Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00144/09.3BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/23/2021
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Maria Fernanda Antunes Aparício Duarte Brandão
Descritores:PROCESSO PRÉ-EXPROPRIATIVO/CUMPRIMENTO DAS REGRAS/DUP/NÃO VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA FÉ - NÃO VIOLAÇÃO DA CONFIANÇA DOS PARTICULARES;
FALTA DE FUNDAMENTO PARA A ATRIBUIÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO;
Recorrente:M.
Recorrido 1:ESTRADAS DE PORTUGAL
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na secção de contencioso administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
RELATÓRIO
M. instaurou ação administrativa comum contra ESTRADAS DE PORTUGAL, S.A., ambas melhor identificadas nos autos, peticionando a condenação desta no pagamento da quantia de € 81.950,50, correspondente (i) € 52.212,50 à perda de rendimento durante os anos de 2003 a 2008 do prédio rústico denominado “Barreiros”, acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, (ii) € 5.000,00 referentes à quantia necessária a repor o prédio rústico “Barreiros” em condições de produzir produtos agrícolas, acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, (iii) € 3.750,00 referentes à perda de rendimento imposta pela plantação de nova vinha, (iv) € 17.000,00 referentes à perda de rendimento durante os anos de 2003 a 2008 do prédio rústico denominado “Mata do Barroco”, acrescidos de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, (v) € 2.200,00 referentes à quantia necessária a repor o prédio rústico “Mata do Barroco” em condições de produzir produtos agrícolas, acrescida de juros desde a citação até efetivo e integral pagamento, (vi) € 1.500,00 referentes à perda de rendimento imposta pela plantação de nova vinha, (vii) € 288,00 referentes às taxas de justiça e multas pagas pela Autora.
Por decisão proferida pelo TAF de Penafiel foi julgada improcedente a acção e absolvida a Ré do pedido.
Desta vem interposto recurso.
Alegando, a Autora formulou as seguintes conclusões:
1ª - A Autora e ora Recorrente instaurou a presente ação administrativa comum há mais de dez anos, peticionando a condenação da Ré e ora Recorrida, EP - Estradas de Portugal, E.P.E., hoje denominada “Infraestruturas de Portugal, S.A.”, no pagamento à Autora da quantia de € 81.950,50 euros, correspondentes à perda de rendimento durante os anos de 2003 a 2008 de dois prédios rústicos de que é dona e legítima possuidora, e da quantia necessária para repor aqueles prédios rústicos em condições de produzir produtos agrícolas.
2ª - Em 15/12/2003, a Recorrente foi notificada pela Recorrida através de carta registada do aviso de receção de que iria ser requerida a Declaração de Utilidade Pública, com caráter de urgência, da expropriação de uma parcela 96S com a área de 10.669 m2 a destacar do prédio “Barreiros” e de três parcelas, 96B, 96BS1 e 96BS2, com a área de 3031 m2, a destacar do prédio “Mata do Barroco”.
3ª - Tendo colaborado sempre com a Recorrida, decorridos 5 anos sem que esta a contactasse, requereu ao Tribunal Judicial de Lousada a avocação do processo de expropriação, tendo aí vindo a saber que, afinal, as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não tinham sido expropriadas e sendo condenada em
multas/custas processuais nos valores de € 96,00 e € 192,00;
4ª - Por ter sido notificada pela Recorrida em 15/12/2003 de que iriam ser expropriadas aquelas parcelas e que a Recorrida iria tomar posse administrativa dos terrenos, o que, aliás aconteceu após a vistoria ad perpetuam rei memoriam, a Recorrente foi obrigada a deixar de cultivar aqueles terrenos agrícolas.
- Em consequência de ter sido enganada pela Recorrida, que cinco anos depois a informou que, afinal, não ia expropriar aquelas parcelas, a Recorrida deixou de receber os proveitos que correspondiam ao cultivo daquelas parcelas, onde colhia uvas para fazer vinho (num total de 7 pipas por ano) e cultivava batatas, hortaliça e milho.
- Tendo ficado a vinha totalmente inutilizada em virtude de não ter sido podada, sulfatada e regada durante aquele período, para limpar o terreno, adquirir e plantar vinha nova, a Recorrente teria de despender também uma avultada quantia, sendo certo que a vinha nova só começaria a produzir ao fim
de três anos.
8ª - O comportamento da Recorrida, ao enganar a Recorrente em relação à expropriação daquelas parcelas, violou os princípios da justiça e da boa fé e o direito de propriedade da Recorrente, pelo que a Recorrida está obrigada a indemnizá-la dos prejuízos que lhe causou.
9ª - Independentemente da licitude ou não licitude do comportamento da recorrida, o artigo 9º do Decreto-Lei 48051 de 21 de novembro de 1967 (norma idêntica à do artigo 16º da Lei nº67/2007, de 31 de dezembro) estabelece que o
Estado e demais pessoas coletivas públicas são obrigados a indemnizar os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou
atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais
e anormais.
10ª - No decurso do processo houve uma perícia colegial que culminou com a elaboração de um relatório pericial e das respostas aos quesitos formulados, através de um documento que foi subscrito unanimemente pelos três peritos nomeados e que concluiu com toda a clareza que a Recorrente deixou efetivamente de cultivar aqueles terrenos quando foi notificada da expropriação
e da tomada de posse administrativa do terreno por parte da Recorrida e calculou de forma rigorosa a perda de rendimento que essa cessação da atividade de exploração agrícola gerou para a Recorrente.
11ª - O julgamento teve lugar no dia 5 de junho de 2014, tendo sido ouvidas as testemunhas cujos depoimentos se encontram gravados no CD que acompanha o presente recurso, as quais confirmaram por conhecimento pessoal direto, pois uma delas é irmão da Recorrente e vive no lugar onde se situam os terrenos e a outra era o Presidente da Junta de Freguesia de (...)à data da expropriação.
12ª - Passados mais de cinco anos após a data do julgamento foi proferida a sentença de que ora se recorre, por uma Senhora Juíza colocada no TAF de Penafiel para recuperar o atraso na decisão dos processos que, como este, se encontram pendentes há vários anos. Mas a verdade é que a situação deste processo é especialmente insólita, podendo mesmo considerar-se que configura uma violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva, na medida que é elaborada uma sentença de um processo cuja audiência de discussão e julgamento teve lugar há mais de cinco anos, presidida por um outro Senhor Juiz.
13ª - Decidiu, aquela Senhora Juíza, pela total improcedência da ação, numa sentença com a qual a Autora não se pode conformar e de que ora se recorre, quer quanto à decisão de facto quer quanto à decisão de direito.
14ª - A Meritíssima Juíza a quo não se coíbe de alterar o despacho saneador proferido nos autos e transitado em julgado, que considerou assentes os factos nele constantes e fixou a base instrutória, ainda ao abrigo do antigo Código de Processo Civil, chegando mesmo a afirmar que “foram dados como provados os factos resultantes de acordo das partes ou dados como assentes no despacho de 3.12.2009, com as limitações esclarecidas supra”, assim violando o disposto nos artigos 619º e 620º do atual Código de Processo Civil (idênticos aos artigos 671º e 672º do CPC de 1961).
15ª - Ao não considerar as respostas dadas unanimemente pelos Senhores Peritos aos quesitos 3º a 10º do objeto da perícia, a Senhora Juíza a quo violou o disposto no nº 5 do artigo 607º do CPC, visto que a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” e o juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação técnica, que não existe na sentença recorrida.
16ª - A sentença também andou mal no que respeita à apreciação da prova testemunhal, pelo que se requer aos Senhores Juízes Desembargadores a reapreciação da prova gravada e face às transcrições acima feitas da prova gravada e tendo também em conta as respostas aos quesitos 3ª a 10ª dadas pelos Senhores Peritos no seu relatório, a decisão da matéria de facto deve ser corrigida no sentido de considerar provados os factos 1 a 6 do elenco de Factos não provados da sentença, nos exatos termos do relatório pericial quanto ao valor do rendimento normal que a ora Recorrente obteria caso tivesse podido cultivar os terrenos como fazia habitualmente, após a notificação
que lhe foi feita pela Recorrida de que as parcelas em causa seriam expropriadas e até julho de 2008.
17ª - As testemunhas depuseram com autenticidade e conhecimento de causa, sobretudo o Presidente da Junta de Freguesia de (...) à data da expropriação, confirmando que os terrenos em causa eram cultivados pela Recorrente e que esta, não só deixou de os cultivar após o recebimento da notificação de expropriação como, depois da tomada de posse administrativa dos terrenos por parte da Recorrida e o início da obra, não teria possibilidade de os cultivar uma vez que o local ficou transformado em estaleiro, com máquinas a trabalhar e camiões a circular permanentemente nas imediações.
18ª – É discutível o enquadramento do caso no âmbito do Decreto-Lei n.º 48051, de 21 de novembro de 1967, aplicando as regras gerais da aplicação da lei no tempo, visto que o facto que está em causa é a ausência de informação prestada pela Recorrida à Recorrente de que não iria expropriar as parcelas em causa, corrigindo a notificação que lhe tinha sido feita a 15 de Dezembro de 2003, ausência de informação essa que se prolongou até julho de 2008, pelo que se trata de um facto continuado, sendo que, nesta data já se encontrava em vigor a Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.
19ª - Mas no que diz respeito ao caso presente, a questão da aplicação da lei no tempo não é determinante para a decisão porque as normas aplicáveis da lei nova e da lei antiga dispõem no mesmo sentido.
20ª – A sentença aplica mal o direito, pois apenas enquadra o caso no âmbito da responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito, concluindo que a administração não violou o princípio da boa fé.
21º - Como se encontra densificado em vários Acórdãos dos Tribunais superiores e, maxime, do Tribunal Constitucional, a Administração viola o princípio da boa-fé, previsto no nº 2 do artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, porque falta à confiança que despertou num particular e atua em desconformidade com aquilo que fazia antever o seu comportamento anterior ao notificar a Recorrente da expropriação em 15 de dezembro de 2003, tomar posse administrativa do terreno, iniciar e concluir a obra da auto-estrada e não tendo afinal procedido à expropriação, não comunicou à Recorrente que as parcelas em causa não iriam ser expropriadas até à data em que, cinco anos depois, foi obrigada pelo tribunal a fazê-lo em julho de 2008.
22º - O tribunal esqueceu-se também de enquadrar o caso no âmbito da responsabilidade civil por factos lícitos, aqui cometendo outro erro, por omissão
de pronúncia, em matéria de direito.
23ª - Independentemente da licitude ou não licitude do comportamento da Recorrida, o artigo 9º do Decreto-Lei 48051 de 21 de novembro de 1967 (norma idêntica à do artigo 16º da Lei nº67/2007, de 31 de dezembro) estabelece que o Estado e demais pessoas coletivas públicas são obrigados a indemnizar os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais, e não há dúvidas de que a conduta da Recorrida causou à Recorrente prejuízos que foram quantificados pelos Senhores Peritos e que têm de ser considerados especiais e anormais, visto que apenas as parcelas pertencentes à Recorrente foram inicialmente incluídas na área a expropriar ficaram a final fora da expropriação, tendo estado cerca de 5 anos à espera de ver decidido o seu destino sem poderem ser cultivadas pela Recorrida neste período.
24ª - A sentença proferida pelo TAF de Penafiel violou, pois, entre outras normas e princípios jurídicos, as seguintes disposições legais: artigo 2º, nº 1, do CPTA, artigos 607º, nº 5, 619º e 620º do CPC; artigo 266º, nº 2 da CRP, artigo 9º do Decreto-Lei 48051 de 21 de novembro de 1967 e artigo 16º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro.
25ª - Não tanto pelo alegado como pelo suprido deverão Senhores Juízes do Tribunal Central Administrativo Norte, revogar a decisão do tribunal a quo e substituí-la por outra que julgue a ação procedente, condenando a Recorrida a pagar à Recorrente uma indemnização cujo valor foi determinado pelos Senhores Peritos no Relatório Pericial, designado por Relatório de Arbitragem, que se encontra junto aos autos a fls., e inclui: a perda de rendimento durante os anos de 2003 a 2008 do Prédio Rústico denominado “Barreiros”; a quantia necessária para repor o Prédio Rústico denominado “Barreiros” em condições de produzir produtos agrícolas; a perda de rendimento imposta pela plantação da nova vinha neste prédio; a perda de rendimento durante os anos 2003 a 2008 do Prédio Rústico denominado “Mata do Barroso”; a quantia necessária para repor o Prédio Rústico denominado “Mata do Barroso” em condições de produzir produtos agrícolas; a perda de rendimento imposta pela plantação da nova vinha neste prédio; e as taxas de justiças e multas pagas pela Recorrente na avocação dos processos de expropriação; tudo acrescido de juros de mora, calculados à taxa supletiva legal, contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Assim se fará, JUSTIÇA.
A Ré juntou contra-alegações, concluindo:
I – A Recorrente pretende, com a presente ação, que se condene a Recorrida no pagamento de indemnização por não ter notificado aquela de que não iria ser declarada a utilidade pública das parcelas sobrantes das parcelas 96 e 96B da obra A11/IP9: Braga-Guimarães-IP4/A4-Sublanço Lousada (IC25) -EN15-IP4/A4.

II – Defende a Recorrente que por força da notificação da intenção de expropriação, a qual incluía as parcelas sobrantes, ficou convencida que a expropriação prosseguiria sobre as mesmas e, por via desse convencimento, absteve-se de cultivar as parcelas sobrantes o que lhe causou prejuízo, pois tal expropriação nunca veio a suceder.

III – Mais invoca que perante o silêncio da Recorrida (não notificação da desistência da expropriação das parcelas sobrantes) solicitou a avocação das parcelas sobrantes, tendo o tribunal indeferido aqueles pedidos, uma vez que a Recorrida informou que a expropriação não foi solicitada.

IV – Ora, é abundante a prova documental onde se demonstra que após a notificação de intenção de expropriação das parcelas sobrantes, a Recorrente foi notificada da DUP, bem como de outros documentos, tendo inclusive participado no procedimento, o qual restringiu a expropriação somente às parcelas 96 e 96B, com exclusão das parcelas obrantes.

V – Por isso, foi correto o entendimento do TAF de Penafiel quando considera que: nem sequer é objetivamente defensável como tal convicção perdurou até à resposta da R. nos processos 177/08.7TBLSD e 178/08.5TBLSD, quando representada por mandatário que podia e devia saber que o conteúdo do despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 26.02-2004, publicado no Diário da República 2.ª série, n.º 73 de 26 de março de 2004, que ele próprio referenciou nas petições, não abrangia aquelas parcelas

VI – Porém, e a título subsidiário, dir-se-á que decorrente daquele julgamento não podia o mesmo TAF dar como provado que:

15. A A. ficou a saber que as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não iriam ser objeto de expropriação aquando da resposta da R. nos processos 177/08.7TBLSD e 178/08.5TBLSD. (resposta ao quesito 21.º)

16. Tendo ficado, entre a data da notificação dos ofícios de 15.12.2003 e o momento referido no ponto anterior, a aguardar que a R. desse continuidade aos processos de expropriação das parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2. (resposta ao quesito 20.º)

VII – Acresce que, a notificação que alegadamente induziu em erro a Recorrente constitui ato preparatório, tal como a própria admite, sendo insuscetível de criar naquela uma confiança legítima na expropriação, muito menos de obrigar a Recorrida a expropriar, como se pretendeu no âmbito do processo de avocação.

VIII – Ao contrário do alegado pela Recorrente, nem a lei, nem a comunicação normal entre a administração e os cidadãos, ainda mais quando estes estão assessorados por mandatários e engenheiros, impõe àquela a notificação quanto à não prática de ato administrativo.

IX - Deste modo, ao julgar totalmente improcedente a ação, a sentença posta em crise não merece qualquer censura ou reparo, devendo ser mantida na íntegra porque nela se fez correta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito.

Nestes termos e nos mais de direito que suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Caso assim não se entenda, requer-se, a título subsidiário, que a matéria de facto provada nos pontos 15 e 16 seja declarada não provada, julgando-se totalmente improcedente a ação, com a consequente absolvição da Recorrida do pedido.
O MP, notificado ao abrigo do disposto no artigo 146º/1 do CPTA, não emitiu parecer.
Cumpre apreciar e decidir.
FUNDAMENTOS
DE FACTO

Na sentença foi fixada a seguinte factualidade:

1. Sob a Ap. 08/211101 da descrição predial n.º 01402/211101 encontra-se registado a favor da A. o direito de propriedade sobre o prédio rústico denominado “Cerrado da Boavista”, com a área de 4700m2, constituído por cultura com videiras, ramada e pastagem, sito no Lugar (…), concelho de Lousada, inscrito na matriz sob o artigo 38. - facto assente A, fls. 16 e ss. do suporte físico dos autos.

