Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02227/18.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/11/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rosário Pais
Descritores:OPOSIÇÃO;
EFEITO SUSPENSIVO DA IMPUGNAÇÃO;
RESPONSABILIDADE PELAS CUSTAS;
Sumário:
I – O Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99 de 26.10., passou a prever, no nº 3 do seu artigo 103º, a possibilidade de a impugnação judicial ter efeito suspensivo, possibilidade mantida com as alterações produzidas pela Lei nº 15/2001 de 5.6., deslocando-se para o nº 4 do mesmo normativo e com a Lei nº 71/2018, de 31/12.

II - Na medida em que, a par desta novel faculdade, se manteve a previsão de ser possível a suspensão da execução, nos moldes positivados no artigo 169º CPPT, procedimento, inquestionavelmente, da competência e responsabilidade do órgão da execução fiscal, temos de conceder, desde já, ter sido intenção do legislador tributário o estabelecimento de dois institutos/regimes diferentes, com campos de aplicação e modos de processamento diversos, visando atingir finalidades, necessariamente, díspares, não totalmente coincidentes, apesar de patentearem o denominador comum da eficácia suspensiva, em ambos os casos decorrente da prestação ou existência de garantia idónea, adequada.
III - O artigo 103º, nº 4 CPPT, concede ao contribuinte a faculdade de pedir/ requerer ao tribunal tributário (e não ao órgão da execução fiscal ou qualquer outro da AT), competente para apreciar e decidir a impugnação judicial, que diligencie no sentido de quantificar o montante da garantia capaz de, sendo prestada por aquele, conferir efeito suspensivo ao concreto processo de impugnação em que é requerida.

IV - No que tange às repercussões de uma impugnação judicial deter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do normativo em apreço, importa ter presente que esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, desde que o processo impugnatório seja apresentado antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo objeto de impugnação.

V - Sem prejuízo de estar na disponibilidade do contribuinte/impugnante escolher o momento, do normal devir processual, em que pretende actuar o facultado efeito suspensivo da impugnação, tem de entender-se que, uma vez exercitada tal faculdade legal, deflagra um incidente a merecer imediata e privativa consideração, tratamento e decisão, por parte do tribunal competente, em ordem a salvaguardar todos os interesses daquele, no momento que escolheu para acionar o versado mecanismo de lei.

VI - Se o requerimento a solicitar a prestação de garantia for contemporâneo (integrando, eventualmente) da petição inicial do processo de impugnação judicial, impende sobre o tribunal tributário a obrigação de, previamente, antes de mais, providenciar pelos termos e diligências pertinentes para apreciação e decisão desse específico pedido e apenas quando decidido o incidente, no sentido de a impugnação ter efeito suspensivo ou não, empreender a normal tramitação do processo.

VII - Se o contribuinte/impugnante viu, por efeito da atuação omissiva do tribunal, postergados os seus direitos e foi confrontado com a prática de um ato (instauração da execução fiscal) que, não encerrando, em si, uma ilegalidade, consubstancia uma clara e necessária lesão dos seus interesses, enquanto sujeito passivo de uma relação jurídico-tributária, importa pôr-lhe cobro, abrindo a possibilidade de o tribunal decidir a impetrada prestação de garantia, no âmbito do processo impugnatório.

VIII - A responsabilidade da Fazenda Pública pelas custas do processo é objetiva pois, segundo o critério da causalidade, resulta do facto de ter decaído na ação (ou seja, da sua sucumbência), independentemente, portanto, de qualquer juízo sobre a sua responsabilidade pela instauração indevida da execução fiscal.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. A Exmª Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida em 7.08.2023 no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, pela qual foi julgada procedente a Oposição à execução fiscal nº ...98, que o Serviço de Finanças ... instaurou contra [SCom01...], Lda., para cobrança coerciva de dívida de IRS, do ano de 2014, no montante de € 16.134,16.

