obtivesse em consequência do recebimento de tais quantias, desde que contidas num determinado limite quantitativo – artigo 2.º, n.º 3, alínea d), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Assim, na parte em que não excedam determinados limites, as «ajudas de custo» não são tributáveis, mesmo que delas derivem vantagens económicas para o trabalhador, porque a lei exclui essas quantias da incidência do imposto. Na parte em que esses limites são excedidos, porém, o legislador presume que o seu recebimento gerou um excedente patrimonial para o trabalhador (e que, por conseguinte, o custo efectivo não atingiu aquele montante), constituindo um rendimento suplementar enquadrável no conceito de remuneração acessória.
A que acresce um limite qualitativo: as «ajudas de custo» são tributáveis quando (ou na parte em que) não sejam observados os pressupostos da sua atribuição aos servidores do Estado.
Tudo isto, naturalmente, no pressuposto de que essas quantias sejam percebidas a título de «ajudas de custo». Nada impede, na verdade, a que sobre essa designação seja acordado entre trabalhador e empregador o pagamento de quantias que não se destinem verdadeiramente a compensar custos, mas a remunerar trabalho. Sendo que, em tal caso, não se pode sequer falar em ajudas nem em custos.
Em alguns casos, o legislador presume que as importâncias despendidas não têm conexão com as funções exercidas pelo trabalhador ao serviço da entidade patronal. São aqueles em que seja apurado que as importâncias atribuídas dizem respeito a despesas de deslocação, de viagens e de representação e não tenham sido prestadas contas até ao fim do exercício. Trata-se, porém – se bem vemos – de situações em que aquelas importâncias são provisionadas pela entidade patronal mas em que o trabalhador só tem direito ao valor dos custos efectivamente suportados com esse fim. – cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), de 13/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 00237/06.9BEBRG.
Vamos, então, transpor estes conceitos para a situação em análise:
No relatório inspectivo que sustenta a correcção que suportou a liquidação impugnada, os serviços de inspecção tributária constataram que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia e que os abonos em causa foram pagos de forma periódica e regular não dependendo de apresentação de despesas, nem tendo por objecto o reembolso das mesmas, concluindo que a quantia percebida pelo Recorrido marido a título de «ajudas de custo» seria de considerar como rendimento de trabalho dependente por se tratar de uma quantia fixa e regular paga aos funcionários que se encontravam a trabalhar no estrangeiro.
Ou seja, as quantias percebidas a título de «ajudas de custo» foram consideradas remunerações, não porque o seu recebimento tivesse excedido os limites qualitativos e quantitativos consignados na lei, mas porque o modo de atribuição (através de uma quantia periódica e regular) constituía indicador suficiente de que esta quantia não se destinava a compensar quaisquer custos, mas a atribuir uma remuneração mais compensadora a quem se dispusesse a trabalhar deslocado no estrangeiro.
Contudo, compulsado o contrato de trabalho celebrado entre o impugnante marido e a sua entidade empregadora, verificamos, na sua cláusula 4.ª, que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, obrigando-se a deslocar-se para qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, a fim de realizar a prestação de trabalho contratada. Resultando da decisão da matéria de facto (ponto 3.º) que a C... tem sede em Amora [Seixal]. Assim, embora o ponto 2 da cláusula 4.ª refira que no início da execução do contrato o impugnante se deslocará para as instalações da obra da S… s.r.I., em Southampton [Inglaterra], podendo a entidade empregadora a todo o tempo indicar outro local para a realização da prestação do trabalho, o certo é que o impugnante marido foi contratado para as oficinas sitas no local da sede da “C...”, em Amora, Seixal, obrigando-se, todavia, a efectuar todas as deslocações, dentro e fora do território nacional, necessárias para a execução das suas funções, com as correspondentes despesas a cargo da C... – cfr. cláusula 4.ª do contrato. Logo, da leitura do contrato não podemos concluir, como o fizeram os serviços inspectivos, que o impugnante marido foi contratado para exercer funções em diversos países da União Europeia.