2. Sob a Ap. 08/211101 da descrição predial n.º 01038/211101 encontra-se registado a favor da A. o direito de propriedade sobre o prédio rústico denominado “Mata do Barroco”, com a área de 5900m2, constituído por cultura, pastagem e pinhal, sito no (…), concelho de Lousada, inscrito na matriz sob o artigo 36. - facto assente H, fls. 24 e ss. do suporte físico dos autos.

3. A A. cultivava os prédios referidos em 1. e 2. (resposta ao quesito 4.º e 13.º da BI).

4. Por ofício datado de 15.12.2003 foi a A. notificada pelo então Instituto das Estradas de Portugal que,

Sua Referência: Proc. Nº: Nossa Comunicação: 96.965-p Data: 15-12-2003
ASSUNTO: A11/IP9: Braga-Guimarães-IP4/A4
Sublanço Lousada (IC25) - EN15-1P4/A4
Expropriação da parcela n.° 96.965

O IEP - Instituto das Estradas de Portugal, por deliberação do Conselho de Administração, de 22/10/2003, vai requerer a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações necessárias à Obra da Concessão AENOR - Concessão Norte "A11/IP9: Braga-Guimaries-IP4/A4 – Sublanço Lousada (IC25) - EN15-IP4/A4".

Nos termos do disposto no n° 5 do Artigo 10° do Código das Expropriações, em conformidade com o respectivo projecto aprovado, comunica-se ser atingida a parcela em epígrafe, com a área de 10669 m2, assinalada na planta anexa, de que V. Exas. constam como proprietários, propondo-se a indemnização de Eur: € 131.549,00 assim discriminada:

Ø Terreno: 5000 x € 10,00 ------------------------------- € 50.000,00
Ø Terreno: 4469 x € 6,00 ------------------------------- € 26.814,00
Ø Terreno: 1200 x € 15,00 ------------------------------- € 18.000,00
Ø Benfeitorias vg ------------------------------------------ € 36.735,00
TOTAL: ----------------- € 131.549,00

Assim sendo, para eventuais esclarecimentos e conveniente instrução do respectivo processo de expropriação, solicita-se a comparência de V. Exas. nas "Instalações do Gabinete de Apoio às Expropriações, sitas na Junta de Freguesia de (…) - contacto: M. - Telefone: (...) ", no próximo dia 5 Janeiro, 2004 pelas 10h00m, devendo vir munido dos documentos de identificação de todos os co-proprietários (Bilhete de Identidade e cartão de contribuinte), e do prédio (Finanças/Registo Predial, Escrituras, etc...), ou outros julgados de interesse.

- fls. 19 do suporte físico dos autos, factos assentes B) e C).

5. Ao referido ofício foi anexada ficha de identificação da parcela 96, da qual resulta corresponder ao prédio identificado em 1. supra, e, bem assim, mapa parcelar na qual se mostram delimitadas as parcelas 96 e 96S. - facto assente D), fls. 19 e ss. do suporte físico dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

6. Por ofício datado de 15.12.2003 foi a A. notificada pelo então Instituto das Estradas de Portugal que,
Sua Referência: Prc: Nº Nossa Comunicação: 96B,96BS1,96BS2-p Data: 15-12-2003

ASSUNTO: A11/IP9: Braga-Guimarães-IP4/A4
Sublanço Lousada (IC25) - EN15-IP4/A4
Expropriação da parcela n° 96B, 96BS1, 96BS2


O IEP - Instituto das Estradas de Portugal, por deliberação do Conselho de Administração, de 22/10/2003, vai requerer a declaração de utilidade pública, com carácter de urgência, das expropriações necessárias à Obra da Concessão AENOR - ­Concessão Norte "Al1/IP9: Braga-Guimarães-IP4/A4 - Sublanço Lousada (IC25) - EN15-IP4/A4".

Nos termos do disposto no n° 5 do Artigo 10º do Código das Expropriações, em conformidade com o respectivo projecto aprovado, comunica-se ser atingida a parcela em epígrafe, com a área de 3031 m2, assinalada na planta anexa, de que V. Exas. constam como proprietários, propondo-se a indemnização de Eur: € 22.732,50 assim discriminada:

Ø Terreno: 3031 x €7,50 ------------------------------------------- € 22.732,50
TOTAL: ------------------- € 22.732,50


Assim sendo, para eventuais esclarecimentos e conveniente instrução do respectivo processo de expropriação, solicita-se a comparência de V. Exas. nas "Instalações do Gabinete de Apoio às Expropriações, suas na Junta de Freguesia (…) - contacto: M. - Telefone: (...)", no próximo dia 5 Janeiro, 2004 pelas 10h00m, devendo vir munido dos documentos de identificação de todos os co-proprietários (Bilhete de Identidade e cartão de contribuinte), e do prédio (Finanças/Registo Predial, Escrituras, etc...), ou outros julgados de interesse.

- fls. 27 do suporte físico dos autos, facto assentes I) e J).

7. Ao referido ofício foi anexada ficha de identificação da parcela 96B, da qual resulta corresponder ao prédio identificado em 2. supra, e, bem assim, mapa parcelar na qual se mostram delimitadas as parcelas 96B, 96BS1 e 96BS2 - facto assente K), fls. 19 e ss. do suporte físico dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

8. Em 2008 a A., através do seu mandatário, apresentou junto do Tribunal Judicial de Lousada petição, a que foi atribuído o número de processo 177/08.7TBLSD, requerendo a avocação do processo de expropriação referente à parcela 96S, alegando que por despacho n.º 6073-B/2004 do Secretario das Obras Públicas de 26.2.2004, publicado no Diário Da República 2.ª Série de 26.3.2004 foi declarada da utilidade pública da expropriação da parcela 96S e que em 15.12.2003 a A. foi notificada por oficio do então IEP do ato declarativo de utilidade pública da expropriação das parcelas, sem que a entidade expropriante em 4 anos tenha dado impulso ao processo de expropriação. - facto assente E), fls. 30 e ss. do suporte físico dos autos.

9. Na sequência dos ofícios de 15.12.2003 a A. ficou convencida que as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 iriam ser objeto de expropriação pela R. (resposta aos quesitos 2.º e 11.º da BI)

10. Tendo deixado de cultivar nos terrenos correspondentes às parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2. (resposta aos quesitos 3.º, 5.º, 12.º e 14.º da BI)

11. Em 5.1.2004 a A. deslocou-se ao Gabinete de Apoio às Expropriações onde reuniu com uma funcionária da R.. (resposta ao quesito 22.º).

12. Em 2008 a A., através do seu mandatário, apresentou junto do Tribunal Judicial de Lousada petição, a que foi atribuído o número de processo 178/08.5TBLSD, requerendo a avocação do processo de expropriação referente às parcelas 96BS1 e 96BS2, alegando que por despacho n.º 6073-B/2004 do Secretario das Obras Públicas de 26.2.2004, publicado no Diário Da República 2.ª Série de 26.3.2004 foi declarada a utilidade pública da expropriação das parcelas 96BS1 e 96BS2 e que em 15.12.2003 a A. foi notificada por oficio do então IEP do ato declarativo de utilidade pública da expropriação das parcelas, sem que a entidade expropriante em 4 anos tenha dado impulso ao processo de expropriação - facto assente M), fls. 33 e ss. do suporte físico dos autos.

13. Em 15.5.2008, no processo 177/08.7TBLSD, foi proferida decisão da qual resulta,

1. Iniciaram-se os presentes autos com a apresentação, por parte da Expropriada M. de um requerimento onde, dando conta da publicação em Diário da República da declaração de utilidade pública da expropriação de uma parcela identificada com o n.° 96S, onde pedia a avocação do correspondente processo expropriativo, invocando atrasos no seu prosseguimento.

2. Respondeu a Entidade Expropriante, afirmando que a aludida parcela constituiria a parcela sobrante da parcela 96, sendo que não foi publicada em Diário da República.

3. Foi proferido o despacho de fls. 33, onde se determinou que a Expropriada
identificasse cabalmente a parcela, a data da sua eventual declaração de utilidade pública e o Diário do República em que tivesse sido publicada.

4. A fls. 40 e seguintes, veio a Expropriada argumentar que havia sido notificada que o EP iria requerer, com carácter de urgência, a expropriação da aludida parcela. Mais referiu que, a partir daquela data, viu o seu direito de propriedade limitado, na expectativa da expropriação.
Terminou, pedindo que se consumasse a expropriação da parcela, determinando-se a evocação do processo.
Vejamos.
5. Dispõe o artigo 96.° do Código das Expropriações que nos casos em que, em consequência de disposição especial, o proprietário tem direito de requerer a expropriação de bens próprios, não há lugar à declaração de utilidade pública, valendo como tal, para efeitos de contagem de prazos, o requerimento a que se refere o n.° 3 do artigo 42.°.
O presente preceito legal dispensa, pois, a DUP nos casos em que lei especial confira expressamente aos particulares o direito de requererem a expropriação de bens próprios. Será, por exemplo, o caso em que o expropriação se destine a regularizar extremas indispensáveis à realização do aproveitamento previsto em plano de pormenor (artigo 130.° do DL n.° 380/99, de 22 de Setembro, alterado pelo DL n.° 53/2000, de 07/04).
6. No caso vertente, a Expropriada começou por invocar a publicação em Diário da República de uma DUP que não existiu para, depois, se refugiar no disposto no artigo 96.° do Código das Expropriações e assim requerer que fosse declarada a expropriação do parcelo 965.
Sem fundamento, no entanto.
É que, a terem existido danos, os mesmos terão que ser apurados em acção cível, onde será questionada a presença dos pressupostos da responsabilidade civil.
O que não se descortina é qualquer lei ou disposição legal que permita à Expropriada requerer, nos termos em que o fez, a final, a expropriação da parcela 965.
Assim, Indefere-se o pedido de avocacão.
Custas pelo incidente, fixados no mínimo legal, a suportar pela Requerente.
Registe e notifique.

- fls. 38 e ss. do suporte físico dos autos, factos assentes F) e G).

14. Em 16.5.2008, no processo 178/08.5TBLSD, foi proferida decisão da qual resulta,

A Fls. 2 veio a requerente M., requerer a avocação do respectivo processo de expropriação ao abrigo do disposto na alínea b) do n° 2 e no nº 3 do artigo 42° do código das Expropriações, aprovado pela Lei n°168/99, de 18 de Setembro, referente às parcelas 96BS1 e 96BS2.

A fls.10 veio a requerida EP- Estradas de Portugal SA alegar que tais parcelas sobrantes não foram sequer publicadas em DUP.

O processo de expropriação da parcela 9,1 encontra-se a correr termos nesse Tribunal, sob o n.° 627/06.7TBLSD - 1° Juízo, não tendo sido sequer requerido a expropriação das parcelas sobrantes 96S1 e 96S2.

Assim sendo, a avocação dos processos de expropriação das parcelas 96BS1 e 96BS2 mostra-se inútil, quer porque os mesmos não existem, quer porque, tratando-se de parcelas sobrantes da parcela 96B, cujo processo corre termos judicialmente, os expropriados não requereram a expropriação das mesmas.

A requerente notificada veio alegar que através do Oficio cuja cópia junta, datado de 15 de Dezembro de 2003, e com Referência "Lousada (IC25) - 1P4/A4-96B, 96BS1, 96BS2 a Expropriada foi notificada que o Instituto das Estradas de Portugal ia requerer, com carácter de urgência, a expropriação das Parcelas 96B, 96BS1 e 96BS2, tendo sido anexado àquele ofício a respectiva planta das parcelas em causa, cuja cópia também junta.

A partir da data em que recebeu o ofício acima mencionado, a Expropriada viu o seu direito de propriedade limitado em relação à totalidade da área abrangida pelas três parcelas 96B, 96BS1 e 96BS2.

E em relação às parcelas 96BS1 e 96BS2, o direito de propriedade da Expropriada ficou limitado até hoje, na expectativa da expropriação, pois a entidade expropriante nunca lhe comunicou que tinha desistido ou se tinha esquecido de requerer a declaração de utilidade pública para a expropriação daquelas duas parcelas.

Assim sendo, a resposta ora apresentada pela entidade expropriante, nos presentes autos, constitui uma violação dos princípios da justiça e da boa fé, previstos no n.° 2 do artigo 266° da Constituição da República Portuguesa.

Se as duas parcelas em questão não fossem efectivamente expropriadas, a benefício do engano, mudança súbita de ideias ou incompetência da entidade expropriante, estaríamos perante uma grave violação do direito de propriedade da expropriada, tal como este se encontra consagrado nos n°s 1 e 2 do artigo 62° da Constituição da República Portuguesa.

Em consequência da conduta da entidade expropriante, acima descrita, e das normas constitucionais acima citadas, parece-nos, pois, que a Expropriada tem o direito de requerer que a expropriação daquelas duas parcelas se consume efectivamente, sem necessidade de declaração de utilidade pública, valendo como tal e para efeitos de contagem de prazos, o presente requerimento, tudo nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 96° do Código das Expropriações, aprovado pela Lei n° 168/99, de 18 de Setembro.


***

Cumpre apreciar.

O disposto no art° 96º refere que "Nos casos em que, em consequência de disposição especial, o proprietário tem o direito de requerer a expropriação de bens próprios, não há lugar a declaração de utilidade pública, valendo como tal, para efeitos de contagem de prazos, o requerimento a que se refere o n.° 3 do artigo 42º.

Invoca a requerente tal preceito para valer como impulso do processo de expropriação o seu requerimento nos termos do art° 42, n° 3.

Não lhe assiste, contudo, razão.

Com efeito, tal normativo legal não tem aplicabilidade no caso em apreço.

O art° 96º do CE apenas se aplica aos casos em que haja uma disposição legal que permita ao proprietário requerer a expropriação do seu bem.

Será esse o caso v.g. da Lei n.° 107/2001, de 8 de Setembro, que estabelece as bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, prescreve no seu artigo 20.°, sob a epígrafe «Direitos especiais dos detentores», «Os proprietários, possuidores e demais titulares de direitos reais sobre bens que tenham sido classificados gozam, entre outros, dos seguintes direitos específicos: e) O direito de requerer a expropriação, desde que a lei o preveja.»

Também o art° 130.° do Decreto-Lei n.° 380/99, de 22 de Setembro, que estabelece o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial, publicado no Diário da República, n. ° 222/99, Série 1-A, de 22 de Setembro de 1999, e que determina no sentido de "os proprietários podem exigir a expropriação por utilidade pública dos seus terrenos necessários à execução dos planos quando se destinem a regularização de estremas indispensável à realização do aproveitamento previsto em plano de pormenor. ".

Ora, como se constata nenhuma disposição legal permite à requerente dar início ao processo de expropriação.

É certo que tendo havido uma comunicação da requerida de intenção de expropriar e, contudo, tal não veio a suceder e tão pouco a DUP foi publicada, tal poderá eventualmente configurar um caso de responsabilidade extracontratual e como tal terá a requerente direito a ser indemnizada, mas tal terá de ser apreciado em sede de acção declarativa.

E é nosso entendimento que, caso apenas agora tomou conhecimento a requerente que não foi publicada qualquer DUP e inexiste processo de expropriação, o prazo de prescrição do seu direito apenas agora se iniciou com a sua tomada de conhecimento, e mesmo as custas que venha a pagar no presente incidente, serão indemnizáveis.

Todavia, no caso em apreço, não existindo DUP não poderá haver processo de expropriação, razão porque terá de improceder o pedido de avocação de processo de expropriação.

Custas pela requerente.


- fls. 44 e ss. do suporte físico dos autos, factos assentes N) e O).

15. A A. ficou a saber que as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não iriam ser objeto de expropriação aquando da resposta da R. nºs processos 177/08.7TBLSD e 178/08.5TBLSD. (resposta ao quesito 21.º)

16. Tendo ficado, entre a data da notificação dos ofícios de 15.12.2003 e o momento referido no ponto anterior, a aguardar que a R. desse continuidade aos processos de expropriação das parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2. (resposta ao quesito 20.º)

17. A A. foi notificada, no âmbito do processo 178/08.5TBLSD, para efetuar o pagamento da conta de custas, abrangendo apenas taxa de justiça, no valor de € 192,00. - fls. 44 e 45 do p.a.