1.2. A Recorrente terminou as suas alegações formulando as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso tem por objeto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que julgou procedente a presente oposição judicial e, consequentemente, concluiu “ocorrer fundamento próprio para oposição, enquadrável na alínea i), do n.º 1, do artigo 204º do CPPT, proveniente da instauração e indevido desenvolvimento processual do processo de execução fiscal, o que acarreta a procedência da presente oposição”.
II. Sentença essa que, a nosso ver, e salvaguardado o devido respeito que a mesma nos merece, bem como salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, padece de erro de julgamento no que toca à apreciação e valoração dos factos relevantes para a boa decisão da causa e à concomitante aplicação das competentes normas legais. Vejamos:
III. Atalhando caminho, diremos que não nos conformarmos com o segmento da douta sentença aqui posta em crise na qual vem referido o seguinte:
(…) No caso dos autos, à data em que foi instaurada a execução fiscal, estava pendente um meio contencioso, conjuntamente com um requerimento de prestação de garantia, para a suspensão da execução fiscal. E, até ocorrer pronúncia sobre o requerimento de prestação de garantia apresentado na petição inicial da impugnação judicial, deveria a Exequente abster-se de quaisquer diligências tendentes ao desenvolvimento do procedimento de cobrança, incluindo a instauração de execução fiscal. Tal, não tendo sucedido, determina que o procedimento adoptado incida em ilegalidade determinativa da procedência da presente oposição.”
IV. Bem como, não pode concordar de todo ao ter, a final, determinado o seguinte: “A Exequente é responsável pelo pagamento das custas processuais, ao abrigo do disposto nos n.ºs 1 e 2, do artigo 527º do CPC ex vi alínea e), do artigo 2º do CPPT, nos termos do n.º 4, do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela II anexa ao mesmo Regulamento.”.
V. Ora, pese embora a decisão de extinção do processo executivo, à semelhança do que foi referido em sede de contestação, presta-se trazer à colação o consagrado no Acórdão n.º 06205/12, de 29.01.2013, do Tribunal Central Administrativo Sul, disponível em http://www.dgsi.pt/.
VI. Nomeadamente, o seu sumário, maxime, os pontos n.os:
“2. O efeito suspensivo da impugnação da liquidação, no caso de ser prestada garantia, nos termos dos nºs.1 a 5 e 9, do artº.199, do C.P.P.T., deve estar reportado à suspensão do processo de execução fiscal, tal pressupondo que o processo executivo já está instaurado (…)”;
“3. A tal conclusão se chega desde logo, porquanto, no cálculo do montante da garantia a prestar se devem levar em consideração somente vectores que pressupõem a instauração da execução fiscal (cfr.artº.199, do C.P.P.T.), como seja, o valor da dívida exequenda, o valor dos juros de mora até ao limite de cinco anos (juros de mora estes que somente se computam a partir do termo do prazo de pagamento voluntário da liquidação - cfr.artº.86, nº.1, do C.P.P.T.) e as custas devidas no processo de execução fiscal, que devem ser contadas até à data do pedido de prestação de garantia, sendo que nem todos estes elementos serão do conhecimento ou poderão ser calculados pelo Tribunal, designadamente as custas devidas no processo de execução fiscal.
“4. A consagração pelo legislador fiscal da possibilidade de prestação de garantia no âmbito do processo de impugnação, está sempre condicionada pela instauração prévia do processo de execução fiscal, atenta a necessidade de utilização dos critérios e termos constantes do citado artº.199, do C.P.P.T., na fixação do montante da garantia a prestar, normativo que pressupõe a existência do dito processo executivo e, por consequência, que já tenha ocorrido o termo final do prazo de pagamento voluntário do tributo em causa, pois que, só findo este prazo, é extraída certidão da dívida para efeitos de instauração de execução (cfr.artºs.88, nºs.1 e 4, e 162, ambos do C.P.P.T.).”
5.Também o elemento sistemático de interpretação vai no sentido de idêntica conclusão, porquanto, tanto as normas constantes da L.G.T. (cfr.artº.52), como do C.P.P.T. (cfr.v.g.169, 170, 183-A, 199), que consagram a possibilidade de prestação de garantia, pressupõem a instauração do processo de execução fiscal e a consequente suspensão deste, enquanto expressão do mencionado princípio constitucional da efectividade da tutela judicial.
“6. A competência para apreciação do pedido de dispensa de prestação de garantia cabe ao Órgão da Execução Fiscal, como resulta dos próprios termos do artº.170, do C.P.P.T. (cfr.artº.52, nº.4, da L.G.T.), e está em sintonia com a repartição de competências entre os Tribunais Tributários e Administração Fiscal que resulta dos artºs.149 e 151, do C.P.P.T. Na verdade, a regra que se extrai destas normas é a de que aos Tribunais Tributários estão reservadas as matérias de carácter jurisdicional, a apreciação de litígios entre os intervenientes processuais. A decisão sobre o pedido de dispensa de prestação de garantia, como a própria decisão sobre a sua idoneidade não configuram, à partida, qualquer litígio ou qualquer discordância, entre os sujeitos processuais, pelo que a intervenção do Tribunal só poderá ocorrer posteriormente, na sequência de uma eventual decisão de indeferimento do pedido de dispensa, o qual materialize antagonismo de posições sobre aquela pretensão”. (nossos destaques)
VII. E no texto corrido do douto Acórdão, é também referido: “De resto e salvo melhor opinião, antes da instauração do processo executivo o sujeito passivo de imposto não apresenta qualquer interesse digno de tutela que o legitime a deduzir um pedido de prestação de garantia visando a suspensão da executoriedade do acto tributário por excelência que é a liquidação”.
VIII. Em conclusão, no douto Acórdão defende-se que o pedido formulado ao abrigo do n.º 4 do artigo 103.º do CPPT, somente pode ser deduzido após a instauração de processo de execução fiscal, sendo competente para a sua apreciação o Órgão da Execução Fiscal, que não o Tribunal onde foi instaurado o respetivo processo de impugnação judicial.
IX. Ora, parece-nos que igual entendimento teve o Exmo. Senhor Juiz de Direito, no processo de impugnação 1809/18.4BEBRG, cujo objeto é a liquidação de IRS que deu origem ao processo executivo aqui em crise, já que da consulta aos autos do mesmo, é possível verificar que, em 19.09.2018, o mesmo proferiu um despacho referindo:
Por seu turno, dispõe o nº. 6 do artigo 199 do CPPT que a garantia é prestada pelo valor da quantia exequenda, juros de mora contados até ao termo do prazo de pagamento voluntário ou à data do pedido, quando posterior, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade (não será considerada para efeitos do cálculo a taxa de justiça paga e afeta a estes autos), acrescida de 25% da soma daqueles valores. Nesta conformidade, oficie o Serviço de Finanças ... para que indique o valor da garantia a prestar. Após, notifique a Impugnante para prestar a garantia pelo valor fixado, nos termos do 199º. do CPPT, junto daquele Serviço de Finanças, no prazo de 10 dias.” (Sublinhado nosso).
X. Ou seja, depreende-se do referido despacho, além da incompetência do Tribunal em apreciar o pedido que foi formulado pela Impugnante, que a prestação de garantia exige a prévia instauração do processo executivo, ao referir “…pelo valor da quantia exequenda”.
XI. E uma vez que o pedido formulado foi contemporâneo e simultâneo à impugnação judicial do ato tributário, o Tribunal reservou à Fazenda Nacional, para salvaguarda do cumprimento do preceituado no artigo 199.º do CPTA, a oportunidade da fixação do quantum para fixação da garantia.
XII. Não obstante o ante exposto, e caso não seja o entendimento perfilado por este Douto Tribunal superior, no caso concreto ocorre um facto, que determinou inevitavelmente a emissão da certidão de dívida e a consequente instauração do processo executivo.
XIII. Referimo-nos, pois ao desconhecimento da Autoridade Tributária e Aduaneira da apresentação do meio contencioso e do consequente requerimento de prestação de garantia, apresentado no último dia da data de pagamento da liquidação controvertida, no processo de impugnação 1809/18.4BEBRG.
XIV. Parece-nos pois, óbvio que, referir que se o Tribunal tivesse sido diligente na apreciação do aludido requerimento apresentado pela Oponente aquando da apresentação da impugnação judicial n.º 1809/18.4BEBRG, em 09.08.2018, eventualmente a prestação de garantia obstaria a que fosse instaurado o processo de execução fiscal.
XV. No entanto, para que tal ocorresse seria necessário que o órgão de execução fiscal tivesse conhecimento da apresentação da impugnação judicial e do pedido de prestação de garantia aí formulado.
XVI. Ora dos autos resulta, que não foi dado conhecimento à AT do respetivo meio contencioso nem do requerimento da apresentação de prestação de garantia em momento anterior à emissão da certidão e subsequente instauração da execução fiscal.
XVII. Em face do supra já mencionado, não restam dúvidas que, na situação concreta, o TAF de Braga, a que foi apresentada uma petição de impugnação judicial com pedido, incorporado, de prestação de garantia nos termos e para os efeitos do art. 103.º n.º 4 CPPT, proferindo o primeiro despacho no processo impugnatório apenas, decorrido mais de um mês, isto é, em 19.09.2018, descurou o tratamento imediato e decisão prévia, liminar, da pretensão em causa, como se lhe impunha.
XVIII. Neste cenário, a instauração do processo executivo, decorre igualmente do facto de o tribunal competente, para os termos do apresentado processo de impugnação judicial, se ter, ostensivamente, demitido da imposição do mesmo decorrente de deferir ou indeferir a requerida, pelo aí impugnante, prestação de garantia, suscetível de induzir eficácia suspensiva nesse processo, a qual, além do mais, seria capaz de impedir a instauração do presente processo de execução fiscal.
XIX. Deste modo, e ainda que o Douto Tribunal acompanhe o entendimento vertido na sentença aqui em apreciação e se considere que o presente processo executivo tenha sido indevidamente instaurado, face ao requerimento de prestação de garantia apresentado no processo impugnatório, adianta-se que não se pode concordar, de todo pela manutenção da decisão na responsabilização pelo pagamento das custas processuais por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, tal como foi decidido pelo Juiz “a quo”.
XX. Assim sendo, e não tendo sido dado conhecimento, à Autoridade Tributária e Aduaneira, antes do dia 20.09.2018 [data em que foi citada para contestar o processo de impugnação judicial n.º 1809/18.4BEBRG], do referido pedido de prestação de garantia, impera concluir que ao ter procedido, em 17.08.2023, à emissão de certidão de dívida e subsequente instauração do processo executivo aqui em causa, a mesma procedeu de acordo com as normas previstas.
XXI. Em suma, ao decidir como decidiu, a Mmo. Juiz do Tribunal “a quo” incorreu, a nosso ver e salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, em erro de julgamento, em matéria de facto e de Direito.
XXII. Devendo, em consequência, a douta sentença aqui posta em crise ser revogada, e substituída por douto acórdão que julgue a presente oposição judicial improcedente, com todas as legais consequências ou, em alternativa revogue a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira em custas – o que se requer.».