Em eventual situação de destacamento, o contrato de trabalho clausula ainda que o ora impugnante receberá uma ajuda de custo mensal de valor a fixar de acordo com o local da obra, a que acrescerá uma ajuda de custo diária suplementar para transportes locais – cfr. ponto 4 da cláusula 4.ª.
Mas já vimos que do facto de a quantia paga ao trabalhador a esse título ser fixa e regular não decorre em si mesmo que seja retribuição. Circunstâncias relacionadas com a dificuldade de estimar a natureza e os montantes das despesas adicionais a que se sujeita quem está deslocado no estrangeiro, com a inexistência de estruturas administrativas para as processar ou outras vicissitudes, estão entre muitas possíveis razões para que entre a entidade patronal e os trabalhadores seja fixado um valor constante, correspondente aos custos que presumivelmente irão suportar.
Assim, o impugnante foi contratado para exercer funções em Amora/Seixal, sendo admissíveis as importâncias pagas como ajudas de custo, porque se deslocou para Inglaterra (Southampton) para exercer funções de serralheiro civil de 1.ª numa obra ao serviço da sua entidade empregadora.
Caberia, por isso, à administração tributária reunir outros indicadores que, por si só ou conjugadamente, suportassem a conclusão de que as quantias percebidas são consideradas remuneração de trabalho. Como decorre do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
Só que os serviços de inspecção tributária não reuniram ou não invocaram quaisquer outros indícios que suportassem essa conclusão. Consideraram os serviços de inspecção que tais importâncias não podem ser consideradas como ajudas de custo, mas como rendimento de trabalho dependente (categoria A), nos termos da alínea d) do n.º 3 do artigo 2.º do CIRS, uma vez, que, não foram observados os pressupostos previstos na Lei n.º 106/98 de 24 de Abril “Regime Jurídico do Abono de Ajudas de Custo e Transportes do Pessoal da Administração Pública” e no Decreto-Lei n.º 192/95 de 28 de Julho “Ajudas de Custo no Estrangeiro”.
O principal pressuposto para a atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado é a existência de deslocação do funcionário em serviço para local diferente do seu domicílio necessário e, na óptica da Administração Tributária, o seu domicílio necessário seria o local onde aceitou prestar o serviço.
Este raciocínio estaria correcto se o Recorrido marido tivesse sido contratado em Portugal para prestar serviço em Inglaterra. Mas não é isso que resulta do contrato a que aludem os pontos 4. a 7. dos factos provados. O que dali resulta é que o Recorrido marido foi contratado para prestar serviço em Portugal e aceitou trabalhar deslocado em qualquer um dos estabelecimentos ou obras em que a C... exerça ou venha a exercer a sua actividade, incluindo no estrangeiro. O centro da sua actividade funcional é nas oficinas de Amora/Seixal, sendo dentro ou fora do território português os locais onde aceitou deslocar-se para realização da prestação de trabalho, dependendo de onde a C... tinha obras e trabalhos adjudicados, por períodos que podiam ser mais ou menos longos.
De todo o exposto decorre que a administração tributária não reuniu indicadores suficientes de que o abono da quantia em causa não observava os pressupostos da atribuição de ajudas de custo aos servidores do Estado.
Contrapõe a Recorrente que da forma como as ditas ajudas vêm descritas se afere o seu carácter remuneratório, nomeadamente, por faltarem muitos documentos justificativos de tais ajudas de custo - o facto de não terem sido elaborados boletins de itinerário.
Adiante-se, porém, quanto às irregularidades dos boletins de itinerário que a Recorrente pretende valorar, que a lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes ao previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações.