18. As parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não foram ocupadas ou alvo de intervenção pela R., designadamente no âmbito da construção da autoestrada A11/IP9: Braga - Guimarães - IP4/A4 - Sublanço Lousada (IC25) - En 15 - IP4/A4. (resposta ao quesito 23.º).

19. Atualmente os terrenos correspondentes às parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 encontram-se abandonados, cheios de silvas e mato, (resposta aos quesitos 6.º e 15.º da BI)

20. Não retirando a A. qualquer rendimento da exploração agrícola dos referidos terrenos. (resposta aos quesitos 7.º e 15.º da BI)

21. A vinha existente nas parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não detém capacidade produtiva. (resposta aos quesitos 8.º e 16.º da BI)

22. Para repor o terreno e a vinha da parcela 96S em condições de produzir a A. terá que arrancar a vinha existente, proceder à limpeza do terreno e plantar nova vinha, com que despenderá, respetivamente, € 750,00, € 500,00 e € 3.750,00, num total de € 5.000,00. (resposta ao quesito 9.º da BI).

23. Para repor o terreno e a vinha das parcelas 96BS1 e 96BS2 em condições de produzir a A. terá que arrancar a vinha existente, proceder à limpeza do terreno e plantar nova vinha, com que despenderá, respetivamente, € 450,00, € 250,00 e € 1.500,00, num total de € 2.200,00. (resposta ao quesito 17.º da BI).

24. Serão precisos três anos após a plantação da nova vinha nas parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 para que estas deem a sua primeira colheita. (resposta aos quesitos 10.º e 18.º da BI).

Mais se provou que,

25. Por ofício remetido por correio registado com aviso de receção em 15.4.2004 a A. foi notificada da declaração de utilidade pública da expropriação da parcela 96B por despacho do Secretario de Estado das Obras Públicas de 26.2.2004, publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 73 de 26 de Março, da autorização para posse administrativa e da data para a vistoria. - fls. 348 e 349 do suporte físico dos autos.

26. Por ofício remetido por correio registado com aviso de receção em 10.5.2004 a A. foi notificada do relatório de vistoria ad perpetuam rei memoriam da parcela 96B.- fls. 342 e ss. do suporte físico dos autos.

27. Por ofício remetido por correio registado com aviso de receção em 25.5.2005 a A. foi notificada da realização de arbitragem quanto à a parcela 96B.- fls. 325 e ss. do suporte físico dos autos.
Em sede de factualidade não provada o Tribunal consignou:


Dos factos com interesse para a decisão da causa não se provaram os que não constam dos pontos acima expostos, designadamente os seguintes:
1. No terreno correspondente à parcela 96S a A. cultivava vinha, batatas, hortaliça e forragens - (ponto 4.º da BI)
2. Colhendo anualmente cinco pipas de vinha, 25.000kg de batatas, 30.000kg de hortaliça, 7500kg de milho e 30.000kg de forragens - (ponto 4.º da BI)
3. Que comercializava obtendo, deduzidos os custos de produção de 50% no vinho, batatas, hortaliças e milho e 30% nas forragens, rendimentos nos montantes € 1250,00 para o vinho, € 3125,00 as batatas, € 4500,00 a hortaliça, € 937,50 o milho e € 630,00 as forragens. - (ponto 4.º da BI)
4. No terreno correspondente às parcelas 96BS1 e 96BS2 a A. cultivava vinha, batatas, hortaliça e forragens - (ponto 13.º da BI)
5. Colhendo anualmente duas pipas de vinho, 7500kg de batatas, 10.000kg de hortaliça, 2500 kg de milho e 10.000kg de forragens - (ponto 13.º da BI)
6. Que comercializava obtendo, deduzidos os custos de produção de 50% no vinho, batatas, hortaliças e milho e 30% nas forragens, rendimentos nos montantes de € 500,00 para o vinho, € 937,50 as batatas, € 1.500,00 a hortaliça, € 312,50 o milho e € 150,00 as forragens. - (ponto 13.º da BI)
7. Após Dezembro de 2003, a R. comunicou à A. que, não obstante a comunicação dos ofícios de 15.12.2003, não iria dar continuidade ao processo de expropriação das parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2, requerendo a declaração de utilidade pública da expropriação. (ponto 19.º da BI)
8. Na reunião ocorrida em 2004 foi pela R. explicado à A. o processo expropriativo e apresentados diversos elementos do projeto de expropriações, nomeadamente a respetiva ficha de avaliação e a faculdade de optar, ou não, pela expropriação das parcelas sobrantes, incluindo a 96S, 96BS1 e 96BS2. (ponto 22.º da BI)
9. A A. foi condenada ao pagamento de multas nos processos 177/08.7TBLSD e 178/08.7TBLSD nos montantes, respetivamente, de € 192,00 e € 96,00.
10. A A. pagou as multas em que foi condenada nos processos 177/08.7TBLSD e 178/08.7TBLSD nos montantes, respetivamente, de € 192,00 e € 96,00. (ponto 1.º da BI)
11. A A. pagou as custas em que foi condenada nos processos 177/08.7TBLSD e 178/08.7TBLSD nos montantes, respetivamente, de € 192,00 e € 96,00.
E, em sede de motivação da factualidade tida por assente e não assente, o Tribunal explicou:
Como ponto prévio, considerando a entrada em vigor, já após a elaboração do despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória, mas antes da realização da audiência final, da revisão ao Código de Processo Civil decorrente da Lei 41/2013 que passou a prever no art. 410.º do CPC que a instrução tem por objeto os temas de prova, a presente decisão da matéria de facto feita na sentença à luz do art. 607.º, n.º 4 do CPC, seguindo a linha orientadora do despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória, fá-lo na conjugação do mesmo com o disposto nos arts. 410.º e 596.º do CPC e arts. 5.º, 411.º, 413.º e 415.º do CPC.
Nessa medida, e também de forma a permitir uma adequada formulação e conjugação da factualidade relevante à decisão da causa, foram introduzidas modificações na redação da matéria de facto (quando por correspondência ao despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória), motivadas de acordo com o elemento probatório em que se fundaram e considerando a prova que serviu de base à formação da convicção do Tribunal, e aditados factos que resultaram da discussão da causa, objeto de contraditório, e necessários à decisão.
Do mesmo modo, foram extraídos da redação os juízos conclusivos e a matéria de direito que, em determinados pontos, se detetaram no despacho que foi elaborado em 3.12.2009 e, bem assim, factualidade que foi dada como assente quando o facto em causa carece de prova documental. Com relevância, foram eliminados:
- Nos pontos A e H da matéria de facto assente a matéria referente a “dona e legítima proprietária” mais não é que a conclusão de direito resultante da factualidade que serve de base à demonstração da propriedade e que, no caso, resultará da presunção decorrente do registo, sendo certo que da certidão predial junta resulta que o prédio “Barreiros” se denomina na realidade “Cerrado da Boavista”;
- Quanto aos factos assentes F) e G), N) e O), P) e Q) tratando-se de matéria que apenas pode ser provada por documentos, apenas se pode considerar aquilo que resulta da prova documental junta aos autos. Nessa medida, quanto ao desenvolvimento dos processos judiciais de avocação apenas se poderia considerar o teor da decisão judicial proferida e conta junta aos autos, razão pela qual se considerou do probatório o teor das mesmas. E o certo é que dos documentos não se pode extrair o que foi dado como assente quer porque não consta que a ali Ré tenha dito que as parcelas não existiam e que tinha resolvido não requerer a DUP - mas apenas que as parcelas não foram publicadas em DUP -, como é manifesto que não resulta a condenação da A. em multas nos dois processos judiciais, antes em custas, apenas resultando a notificação para pagamento das custas no processo 178/08.5TBLSD (daí se dando como não provados os factos não provados nos pontos 9 a 11).
A matéria de facto provada resultou da conjugação dos elementos documentais juntos aos autos com as declarações da A. e o depoimento das testemunhas ouvidas. Mais foram dados como provados os factos resultantes de acordo das partes ou dados como assentes no despacho de 3.12.2009, com as limitações esclarecidas supra.
A prova documental foi valorada em concordância com o disposto nos arts. 362.º e ss. do CC, concretamente o art. 376.º do CC, na medida em que não vieram impugnados, dando-se conta da sua relevância para a demonstração do facto no respetivo ponto do probatório.
Foi, ainda, valorada positivamente a prova pericial realizada na medida em que, pela sua concretização e clareza, não suscitou ao Tribunal razões que levassem ao afastamento das conclusões ali alcançadas, mas apenas na medida em que as respostas incidiam sobre aquilo que é efetivamente objeto de prova pericial. Com efeito, é sabido que a perícia traduz-se na perceção, por meio de pessoas idóneas para tal efeito designadas, de quaisquer factos presentes, quando não possa ser direta e exclusivamente realizada pelo juiz, por necessitar de conhecimentos científicos ou técnicos especiais (cf. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, reimpressão, p. 262). Acrescente-se que não obstante a produção de prova pericial comportar em regra um juízo de valoração e apreciação de factos a realizar pelo perito, a mesma não deve ser realizada de molde a que tal apreciação seja furtada à reapreciação do julgador. É que o perito informa e o juiz decide (art. 389.º do CC).
Do exposto resulta, além do mais, que,
- O parecer pericial deve estribar-se em factos, não sendo admissível a quesitação de juízos de valor ou conclusões sobre factos;
- O parecer pericial não se destina à resposta a quesitos que mais não correspondem que ao teor de documentos ou ao que dos mesmos resulta;
- O perito não é testemunha, nem parte, daí que não podem ser objeto de perícia factos que apenas quem presenciou e vivenciou poderá responder.
Nestes termos, não são passiveis de valoração as considerações tecidas pelo perito da expropriante na introdução, quer porque se trata de matéria a provar por documentos e/ou objeto de prova testemunhal, quer porque contêm matéria de direito ou constituem juízos conclusivos a extrair de outros factos e que só ao Tribunal cabe aplicar e considerar. Também foi desconsiderada a resposta dada aos quesitos 3.º e 10.º que, como é manifesto, incide sobre matéria que é objeto de prova testemunhal e/ou documental, tratando-se de factos sobre os quais os peritos, naturalmente, não têm conhecimento. Efetivamente, os peritos constataram a situação existente à data em que realizaram a inspeção, pelo que a matéria factual relativa à situação das parcelas, o seu aproveitamento e o rendimento que deles a A. obtinha e quando deixou de o obter não é, nem pode ser objeto de prova pericial, porque se tratam de factos históricos que só mediante declarações de parte, depoimentos testemunhais ou elementos documentais poderia ser provada.
Quanto à prova testemunhal realizada, a mesma foi valorada em função da convicção adquirida pelo Tribunal acerca da sua correspondência com a realidade. Nesta medida, importa reter que foram valorados os depoimentos na medida em que incidiam sobre circunstâncias ou eventos que a testemunha constatou por si própria e ponderados os depoimentos indiretos pela sua verosimilhança, convencimento que resultou do mesmo e/ou pela sua sustentabilidade face à restante prova produzida, a credibilidade das testemunhas foi avaliada em função de circunstâncias objetivas (conformidade do depoimento com as regras da experiencia, probabilidade de ocorrência dos factos, o grau de corroboração ou infirmação dos factos afirmados por outros meios de prova, a sua coerência interna e externa) e subjetivas (em face do interesse no resultado da causa, as relações da testemunha, a sua pertença a grupo de interesses, as relações sociais com as partes).
As declarações de parte foram valoradas na medida em que incidiram sobre factos em que a parte teve intervenção pessoal ou de que teve conhecimento direto, nos termos do art. 466.º, n.º 1 do CPC, fazendo-se notar que se considerou a sua credibilidade em função das circunstancias objetivas e subjetivas referidas a respeito da prova testemunhal.
Considerando que a presente sentença é proferida ao abrigo do art. 3.º, n.º 1 do DL 81/2018, na formação da convicção do Tribunal quanto à valoração dos depoimentos das testemunhas e das declarações de parte não se mostrou possível apreciar os sinais e condições evidenciados pela testemunha aquando da prestação do depoimento, que apenas poderiam ser apreendidos num contexto de oralidade e imediação da produção da prova.
Isto posto, quanto ao ponto 1 dos Factos Provados e 1 a 6 dos Factos não provados, como se referiu supra foi desconsiderada a resposta contida no relatório pericial aos quesitos 3.º e 10.º por se tratarem de factos, históricos, que só poderiam ser objeto de prova testemunhal por quem deles tivesse conhecimento direto e/ou indireto, aliados a prova documental que confirmasse a exploração agrícola feita pela A. e os rendimentos dali obtidos (vg. documentos comprovativos da aquisição de material agrícola e da venda dos produtos que a A. alega cultivar e dos rendimentos obtidos).
Atendeu-se, todavia, às declarações da A., M. e ao depoimento do seu irmão, J., os quais, não obstante o interesse da primeira na causa e a relação familiar do segundo com a A., se mostraram nesta parte consistentes e coerentes, depondo com razão de ciência face ao conhecimento direto dos factos e de resto compatíveis com aquilo que resulta do relatório pericial quanto à existência nos terrenos de indícios do aproveitamento agrícola dos prédios (vg. as vinhas e os seus elementos integrantes). O que sucede é que ambos referiram esse aproveitamento agrícola de forma muito abrangente, falando essencialmente no seu cultivo e sem especificarem de forma concretizada em que se traduziam as plantações ali existentes ou sequer os rendimentos que da produção agrícola a A. alegadamente obtinha.
Nessa medida, tendo o Tribunal ficado convencido quanto ao facto de aquelas parcelas de terreno serem objeto de cultivo, não se logrou provar em que se traduziam as plantações da A., notando-se que para este efeito não se consideraram as certidões matriciais existentes face à não aposição de data e as certidões de registo predial em virtude da sua antiguidade.
Não ficou, pois, provada a matéria constante dos pontos 1 a 6 dos Factos não provados face à manifesta insuficiência da prova carreada pela A. para os autos. Atente-se que a A. que poderia dispor das suas declarações de rendimentos e dos elementos contabilísticos de suporte às mesmas, nada juntou que permitisse ao Tribunal formar uma convicção segura de que a A. obtinha rendimentos da exploração agrícola das parcelas, ademais nem sequer arrolou como testemunhas os trabalhadores que alegou utilizar na sua exploração ou aqueles a quem vendia os produtos que cultivava.
A prova dos factos constantes dos pontos 9 e 10 dos Factos Provados assentou na conjugação das declarações de parte da A., o depoimento da J. e o teor dos documentos referidos em 4. e 6 dos Factos provados. As declarações da A. revelaram-se, nesta matéria, seguras e convincentes, tendo dado nota que, face ao conjunto de processos expropriativos de que prédios seus estavam a ser objeto, também quanto às parcelas indicadas no documento ficou convencida que essa expropriação iria ocorrer. De resto, esse depoimento foi confirmado pelo seu irmão, o qual revelou ter conhecimento dos factos, tendo acompanhado a situação dado ele próprio ser proprietário de um prédio também abrangido pelas expropriações no âmbito da construção da autoestrada. De resto, o então presidente da Junta de Freguesia de (…), A., cujo depoimento foi valorado pela razão de ciência demonstrada em face das funções exercidas, referiu ter sido um comportamento generalizado dos proprietários cessarem a exploração agrícola quando lhes era dado conhecimento do inicio da expropriação.
O Tribunal considerou, neste aspeto, o teor dos ofícios enviados pela R. e dos documentos juntos. Do seu texto resulta que a R. dá conta que iria requerer a expropriação dos terrenos correspondentes não só às parcelas 96 e 96B mas também da parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2, quer porque assim o refere o assunto dos ofícios, quer porque as parcelas vêm identificadas no mapa junto. É de notar que a questão da designação “S” na identificação das parcelas corresponder a “sobrante”, sendo matéria de organização interna da R. e sobre a qual os ofícios nada esclareciam - por forma a dar a conhecer ao destinatário que se reportavam às parcelas sobrantes a que se refere o Código das Expropriações -, não permite conduzir à tese da R. de que a A. não poderia, então, deixar de saber que aquelas parcelas não eram, efetivamente, abrangidas pela intenção de expropriar. Na realidade, se assim fosse, isto é, se a comunicação pelos ofícios da intenção de expropriar não abrangesse (também) as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não se compreenderia a necessidade de as mesmas terem sido indicadas no assunto dos ofícios - referentes a “Expropriação da parcela n.º 96, 96S” e “Expropriação da parcela n.º 96B, 96BS1, 96BS2” - e identificadas nos mapas anexos. Entendemos, pois, que os ofícios eram aptos a criar a convicção da A. de que também as parcelas 96S, 96BS1e96BS2 iriam ser expropriadas, ao ponto de, com base, nessa convicção a A. ter deixado de cultivar tais áreas de terreno. Note-se que, questão diversa a ser apreciada em sede de fundamentação de direito, é a de saber se este estado subjetivo da A. é objetivamente sustentado, ou melhor, apto a merecer a tutela do direito enquanto uma confiança legítima.
Há que atentar, todavia, que a resposta aos quesitos 2.º a 11.º foi restringida. Isto é, a A. não demonstrou que tivesse ficado convencida de que tinha sido requerida a declaração de utilidade pública das parcelas. Com efeito, o Tribunal apenas ficou convicto, face às declarações da A., conjugadas com aquilo que a A., enquanto declaratária, podia extrair dos ofícios, foi apenas o seu convencimento que as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 iriam ser objeto de expropriação pela R.. Não existiu sustentação probatória quanto a um convencimento subjetivo da A. de que essa expropriação já tivesse sido concretizada pela prática do ato administrativo declarativo da utilidade pública.
Quanto ao ponto 11 dos Factos provados o Tribunal considerou o documento de fls. 377 do suporte físico dos autos, conjugado com o depoimento da própria A. que, confrontada pelo mandatário da R., veio a admitir que aquando da entrega dos documentos teria falado com uma menina ocorrendo, posteriormente, uma visita ao local. Todavia, à mingua de uma ata de tal reunião, não constando do registo de fls. 377 do suporte físico dos autos qualquer elemento quanto ao conteúdo dos esclarecimentos que lhe foram prestados e, notando-se que a este propósito o depoimento de Miguel Jorge Fernandes de Araújo Vieira, não revelou razão de ciência pois que referiu genericamente, e sem concretizar quanto à situação particular da A., o teor das informações normalmente prestadas, o Tribunal não logrou dar como provada a factualidade constante do ponto 8. dos Factos não provados.
Pelas mesmas razões, a inexistência de prova documental e a generalidade do depoimento de M., considerou o Tribunal que a R. não fez prova da matéria constante do ponto 7 dos Factos não provados. Efetivamente, não só não existe qualquer suporte documental do qual resulte de forma expressa que o R. deu conhecimento à A. de que a declaração de utilidade publica não abrangeria as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2, como o depoimento da testemunha M., não mereceu credibilidade, na medida em que não esteve presente na alegada primeira reunião em que era esclarecido o estatuto das parcelas sobrantes, referindo-se a algo que em regra ocorreria, mas não logrando esclarecer - por falta de conhecimento direto - se tal havia ocorrido perante a A.
Quanto aos pontos 15 a 16 dos Factos provados, não obstante a circunstância apta a diminuir a sua credibilidade (interesse na causa), valoraram-se as declarações de parte da A. e na medida em que foram consonantes com a demais prova produzidos por se revelarem concretizadas e espontâneas, aliados à prova indiciária resultante da convocação das regras da experiencia, enquanto regras que se extraem por indução das ocorrências do mundo natural e da convivência humana e estão presentes na explicação que torna inteligível a passagem de um estado de facto a outro estado de facto, especialmente por referência aos documentos 33 e ss. dos autos correspondentes ao teor da petição apresentada perante o Tribunal Judicial de Lousada e o teor das decisões aí proferidas.
Com efeito, é de reter que a A. asseverou, de forma consistente, sem contradições e pormenorizada que manteve a convicção quanto à realização da expropriação também das parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2, durante o período que mediou entre o recebimento dos ofícios e a resposta obtida nos processos de avocação, revelando que os atrasos que os demais processos expropriativos sofreram não a faziam duvidar de que o processo expropriativo estava a correr.
Este depoimento é consistente com a posição assumida pela A. nos requerimentos de avocação dos processos expropriativos em que, através do mandatário, resulta que entendia que também aquelas parcelas teriam sido abrangidas pela declaração de utilidade publica de 2004. Note-se que, se assim não fosse, à luz das regras da experiência, dificilmente se compreenderia que a A., representada por mandatário com conhecimento das regras legais incluindo de índole processual, fosse instaurar uma petição que se dirigia a impor à R. que desse continuidade ao processo expropriativo.
Quanto ao ponto 18 dos Factos provados resultou da coerência entre as declarações da A e o depoimento de M. - que, nesta matéria, revelou razão de ciência, notando um conhecimento direto da factualidade sobre que depunha -, tendo as testemunhas de ambas as partes, confirmado que as parcelas em causa não chegaram a ser objeto de ocupação, convencendo, pois, neste sentido o Tribunal.
Os pontos 19 a 24 consideraram-se provados em função da prova pericial realizada. Com efeito, os senhores peritos visitaram o local, descrevendo as condições em que os encontraram (quesitos 4.º e 5.º, 11.º e 12.º) e estabeleceram, motivadamente e em conformidade com os seus conhecimentos técnicos, as necessidades de reposição da produtividade das parcelas e os rendimentos previsivelmente obtidos com a sua exploração agrícola.
De notar que o Tribunal considerou tratarem-se de meros erros de escrita e cálculo a inserção no quesito 6.º do montante de € 7500,00 quanto à plantação de vinha nova, já que decorre do valor do somatório que se pretendia escrever € 3.750,00 e, igualmente, no quesito 13.º estar em falta o valor de € 1.500,00 para a plantação de vinha nova, face ao somatório também ali indicado.
Quanto aos factos não provados 9 a 11 resulta das decisões proferidas nos processos e 177/08.5TBLSD apenas a condenação da A. em custas e não a aplicação de qualquer multa. De resto a A. apenas juntou a notificação para pagamento das custas no processo 178/08.5TBLSD, não comprovando o seu pagamento, nem a liquidação e pagamento das custas do processo 177/08.5TBLSD. (negrito e sublinhados nossos).
DE DIREITO
Está posta em causa a sentença que julgou improcedente a acção.
Atente-se no seu discurso fundamentador:
De acordo com o princípio geral da lei civil em matéria de aplicação da lei no tempo, na falta de disposição em contrário, a lei só se aplica aos factos futuros, entendendo-se como tais os factos que se produzem após a entrada em vigor da norma (art. 12.º, n.º 1, do Código Civil).
Nos termos alegados pela A. a conduta da R. geradora dos danos invocados nos autos – relativos, em síntese, ao não aproveitamento agrícola dos seus prédios -, traduziu-se, essencialmente, na circunstancia de após ter criado na A. a confiança quanto à expropriação das parcelas 96B, 96BS1 e 96BS2 não ter efetivado essas expropriações sem disso ter dado conta à A., conduta essa que, alega, ter ocorrido entre 2003 e 2008 – período durante o qual não realizou a exploração agricola da sua propriedade.
Temos, pois, que aos factos ocorridos até 29.1.2008 a concretização da responsabilidade civil extracontratual é feita, em geral, pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.67, e atendendo a que a Lei n.º 67/2007 (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais e Entidades Públicas, RRCEEEP) não dispõe de modo diverso, a mesma aplicar-se-á aos factos fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor, em 30.1.2008.
Assim, o art. 2.º do Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.67 (doravante DL 48051) estabelecia o princípio de que "o Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício" (art. 2.º).
Por sua vez, o art. 3.º, n.º 1 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas constante do Anexo à Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro (doravante RRCEEEP) dispõe que “Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”
Estes normativos encontram-se, assim, em linha com o art. 483.º, n.º 1 do Código Civil segundo o qual “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Atente-se que tanto a responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas coletivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, como a responsabilidade extracontratual por facto ilícito prevista na lei civil assentam nos mesmos pressupostos, sem prejuízo das especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos.
Esses pressupostos, cumulativos, são o facto ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Aplica-se também o regime da lei civil quanto ao pressuposto negativo da não existência de culpa concorrente do lesado (art. 570.º do Código Civil) e quanto ao cálculo e limitação da indemnização.
A primeira questão a dirimir é, contudo, a de saber se a A. é proprietária dos prédios em causa nos autos, por forma a verificar se efetivamente foi na sua esfera jurídica que se produziram os danos alegados.