1.3. A Recorrido apresentou contra-alegações e requereu a ampliação do recurso, formulando as seguintes conclusões.
«I. QUESTÃO PRÉVIA: DA EXCEPÇÃO
2. No entanto, ainda que a Fazenda Pública pugne que a douta sentença recorrida padece de erro de julgamento no que toca à apreciação e valoração dos factos relevantes, a verdade é que a mesma não impugna nenhum dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo, nem propõe o aditamento de quaisquer factos novos que houvessem de ser levados ao leque da factualidade dada como provada em face da prova produzida nos autos, pelo que a Recorrente se limita a discordar da forma como o Tribunal a quo aplicou o direito aos factos dados como assentes nos autos, e o que se trata – apenas e só – de matéria de direito.
3. O que vale dizer que o presente recurso versa exclusivamente matéria de direito.
1. Tal como alegado nos artigos 2.º e 34.º das alegações de recurso da Fazenda Pública, esta Recorrente imputa à douta sentença recorrida erro de julgamento, em matéria de facto e em matéria de direito.
4. Assim sendo, a competência para o julgamento do presente recurso compete à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA), tal como preceituado no artigo 280.º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).
5. Tendo sido o presente recurso interposto e dirigido para o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), ocorre a excepção dilatória de incompetência absoluta do Tribunal ad quem, prevista no artigo 577.º, alínea a) do Código de Processo Civil (CPC), aplicável no processo tributário ex vi do artigo 2.ºalínea e) do CPPT, que expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
6. Por conseguinte, com salvaguarda do correspondente direito ao contraditório da Recorrente, deve o presente recurso ser remetido oficiosamente ao Tribunal competente, tal como decorre do disposto no artigo 18.º, nºs 1 e 4 do CPPT.
II. DO RECURSO
1. A Recorrida entende que a douta sentença posta em crise pela Fazenda Pública no recurso não merece qualquer censura, porquanto nela se faz uma correcta aplicação da lei e do direito.
2. Com base na factualidade das alíneas D) e G) dadas (e bem) como assentes pelo Tribunal recorrido, a douta sentença posta em crise pela Recorrente não podia, objectivamente, deixar de considerar que a controvertida execução fiscal foi instaurada na pendência de meio contencioso que impedia essa instauração imediata, ou seja, antes de o Tribunal apreciar e decidir o pedido de suspensão, como efectivamente assim sucedeu e é verdade.
3. Tal impedimento resulta do disposto no artigo 103.º, nº 4 do CPPT, na redacção vigente à data da instauração do meio contencioso acima identificado (09.08.2018), bem como à data da instauração da execução fiscal (17.08.2018), normativo legal que regula, precisamente, o modo e o local de apresentação da respectiva petição inicial, bem como os termos em que ocorre o efeito suspensivo requerido juntamente com a petição inicial (Atente-se na epígrafe do citado artigo 103.º do CPPT: “Apresentação. Local. Efeito suspensivo”).
4. Contudo, a Recorrente alega [Cfr. artigo 13.º das suas alegações], que o pedido formulado ao abrigo do n.º4 do artigo 103.º do CPPT somente podia ser deduzido após a instauração do processo de execução fiscal, chamando em auxílio da sua tese o douto Acórdão do TCAS de 29.01.2013, - Proc.º n.º 06205/12, disponível em www.dgsi.pt.
5. Para além de tal Acórdão não se reportar ao caso concreto em causa no âmbito da presente demanda, o Juiz está vinculado à Lei, e por esta vinculação constitucionalmente imposta (artigo 202.º, n.º 3 e 203.º da Constituição da República Portuguesa), o Juiz não poderá responder à procura de protecção que a Lei não conceda ou exclua.
6. No Acórdão em referência faz-se uma interpretação contra legem, tendo, por isso, de ser afastada.
7. Aliás, a interpretação sufragada no Acórdão em referência até poderá colher arrimo na actual redacção do artigo 103.º, nº 4 do CPPT, introduzida pela Lei nº 71/2018, de 31 de Dezembro (OE), com entrada em vigor a 01.01.2019, mas não na redacção vigente à data da apresentação do meio contencioso (09.08.2018) em referência nos autos, nem da instauração da execução fiscal controvertida (17.08.2018).
8. Deste modo, se o legislador teve de alterar o citado normativo legal para que o mesmo pudesse acolher aquele entendimento, defendido pela Recorrente, é porque tal entendimento não tinha cabimento na redacção anterior, aquela que foi aplicada – e bem – pela douta sentença recorrida de acordo com as regras de aplicação no tempo da lei fiscal sobre procedimento e processo, constantes do artigo 12.º, nºs 1 e 3 da LGT.
9. No caso dos autos, há que atentar ao que resulta da Lei, designadamente do citado artigo 103.º, n.º 4 do CPPT, na redacção vigente à data da instauração do meio contencioso acima identificado (09.08.2018), bem como à data da instauração da execução fiscal (17.08.2018).
10. Nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 103º do CPPT, na redacção aqui aplicável, anterior à introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 30 de Dezembro, a impugnação judicial tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias, após notificação para o efeito pelo tribunal.
11. O conjecturado no n.º 4, do artigo 103º do CPPT consubstancia uma faculdade dada ao contribuinte de requerer ao tribunal tributário competente para decidir a impugnação judicial que fixe o montante da garantia, de molde a atribuir efeito suspensivo a tal impugnação.
12. E, esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, quando a impugnação judicial seja apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo impugnado.
13. Resulta demonstrado nos autos, designadamente das alíneas B), D), E), G) e H) da matéria dada como provada, que a Oponente, aqui Recorrida, deduziu impugnação judicial antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo e incluiu, na própria petição inicial, requerimento para o efeito suspensivo mediante prestação de garantia, tendo o processo de execução fiscal, para cobrança do tributo impugnado, sido instaurado antes de ter sido proferido qualquer despacho/decisão sobre o requerido efeito suspensivo.
14. Nesta sequência, o processo de execução não podia ter sido instaurado, como foi.
15. Na tese defendida pela Recorrente é manifesta a confusão (pretendida?) entre a noção de suspensão da executoriedade do acto impugnado (liquidação do imposto) – que trava a execução do acto e, portanto, a instauração imediata da execução fiscal, e a noção de suspensão da execução – que trava os trâmites do processo executivo.
16. A requerida suspensão da impugnação, apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário, através de prestação de garantia, nos termos do n.º 4, do artigo 103º do CPPT, obsta a que seja instaurado o processo de execução fiscal e, no caso de ser deferido o efeito suspensivo, as respectivas consequências reportam-se à data em que foi apresentada a impugnação judicial.
17. A garantia prestada fora das circunstâncias supra referidas, e no âmbito do processo de execução fiscal, unicamente suspende os termos da execução fiscal a partir do momento da sua prestação, conservando intácteis os actos praticados até esse momento.
18. E nem se diga, como faz a Recorrente, invocando aresto jurisprudencial neste sentido, que “antes da instauração do processo executivo o sujeito passivo de imposto não apresenta interesse digno de tutela”.
19. Tal como defendido na douta sentença recorrida, que se sufraga integralmente e ser reitera, a própria instauração do processo de execução fiscal é já lesiva dos interesses da Oponente, na medida em que pode afectar a sua esfera patrimonial, nomeadamente, colocando em dúvida, perante terceiros, a sua credibilidade financeira (e, por essa razão e actuação contra legem da Fazenda Nacional, foi a Oponente forçada a prestar caução), assim como, com a citação, e por força dela, a Oponente foi chamada a exercer determinados direitos, iniciando-se com a sua concretização o prazo para o exercício dos mesmos, o que leva a um considerável esvaziamento do proveito da suspensão da execução requerida.
20. No caso dos autos, à data em que foi instaurada a execução fiscal, estava pendente um meio contencioso, conjuntamente com um requerimento de prestação de garantia, para a suspensão da execução fiscal.
21. E, até ocorrer pronúncia sobre o requerimento de prestação de garantia apresentado na petição inicial da impugnação judicial, deveria a Exequente abster-se de quaisquer diligências tendentes ao desenvolvimento do procedimento de cobrança, incluindo a instauração de execução fiscal, o que não fez.
22. Vem a Recorrente alegar que não teve conhecimento do meio contencioso em causa a tempo de evitar a instauração da execução, imputando ao Tribunal a quo “falta de diligência” (vide, artigos 19.º a 26.º das alegações) - Porém, tal argumentação, sem qualquer fundamento fáctico-legal, não pode proceder.
23. Tanto assim que, mesmo quando o OEF tomou conhecimento da existência de um impedimento à instauração imediata da execução fiscal (designadamente através da citação judicial) nada fez!
24. Vale dizer que, quando tomou conhecimento da existência de um impedimento à instauração imediata da execução fiscal, não agiu em conformidade e cumprindo com a Lei, designadamente, não procedeu à imediata extinção da execução ilegalmente instaurada, fixando o valor da garantia para que o Tribunal pudesse notificar a impugnante para a sua prestação, após o que determinaria o efeito suspensivo requerido.
25. Mas não foi isso que o OEF fez, tendo, outrossim, mantido a execução e citado a Recorrida, obrigando-a a prestar caução nessa execução para evitar a afectação da sua esfera patrimonial e credibilidade financeira.
26. Além de ter deduzido contestação à oposição deduzida pela Recorrida com tal fundamento na presente demanda.
27. Numa manifesta actuação inequivocamente reprovável e em violação dos deveres da legalidade, boa-fé, probidade, lealdade e cooperação com a realização da justiça.
28. Até ocorrer pronúncia sobre o requerimento de prestação de garantia apresentado na petição inicial da impugnação judicial, deveria a Exequente abster-se de quaisquer diligências tendentes ao desenvolvimento do procedimento de cobrança, incluindo a instauração de execução fiscal, pelo que, tal, não tendo sucedido, determina que o procedimento adoptado incida em ilegalidade determinativa da procedência da presente oposição, tal como assim doutamente decidido na sentença recorrida e que não merece qualquer censura.