Embora a qualificação da natureza das quantias recebidas por um trabalhador por conta de outrem tenha sempre subjacente um problema de prova, não é imprescindível a existência de boletins itinerários para a prova dos factos necessários à qualificação desses abonos como ajudas de custo - neste sentido, vejam-se os Acórdãos do TCA proferidos em 7/10/03, 13/05/03 e 12/12/03, nos Recursos nºs 466/03, 6910/02 e 898/03, respectivamente, e o Acórdão do STA proferido em 15/11/00 no Recurso n.º 25.481.
Como ficou dito neste acórdão do STA, «Não havendo qualquer exigência formal especial para prova da natureza de ajudas de custo de pagamentos efectuados a trabalhadores é admissível qualquer meio de prova, em conformidade com o preceituado no art. 134º do C.P.T. (e, presentemente, no art. 72.º da L.G.T. e 115.º do C.P.P.T.)».
Assim, para que os montantes em causa pudessem ser considerados ajudas de custo não era imprescindível o preenchimento de um boletim itinerário – cfr. Acórdão deste TCAN, de 14/09/2006, proferido no âmbito do processo n.º 111/02-Braga.
O que verdadeiramente releva no caso vertente é que o impugnante marido prestara serviço à sua entidade patronal, sediada em Portugal, em obra sita na Inglaterra, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho. E, efectivamente, mostra-se provado nos autos que o impugnante celebrou contrato de trabalho com a “C...”, para exercer a actividade profissional de serralheiro civil de 1ª, tendo, no âmbito desse contrato, exercido funções em várias obras, nomeadamente em Southampton (Inglaterra).
Portanto, independentemente da falta dos boletins itinerários, o que releva é que as despesas foram efectuadas ao serviço da entidade patronal e por causa desse serviço, e não vem alegado que excedessem o valor previsto no CIRS para efeitos de tributação em sede deste imposto.
Por fim, argumenta a Fazenda Pública perceber-se (dos Mapas de Pagamento – Resumo) que os montantes pagos ao Impugnante como sendo de ajudas de custo terem pressuposto a laboração em dias não úteis (31 dias em Julho, 29 dias em Outubro e 29 dias em Novembro, etc.) mas, estranhamente, não ocorrer qualquer pagamento pela prestação de trabalho suplementar naqueles meses.
Efectivamente, destinando-se as ajudas de custo a compensar o trabalhador por despesas suportadas em favor da entidade patronal por motivo de deslocações ao serviço desta, é normal e comum que a entidade patronal só pague esse abono diário durante os dias úteis, e já não em férias ou aos fins-de-semana, dias em que o trabalhador não presta serviço.
Todavia, o seu pagamento em dias não úteis não releva para descaracterizar aquela natureza de ajudas de custo. Podemos até dizer que o facto de o abono diário variar nalguns meses é até indiciador da existência de correspondência entre as despesas efectuadas e as quantias pagas, tendo de ser encarado, na ausência de outros elementos que apontem em sentido contrário, como um facto conatural e inerente à sua natureza compensatória daqueles abonos.
Em conclusão, aceite que estava, pela Administração Tributária, a efectividade da deslocação, a qual, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia-lhe demonstrar (ainda que através de factos indiciantes) que esse abono mensal e diário era totalmente independente das deslocações e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais das deslocações ao serviço da entidade patronal. O que não fez, já que não provou, minimamente, a inexistência de despesas normais ou, sequer, que elas fossem largamente inferiores às importâncias pagas para as compensar.
Razão por que a impugnação tinha de proceder, como procedeu, com fundamento no facto de a Administração Tributária não ter logrado convencer, como lhe competia, que as quantias pagas como “ajudas de custo” não estavam conexionadas com as comprovadas deslocações para a obra em Southampton ou, ainda, que excediam as despesas normalmente suportadas com tais deslocações, em termos de integrarem o conceito de retribuição.
Pelo que a sentença recorrida deve ser confirmada e ao recurso deve ser negado provimento.