Sustenta a A. que é dona e legítima proprietária do prédio rústico com a área de 4700m2, constituído por cultura com videiras, ramada e pastagem, sito no Lugar (…), concelho de Lousada, inscrito na matriz sob o artigo 38 e descrito na Conservatória do Registo Predial n.º 01402/211101 e o prédio rústico denominado “Mata do Barroco”, com a área de 5900m2, constituído por cultura, pastagem e pinhal, sito no Lugar (…), concelho de Lousada, inscrito na matriz sob o artigo 36 e descrito na Conservatória do Registo Predial n.º 01038/211101, prédios esses dos quais foram delimitadas as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 no âmbito da expropriação para a construção da autoestrada A11/IP9: Braga – Guimarães – IP4/A4 – Sublanço Lousada (IC25) – En 15 – IP4/A4.
A demonstração da titularidade do direito de propriedade deve fazer-se pela prova do facto jurídico constitutivo do mesmo, o que implica a demonstração da aquisição originária desse direito, ou pela prova de factos que a lei reconheça como suficientes para presumir a existência dessa titularidade – a posse (art. 1268.º, n.º 1, do C.C.) e o registo (art. 7.º, do Código de Registo Predial).
A A., no intuito de provar ser proprietária dos prédios acima identificados, invocou a presunção do registo da aquisição a seu favor.
Quanto à presunção do registo, verifica-se que, efetivamente, a aquisição dos prédios supra descritos, se encontra inscrita na Conservatória do Registo Predial, a favor da A., pelo que esta goza da presunção de que é titular do direito de propriedade sobre aquele prédio (art. 7.º, do C.R.P.).
Esta presunção é ilidível, mediante a prova de factos demonstrativos que a titularidade do direito de propriedade não corresponde à última aquisição inscrita no registo predial. Ora, não vêm alegados ou demonstrados nos autos quaisquer factos ou elementos que afastem a presunção de propriedade.
Donde, considerando que quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz e que a R. não apresentou prova em contrário (art. 350.º, n.º 1 do CC), há que considerar – como decorre do probatório - demonstrado que a A. é titular do direito de propriedade, sobre os prédios supra descritos. Temos, por isso, que concluir que assiste razão à A. quando invoca o seu direito de propriedade sobre os prédios supra identificados.
Passemos, então, à verificação do preenchimento dos supra enunciados requisitos da responsabilidade civil por facto ilícito.
No que se reporta ao facto ilícito a sua verificação há de derivar de um evento dominável pela vontade, uma ação ou omissão. As omissões apenas originam o dever de indemnizar quando se verifique o condicionalismo do art.º 486.º CC, segundo o qual «As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar danos, quando, independentemente dos outros requisitos legais, havia, por força da lei ou de negócio jurídico, o dever de praticar o acto omitido».
No caso da responsabilidade civil por facto ilícito das entidades públicas, esta ação ou omissão será resultante do exercício de uma atividade regulada por normas de direito administrativo ou de uma ação ou omissão praticada no exercício de funções e por causa desse exercício (artigo 2.º, n.º 1 do DL 48051). Estabelecendo-se hoje nos artigos 1.º, n.º 2 e 7.º, n.º 1 do RRCEEEP que a ação ou omissão há de ser adotada no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo ou de uma ação ou omissão praticada no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.
Acrescente-se que, nos termos do artigo 6.º do DL 48051 “consideram-se ilícitos os atos jurídicos que violem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e os atos materiais que infrinjam estas normas e princípios e ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração” e, conforme dispõe o artigo 483.º do CC, o ato ilícito pressupõe a violação dos direitos de outrem ou de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios.
De notar que na vigência do DL 48051 era unanime a leitura conjugada do art. 6.º com os arts. 2.º e 3.º que permitia concluir que a ilicitude não se refere só ao desvalor objetivo da conduta do lesante – a ilicitude objetiva -, mas também ao resultado lesivo desta conduta – a ilicitude subjetiva, ou seja, para haver ilicitude é também necessário que a Administração tenha lesado posições jurídicas substantivas dos particulares. Assim, a ilicitude não se basta com a mera ilegalidade, antes pressupõe a violação de um direito subjetivo ou de um interesse legalmente protegido, isto é, uma norma que se destine a proteger o interesse de outrem.
Para que haja ilicitude é necessário que a norma violada tenha entre os seus fins o de proteger o interesse do particular, sendo uma questão de interpretação determinar se a norma, além de impor uma obrigação jurídica à Administração, serve apenas o interesse público ou tutela também interesses privados, reconhecendo ou concedendo posições subjetivas aos particulares.
Neste sentido, dispõe atualmente o art. 9.º, n.º 1 do RRCEEEP que se consideram ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.
Tendo presente os termos em que a presente ação se mostra deduzida, quanto à responsabilidade da Ré, Estradas de Portugal, dúvidas não existem que nos autos estamos perante uma "operação material" regulada por normas de direito público já que se prende com as alegadas condutas – por ação e omissão – da R. no âmbito da condução e realização dos processos expropriativos dos bens ou dos direitos necessários ao estabelecimento da Concessão Norte, regulada por normas de direito público e que se integra no âmbito da chamada "gestão pública" do ente público enquanto atividade desenvolvida por pessoas coletivas de direito público com atribuições e competências nesse âmbito (art. 1.º e 2.º do Código das Expropriações), e que se encontrava atribuída ao Instituto de Estradas de Portugal (a quem a R. sucedeu) (cf. n.º 1 da Base XXIII das Bases da concessão da conceção, projeto, construção, financiamento, exploração e conservação de lanços de autoestrada e conjuntos viários associados na zona norte de Portugal, aprovadas em anexo ao Decreto–Lei n.º 248 -A/99, de 6 de julho, 5.º n.º 1 e 3 do então DL 237/99 e, como resulta, além do mais do Despacho n.º 6073B/2004 (2.ª Série) do Secretário de Estado das Obras Publicas).
Isto posto importa aferir da verificação do facto/omissão ilícita.
Nos termos alegados, as condutas imputadas à R. são a violação do princípio da boa fé, concretizado na quebra da confiança quanto à expropriação das parcelas 96B, 96BS1 e 96BS2, e a violação do dever colaboração, na modalidade da prestação de informação quanto à não realização daquela expropriação.
Surgindo inicialmente no Direito Privado, o princípio da boa-fé está consagrado no artigo 266.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º-A do Código de Procedimento Administrativo (na redação vigente à data dos factos), impondo, no essencial, a criação de um clima de confiança e previsibilidade nas relações entre Administração Pública e os particulares.
O princípio em análise opera com relação aos atos jurídicos bem como com os direitos que se exercitam e as obrigações que se cumprem, passando, fundamentalmente, pela emissão de um juízo de valor aplicado a uma conduta quando confrontada com um determinado comportamento anterior.
Um dos corolários do princípio da boa-fé consiste no princípio da proteção da confiança legítima, incorporando a boa-fé o valor ético da confiança.
Pode dizer-se, numa formulação sintética, que a Administração viola a boa-fé quando falta à confiança que despertou num Particular ao atuar em desconformidade com aquilo que fazia antever o seu comportamento anterior, sendo que, enquanto princípio geral de direito, a boa-fé significa "que qualquer pessoa deve ter um comportamento correcto, leal e sem reservas, quando entra em relação com outros pessoas" apud M. Esteves de Oliveira, Pedro Gonçalves e Pacheco Amorim, in Código do Procedimento Administrativo, 2ª edição, a págs. 108 -, apresentando-se como vocacionado para, designadamente, impedir o verificação de comportamentos desleais e incorretos (obrigação de lealdade).
Aliás, a exigência da proteção da confiança é também uma decorrência do princípio da segurança jurídica, imanente ao Estado de Direito.
Contudo, a aplicação do princípio da proteção da confiança está dependente de vários pressupostos, desde logo, o que se prende com a necessidade de se ter de estar em face de uma confiança "legítima", o que passa, em especial, pela sua adequação ao Direito.
Por outro lado, para que se possa, válida e relevantemente, invocar tal princípio é necessário ainda que o interessado em causa não o pretenda alicerçar apenas na sua mera convicção psicológica antes se impondo a enunciação de sinais externos produzidos pela Administração suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde se possa razoavelmente ancorar a invocada confiança.
Acresce que um outro pressuposto a atender relaciona-se com a necessidade de o Particular ter razões sérias para acreditar na validade dos actos ou condutas anteriores da Administração aos quais tenha ajustado a sua actuação.
O Supremo Tribunal Administrativo tem aplicado o principio da boa fé, na medida da tutela da confiança, adiantando, com interesse para os autos, que "Violam o princípio da confiança comportamentos intrinsecamente contraditórios e inconsequentes, quer quando comparados com outros anteriormente praticados quer quando se tenha em conta o contexto global dos pressupostos de facto e de direito vinculativos da prática de um acto “ (Acórdão de 2-5-95 (Pleno), Rec. 22871), "A violação do princípio da confiança supõe que um destinatário normal, medianamente avisado e cuidadoso, face a determinada conduta da Administração, possa razoavelmente concluir que esta se autovinculou a proferir determinada decisão."; (Acórdão de 4-5-95, Rec. 241450-Z) e “a boa-fé administrativa implica a criação de um clima de confiança e de previsibilidade nas relações com os particulares, adoptando comportamentos consequentes e não contraditórios (Acórdão de 28-11-00, Rec. 42055).
Temos, pois, que no âmbito da atividade administrativa são pressupostos da tutela da confiança, como concretização da boa-fé objetiva: um comportamento gerador de confiança, uma situação objetiva de confiança legítima (v. Acórdão do STA de 26-10-1994, caso Edifil, p. nº 017626; Acórdão do STA de 18-6-2003, p. nº 01188/02), a efetivação de um investimento de confiança, um nexo de causalidade entre o comportamento gerador de confiança e a situação de confiança, um nexo de causalidade entre a situação de confiança e o investimento de confiança, a frustração da confiança por parte de quem a gerou (Acórdão do STA de 6-5-2003, caso CIEE, P. nº 046188).
Isto posto, temos que no caso dos autos não estão, desde logo, preenchidos os requisitos da existência de um comportamento gerador de confiança e de uma situação objetiva de confiança legítima.
Com efeito, a conduta apurada, em sede matéria de facto, traduz-se no envio à A. de dois ofícios, e documentos anexos, dando conta de ter sido emitida uma deliberação pelo seu Conselho de Administração com vista a requerer a declaração de utilidade publica das expropriações necessárias à obra da Concessão Norte abrangendo, além do mais, três parcelas que integravam prédios propriedade da A., apresentando uma proposta de montante indemnizatório e solicitando a entrega de documentos relativos aos prédios e, bem assim, na realização de uma reunião com a A. para esse efeito.
Estamos, pois, no âmbito do processo pré-expropriativo da qual resulta, desde logo, a notificação ao expropriado da resolução de expropriar (art. 10.º, n.º 1 e 5 do Código das Expropriações), que não cria, modifica ou extingue a posição jurídica do particular mantendo este a plenitude do seu direito de propriedade. O único ato dotado de dignidade suficiente para lesar os direitos ou interesses legítimos do particular é o ato de declaração de utilidade pública, na medida é que é este o ato que dita o sacrifício do direito de propriedade do particular.
A resolução de requerer a declaração de utilidade pública insere-se numa fase prévia ao procedimento administrativo da expropriação, que apenas tem início com o requerimento da declaração de utilidade pública, não assumindo a natureza de ato administrativo. Esta resolução constitui um ato preparatório da declaração de utilidade pública, a integrar a instrução do processo expropriativo, expressando apenas a intenção da entidade interessada de afetar um bem ou um direito à prossecução de um fim de utilidade pública, intenção essa que pode nem sequer vir a concretizar-se, visando-se essencialmente a aquisição pela via do direito privado.
Não existe aqui, face aos elementos do probatório, uma conduta suscetível de ter produzido na A. a crença, assente na boa-fé, de que as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 iriam ser, necessária e efetivamente, objeto de declaração de utilidade pública e, posteriormente, aquisição pela via do direito privado ou expropriativa.
Com efeito, é de notar que em momento algum a R. se autovinculou, perante a A., a dar seguimento ao pedido de declaração de utilidade pública, apenas a tendo notificado da resolução de expropriar, isto é, de uma mera intenção de requerer, perante a entidade competente, a prática do ato administrativo e solicitando-lhe os elementos relativos aos proprietários e prédios.
Na verdade, a atuação da Administração apenas lhe dá conta de ter sido iniciado o procedimento pré-expropriativo, mas daí não podia a A., objetiva e legitimamente, concluir que aquelas parcelas iriam, de facto, ser expropriadas.
E ao contrário do pugnado pela A. a circunstância de após a notificação da resolução de expropriar a Ré nada ter informado num período temporal superior a 4 anos não era de molde a consolidar essa confiança. Opostamente sabido que o ato declarativo da utilidade pública é notificado ao expropriado por carta ou ofício sob registo com aviso de receção (art. 17.º, n.º 1 do Código das Expropriações), a A. não podia deixar de se ter apercebido que tal declaração de utilidade pública não iria ocorrer quanto àquelas parcelas. E o certo é que, como decorre do probatório, em abril de 2004 foi notificada da declaração de utilidade pública quanto à parcela 96B e foi sendo sempre notificada entre 2004 e 2005 dos demais atos praticados no processo de expropriação das parcelas que foram efetivamente expropriadas.
Esta factualidade é demonstrativa que os autos não indiciam a existência de elementos objetivos capazes de provocarem uma crença plausível na A. que fizesse nascer na sua esfera jurídica uma confiança legitima no direito à expropriação das parcelas, nem tão pouco tal conduta era apta a provocar-lhe uma esperança razoável de que as parcelas iriam ser objeto da expropriação.
Na verdade, a atuação da R., tal como patenteada na matéria de facto dada como provada, não é reveladora de um qualquer seu desígnio de definir a situação jurídica das parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2, em sede de iniciar o procedimento de expropriação mediante a pratica do ato de declaração de utilidade publica, por forma a atender às alegadas expectativas da A., não podendo a A. invocar uma fundada esperança de que a expropriação se iria efetivar.
O que se provou foi apenas a existência de uma convicção psicológica da A., um convencimento, que não assenta em sinais exteriores produzidos pela R. suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança. Um destinatário normal não só facilmente se aperceberia que a notificação recebida lhe dava conta de uma mera intenção de que iria ser requerida a declaração de utilidade pública - não estando ainda efetivado o ato administrativo que faria nascer na sua esfera jurídica o direito à expropriação -, como em face seja da notificação do ato de declaração de utilidade pública que contemplava as parcelas 96 e 96B (também referidas nos ofícios), seja do andamento dado aos demais processos expropriativos ser aperceberia que aquelas parcelas não iriam ser objeto da expropriação. Recorda-se as meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.
Se a A., com apenas aqueles ofícios de dezembro de 2003, se convenceu que iria ser expropriada e, com base nesse convencimento, deixou de explorar agricolamente aqueles prédios, sibi imputet. E de resto nem sequer é objetivamente defensável como tal convicção perdurou até à resposta da R. nos processos 177/08.7TBLSD e 178/08.5TBLSD, quando representada por mandatário que podia e devia saber que o conteúdo do despacho do Secretario de Estado das Obras Públicas de 26.2.2004, publicado no Diário da República 2.ª Série, n.º 73 de 26 de Março, que ele próprio referenciou nas petições, não abrangia aquelas parcelas.
Nesta medida, nem a R. adotou um comportamento gerador de confiança, nem a confiança da A. é legitima, e, nessa medida, merecedora de tutela, e tanto basta para que se possa concluir, tendo em conta que um dos elementos que informa o conteúdo da noção de boa fé consiste na necessidade de se estar perante uma conduta contraditória que não fosse razoável intuir de um determinando comportamento anterior, que não existiu a invocada violação de dever jurídico-funcional de um comportamento consequente, ou seja, inexistindo a frustração da confiança da A. na realização da expropriação quanto às parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2.
De igual modo, não se vislumbra aqui que a R. haja adotado qualquer conduta violadora do princípio da Justiça, consagrado no artigo 6º do Código de Procedimento Administrativo, e que em sentido estrito significa que todo o ato administrativo praticado com base em manifesta injustiça é ilegal, compreendendo-se nesta noção os casos em que a Administração impuser ao particular um sacrifício desnecessário, mas também aqueles em que usar para com este de dolo ou má-fé.
Com efeito, vimos supra que a conduta da R., tendo apenas dado conta de uma intenção de vir a requerer a declaração de utilidade pública, sem adotar qualquer ato que criasse na A. uma confiança legítima na expropriação, não foi violadora da boa fé que rege as relações entre a administração e os particulares. Tão pouco os elementos do probatório denotam uma vontade livre e consciente da R. de lesar a A., levando-a a abandonar a sua exploração agrícola, que se subsumisse ao dolo.
E não se antolha aqui qualquer violação do dever de colaboração entre a Administração e os particulares nos moldes previstos no art. 7.º, n.º 1 al. a) do CPA (na redação aplicável à data dos factos) que estatui que os órgãos da Administração Pública devem atuar em estreita colaboração com os particulares, procurando assegurar a sua adequada participação no desempenho da função administrativa, cumprindo-lhes, designadamente, prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam.
Trata-se, claramente, de um princípio geral sobre organização administrativa que se polariza, além do mais num objetivo fundamental de consagrar o dever de prestar aos particulares as informações e os esclarecimentos de que careçam, sendo abrangente de toda a atividade administrativa e não apenas a que se desenvolve na relação administrativa.
Daí que se deva ver neste corolário a afirmação do direito consagrado no art. 42º, nº 2 da CRP (Constituição da República Portuguesa) que confere ao cidadão o estatuto de elemento fundamental na formação da decisão pública e de participação democrática, sendo que o direito à informação se alicerça ainda no art. 268º, nº 1, da CRP, direito esse que é típico de uma Administração aberta, abrangendo toda e qualquer fase do procedimento administrativo, podendo ser o seu não acatamento ou deficiente cumprimento, fonte de responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados.
Ora, a omissão ou falta de informação pedida gera responsabilidade da Administração quando há incumprimento do dever de informação, se e quando ele existir.
O que sucede nos autos é que não recaía sobre a R. um qualquer dever de informar a A. de que não iria requerer a declaração de utilidade publica quanto às parcelas 96S, 96BS1 e 96bS2.
Com efeito, o dever de notificação recai sobre atos administrativos que decidem sobre pretensões formuladas pelos interessados, imponham deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos, criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício (art. 66.º do CPA).
Acresce que o Código das Expropriações impõe, além do mais, a notificação da resolução de expropriar e da proposta de aquisição pela via do direito privado (art. 10.º, n.º 5, 11.º, n.º 2) e da declaração de utilidade publica (art. 17.º, n.º 1).
A lei não prevê a informação quanto à não prática de um ato administrativo como, no caso dos autos, da declaração de utilidade publica, ainda que anteriormente tenha sido efetuada a notificação prevista no art. 10.º, n.º 5 do CE.
De resto, nem os deveres de conduta exigíveis no plano ético em que se move uma pessoa normal, reta e honesta colocada na situação jurídica concreta da Administração, face a uma prévia notificação de uma mera intenção de uma futura pratica de um ato administrativo, demandavam, em concreto, que fosse a A. informada de que esse ato não ia ser praticado.
Por último, é também manifesto que não existiu qualquer conduta da R. violadora do direito de propriedade da A. quanto aos prédios a que correspondiam as parcelas 96S, 96BS e 96BS2.
Com efeito, ficou provado que as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não foram ocupadas ou alvo de intervenção pela R., designadamente no âmbito da construção da autoestrada A11/IP9: Braga – Guimarães – IP4/A4 – Sublanço Lousada (IC25) – En 15 – IP4/A4 e que, de resto, foi a A., por uma mera convicção subjetiva e não assente numa conduta da R. que objetivamente sustentasse uma confiança legitima, quem deixou os terrenos ao abandono, tendo cessado sibi imputet a sua exploração agrícola.
O direito de propriedade tem assento constitucional (art. 62.º) aí se consagrando o direito à propriedade privada e a sua transmissibilidade inter vivos ou mortis causa.
Por sua vez dispõe o art. 1305º do CC “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observação das restrições por ela impostas.”
O direito de propriedade não é, pois, um direito absoluto, já que a lei prevê situações em que é necessário impor limites ao seu exercício.
A par das limitações de interesse público de que sobressai, desde logo, a expropriação (art. 62.º, n.º 2, da Constituição, Código das Expropriações e 1310.º do Código Civil), sofre também o direito de propriedade de limitações de interesse particular (como sucede no campo das relações de vizinhança), decorrentes do próprio estatuto do direito real (como o sejam os limites da própria função social da propriedade privada), ou da existência de outros direitos reais, como o seja o direito (real) de servidão.
Dispõe, ainda, o art. 1344.º, n.º 1 do CC que a propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.
Ora, não tendo a R. ocupado os terrenos da A.., naturalmente, que não ocorreu qualquer privação do uso do prédio pela A. na sua totalidade. Na realidade, a R. não adotou qualquer conduta que se traduzisse na exclusão das faculdades de que ao proprietário é lícito gozar - a de uso e fruição da coisa (art. 1305.º do C. Civil).
E, por essa razão, a R. não praticou qualquer conduta violadora do direito de propriedade da A. e que, consequentemente, se reputasse ilícito.
Ou seja, a A. não provou que tivesse sequer ocorrido o ato/omissão ilícita que teria determinado os prejuízos na sua esfera jurídica, o que determina, desde logo, a improcedência da ação e dispensa o conhecimento dos demais requisitos (cumulativos) da responsabilidade civil extracontratual (art. 608.º, n.º 2 do CPC).