29. Assim sendo, não há dúvidas que foi e é a Exequente quem deu causa à presente demanda, ao impor à aqui Recorrida a necessidade de instaurar a presente oposição, o que podia por aquela ter sido evitado, mas que nada fez.
30. Pelo que, à luz do preceituado nos n.ºs 1 e 2, do artigo 527º do CPC ex vi alínea e), do artigo 2º do CPPT, nos termos do n.º 4, do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela II anexa ao mesmo Regulamento, é a Exequente, aqui Recorrente, a responsável pelo pagamento das custas processuais.
31. E, por conseguinte, andou igualmente bem o Mm.º Juiz a quo ao condenar a Exequente no pagamento das custas nos termos em que o fez na douta sentença recorrida.
32. NESTES TERMOS, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a douta sentença recorrida.
III - DA AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
1. A Recorrida, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 636.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicável no processo tributário ex vi do artigo 2.º- alínea e) do CPPT, requer e exerce a faculdade plasmada no citado normativo legal, designadamente a ampliação do âmbito do recurso relativamente ao fundamento da acção em que a Autora/Recorrida decaiu, a título subsidiário e prevenindo a sua necessidade de apreciação em caso de procedência do presente recurso (que não se concede, nem se aceita e apenas se equaciona por cautela de patrocínio), designadamente à matéria da alegada inexigibilidade da dívida exequenda, questão que o Tribunal a quo julgou improcedente.
2. Com efeito, invocou nos autos a Oponente, aqui Recorrida, a inexigibilidade da dívida exequenda, argumentando, para o efeito, que juntou procuração no procedimento inspectivo, na qual se escreveu que se destinava a tal procedimento em curso e a actos subsequentes até à liquidação inclusive, porém a sua Ilustre Mandatária não foi notificada das liquidações resultantes daquele procedimento.
3. Embora o Tribunal recorrido não estivesse obrigado a conhecer desta questão pelo facto de ter julgado procedente o primeiro vício invocado, a verdade é que também dela conheceu, tendo-a julgado improcedente com base no seguinte entendimento extraído de aresto jurisprudencial:
[O] acto de liquidação adicional decorrente de procedimento de inspecção tributária em que tenha sido constituído mandatário tributário só tem legalmente de ser notificado ao contribuinte.
Os actos de liquidação praticados no seguimento de um procedimento de inspecção tributária em que tenha sido constituído mandatário tributário são actos intrinsecamente ligados àquele procedimento, mas que gozam de autonomia jurídico-procedimental em relação ao mesmo, uma vez que o procedimento de inspecção tributária termina com a assinatura do relatório final da inspecção, onde são sistematizados os factos detectados e sua qualificação jurídico-tributária, e o sancionamento superior das suas conclusões.
A referida autonomia jurídico-procedimental daqueles actos de liquidação adicional determina que a sua eficácia, nos casos em que tenha sido constituído mandatário tributário no âmbito do procedimento de inspecção tributária, dependa apenas de notificação dos mesmos segundo a regra geral da notificação dos actos tributários do artigo 36.º, nº 1 do CPPT, e não de notificação ao mandatário tributário nos termos do disposto no nº 1 do artigo 40.º do CPPT.
A falta dessa notificação não afecta a eficácia do acto de liquidação, nem pode, à luz do actual quadro legal, consubstanciar uma irregularidade.”
Perante a autonomia jurídico-procedimental do acto de liquidação adicional, não está a notificação de tal acto ao Mandatário abrangida pelo definido no nº 1 do artigo 40.º do CPPT, razão pela qual a sua falta não representa qualquer irregularidade” – Cf págs. 11/12 da sentença
4. Com todo o devido e merecido respeito por tal entendimento, a Recorrida considera que o Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação da lei e do Direito.
5. Na verdade, o Tribunal recorrido assentou a sua decisão no entendimento estabelecido pelo STA no douto Acórdão de 24.02.2021 – Procº nº 087/16.4BEFUN.
6. Porém, e com todo o devido e merecido respeito, a Recorrida considera que no citado aresto jurisprudencial o STA define o sentido interpretativo do quadro legal que rege a eficácia dos actos de liquidação sem correspondência na letra da lei, saltando à evidência uma preocupação do STA em “salvar” actos tributários ineficazes por imperícia da Administração Tributária.
7. A interpretação normativa tem de ter um mínimo de correspondência verbal na letra da lei (Cfr. artigo 2.º, nº 2 do C Civil), sem o que se colocará em risco o princípio da subordinação administrativa à Constituição e à lei (Cfr. artigo 266.º, nº 2 da CRP), bem como a protecção de direitos fundamentais de que depende o efectivo respeito do Estado pela dignidade da pessoa humana (Cf artigo 1.º da CRP), sem esquecer que a Justiça tem de ser imparcial (cega) procurando sempre dar a cada um o que é seu (ius suum cuique tribuendi).
9. Ora, como decorre da simples interpretação literal do artigo 40.º do CPPT , este normativo legal tem carácter imperativo – “são feitas”, não prevendo qualquer excepção, sendo aplicável nos procedimentos tributários (todos, no plural) portanto, também sem qualquer excepção, mesmo que estejam em causa actos de natureza pessoal, devendo, neste caso, ser avisado o interessado para comparecer em determinado local, a determinada data, sendo-lhe, ainda, informada a finalidade da comparência.
10. Portanto, face ao que se encontra expressamente previsto na lei, a pergunta que se impõe e coloca é a seguinte: como é possível entender que os mandatários possam estar fora da obrigação de notificação de um acto de liquidação, quando a AT tenha na sua posse uma procuração que lhes confere poderes para receber esse tipo de notificações, sem violar o disposto no artigo 40.º, n.º 1 do CPPT?
11. Por sua vez, o artigo 44.º do CPPT dá-nos a lista de todos os procedimentos tributários a que se refere o artigo 40.º do mesmo Código, que por sua vez, no seu conjunto, nos dão a noção de “procedimento tributário”, usando uma técnica legislativa tudo menos clara, que nos suscita duas questões:
Ou o procedimento tributário é uno, embora composto por vários sub-procedimentos;
Ou o procedimento tributário é fragmentário, constituindo cada um daqueles subprocedimentos um verdadeiro procedimento autónomo.
12. Se se entender que o procedimento tributário é uno, então uma qualquer procuração apresentada no início do procedimento será válida para todo o procedimento.
13. Quer isto dizer, que, neste caso, o mandatário constituído no início do procedimento tem de ser notificado de todos os actos do procedimento até que este se conclua com a emissão do acto final – a liquidação.
14. Se se entender que os sub-procedimentos do procedimento tributário têm carácter autónomo, então, duas novas questões se podem colocar:
Com tal entendimento não se estará a pôr em causa o princípio da eficiência do sistema fiscal, que impõe a simplificação dos procedimentos tributários a fim de permitir aos contribuintes uma maior facilidade no cumprimento das suas obrigações fiscais e o exercício das suas garantias impugnatórias ou não impugnatórias? Na verdade, este entendimento traduz-se numa complexidade inexigível e inaceitável, levando a uma proliferação de procurações todas iguais, destinadas a serem arquivadas na mesma sala do mesmo edifício ou Serviço Tributário – uma procuração para o procedimento inspectivo + uma procuração para o eventual procedimento de revisão + uma procuração por cada procedimento de liquidação -sendo que, nos casos em que a acção de inspecção abranja vários impostos de vários anos, estaremos a falar de dezenas de procurações todas iguais – porquê?
Verificando-se, como se verifica, que o procedimento de liquidação figura expressamente na lista de procedimentos referidos no artigo 44.º do CPPT, como é que se pode considerar que o procedimento de liquidação está excluído do âmbito do disposto no artigo 40.º do CPPT, que abrange todos os procedimentos, sem se violar este normativo legal?!
15. A Recorrida considera e pugna que o procedimento tributário é uno, porque é isso que decorre do texto legal.
16. Com efeito, a letra do artigo 44.º do CPPT não permite concluir que os sub-procedimentos que integram o procedimento tributário tenham ou devam ter carácter autónomo. Antes pelo contrário.
17. Sendo que, de acordo com os cânones da metodologia da interpretação, ou hermenêutica jurídica, a interpretação normativa não pode conduzir a soluções opostas ou contraditórias, como é manifestamente o caso.
18. Além disso, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete está obrigado a presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (Cfr. artigo 9.º, nº 3 do C Civil).
19. Portanto, se o legislador cria uma norma onde estabelece expressamente e de modo imperativo que havendo mandatário constituído em qualquer procedimento a notificação dos interessados nesse procedimento se fará na pessoa do mandatário (artigo 40.º do CPPT), não pode o intérprete, pura e simplesmente, afirmar que esta norma não tem aplicação no procedimento de liquidação porque, nesse caso, estaria o intérprete a incorrer numa interpretação contra legem!
20. Por outro lado, um tal entendimento, ao deixar a liquidação dos tributos fora do direito de representação limita o direito fundamental ao patrocínio judiciário consagrado no artº 20.º, nº 2 da Lei Fundamental.
21. Ao decidir como decidiu, nomeadamente ao considerar que somente a falta de notificação do acto de liquidação ao contribuinte, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 36º do CPPT, é que implica a ineficácia do mesmo acto, a douta sentença recorrida violou as normas constantes do artº 9.º, nº 3 do C Civil, artº 713.º do CPC, artº 36.º, nº 1 e artº 40.º, nº 1 do CPPT, artº 16.º, nº 1 da LGT, artº 77.º, nº 6 da LGT, artº 20.º, nº 2 e artº 268.º, nº 3 da CRP.
22. Razão pela qual a Recorrida considera que a douta sentença recorrida não fez uma correcta e justa interpretação e aplicação da lei e do Direito no que a esta concreta questão diz respeito, pelo que deve a mesma ser revogada e substituída por outra que declare a ineficácia do acto de liquidação ora em execução, com fundamento na falta de notificação na pessoa da mandatária e, consequente, decrete a extinção da execução fiscal – o que se requer, assim se fazendo inteira JUSTIÇA!».