Conclusões/Sumário

I - A característica essencial das ajudas de custo é o seu carácter compensatório, visando reembolsar o trabalhador pelas despesas que foi obrigado a suportar em favor da sua entidade patronal, por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço desta, e a inexistência de qualquer correspectividade entre a sua percepção e a prestação de trabalho.
II - Porque a lei exclui do conceito de rendimentos da categoria A para efeitos de IRS as ajudas de custo que não excedam os limites legais, tal como definidos para os servidores do Estado (cfr. artigo 2.º, n.º 3, alínea e), e 6, do CIRS), a tributação em sede de IRS dos montantes auferidos a título de ajudas de custo e que se compreendam dentro desses limites só pode ser sustentada se a Administração Tributária demonstrar a falta de verificação dos pressupostos para a atribuição desses montantes a esse título, o que lhe permitirá alterar a declaração de rendimentos (cfr. artigos 55.º, 74.º, n.º 1 e 75.º, n.º 1, da LGT).
III – É, portanto, sobre a Administração Tributária que recai o ónus de demonstrar que as quantias devidamente declaradas como ajudas de custo constituem retribuição.
IV - Consignando-se no contrato de trabalho que o local de trabalho era na sede da entidade patronal, em Portugal, as verbas pagas, por força das despesas com alojamento, alimentação e deslocação por exercício de funções em obras da entidade patronal localizadas no estrangeiro, poderão ser consideradas ajudas de custo para os efeitos atrás referidos, já que visarão compensar o trabalhador por despesas por si realizadas ao serviço da entidade patronal por motivo de deslocação do lugar habitual de trabalho.
V - Se o impugnante marido prestava serviço à sua entidade patronal (sediada em Portugal) em obras sitas no estrangeiro, isto é, que se encontrava deslocado do seu local de trabalho, deslocação que, segundo as regras da experiência comum, implica geralmente despesas, incumbia à Administração Tributária demonstrar, ainda que através de factos indiciantes, que o abono mensal (e diário) previsto no contrato celebrado era totalmente independente dessa deslocação e das inerentes e normais despesas, representando um ganho real para o trabalhador ou, pelo menos, que esse abono excedia as despesas normais da deslocação ao serviço da entidade patronal.
VI - O abono de quantias mensais fixas a título de ajudas de custo de trabalhador deslocado no estrangeiro não constitui, em si mesmo, indicador de que essas quantias não constituem ajudas de custo.
VII - Pelo que a Administração Tributária não demonstra que essas quantias não constituem ajudas de custo se, na informação que suporta as correcções respectivas, se limita a consignar que a quantia paga a título de ajudas de custo deve ser considerada como rendimento por ter sido paga em quantia fixa e regular.
VIII - A lei não exige a elaboração de boletins de itinerário semelhantes aos previstos para os funcionários do Estado para que as prestações efectuadas a trabalhadores por conta de outrem assumam a natureza de ajudas de custo ou, sequer, para que seja feita a prova da natureza dessas prestações, sendo admissível qualquer meio de prova em conformidade com o preceituado nos artigos 72.º da LGT e 115.º do CPPT.
IX - Destinando-se as ajudas de custo a compensar o trabalhador por despesas suportadas em favor da entidade patronal por motivo de deslocações ao serviço desta, é normal e comum que a entidade patronal só pague esse abono diário durante os dias úteis, e já não em férias ou aos fins-de-semana, dias em que o trabalhador não presta serviço. Todavia, o seu pagamento em dias não úteis não releva para descaracterizar aquela natureza de ajudas de custo, pois o facto de o abono diário variar nalguns meses é até indiciador da existência de correspondência entre as despesas efectuadas e as quantias pagas, tendo de ser encarado, na ausência de outros elementos que apontem em sentido contrário, como um facto conatural e inerente à sua natureza compensatória daqueles abonos.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.
Porto, 10 de Novembro de 2016.
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos
Ass. Fernanda Esteves