X
Constitui entendimento unívoco da doutrina e obteve consagração legal o de que o objecto do recurso jurisdicional se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria que nelas não tiver sido versada, com ressalva óbvia, dos casos que imponham o seu conhecimento oficioso.
Assim, vejamos:
Da não coincidência entre o Magistrado que preside à produção da prova e aquele que julga (Da violação dos artigos 619º e 620º do atual CPC (artigos 671º e 672º do CPC de 1961) -
Neste particular apenas cabe dizer que não existe fundamento legal para, com base no princípio estatuído no artigo 605º do CPC, recomendar que seja o juiz do julgamento da matéria de facto a elaborar a respectiva sentença, sendo apenas de sustentar que ao juiz que, segundo as regras da competência e organização judiciária, for concluso o processo ou que o receber na sequência de movimentação judicial ou distribuição interna, tem o dever de proferir sentença no prazo legalmente estatuído para o efeito (art.º 605º do CPC).
Como ensina o Acórdão do STA de 03/07/2019, no processo n.º 499/04.6BECTB Sumário
I - Antes da entrada em vigor do novo CPC o princípio da plenitude de assistência do juiz só tinha aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto (artº 654º do antigo CPC).
II - Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito sempre estiveram cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verificava em processo civil, entre a fase de audiência final, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
III - Embora o princípio da plenitude da assistência dos juízes seja um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, sendo preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, tal princípio não é absoluto.
IV - Com as alterações introduzidas através do artº 605 do novo CPC o referido princípio passou a aplicar-se à fase da audiência final pois que o julgamento da matéria de facto passou a conter-se nesta.
V - Estas alterações aplicam-se aos processos pendentes mas não têm eficácia retroactiva.
VI - As ditas alterações não influenciam o julgamento em sede de impugnação judicial se, como no caso dos autos, a inquirição de testemunhas ocorreu antes de 2013 e antes da entrada em vigor do novo CPC
VII - Em consequência, se a recolha da prova em sede tributária, foi efectuada no domínio do anterior CPC é admissível, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição de testemunhas.
VIII - Se assim sucedeu, não ocorre, nulidade que possa influir no exame ou na decisão da causa. (1522/15) - 2.ª Secção - O princípio da plenitude da assistência dos juízes, corolário dos princípios da oralidade e da imediação na apreciação da prova, não é um princípio absoluto.
De resto, o proferimento da sentença por juiz diferente do que decidiu a matéria de facto poderia constituir, quando muito, uma simples nulidade processual, inominada ou secundária, que não constitui objecto admissível do recurso.
De salientar que o processo foi atribuído em 09/01/2019 à Senhora Juíza (conforme consulta no SITAF), por o mesmo integrar o acervo dos processos atribuídos à equipa de magistrados judiciais para recuperação de pendências, criada pelo DL 81/2018, de 15 de outubro, sendo que, nos termos do especificamente previsto no nº 1 do artigo 3º deste diploma, “Cabe às equipas de recuperação de pendências a tramitação dos processos pendentes de decisão final, ainda que tenham sido realizadas diligências de prova”, norma especial que visa assegurar o objetivo de recuperação dessas pendências excessivas com resultados expressivos num curto espaço de tempo, a que se refere o preâmbulo do diploma.
Não se descortina, assim, que a situação deste processo seja especialmente insólita ou que possa consubstanciar uma violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva.
Ela insere-se num grupo alargado de processos com o mesmo percurso, sendo elaborada a sentença por um Julgador a quem compete apreciar a prova segundo os ditames legais e a sua livre convicção acerca de cada facto.
Como este salientou: considerando a entrada em vigor, já após a elaboração do despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória, mas antes da realização da audiência final, da revisão ao Código de Processo Civil decorrente da Lei 41/2013 que passou a prever no art. 410.º do CPC que a instrução tem por objeto os temas de prova, a presente decisão da matéria de facto feita na sentença à luz do art. 607.º, n.º 4 do CPC, seguindo a linha orientadora do despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória, fá-lo na conjugação do mesmo com o disposto nos arts. 410.º e 596.º do CPC e arts. 5.º, 411.º, 413.º e 415.º do CPC.
Nessa medida, e também de forma a permitir uma adequada formulação e conjugação da factualidade relevante à decisão da causa, foram introduzidas modificações na redação da matéria de facto (quando por correspondência ao despacho de fixação da matéria assente e da base instrutória), motivadas de acordo com o elemento probatório em que se fundaram e considerando a prova que serviu de base à formação da convicção do Tribunal, e aditados factos que resultaram da discussão da causa, objeto de contraditório, e necessários à decisão.
A situação relatada não integra uma qualquer nulidade da sentença, já que não prevista no artigo 615º do CPC e não se subsume à previsão dos artigos 619º e 620º do CPC que assim dispõem:
Artigo 619.º (art.º 671.º CPC 1961)
Valor da sentença transitada em julgado
1 - Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.
2 - ….
Artigo 620.º (art.º 672.º CPC 1961)
Caso julgado formal
1 - As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os despachos previstos no artigo 630.º.
(sublinhados nossos).
Do mérito/fundo do recurso -
A Recorrente, em resumo, alega o seguinte:
a) Por ter sido notificada pela Recorrida em 15/12/2003, de que iriam ser expropriadas aquelas parcelas e que a Recorrida iria tomar posse administrativa dos terrenos, o que, aliás aconteceu após a vistoria ad perpetuam rei memoriam, foi obrigada a deixar de cultivar aqueles terrenos agrícolas;
b) Em consequência de ter sido enganada pela Recorrida, que cinco anos depois a informou que, afinal, não ia expropriar aquelas parcelas, a Recorrida deixou de receber os proveitos que correspondiam ao cultivo daquelas parcelas, onde colhia uvas para fazer vinho (num total de 7 pipas por ano) e cultivava batatas, hortaliça e milho;
c) O comportamento da Recorrida, ao enganar a Recorrente em relação à expropriação daquelas parcelas, violou os princípios da justiça e da boa fé e o direito de propriedade da Recorrente, pelo que a Recorrida está obrigada a indemnizá-la dos prejuízos que lhe causou;
d) … o facto que está em causa é a ausência de informação prestada pela Recorrida à Recorrente de que não iria expropriar as parcelas em causa, corrigindo a notificação que lhe tinha sido feita a 15 de dezembro de 2003, ausência de informação essa que se prolongou até julho de 2008, pelo que se trata de um facto continuado;
e) Dúvidas não pode haver de que a Recorrida violou efetivamente este princípio, ao notificar a Recorrente da expropriação em 15 de dezembro de 2003, tomar posse administrativa do terreno, iniciar e concluir a obra da auto-estrada (nela incutindo a confiança de que iria expropriar aquelas parcelas) e não tendo afinal procedido à expropriação, não comunicou à Recorrente que as parcelas em causa não iriam ser expropriadas até à data em que, cinco anos depois, foi obrigada pelo tribunal a fazê-lo - em julho de 2008 -.
Vejamos, quanto aos factos acima expostos, os reparos a fazer relativamente à matéria de facto invocada.
Em 1º lugar, não corresponde à verdade que a Recorrente foi “notificada pela Recorrida em 15/12/2003 de que iriam ser expropriadas aquelas parcelas e que a Recorrida iria tomar posse administrativa dos terrenos, o que, aliás aconteceu após a vistoria ad perpetuam rei memoriam”, pois, como consta das cartas juntas pela Recorrente na PI, e reproduzidas nos pontos 4 e 5 da matéria de facto provada, naqueles ofícios não se alude a qualquer tomada de posse administrativa.
Aliás, na carta de 07/05/2004, remetida à Recorrente e alusiva à marcação de dia e hora para a tomada de posse administrativa da parcela 96B, não se faz referência às sobrantes 96BS1 e 96BS2, como é percetível a fls. 342 dos autos. Nos autos não consta a carta remetida à Recorrente no âmbito da Parcela 96, sendo verosímil que a mesma fosse do mesmo teor daquela (Parcela 96B).
Do mesmo modo, não corresponde à verdade que a Recorrida “tomou posse administrativa do terreno”, uma vez que a fls. 339 dos autos consta o Auto de Posse Administrativa relativa à PARCELA 96B, com a área de 2.222 m2, tal como referido na DUP a fls. 366 e 367 e a fls. 387 dos autos consta o Auto de Posse Administrativa relativa à PARCELA 96, com a área de 9.874 m2, tal como referido na DUP a fls. 374, 375 e 376 dos autos.
Nem sequer se provou a posse material das parcelas sobrantes por parte da Recorrida, como resulta do ponto 18.º do probatório: As parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não foram ocupadas ou alvo de intervenção pela R., designadamente no âmbito da construção da autoestrada A11/IP9: Braga - Guimarães - IP4/A4 - Sublanço Lousada (IC25) - En 15 – IP4/A4. (resposta ao quesito 23.º).
Assim, ao contrário do alegado, a Recorrida não notificou aquela de que iria tomar posse administrativa das parcelas sobrantes, como não tomou posse administrativa das mesmas, nem sequer materializou a posse (v. facto provado n.º 18).
Por outro lado, comparando a causa de pedir e o pedido da Recorrente com as alegações agora apresentadas, verifica-se uma pequena nuance:
A Recorrente pretende a condenação da Recorrida não por aquilo que fez (teor da carta de 15/12/2013), mas por aquilo que deixou de fazer, isto é, a não correção do erro (engano segundo aquela) previsto no ofício, o qual deveria ter sido devidamente notificado.
Pretende a Recorrente que se conclua:
-Que dos factos constantes no procedimento não se induz a alteração da intenção de expropriação;
-Que a decisão final e vinculativa da Recorrida corresponde à notificação de 15/12/2003 e
-Que a Recorrida se encontrava obrigada legalmente a notificar a Recorrente da correção do anterior erro.
Cremos que carece de razão em todos estes aspectos.
Assim:
Dos factos constantes no procedimento de onde se induz a alteração da intenção inicial de expropriação -
Como advogado pela Recorrida, por mais que a Recorrente insista que desconhecia que a expropriação não incidia sobre as parcelas sobrantes, a cronologia dos factos não suporta tal conclusão como infra se expõe:

DA PARCELA 96
2003-12-15 carta da Recorrida com o assunto: Expropriação da parcela n.º 96, 96S a notificar de que vai requerer a declaração de utilidade pública relativa àquelas parcelas com a área total de 10.669 m2, sendo a proposta de indemnização de 131.549,00€; (doc. n.º 3 da PI + 4 factos provados + fls. 357 dos autos);
2004-01-05 De acordo com registo da técnica C.: Esteve presente a D.ª M., que trouxe os documentos pessoais (BI e NIF) e os documentos referentes ao prédio (certidão de teor matricial e certidão de registo predial do terreno e do logradouro e alpendre afectados). A proprietária não está de acordo com a expropriação. A mesma solicitou uma ida ao local pois alegou que há uma diferença de área pois estão incluídos artigos de outras parcelas;
2004-04-22 É realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” da parcela n.º 96, tendo comparecido ao ato a Recorrente:
-Nas generalidades faz-se menção à parcela n.º 96;
-Na localização alude à parcela n.º 96;
-Na descrição da parcela alude à parcela n.º 96 que tem a área de 9.874 m2.
-No enquadramento do PDM de Lousada alude à parcela 96 (fls. 378 a 386);
2004-05-20 É tomada a posse administrativa da parcela n.º 96, com a área de 9.874 m2, cujo auto consta de fls. 387 dos autos;
2005-07-01 Relatório de Arbitragem referente à Parcela 96, com as seguintes menções:
-No cabeçalho alude-se à parcela 96;
-No enquadramento e generalidades alude-se à Parcela 96;
-Na localização faz-se referência a 9.874 m2;
-O valor da indemnização é fixado em 100.207,20€;
-No quesito 6.º apresentado ao abrigo do disposto no artigo 48.º do CE, a Recorrente reconhece que a Parcela 96 faz parte integrante de um prédio de maiores dimensões e questiona qual o montante da depreciação e prejuízos sobre a parte sobrante do prédio em resultado da passagem da auto-estrada (fls. 390 a 403);
2008-01-31 A Recorrente solicita ao tribunal de Lousada a avocação do processo expropriativo da parcela 96, que deu origem ao processo judicial de expropriação - incidente art.º 51, sob o n.º 181/08.5TBLSD. (fls. 407 a 410);
2008-01-31 A Recorrente, fazendo alusão à DUP de 26 de fevereiro de 2004, Despacho n.º 6073-B/2004 (2.ª série), publicado em 26 de março de 2004, pede a avocação do processo expropriativo referente à parcela 96S, que deu origem ao processo judicial de expropriação - Procedimento n.º 3, art.º 42, sob o n.º 177/08.7TBLSD. (fls. 411 a 414);
DA PARCELA 96B
2003-12-15 Carta da Recorrida com o assunto: Expropriação da parcela n.º 96B, 96BS1, 96BS2 a notificar de que vai requerer a declaração de utilidade pública relativa àquelas parcelas com a área total de 3.031 m2, sendo a proposta de indemnização de 22.732,50€; (doc. n.º 7 da PI + 6 factos provados);
2004-01-05 De acordo com registo da técnica C.: esteve presente a D.ª M., que trouxe os documentos pessoais (BI e NIF) e os documentos referentes ao prédio (certidão de teor matricial e certidão do registo predial do terreno e do logradouro e alpendre afectados). A proprietária não está de acordo com a expropriação. A mesma solicitou uma ida ao local pois alegou que há uma diferença de área pois estão incluídos artigos de outras parcelas;
2004-04-15 A Recorrida notifica a Recorrente com o assunto: Expropriação da parcela n.º 96B, da publicação da Declaração de Utilidade Pública e informa da data de realização da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, bem como da proposta de expropriação: terreno: 2.196 m2 x 7,50€ = 16.470,00€ (fls. 348 e 349);
2004-04-22 É realizada a vistoria “ad perpetuam rei memoriam” da parcela n.º 96B, tendo comparecido ao ato a Recorrente:
-Nas generalidades faz-se menção à parcela n.º 96B;
-Na localização alude à parcela n.º 96B;
-Na descrição da parcela alude à parcela n.º 96B que tem a área de 2.222 m2, dizendo-se, ainda, que vai ser destacada de um prédio rústico de maiores dimensões com cerca de 5.900 m2. (fls. 344 a 347);
2004-05-10 A Recorrida notifica a Recorrente com o assunto: Expropriação da Parcela n.º 96B, do relatório da vistoria “ad perpetuam rei memoriam”, mais se notifica do dia e hora da tomada de posse administrativa da parcela (fls. 342);
2004-05-20 É tomada a posse administrativa da parcela n.º 96B, com a área de 2.222 m2, cujo auto consta de fls. 339 dos autos;
2005-05-25 A Recorrida notifica a Recorrente com o assunto: Expropriação da parcela n.º 96B, de que “Não tendo sido possível o acordo quanto ao valor da indemnização relativa à expropriação da parcela em epígrafe, terá lugar a arbitragem. (fls. 325);
2005-05-25 O teor da carta acima descrita é remetido ao mandatário da Recorrente e subscritor do recurso em apreço (fls. 327);
2004-05-25 A Recorrida notifica a Recorrente do Auto de Posse Administrativa referente à parcela n.º 96B, sendo que o assunto diz respeito à Expropriação da Parcela n.º 96B. (fls. 337);
2005-07-01 Relatório de Arbitragem referente à Parcela 96B, com as seguintes menções:
-No cabeçalho alude-se à parcela 96 B;
-No objeto da Expropriação alude-se à Parcela 96B;
-No objeto de expropriação faz-se referência a 2.222 m2;
-Na descrição da parcela alude-se à parcela 96B;
-Nos condicionalismos legais alude-se à parcela 96B;
-Nas condicionantes da avaliação faz-se constar que: A expropriação é parcial;
-No resumo do relatório alude-se à parcela 96B;
-O valor da indemnização é fixado em 15.889,00€;
-No quesito 4.º apresentado ao abrigo do disposto no artigo 48.º do CE, a Recorrente questiona os senhores árbitros sobre parte da parcela a expropriar;
-No quesito 5.º a Recorrente reconhece que a Parcela 96B faz parte integrante de um prédio de maiores dimensões e questiona qual o montante da depreciação e prejuízos sobre a parte sobrante do prédio em resultado da passagem da auto-estrada (fls. 314 a 324);
2008-01-31 A Recorrente, fazendo alusão à DUP de 26 de fevereiro de 2004, Despacho n.º 6073-B/2004 (2.ª série), publicado em 26 de março de 2004, pede a avocação do processo expropriativo referente à parcela 96BS1 e 96BS2, que deu origem ao processo judicial de expropriação - Procedimento n.º 3, art.º 42, sob o n.º 178/08.5TBLSD. (doc. n.º 10 e 12 da PI).
Ora, da conjugação dos factos elencados e dados como provados, podemos concluir o seguinte:
Com a notificação de 15/12/2003 foi remetida à Recorrente planta com a localização das áreas a expropriar, a indicação da área e valor da indemnização proposta.
Com a notificação de 15/04/2004 a Recorrente tomou conhecimento da DUP, da planta de expropriação, da área a expropriar e respetiva proposta de indemnização.
Nesta última data, ou na data da publicação da DUP, a Recorrente não podia deixar de conhecer que as parcelas a expropriar seriam somente as parcelas n.ºs 96 e 96B.
É que a partir da data da publicação do Despacho n.º 6073-B/2004 (2.ª série), isto é, em 26 de março de 2004, nunca mais se faz referência às parcelas sobrantes.
Quer a DUP, a correspondência e os autos subsequentes, referem-se somente às parcelas n.ºs 96 e 96B.
Aliás, as áreas e valores indemnizatórios propostos pela Recorrida, e depois pelos senhores árbitros, são totalmente distintos dos constantes na comunicação de 15 de dezembro de 2003.
Por isso, com a publicação da DUP e notificações subsequentes, a Recorrente teve conhecimento e soube que a expropriação incidia somente sobre as parcelas 96 e 96B, tanto mais que, aquando da indicação dos quesitos aos senhores árbitros, alude às áreas sobrantes, pretendendo saber qual o montante da depreciação e prejuízos sobre a parte sobrante do prédio em resultado da passagem da auto-estrada.
Além disso, o processo judicial expropriativo da parcela 96B que correu termos no Tribunal de Lousada sob o n.º 627/06.7TBLSD, no qual a Recorrente participou desde aquele ano de 2006, não contemplava as parcelas sobrantes 96BS1 e 96BS2 (porque em 2008 foi pedida a avocação dos processos expropriativos).
Do exposto não é possível admitir como verosímil que a Recorrente, face àquela DUP e aos procedimentos em curso a ela associados, estivesse convencida que, com fundamento na mesma DUP, fosse possível a expropriação das parcelas sobrantes.
Daí que seja incompreensível a instauração dos processos de avocação onde se afirma que foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela 96S (fls. 412) e das parcelas n.º 96BS1 e n.º 96BS2 (doc. n.º 10 da PI).
Também é incompreensível que a Recorrente tenha deduzido aqueles incidentes, abstendo-se de fazer acompanhar os requerimentos iniciais com a respetiva DUP e depois, quando confrontada com os factos, tentasse a convolação do requerimento em pedido de expropriação de bens próprios:
- “…sem necessidade de declaração de utilidade pública, valendo como tal e para efeitos de contagem de prazos, o presente requerimento, tudo nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 96.º do CE.” (cfr. doc. n.º 12 da PI) (parcelas n.ºs 96BS1 e 96BS2). Esta situação é tanto mais incompreensível, quanto era permitido à Recorrente pedir a expropriação total no âmbito do proc.º n.º 627/06.7TBLSD (96BS1 e n.º 96BS2).
Por isso, corrobora-se o que se diz na sentença:
… nem sequer é objetivamente defensável como tal convicção perdurou até à resposta da R. nos processos 177/08.7TBLSD e 178/08.5TBLSD, quando representada por mandatário que podia e devia saber que o conteúdo do despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 26.02-2004, publicado no Diário da República 2.ª série, n.º 73 de 26 de março de 2004, que ele próprio referenciou nas petições, não abrangia aquelas parcelas.
Ora, conjugando todos os factos até aqui carreados deles só se pode extrair que a Recorrente, em tempo oportuno, não questionou, por qualquer modo, a Recorrida acerca da incidência da DUP (confirmação) ou não incidência (negação).
Como é sabido, a presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351º do Cód. Civil).
Assim sendo, apenas não se alteram os pontos 15) e 16) do probatório porque tal só foi pedido a título subsidiário - 15. A A. ficou a saber que as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não iriam ser objeto de expropriação aquando da resposta da R. nos processos 177/08.7TBLSD e 178/08.5TBLSD. (resposta ao quesito 21.º)
16. Tendo ficado, entre a data da notificação dos ofícios de 15.12.2003 e o momento referido no ponto anterior, a aguardar que a R. desse continuidade aos processos de expropriação das parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2. (resposta ao quesito 20.º)
De resto, o Tribunal a quo acabou por desvalorizá-los ao concluir: nem sequer é objetivamente defensável como tal convicção perdurou até à resposta da R. nos processos 177/08.7TBLSD e 178/08.5TBLSD, quando representada por mandatário que podia e devia saber que o conteúdo do despacho do Secretário de Estado das Obras Públicas de 26.02-2004, publicado no Diário da República 2.ª série, n.º 73 de 26 de março de 2004, que ele próprio referenciou nas petições, não abrangia aquelas parcelas. (página 27, § 3 da sentença).
Aliás, já em sede de motivação da factualidade provada a Senhora juíza não deixou de vincar: (…) Entendemos, pois, que os ofícios eram aptos a criar a convicção da A. de que também as parcelas 96S, 96BS1e96BS2 iriam ser expropriadas, ao ponto de, com base, nessa convicção a A. ter deixado de cultivar tais áreas de terreno. Note-se que, questão diversa a ser apreciada em sede de fundamentação de direito, é a de saber se este estado subjetivo da A. é objetivamente sustentado, ou melhor, apto a merecer a tutela do direito enquanto uma confiança legítima. (sublinhado nosso).
Da decisão final e vinculativa da Recorrida corresponder à notificação de 15/12/2003 -
A Recorrente vem repetindo - acção e recurso - que foi enganada com a notificação de 15/12/2003 (violação do princípio da justiça, boa fé e dever de colaboração), como se aquele ato fosse o único e decisivo ato na expropriação.
Ora, como bem aduz a Recorrida, o alcance da notificação da intenção de expropriar, os seus efeitos, estão delimitados na própria notificação ao afirmar-se que “vai requerer a declaração de utilidade pública…” e “…para eventuais esclarecimentos e conveniente instrução do respetivo processo de expropriação, solicita-se a comparência de V. Exa…”.
Aliás, é a própria Recorrente que no seu recurso, ao transcrever o depoimento da Testemunha J. (seu irmão), confirma aquela intenção:
Exmo. Advogado: O senhor sabe que em determinada altura a sua irmã recebeu uma carta das Estradas de Portugal?
Testemunha: É verdade.
Exmo. Advogado: A dizer o quê?
Testemunha: A dizer que ia ser expropriado o terreno para a auto-estrada.
Portanto, é notório que se estava perante um ato preparatório, semelhante ao projeto de decisão, o qual integra um procedimento administrativo que culminaria com o ato definitivo e executório que constitui a DUP.
Aliás, para os expropriados os efeitos da DUP só são percetíveis com a implantação de estacas no terreno, isto é, a materialização da DUP acontece ou só se efetiva com o ato intrusivo que representa a posse administrativa e consequente delimitação do terreno.
Pretender-se atribuir efeitos à intenção de expropriação é abusivo, considerando as regras normais da experiência, sendo, além disso, ilegal por tal intenção não ser suscetível de vincular a Administração.
Ademais, atente-se nas Conclusões 2ª e 3ª das alegações:
2ª - Em 15/12/2003, a Recorrente foi notificada pela Recorrida através de carta registada do aviso de receção de que iria ser requerida a Declaração de Utilidade Pública, com caráter de urgência, da expropriação de uma parcela 96S com a área de 10.669 m2 a destacar do prédio “Barreiros” e de três parcelas, 96B, 96BS1 e 96BS2, com a área de 3031 m2, a destacar do prédio “Mata do Barroco”.
3ª - Tendo colaborado sempre com a Recorrida, decorridos 5 anos sem que esta a contactasse, requereu ao Tribunal Judicial de Lousada a avocação do processo de expropriação, tendo aí vindo a saber que, afinal, as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 não tinham sido expropriadas e sendo condenada em multas/custas processuais nos valores de € 96,00 e € 192,00; (sublinhado nosso).
Da obrigação da Recorrida notificar a Recorrente da correção do anterior “erro” -
De realçar, como acima se disse, que a Recorrente apresenta a notificação de 15/12/2003, sempre de modo isolado, como se não fosse publicada a DUP a delimitar aquela mesma intenção. Ou seja, até parece que a Recorrida desistiu da expropriação quanto a todo o terreno, quando posteriormente àquela notificação foi publicada DUP relativa a parte do terreno o que, necessariamente, acarreta a alteração da intenção inicial.
Tendo o procedimento iniciado com a menção das parcelas sobrantes (área, localização em planta e valores de indemnização), na ausência daquelas, é óbvio que a decisão da Recorrida ter-se-ia alterado - ambos os atos se encontravam associados, não se podendo aceitar que a Recorrente pudesse admitir que as parcelas sobrantes ainda viessem a ser expropriadas no âmbito daquela DUP, ou seja, no âmbito daquele procedimento.
Ora, o procedimento é único, começou por prever a expropriação das parcelas sobrantes, mas em decisão final, no caso a DUP, restringiu aquela expropriação ao necessário, dispensando qualquer esclarecimento ou menção expressa quanto a eventuais alterações da intenção inicial.
Nem a lei, nem a comunicação normal entre a Administração e os Cidadãos, ainda mais quando estes estão assessorados por Mandatários e Engenheiros, impõe àquela a notificação quanto à não prática de ato administrativo, sendo certo que o Cidadão sempre tem ao seu dispor todos os direitos e mecanismos para obter esclarecimentos quanto ao sentido e alcance dos atos administrativos, em especial quando são lesivos do seu património.
Em conclusão, a factualidade tida por assente e a não provada, conduz-nos, como na sentença, à improcedência do pedido da Recorrente.
A cronologia relatada, que temos por lógica, naturalmente impede a alteração do probatório nos termos veiculados pela Recorrente.
De resto, os poderes dados à Relação sobre a alteração da matéria de facto provada em 1ª instância têm que se cingir a casos de flagrante desconformidade entre o que foi produzido em termos de prova e aquilo que foi dado como assente.
Só em casos extremos é que a Relação poderá alterar a matéria de facto dada como provada pelo julgador da 1ª instância e apenas quando se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou que estão totalmente desapoiadas do que se produziu em audiência de julgamento.
Decidiu-se no Acórdão do STJ, de 10 de março de 2005, que a plenitude do segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais do que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas.
Na verdade, não basta ao recorrente discordar quanto ao julgamento da matéria de facto para o tribunal de recurso fazer “um segundo julgamento”, com base na gravação da prova: o poder de cognição deste tribunal, em matéria de facto, constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância, sem assumir a amplitude de um novo julgamento.
É que “Na impugnação da decisão da matéria de facto do tribunal de 1ª instância, o objecto precípuo da cognição do Tribunal da Relação não é a coerência e racionalidade da fundamentação da decisão de facto, mas antes uma apreciação e valoração autónoma da prova produzida, labor que, contudo, se orienta para a detecção de qualquer erro de julgamento naquela decisão da matéria de facto. Por isso, não bastará uma qualquer divergência na apreciação e valoração da prova para determinar a procedência da impugnação, sendo necessário constatar um erro de julgamento” - Acórdão da RC de 28/06/2011, proc. 185/07.5TBANS-B.C1.
No presente recurso não há lugar à modificação da matéria de facto dada como provada e/ou não provada.
A Senhora Juíza explicou, não apenas detalhadamente, mas exaustivamente, como formou a sua convicção, que resulta, não só da prova testemunhal produzida, mas da sua conjugação com o depoimento de parte da Autora, a prova documental inserta nos autos e a prova pericial, não deixando de apelar às regras da experiência comum.
Como também sublinhou, a Autora que poderia dispor das suas declarações de rendimentos e dos elementos contabilísticos de suporte às mesmas, nada juntou que permitisse ao Tribunal formar uma convicção segura de que obtinha rendimentos da exploração agrícola das parcelas, ademais nem sequer arrolou como testemunhas os trabalhadores que alegou utilizar na sua exploração ou aqueles a quem vendia os produtos que cultivava.
Já quanto à análise que fez da prova pericial, nenhuma censura há a fazer.
Na verdade, quando o perito, em vez de emitir um juízo técnico-científico claro e afirmativo sobre a questão proposta, emite uma probabilidade, uma opinião, ou manifesta um estado de dúvida, devolve-se plenamente ao tribunal a decisão da matéria de facto, que decide livre de qualquer restrição probatória e, portanto, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
(…)
II-No domínio da prova pericial civil, vigora o princípio da prova livre, e não da prova positiva ou legal, cujo juízo se presumiria subtraído à livre apreciação do julgador, e em que a sua convicção só poderia divergir do juízo pericial, desde que fundamentada.
III-O juízo técnico, científico e artístico não tem um valor probatório pleno, e, nem sequer, talvez, um valor de prova legal bastante, um valor, presuntivamente, pleno, ligado a uma presunção natural, que pode ceder perante
contraprova -Ac. do STJ de 16/12/2010, proc. 819/06.9TBFLG.P1.S1.
1.No nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artº 655º, nº 1, do Código de Processo Civil: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
2.O que está na base do princípio é a libertação do juiz das regras severas e inexoráveis da prova legal sem que entretanto se queira atribuir-lhe o poder arbitrário de julgar os factos sem prova ou contra a prova; o sistema da prova livre não exclui, antes pressupõe a observância das regras de experiência e critérios da lógica.
3.A perícia é um meio de prova e a sua finalidade é a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.
4.O perito é um auxiliar do juiz, chamado a dilucidar uma determinada questão com base na sua especial aptidão técnica e científica para essa apreciação.
5.O juízo técnico e científico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador; o julgador está amarrado ao juízo pericial, sendo que sempre que dele divergir deve fundamentar esse afastamento, exigindo-se um acrescido dever de fundamentação.
6.Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito.
7.A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal - artº 389º do Código Civil
-Ac. da RL de 11/3/2010, proc. 949/05.4TBOVR-A.L1-8.
No tocante ao valor da perícia, quer se trate da primeira perícia quer da segunda, vale, por inteiro, de harmonia com a máxima segundo a qual o juiz é o perito dos peritos o princípio da livre a apreciação da prova, e, portanto, o princípio da liberdade de apreciação do juiz (artº 389º do Código Civil).
Deste princípio decorre, naturalmente, a impossibilidade de considerar os pareceres dos peritos como contendo verdadeiras decisões, às quais o juiz não possa, irremediavelmente, subtrair-se. Uma tal conclusão só se explicaria por um deslumbramento face à prova científica de todo inaceitável e incompatível com os dados, que relativamente à pericial, a lei coloca à disposição do intérprete e do aplicador.
Agora, convém não esquecer o peculiar objecto da prova pericial: a percepção ou averiguação de factos que reclamem conhecimentos especiais que o julgador comprovadamente não domina (artº 388º do Código Civil). Deste modo, à prova pericial há de reconhecer-se um significado probatório diferente do de outros meios de prova, maxime da prova testemunhal. Deste modo, se os dados de facto pressupostos estão sujeitos à livre apreciação do juiz - já o juízo científico que encerra o parecer pericial, só deve ser susceptível de uma crítica material e igualmente científica. Deste entendimento das coisas deriva uma conclusão expressiva: sempre que entenda afastar-se do juízo científico, o tribunal deve motivar com particular cuidado a divergência, indicando as razões pelas quais decidiu contra essa prova ou, pelo menos, expondo os argumentos que o levaram a julgá-la inconclusiva (artº 653º nº 2 e 659º nº 2, in fine, do CPC). Dever que deve ser cumprido com particular escrúpulo no tocante a juízos científicos dotados de especial densidade técnica ou obtidos por procedimentos cuja fiabilidade científica seja universalmente reconhecida” - Ac. da RE de 25/1/2018, proc. 2825/16.6T8STR-B.E1.
Como consignado pela Senhora Juíza: foi, ainda, valorada positivamente a prova pericial realizada na medida em que, pela sua concretização e clareza, não suscitou ao Tribunal razões que levassem ao afastamento das conclusões ali alcançadas, mas apenas na medida em que as respostas incidiam sobre aquilo que é efetivamente objeto de prova pericial.
(…)
Nestes termos, não são passíveis de valoração as considerações tecidas pelo perito da expropriante na introdução, quer porque se trata de matéria a provar por documentos e/ou objeto de prova testemunhal, quer porque contêm matéria de direito ou constituem juízos conclusivos a extrair de outros factos e que só ao Tribunal cabe aplicar e considerar.