1.4. A DMMP junto deste TCAN teve vista dos autos e emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso da Fazenda Pública, bem como da questão suscitada pela Recorrida na ampliação do recurso.
*
Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657º, nº 4, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 2º, alínea e), do CPTT, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao considerar que ocorreu indevida instauração e prosseguimento da execução fiscal; na procedência desta questão, haverá que apreciar se a sentença padece de erro ao considerar que não era necessária a notificação da liquidação à mandatária constituída.
Previamente, porém, cumpre apreciar se, como o refere a Recorrida nas suas contra-alegações, este TCAN é hierarquicamente incompetente para apreciar o presente recurso.

3. Da questão prévia
Nos termos do disposto nos artigos 26º, alínea b), e 38º, alínea a), do ETAF, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de fevereiro, e no artigo 280º, nº 1, do CPPT, a competência para conhecer dos recursos das decisões dos tribunais tributários de 1ª instância em matéria de contencioso tributário, compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quando os recursos tenham por exclusivo fundamento matéria de direito, constituindo uma exceção à competência generalizada dos Tribunais Centrais Administrativos, aos quais cabe conhecer «dos recursos de decisões dos Tribunais Tributários, salvo o disposto na alínea b) do artigo 26.º» (artigo 38º, alínea a), do ETAF). Note-se, porém, que por força da redação da dada pela Lei nº 118/2019, de 17/09, a previsão do artigo 280º, nº 1 do CPPT, passou a abranger apenas decisões de mérito.
Assim, para aferir da competência em razão da hierarquia do Supremo Tribunal Administrativo, em primeiro lugar, temos que estar face a uma decisão de mérito e, depois, há que olhar para as conclusões da alegação do recurso e verificar se, em face delas, as questões controvertidas se resolvem mediante uma exclusiva atividade de aplicação e interpretação de normas jurídicas, ou se, pelo contrário, implicam a necessidade de dirimir questões de facto, seja por insuficiência, excesso ou erro, quanto à matéria de facto provada na decisão recorrida, quer porque se entenda que os factos levados ao probatório não estão provados, quer porque se considere que foram esquecidos factos tidos por relevantes, seja porque se defenda que a prova produzida foi insuficiente, seja, ainda, porque se divirja nas ilações de facto que se devam retirar dos mesmos.
Percorridas as alegações do presente recurso, é possível constatar que existe controvérsia quanto às ilações de facto a retirar da factualidade assente em 1ª instância, especificamente quanto ao alegado desconhecimento, por parte da AT de que havia sido instaurado processo de impugnação, com pedido de prestação de garantia para lhe ser atribuído efeito suspensivo.
Resta, pois, concluir pela competência hierárquica deste TCAN para apreciar o presente recurso e improcedência da exceção suscitada.