A Senhora Juíza fez, pois, correcta leitura da prova pericial com que se defrontou.

Aqui chegados, repete-se, o sucesso da acção está comprometido.

Não se ignora a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que a violação da boa-fé - artigo 6.º-A do CPA/91 - é suscetível de poder configurar um facto ilícito gerador de responsabilidade civil da Administração - v. entre outros, os Acórdãos de 26/10/1994, proc. n.º 017626, de 18/06/2003, proc. n.º 0653/07, de 09/07/2009, proc. n.º 0203/09, de 31/10/2012, proc. n.º 0553/11, de 25/02/2016, proc. n.º 036/15 e de 16/02/2017, proc. n.º 01167/16.

No entanto, à luz do quadro principiológico e normativo enfrentado pelo aresto recorrido, não se vislumbra que a Administração se tenha arredado do padrão de atuação pelo qual se deve nortear na sua missão de realização e prossecução do interesse público e naquilo que é o relacionamento que tem ou deve ter com os administrados.
Já quanto ao regime jurídico condutor do caso concreto o Tribunal a quo realçou:
Nos termos alegados pela A. a conduta da R. geradora dos danos invocados nos autos - relativos, em síntese, ao não aproveitamento agrícola dos seus prédios -, traduziu-se, essencialmente, na circunstância de após ter criado na A. a confiança quanto à expropriação das parcelas 96B, 96BS1 e 96BS2 não ter efetivado essas expropriações sem disso ter dado conta à A., conduta essa que, alega, ter ocorrido entre 2003 e 2008 - período durante o qual não realizou a exploração agrícola da sua propriedade.
Temos, pois, que aos factos ocorridos até 29.1.2008 a concretização da responsabilidade civil extracontratual é feita, em geral, pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21.11.67, e atendendo a que a Lei n.º 67/2007 (Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais e Entidades Públicas, RRCEEEP) não dispõe de modo diverso, a mesma aplicar-se-á aos factos fundamentadores de responsabilidade que se venham a produzir após a sua entrada em vigor, em 30.1.2008. (sublinhado e negrito nossos).
Em suma:
-Os princípios da boa fé e da confiança respeitam à necessidade de se ponderarem os valores fundamentais de direito, pertinentes no caso concreto, em função designadamente da confiança suscitada na contraparte por determinada actuação e do objectivo a alcançar - cfr. Diogo Freitas do Amaral - Curso de Direito Administrativo, Vol. II, Almedina, 2009, págs. 133 a 138; Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos - Direito Administrativo Geral, Tomo I, 3.ª ed., Dom Quixote, 2008, págs. 220 a 225.
-Conforme jurisprudência dos tribunais superiores, para que exista violação dos princípios da boa fé e da confiança é necessário que tenham sido criadas expectativas no particular minimamente sólidas, censurando-se os comportamentos que sejam desleais e incorrectos, bem como as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente onerosas - Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 160/00, de 22/03/2000, n.º 109/02, de 05/03/2002, n.º 128/02, de 14/03/2002 e do STA de 11/09/2008, proc. 0112/07 e de 13/11/2008, proc. 073/08.
Ainda na definição que nos é dada por Freitas do Amaral, a justiça é “o conjunto de valores que impõem ao Estado e a todos os cidadãos a obrigação de dar a cada um o que lhe é devido em função da dignidade da pessoa humana” (ob. cit. págs. 130 e 131).
Acresce que “o princípio fundamental consagrado no artigo 266.º, n.º 2, da CRP é o princípio da justiça, sendo que os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da boa fé são subprincípios que se integram no princípio da justiça” (autor e obra cit., pág. 134).
Assim, o artigo 6.º-A, do CPA, veio acolher expressamente o princípio da boa fé, no direito administrativo, dispondo que “No exercício da actividade administrativa, e em todas as suas formas e fases, a Administração e os particulares devem agir e relacionar-se segundo as regras da boa fé” (v. n.º 1).
Por outro lado, o respeito pela boa fé realiza-se através da ponderação dos “(...) valores fundamentais do direito, relevantes em face das situações consideradas e, em especial: a) da confiança suscitada na contraparte pela actuação em causa; b) do objectivo a alcançar com a actuação empreendida” (v. o seu n.º 2).
Ora, uma das mais importantes concretizações da boa fé, a que alude a alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º-A, é o princípio da protecção da confiança, que se traduz numa regra ético-jurídica fundamental, já que impõe que sejam asseguradas as “legítimas expectativas” criadas aos cidadãos, baseadas na conduta de outrem.
Destarte se protegem os particulares, relativamente aos comportamentos administrativos que objectivamente inculquem uma crença na sua efectivação.
Todavia, a tutela da boa fé não é absoluta, porquanto só poderá ocorrer mediante a verificação de certos pressupostos, a saber: a) existência de uma situação de confiança, traduzida na boa fé subjectiva da pessoa lesada; b) existência de elementos objectivos capazes de provocarem uma crença plausível; c) desenvolvimento efectivo de actividades jurídicas assentes nessa crença, d) existência de um autor a quem se deva a entrega confiante do tutelado (autor e obra citadas, págs. 149/150).
Com efeito, “(...) a confiança criada, a boa fé, não é factor isolado de valorização duma conduta jurídico-administrativamente relevante”, como nos ensinam Mário Esteves Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, em Código do Procedimento Administrativo Comentado, 2.ª ed., pág. 116.
Mais referem “(...) é ousada essa cláusula geral, porque refere o dever de boa fé a todas as “formas e fases” da actividade administrativa, quando, por exemplo, nalgumas dessas formas (...) não sobra praticamente campo de valorização jurídica do princípio da boa fé para além da garantida pela intervenção dos princípios da (legalidade e da igualdade, proporcionalidade, imparcialidade e justiça. (...).“ (ob. cit., pág. 112).
De resto, ainda nas palavras dos citados Autores, “(...) Subjectivamente, a boa fé é essencialmente um estado de espírito, uma convicção pessoal sobre a licitude da respectiva conduta, sobre estar a actuar-se em conformidade com o direito”.
O que pressupõe e implica, no seguimento do entendimento perfilhado pelos mesmos Professores, que o princípio da boa fé perde forçosamente a sua força normativa, se e quando a Administração Publica se vê confrontada com a obrigação vinculada e estrita de obedecer à Lei e ao Direito.
Sintetizando, não se pode obter, por via da proteção que é conferida pelos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, uma solução para uma situação jurídica ilegal.
In casu, como sentenciado, temos que no caso dos autos não estão, desde logo, preenchidos os requisitos da existência de um comportamento gerador de confiança e de uma situação objetiva de confiança legítima.
(…)
Não existe aqui, face aos elementos do probatório, uma conduta suscetível de ter produzido na A. a crença, assente na boa-fé, de que as parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2 iriam ser, necessária e efetivamente, objeto de declaração de utilidade pública e, posteriormente, aquisição pela via do direito privado ou expropriativa.
Com efeito, é de notar que em momento algum a R. se auto vinculou, perante a A., a dar seguimento ao pedido de declaração de utilidade publica, apenas a tendo notificado da resolução de expropriar, isto é, de uma mera intenção de requerer, perante a entidade competente, a prática do ato administrativo e solicitando-lhe os elementos relativos aos proprietários e prédios.
Na verdade, a atuação da Administração apenas lhe dá conta de ter sido iniciado o procedimento pré-expropriativo, mas daí não podia a A., objetiva e legitimamente, concluir que aquelas parcelas iriam, de facto, ser expropriadas.
E ao contrário do pugnado pela A. a circunstância de após a notificação da resolução de expropriar a Ré nada ter informado num período temporal superior a 4 anos não era de molde a consolidar essa confiança. Opostamente sabido que o ato declarativo da utilidade pública é notificado ao expropriado por carta ou ofício sob registo com aviso de receção (art. 17.º, n.º 1 do Código das Expropriações), a A. não podia deixar de se ter apercebido que tal declaração de utilidade pública não iria ocorrer quanto àquelas parcelas. E o certo é que, como decorre do probatório, em abril de 2004, foi notificada da declaração de utilidade pública quanto à parcela 96B e foi sendo sempre notificada entre 2004 e 2005 dos demais atos praticados no processo de expropriação das parcelas que foram efetivamente expropriadas.
Esta factualidade é demonstrativa que os autos não indiciam a existência de elementos objetivos capazes de provocarem uma crença plausível na A. que fizesse nascer na sua esfera jurídica uma confiança legítima no direito à expropriação das parcelas, nem tão pouco tal conduta era apta a provocar-lhe uma esperança razoável de que as parcelas iriam ser objeto da expropriação.
A atuação da R., tal como patenteada na matéria de facto dada como provada, não é reveladora de um qualquer seu desígnio de definir a situação jurídica das parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2, em sede de iniciar o procedimento de expropriação mediante a prática do ato de declaração de utilidade pública, por forma a atender às alegadas expectativas da A., não podendo a A. invocar uma fundada esperança de que a expropriação se iria efetivar.
O que se provou foi apenas a existência de uma convicção psicológica da A., um convencimento, que não assenta em sinais exteriores produzidos pela R. suficientemente concludentes para um destinatário normal e onde seja razoável ancorar a invocada confiança. Um destinatário normal não só facilmente se aperceberia que a notificação recebida lhe dava conta de uma mera intenção de que iria ser requerida a declaração de utilidade publica - não estando ainda efetivado o ato administrativo que faria nascer na sua esfera jurídica o direito à expropriação -, como em face seja da notificação do ato de declaração de utilidade pública que contemplava as parcelas 96 e 96B (também referidas nos ofícios), seja do andamento dado aos demais processos expropriativos se aperceberia que aquelas parcelas não iriam ser objeto da expropriação. Recorda-se as meras expectativas fácticas não são juridicamente tuteladas.
(…), nem a R. adotou um comportamento gerador de confiança, nem a confiança da A. é legitima, e, nessa medida, merecedora de tutela, e tanto basta para que se possa concluir, tendo em conta que um dos elementos que informa o conteúdo da noção de boa fé consiste na necessidade de se estar perante uma conduta contraditória que não fosse razoável intuir de um determinando comportamento anterior, que não existiu a invocada violação de dever jurídico-funcional de um comportamento consequente, ou seja, inexistindo a frustração da confiança da A. na realização da expropriação quanto às parcelas 96S, 96BS1 e 96BS2.
Com efeito, vimos supra que a conduta da R., tendo apenas dado conta de uma intenção de vir a requerer a declaração de utilidade publica, sem adotar qualquer ato que criasse na A. uma confiança legitima na expropriação, não foi violadora da boa fé que rege as relações entre a administração e os particulares. Tão pouco os elementos do probatório denotam uma vontade livre e consciente da R. de lesar a A., levando-a a abandonar a sua exploração agrícola, que se subsumisse ao dolo.
Além do mais, o que sucede nos autos é que não recaía sobre a R. um qualquer dever de informar a A. de que não iria requerer a declaração de utilidade pública quanto às parcelas 96S, 96BS1 e 96bS2.
E continua: a omissão ou falta de informação pedida gera responsabilidade da Administração quando há incumprimento do dever de informação, se e quando ele existir.
O que sucede nos autos é que não recaía sobre a R. um qualquer dever de informar a A. de que não iria requerer a declaração de utilidade publica quanto às parcelas 96S, 96BS1 e 96bS2.
Com efeito, o dever de notificação recai sobre atos administrativos que decidem sobre pretensões formuladas pelos interessados, imponham deveres, sujeições ou sanções, ou causem prejuízos, criem, extingam, aumentem ou diminuam direitos ou interesses legalmente protegidos, ou afetem as condições do seu exercício (art. 66.º do CPA).
Acresce que o Código das Expropriações impõe, além do mais, a notificação da resolução de expropriar e da proposta de aquisição pela via do direito privado (art. 10.º, n.º 5, 11.º, n.º 2) e da declaração de utilidade publica (art. 17.º, n.º 1).
A lei não prevê a informação quanto à não prática de um ato administrativo como, no caso dos autos, da declaração de utilidade pública, ainda que anteriormente tenha sido efetuada a notificação prevista no art. 10.º, n.º 5 do CE.
De resto, nem os deveres de conduta exigíveis no plano ético em que se move uma pessoa normal, reta e honesta colocada na situação jurídica concreta da Administração, face a uma prévia notificação de uma mera intenção de uma futura prática de um ato administrativo, demandavam, em concreto, que fosse a A. informada de que esse ato não ia ser praticado.
Ademais, não tendo a R. ocupado os terrenos da A., naturalmente, que não ocorreu qualquer privação do uso do prédio pela A. na sua totalidade. Na realidade, a R. não adotou qualquer conduta que se traduzisse na exclusão das faculdades de que ao proprietário é lícito gozar - a de uso e fruição da coisa (art. 1305.º do C. Civil).
E, por essa razão, a R. não praticou qualquer conduta violadora do direito de propriedade da A. e que, consequentemente, se reputasse ilícito.
Se a A., com apenas aqueles ofícios de dezembro de 2003, se convenceu que iria ser expropriada e, com base nesse convencimento, deixou de explorar agricolamente aqueles prédios, sibi imputet.
E o que dizer da omissão de enquadramento do caso vertente na responsabilidade civil extracontratual por factos lícitos?
De facto, nada obsta, em princípio, à subsunção dos factos ao artigo 9º/1, do DL 48 051, de 21 de novembro de 1967, que dispõe que “O Estado e as demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais.”.
Efectivamente, nas “situações, em que a pretensão do autor permanece na mesma relação jurídica (responsabilidade civil extracontratual do Estado) e onde a condenação se atém aos factos alegados pela parte, desde que o contraditório tenha sido assegurado, nada obsta à condenação do réu a título de responsabilidade civil por factos lícitos ainda que o autor tenha formulado a pretensão invocando a responsabilidade delitual” - Acórdão do STA de 23/11/2010 no âmbito do proc. 444/10).
Todavia, imperioso era determinar se a factualidade alegada e apurada nos permite concluir pela responsabilidade civil extracontratual por facto lícito da Recorrida.
Ora, “I- São pressupostos da responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, por actos lícitos praticados no domínio de gestão pública, prevista no art. 9º do DL nº 48.051, de 21.11.67: (I) um acto lícito do Estado ou de outra pessoa colectiva pública; (II) praticado por motivo de interesse público; (III) um prejuízo especial e anormal; (IV) nexo de causalidade entre o acto e o prejuízo. II - Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a actividade lícita da Administração.” - Ac. do STA de 02/12/2010, proc. 629/10.
“A exigência de um dano ou encargo especial e anormal é justificado à luz de um princípio de socialidade. Só são indemnizáveis os danos ou encargos que incidam sobre uma pessoa ou um grupo, sem afectarem a generalidade das pessoas (dano especial), e que simultaneamente ultrapassem os custos próprios da vida em sociedade e mereçam, pela sua gravidade, a tutela do direito (dano anormal).
“Anormal é, por sua vez, o dano que, pela sua gravidade, tem relevância ressarcitória; de tal modo que não há lugar ao pagamento de indemnização se o dano não exceder os encargos normais exigíveis como contrapartida dos benefícios emergentes da existência e funcionamento dos serviços públicos.”
É que “(...) A ideia da exigência destes dois requisitos de responsabilidade assenta, (...) na necessidade de estabelecer um duplo travão: a) evitar a sobrecarga do tesouro público, limitando o reconhecimento de um dever indemnizatório do Estado nos casos de danos inequivocamente graves, b) procurar ressarcir danos que, sendo graves, incidem desigualmente sobre certos cidadãos.”
Destarte, a (i) especialidade e a (ii) anormalidade são requisitos do prejuízo passível de indemnização enquanto pressuposto da responsabilidade civil.
A este propósito, o STA, no Acórdão de 13/01/2004, proc. 040581, decidiu: Não é prejuízo anormal, para efeitos do artigo 9º, n° 1 do DL n° 48051, de 21 de novembro de 1967, ainda que com depreciação do valor de realização do imóvel, a mera compressão do direito de acesso de um prédio de habitação, em resultado de modificações da via confinante, mas sem afectação do respectivo gozo standard. O mesmo Tribunal, no Acórdão de 18/6/2015, proc. 01314/13, refere, a este propósito, que no domínio do DL 48051, a obrigação de indemnização pela prática de acto lícito regula-se pelos artºs 562º e segs. do C. Civil, abrangendo a cobertura de todos os danos, desde que especiais e anormais - vide ainda o Acórdão do STA, de 25/3/2015 no proc. 01389/14.
Também este TCAN, em 17/06/2016, no proc. 00078/10.9BEAVR, assim entendeu, sumariando:
1.No que concerne à responsabilidade por ato lícito, nos termos do n.º 1 do artigo 9.° do Decreto-lei n.º 48.051, então aplicável, “o Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais”.
Assim, face à responsabilidade por atos lícitos, prescrevia o artº 9º/1 do citado DL nº 48051, que o Estado e demais pessoas coletivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante atos administrativos legais ou atos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais e anormais, prescindindo-se aqui dos requisitos da ilicitude e da culpa.
Este dever de indemnizar nasce à margem de qualquer ilicitude e censura jurídica, entrosando-se, antes, na circunstância de ter sido imposto ao administrado, em nome do interesse público, um sacrifício que ultrapassa os encargos normais que decorrem da vida em sociedade, ou de um sacrifício que seja grave e especial.
Nesta situação, prescinde-se dos requisitos da ilicitude e da culpa, apenas se exigindo que os prejuízos causados, para ser indemnizáveis, sejam especiais e anormais.
Por prejuízo especial entende-se aquele que não é imposto à generalidade das pessoas, mas a pessoa certa e determinada em função de uma específica posição relativa; por prejuízo anormal aquele que não é inerente aos riscos normais da vida em sociedade, suportados por todos os cidadãos, ultrapassando os limites impostos pelo dever de suportar a atividade lícita da Administração - Ac. deste TCAN de 08/04/2016, proc. 01095/04.3BEBRG “
I)- A responsabilidade extracontratual por facto lícito implica a existência de prejuízo especial e anormal.”
Ora, atentas estas considerações e o material fáctico apurado, temos de concluir pela ausência de danos qualificáveis como especiais e anormais, ocorridos na esfera jurídica da Recorrente.
Tal equivale a dizer que também por esta via se mostra afastada a responsabilidade civil da Ré/Recorrida. Dito de outro jeito, torna-se imperativo desatender o presente recurso, mesmo analisado sob este prisma.
Não se detetando, pois, na sentença recorrida as falhas que lhe vêm assacadas, ela será mantida na ordem jurídica.
Claudicam, desta feita, as conclusões da alegação.
DECISÃO
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique e DN.
Porto, 23/04/2021
Fernanda Brandão
Hélder Vieira
Helena Canelas
____________________________________________
Sumário
I - Antes da entrada em vigor do novo CPC o princípio da plenitude de assistência do juiz só tinha aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto (artº 654º do antigo CPC).
II - Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito sempre estiveram cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verificava em processo civil, entre a fase de audiência final, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
III - Embora o princípio da plenitude da assistência dos juízes seja um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, sendo preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, tal princípio não é absoluto.
IV - Com as alterações introduzidas através do artº 605 do novo CPC o referido princípio passou a aplicar-se à fase da audiência final pois que o julgamento da matéria de facto passou a conter-se nesta.
V - Estas alterações aplicam-se aos processos pendentes mas não têm eficácia retroactiva.
VI - As ditas alterações não influenciam o julgamento em sede de impugnação judicial se, como no caso dos autos, a inquirição de testemunhas ocorreu antes de 2013 e antes da entrada em vigor do novo CPC
VII - Em consequência, se a recolha da prova em sede tributária, foi efectuada no domínio do anterior CPC é admissível, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição de testemunhas.
VIII - Se assim sucedeu, não ocorre, nulidade que possa influir no exame ou na decisão da causa.