4. FUNDAMENTAÇÃO
4.1. DE FACTO
4.1.1. Factualidade assente em 1ª instância
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«São os seguintes os factos provados:
A) A Oponente, em 17.05.2018, juntou procuração forense no âmbito do procedimento de inspecção tributária, decorrente das ordens de serviço n.ºs O1.......079 e O1........335, na qual consta, entre o mais, que “constitui sua bastante procuradora, DR.ª «AA», advogada, (…) A presente procuração é de carácter genérico e abrange a consulta ao processo individual; a intervenção em procedimento de inspecção; a formulação de pedidos de esclarecimento; a recepção de notificações e liquidações; a apresentação de petições, reclamações ou recursos e ainda a prática de qualquer acto de natureza procedimental ou processual.” (cf. doc. n.º 3 junto com a petição inicial – págs. 41 e 42 do Sitaf);
B) A Exequente, em 03.07.2018, entregou na caixa postal electrónica do ViaCTT da Oponente ofício intitulado “[D]EMONSTRAÇÃO DE LIQUIDAÇÃO DE RETENÇÃO NA FONTE DE IR”, liquidação n.º ...63, com valor a pagar de € 16.134,16, relativo ao ano de 2014, e com data limite de pagamento a 09.08.2018 (cf. págs. 47 a 50 do Sitaf);
C) A Exequente não enviou à Ilustre Mandatária da Oponente a liquidação referida na alínea B) (facto não controvertido);
D) Em 09.08.2018, a Oponente deduziu impugnação judicial contra a liquidação referida na alínea B), a qual correu termos neste Tribunal, com o n.º 1809/18.4BEBRG, tendo na respectiva petição inicial requerido a prestação de garantia com vista a “suspender (…) designadamente a instauração da execução fiscal”, formulando, quanto a esta pretensão, o seguinte pedido: “a) atento o requerimento da sociedade aqui Impugnante para o efeito, se digne determinar e ordenar a notificação das mesma para, no prazo legal, efectuar a prestação da garantia adequada, com respeito pêlos critérios e termos referidos no artigo 199.º, n.ºs 1 a 6 e 10 do CPPT, e uma vez concretizada, que seja atribuído efeito suspensivo à presente impugnação judicial, nos termos e ao abrigo do disposto 103.º, n.º 4 do CPPT” (cf. doc. n.º 2 junto com a petição inicial – págs. 12 e 40 do Sitaf e págs. 1 a 26 do processo n.º 1809/18.4BEBRG);
E) No processo n.º 1809/18.4BEBRG, em 19.09.2018, foi proferido o primeiro despacho, o qual admitiu a impugnação, ordenou a notificação da entidade impugnada para contestar e determinou a notificação do Serviço de Finanças ... para informar o valor da garantia a prestar (cf. pág. 293 do processo n.º 1809/18.4BEBRG);
F) Em 02.10.2018, o Serviço de Finanças ... juntou ofício ao processo n.º 1809/18.4BEBRG, no qual informa ter a Oponente prestado caução, em 24.09.2018, para suspensão do processo de execução fiscal n.º ...98 (cf. pág. 297 do processo n.º 1809/18.4BEBRG);
G) Em 17.08.2018, a Exequente extraiu a certidão de dívida n.º ...06, em nome da Oponente, referente à falta de pagamento de IRS, do ano de 2014, e respectivos juros compensatórios, no montante de € 16.134,16, tendo, na mesma data, instaurado contra a Oponente o processo de execução fiscal n.º ...98, para cobrança coerciva da mencionada dívida (cf. págs. 44 a 46 do Sitaf);
H) No âmbito do processo de execução fiscal n.º ...98, a Exequente, em 20.08.2018, entregou na caixa postal electrónica do ViaCTT da Oponente ofício, datado de 19.08.2018, constando no mesmo, além do mais, “[C]ITAÇÃOPESSOAL (…) Fica por este meio citado(a), nos termos dos artigos 189.º e 190.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), de que foi instaurado nesta Direção de Finanças o processo de execução fiscal à margem referido, para cobrança da dívida abaixo identificada.”, mais constando que a quantia exequenda, relativa a IRS, do ano de 2014, corresponde ao montante de € 16.134,16 e custas no valor de € 130,27 (cf. doc. n.º 1 junto com a petição inicial – pág. 11 do Sitaf e págs. 51 e 52 do Sitaf);
I) O processo de execução fiscal n.º ...98 encontra-se suspenso, por prestação de caução, em 24.09.2018 (cf. págs. 43, 54 e 55 do Sitaf).
*
Factos não provados:
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
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MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal alicerçou a sua convicção quanto aos factos provados na prova documental e no confronto da posição assumida pelas partes nos respectivos articulados.
A prova documental teve por base os documentos juntos aos autos e o processo de impugnação n.º 1809/18.4BEBRG, conforme referido a propósito nas alíneas do probatório.
No que concerne ao facto vertido na alínea C), considerou-se o mesmo assente por acordo, face à posição assumida pelas partes nos respectivos articulados, designadamente, no artigo 12º da petição inicial e no artigo 27º da contestação.».

4.2. DE DIREITO
4.2.1. Do efeito suspensivo da impugnação judicial
A Recorrente Fazenda Pública não se conforma com a decisão do Tribunal a quo por entender, em síntese resumida, que apenas pode haver prestação de garantia após a instauração da execução fiscal e, ainda que fosse de entender como o Tribunal recorrido, a AT desconhecia, por facto a si não imputável, a instauração da impugnação com pedido de efeito suspensivo.
Vejamos, antes do mais, a fundamentação jurídica que sustenta a sentença sob escrutínio:
«(…)
A cobrança coerciva das dívidas tributárias é concretizada através do processo de execução fiscal, estatuído nos termos dos artigos 103º da Lei Geral Tributária e 148º e seguintes do CPPT, competindo aos Serviços da Administração Tributária a instauração do mesmo e a prática dos actos a este respeitantes, excepto os actos jurisdicionais prenunciados no n.º 1, do artigo 151º do CPPT [cf. alínea f), do n.º 1, do artigo 10º do CPPT], ocorrendo tal instauração após a extracção da certidão da dívida, na sequência do não pagamento do imposto no prazo para o efeito (cf. n.ºs 1 e 4, do artigo 88º do CPPT).
Após a notificação da liquidação e findo o prazo de pagamento voluntário do imposto, a Administração Tributária goza do privilégio da execução prévia que só pode ser suspenso quando contestada a certeza e liquidez da dívida exequenda através de meios graciosos ou impugnatórios, e se for prestada a garantia que se encontra prevista no artigo 169º do CPPT.
Com efeito, a apresentação de um meio gracioso ou impugnatório contra o acto de liquidação não obsta à extracção da certidão de dívida quando passado o prazo para pagamento voluntário, e mesmo que ainda se encontre no início o prazo para impugnar administrativamente ou contenciosamente, bem como não impede a instauração da execução para cobrança coerciva da dívida, uma vez que a liquidação constitui um acto tributário que goza de definitividade, do que decorre o privilégio de execução prévia e, apesar de puder vir a ser sindicada mediante os meios próprios de reacção, estes só implicam a suspensão da execução quando a dívida se encontre garantida ou tenha sido concedida a sua dispensa.
Por outro lado, qualquer requerimento apresentado para prestar garantia tem a virtude de suspender o procedimento de cobrança e, caso ainda não esteja iniciada qualquer cobrança coerciva, esta não pode desenvolver-se até haver decisão sobre a garantia requerida.
Nos termos do disposto no n.º 4, do artigo 103º do CPPT, na redacção aqui aplicável, anterior à introduzida pela Lei n.º 71/2018, de 30 de Dezembro, a impugnação judicial tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias, após notificação para o efeito pelo tribunal.
O conjecturado no n.º 4, do artigo 103º do CPPT consubstancia uma faculdade dada ao contribuinte de requerer ao tribunal tributário competente para decidir a impugnação judicial que fixe o montante da garantia, de molde a atribuir efeito suspensivo a tal impugnação.
E, esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, quando a impugnação judicial seja apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo impugnado.
Noticia a factualidade assente que a Oponente, em 09.08.2018, apresentou impugnação judicial contra a liquidação n.º ...63, com valor a pagar de € 16.134,16, relativa a IRS, do ano de 2014, e com data limite de pagamento a 09.08.2018, tendo, na respectiva petição inicial, requerido a prestação de garantia com vista a obter o efeito suspensivo, sendo em tal processo impugnatório proferido o primeiro despacho em 19.09.2018, o qual, entre o mais, determinou a notificação do Serviço de Finanças ... para informar o valor da garantia a prestar [cf. alíneas B), D) e E) do probatório].
E, informam as alíneas G) e H) do probatório que foi extraída certidão de dívida, referente ao tributo impugnado, em 17.08.2018, dando origem, na mesma data, à instauração do processo de execução fiscal n.º ...98, a que se dirige a presente oposição, no âmbito do qual foi enviada citação à Oponente, em 20.08.2018.
Ou seja, a Oponente deduziu impugnação judicial antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo e incluiu, na própria petição inicial, requerimento para o efeito suspensivo mediante prestação de garantia, tendo o processo de execução fiscal, para cobrança do tributo impugnado, sido instaurado antes de ter sido proferido qualquer despacho/decisão sobre o requerido efeito suspensivo.
Nesta sequência, o processo de execução não podia ter sido instaurado, como foi.
Por outro lado, o facto de o processo de execução fiscal ter sido suspenso em 24.09.2018 [cf. alíneas F) e I) do probatório], não supre a ilegalidade da sua instauração.
Trata-se, na verdade, de duas realidades distintas, com diferentes resultados:
. a requerida suspensão da impugnação, apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário, através de prestação de garantia, nos termos do n.º 4, do artigo 103º do CPPT, obsta a que seja instaurado o processo de execução fiscal e, no caso de ser deferido o efeito suspensivo, as respectivas consequências reportam-se à data em que foi apresentada a impugnação judicial;
. a garantia prestada fora das circunstâncias supra referidas, e no âmbito do processo de execução fiscal, unicamente suspende os termos da execução fiscal a partir do momento da sua prestação, conservando intácteis os actos praticados até esse momento.
Ora, a própria instauração do processo de execução fiscal é já lesiva dos interesses da Oponente, na medida em que pode afectar a sua esfera patrimonial, nomeadamente, colocando em dúvida, perante terceiros, a sua credibilidade financeira, assim como, com a citação, e por força dela, a Oponente foi chamada a exercer determinados direitos, iniciando-se com a sua concretização o prazo para o exercício dos mesmos, o que leva a um considerável esvaziamento do proveito da suspensão da execução requerida.
No caso dos autos, à data em que foi instaurada a execução fiscal, estava pendente um meio contencioso, conjuntamente com um requerimento de prestação de garantia, para a suspensão da execução fiscal.
E, até ocorrer pronúncia sobre o requerimento de prestação de garantia apresentado na petição inicial da impugnação judicial, deveria a Exequente abster-se de quaisquer diligências tendentes ao desenvolvimento do procedimento de cobrança, incluindo a instauração de execução fiscal.
Tal, não tendo sucedido, determina que o procedimento adoptado incida em ilegalidade determinativa da procedência da presente oposição.».
Este TCAN já teve oportunidade de se pronunciar sobre a questão vem suscitada pela Recorrente Fazenda Pública, no acórdão de 27.03.2008, proferido no processo 01832/07.4BEPRT, cujo discurso fundamentador, com a vénia devida, aqui passamos a transcrever, na parte relevante, por com ele inteiramente concordarmos:
«Inovadoramente Com relação ao regime, imediatamente anterior, positivado no Código de Processo Tributário/CPT., o Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, aprovado pelo DL. 433/99 de 26.10., passou a prever, no n.º 3 do seu art. 103.º, a possibilidade de a impugnação judicial ter efeito suspensivo “mediante garantia adequada a solicitar, conceder e prestar nos termos do artigo 199.º”. Por efeito das alterações produzidas pela L. 15/2001 de 5.6., tal possibilidade manteve-se, deslocando-se para o n.º 4 do mesmo normativo e passando a estar sujeita a requerimento do contribuinte, devendo a garantia adequada, fixada com respeito pelos critérios e termos referidos no art. 199.º n.º 1 a 5 e 9 CPPT, ser prestada nos 10 dias seguintes à notificação, para o efeito, efectivada pelo tribunal.
Na medida em que, a par desta novel faculdade, se manteve a previsão de ser possível a suspensão da execução, nos moldes positivados no art. 169.º CPPT Correspondentes no essencial e sem encerrarem qualquer alteração relevante, de fundo, relativamente ao regime pretérito, inscrito no art. 255.º CPT., procedimento, inquestionavelmente, da competência e responsabilidade do órgão da execução fiscal, temos de conceder, desde já, ter sido intenção do legislador tributário o estabelecimento de dois institutos/regimes diferentes, com campos de aplicação e modos de processamento diversos, visando atingir finalidades, necessariamente, díspares, não totalmente coincidentes, apesar de patentearem o denominador comum da eficácia suspensiva, em ambos os casos decorrente da prestação ou existência de garantia idónea, adequada.
Versando, em particular, a previsão do art. 103.º n.º 4 CPPT, é tautológico afirmar estarmos em presença de uma faculdade concedida ao contribuinte de pedir, requerer, ao tribunal tributário (e não ao órgão da execução fiscal ou qualquer outro da AT), competente para apreciar e decidir a impugnação judicial, que diligencie no sentido de quantificar, de fixar, o montante da garantia capaz de, sendo prestada por aquele, conferir, outorgar, efeito suspensivo ao concreto processo de impugnação em que é requerida. Esta conclusão deriva de o normativo em apreço estabelecer que o requerimento para prestação de garantia seja formulado no âmbito do processo de impugnação judicial e, sobretudo, da previsão de que esta venha a ser prestada nos 10 dias seguintes à notificação, para tanto, concretizada pelo tribunal.
Já no que tange às incidências e repercussões de uma impugnação judicial deter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do normativo em apreço, importa, destacadamente, ter presente que esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, desde que o processo impugnatório seja apresentado antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo objecto de impugnação. Neste sentido, cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 4.ª Edição, Vislis, pág. 467.
Balizada, desta forma, a normatividade que emerge do art. 103.º n.º 4 CPPT, sem prejuízo de estar na disponibilidade do contribuinte/impugnante escolher o momento, do normal devir processual, em que pretende actuar o facultado efeito suspensivo da impugnação, tem de entender-se que, uma vez exercitada tal possibilidade, faculdade, legal, deflagra um incidente a merecer imediata e privativa consideração, tratamento e decisão, por parte do tribunal competente, em ordem a salvaguardar todos os interesses daquele, no momento que escolheu para accionar o versado mecanismo de lei. Logo, se o requerimento a solicitar a prestação de garantia for contemporâneo (integrando, eventualmente) da petição inicial do processo de impugnação judicial, impende sobre o tribunal tributário a obrigação de, previamente, antes de mais, providenciar pelos termos (…) pertinentes para apreciação e decisão desse específico pedido e apenas quando decidido o incidente, no sentido de a impugnação ter efeito suspensivo ou não, empreender a normal tramitação do processo, em princípio, com o ordenar da notificação do representante da Fazenda Pública, nos termos e para os efeitos do art. 110.º n.º 1 CPPT.
Assim se devendo actuar, para cumprimento da lei, em face do supra já mencionado, não restam dúvidas que, na situação julganda, o TAF do Porto, a que foi apresentada uma petição de impugnação judicial com pedido, incorporado, de prestação de garantia nos termos e para os efeitos do art. 103.º n.º 4 CPPT, descurou o tratamento imediato e decisão prévia, liminar, da pretensão em causa, como se lhe impunha. Ora, in casu, esta omissão de imediata e atempada pronúncia foi determinante, decisiva, para que, não se possibilitando a prestação da proposta garantia, a impugnação judicial fosse coberta, desde a data da respectiva apresentação, pelo almejado efeito suspensivo, o que seria fundamento, apoio, bastante para, como acima assentámos, impedir a extracção da certidão de dívida e sequente instauração do processo de execução fiscal, no âmbito do qual veio a ser proferido o despacho reclamado. Obviamente, não colhe, como se argumentou na sentença recorrida, atribuir a culpa do sucedido ao facto de o impugnante apenas em 25.5.2007 ter dado conhecimento ao órgão da execução fiscal da apresentação do processo de impugnação judicial. Esta comunicação podendo encerrar, por exemplo, os efeitos previstos no art. 169.º n.º 4 CPPT, jamais dispensava ou substituía a actuação imposta, por lei e vinda de caracterizar, ao tribunal receptor do processo de impugnação.
Neste cenário, o despacho sob reclamação, apesar de não desrespeitar, de forma directa, a previsão do escalpelizado art. 103.º n.º 4 CPPT, apresenta-se-nos, reflexamente, inquinado pelo facto de o tribunal competente, para os termos do apresentado processo de impugnação judicial, se ter, ostensivamente, demitido da imposição do mesmo decorrente de deferir ou indeferir a requerida, pelo aí impugnante, ora Rte, prestação de garantia, susceptível de induzir eficácia suspensiva nesse processo, a qual, além do mais, seria capaz de impedir a instauração do presente processo de execução fiscal. Deste modo, o contribuinte/impugnante viu, por efeito da actuação omissiva do tribunal, postergados os seus direitos e foi confrontado com a prática de um acto (a emissão do despacho reclamado) que, não encerrando, em si, uma ilegalidade, consubstancia uma clara e necessária lesão dos seus interesses, enquanto sujeito passivo de uma relação jurídico-tributária, à qual importa pôr cobro, abrindo a possibilidade de o tribunal decidir a impetrada prestação de garantia, no âmbito do processo impugnatório. Após, em função do que vier a ser decidido e produzido com relação a tal aspecto, impor-se-á retirar e actuar todas as implicações, designadamente, ao nível dos termos deste processo de execução fiscal, não se olvidando que, a existir efeito suspensivo, se têm de reportar as respectivas consequências à data em que foi apresentada a impugnação judicial.» - cfr. http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/E334BDDDABE59D4580257421006A8FC7.
Contrariamente ao que sugere a Fazenda Pública, mesmo após a redação dada ao nº 4 do artigo 103º do Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei nº 71/2018, de 31/12, continuam a existir os dois regimes de eficácia suspensiva da cobrança coerciva assinalados no acórdão transcrito, apenas se tendo eliminado a referência ao prazo de apresentação da garantia e à necessidade de a notificação para o efeito ser realizada pelo tribunal.
Mantém-se, por isso, inteiramente válido e atual o entendimento sufragado no aresto que vimos de citar e, por isso, não pode prevalecer o entendimento da AT, quer quanto à (im)possibilidade de atribuir efeito suspensivo à impugnação judicial apresentada antes do termo do prazo de pagamento voluntário, quer quanto às consequências da extração de certidão de dívida e instauração da execução fiscal, por desconhecimento da pendência de impugnação com pedido de atribuição de efeito suspensivo, reiterando-se aqui o que, quanto a esta matéria, ficou vertido no mencionado aresto.

Uma vez que a sentença recorrida também acolheu o entendimento que reputamos acertado, mais não resta do que confirmá-la e negar provimento ao recurso, nesta parte.


4.2.2. Da condenação em custas
Nas conclusões XVI e seguintes, a Recorrente Fazenda Pública sustenta, no fundo, que não lhe cabe a responsabilidade pela instauração indevida da execução fiscal e, por isso, não devia ter sido responsabilizada pelo pagamento das custas do processo.
De harmonia com a regra geral em matéria de custas, a decisão que julgar a causa condenará em custas a parte que a elas houver dado causa (nº 1 do artigo 527º do CPC), considerando-se dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for (nº 2 do preceito).
Esta regra geral de responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respetiva proporção – cfr. neste sentido Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, 2.ª edição, p. 46.
Assim, o primeiro critério a considerar para determinar a responsabilidade pelas custas é o do princípio da causalidade segundo o qual, suportará as custas a parte que lhes deu causa, entendendo-se por esta, de acordo com o princípio da sucumbência, a parte vencida ou as partes vencidas na proporção em que o forem. O critério subsidiário é o do princípio do proveito processual obtido.
A responsabilidade pelas custas do processo tem, por isso, uma base puramente objetiva plasmada, em regra, no princípio da sucumbência, ou seja, “paga as custas a parte vencida” (456º CPC/1939), expressão substituída pelo trecho “condena em custas a parte que a elas houver dado causa” (446º CPC/1961 e 527º CPC/2013), definida esta como “a parte vencida, na proporção em que o for” (446º/2 CPC/1961 e 527º/2 CPC/2013).
Nesta conformidade, a responsabilidade da Fazenda Pública pelas custas do processo é objetiva pois, segundo o critério da causalidade, resulta do facto de ter decaído na ação (ou seja, da sua sucumbência), independentemente, portanto, de qualquer juízo sobre a sua responsabilidade pela instauração indevida da execução fiscal.
Por consequência, improcede o recurso também nesta parte, sendo de manter a sentença recorrida, o que obsta ao conhecimento do recurso na parte ampliada pela Recorrida.
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Assim, preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I – O Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/99 de 26.10., passou a prever, no nº 3 do seu artigo 103º, a possibilidade de a impugnação judicial ter efeito suspensivo, possibilidade mantida com as alterações produzidas pela Lei nº 15/2001 de 5.6., deslocando-se para o nº 4 do mesmo normativo e com a Lei nº 71/2018, de 31/12.
II - Na medida em que, a par desta novel faculdade, se manteve a previsão de ser possível a suspensão da execução, nos moldes positivados no artigo 169º CPPT, procedimento, inquestionavelmente, da competência e responsabilidade do órgão da execução fiscal, temos de conceder, desde já, ter sido intenção do legislador tributário o estabelecimento de dois institutos/regimes diferentes, com campos de aplicação e modos de processamento diversos, visando atingir finalidades, necessariamente, díspares, não totalmente coincidentes, apesar de patentearem o denominador comum da eficácia suspensiva, em ambos os casos decorrente da prestação ou existência de garantia idónea, adequada.
II - O artigo 103º, nº 4 CPPT, concede ao contribuinte a faculdade de pedir/ requerer ao tribunal tributário (e não ao órgão da execução fiscal ou qualquer outro da AT), competente para apreciar e decidir a impugnação judicial, que diligencie no sentido de quantificar o montante da garantia capaz de, sendo prestada por aquele, conferir efeito suspensivo ao concreto processo de impugnação em que é requerida.
III - No que tange às repercussões de uma impugnação judicial deter eficácia suspensiva, por virtude da prestação de garantia nos termos e para os efeitos do normativo em apreço, importa ter presente que esse efeito suspensivo obsta à instauração de processo de execução fiscal, desde que o processo impugnatório seja apresentado antes do termo do prazo de pagamento voluntário do tributo objeto de impugnação.
IV - Sem prejuízo de estar na disponibilidade do contribuinte/impugnante escolher o momento, do normal devir processual, em que pretende actuar o facultado efeito suspensivo da impugnação, tem de entender-se que, uma vez exercitada tal faculdade legal, deflagra um incidente a merecer imediata e privativa consideração, tratamento e decisão, por parte do tribunal competente, em ordem a salvaguardar todos os interesses daquele, no momento que escolheu para acionar o versado mecanismo de lei.
V - Se o requerimento a solicitar a prestação de garantia for contemporâneo (integrando, eventualmente) da petição inicial do processo de impugnação judicial, impende sobre o tribunal tributário a obrigação de, previamente, antes de mais, providenciar pelos termos e diligências pertinentes para apreciação e decisão desse específico pedido e apenas quando decidido o incidente, no sentido de a impugnação ter efeito suspensivo ou não, empreender a normal tramitação do processo.
VI - Se o contribuinte/impugnante viu, por efeito da atuação omissiva do tribunal, postergados os seus direitos e foi confrontado com a prática de um ato (instauração da execução fiscal) que, não encerrando, em si, uma ilegalidade, consubstancia uma clara e necessária lesão dos seus interesses, enquanto sujeito passivo de uma relação jurídico-tributária, importa pôr-lhe cobro, abrindo a possibilidade de o tribunal decidir a impetrada prestação de garantia, no âmbito do processo impugnatório.
VII - A responsabilidade da Fazenda Pública pelas custas do processo é objetiva pois, segundo o critério da causalidade, resulta do facto de ter decaído na ação (ou seja, da sua sucumbência), independentemente, portanto, de qualquer juízo sobre a sua responsabilidade pela instauração indevida da execução fiscal.

5. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção de execução fiscal e de recursos contraordenacionais da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.
Custas a cargo da Recorrente, que aqui sai vencida, nos termos do artigo 527º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 11 de janeiro de 2024

Maria do Rosário Pais – Relatora
Ana Cristina Gomes Marques Goinhas Patrocínio – 1ª Adjunta
Cláudia Almeida – 2ª Adjunta