Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01326/08.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:03/03/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA, MÉTODOS INDIRECTOS, PRESCRIÇÃO
Sumário:I – A prescrição da dívida tributária não é fundamento válido para a impugnação de liquidações de impostos.

II – Sem embargo, deve ser apreciada a questão prévia da sua ocorrência, se no processo estiverem seguramente reunidos todos os elementos necessários a tal.

III – Da conjugação dos artigos 74º nº 3 e t5º n.º 1 e 2 alª a) da LGT resulta que, se é certo que é da AT o ónus da alegação e da prova de que é impossível a avaliação directa, designadamente por causa de uma das situações aludidas na alª a) do nº 1 do artigo 88º da LGT; e que, estando a contabilidade da Impugnante regularmente organizada, se presume a autenticidade de toda a escrita, também o é que, logrando a AT provar factos dos quais resultem indícios fundados, isto é, suspeitas sérias e objectivas, de que, afinal, a contabilidade impecável não reflecte (antes dissimula) a matéria tributável real, passa a ser do contribuinte o ónus de provar, seja a conformidade dessa contabilidade com a realidade, seja o excesso de quantificação em que se tenha incorrido na sua fixação pelos métodos indirectos.

IV- A menção do adjectivo no número plural e no género feminino, “supridas”, na expressão “quando não supridas no prazo legal”, na alínea a) do nº 1 do artigo 88º da LGT refere-se apenas ao substantivo no número plural e do género feminino “irregularidades” (na organização ou execução da escrituração de livros e registos).

V – As expressões, no corpo do artigo 88º da LGT “pode resultar das seguintes anomalias” e “quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável” revelam que as diversas alíneas desse artigo têm a função de indicar, sem carácter de necessidade, diversas situações de facto susceptíveis de causarem – o que não é mesmo que consistirem elas mesmas em – impossibilidade de avaliação directa da matéria tributável, sendo que só essa impossibilidade, em último termo, é pressuposto da legalidade do recurso aos métodos indirectos.

VI - Estando demonstrada e invocada a impossibilidade concreta da avaliação directa por, apesar de a contabilidade se mostrar correctamente organizada, haver indícios fundados de que não reflecte a matéria tributável real do sujeito passivo, mas sendo também invocada pela AT, como causa dessa impossibilidade, a alª a) do artigo 88º da LGT, designadamente a “a inexistência ou a insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração que inviabilizam o apuramento da mesma”, e negando o contribuinte a omissão de qualquer elemento de declaração, não é necessária, para a legalidade do recurso aos métodos indirectos, a notificação do contribuinte para suprir em prazo legal a inexistência ou insuficiência desses elementos de declaração.*
* Sumário elaborado pelo relator
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 5 de Maio de 2020, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial movida por “A Lda.”, NIPC (...), com sede em Rua (…), contra as liquidações adicionais de IVA referidas aos últimos períodos dos anos de 2000 e 2001, e respectivos juros compensatórios, por recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável, no valor global de 145 007,09 €.


As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES:
A- Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação deduzida, na parte correspondente às correcções por métodos indirectos, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) referentes aos exercícios de 2000 e 2001 e respectivos juros compensatórios, no valor global de €145.007,09, no seguimento do indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre essas liquidações.
B- A matéria que veio impugnada assenta na emissão de liquidações adicionais, que tiveram por base correcções efectuadas pela AT em acção de inspecção externa em sede de IVA, IRC e IRS aos exercícios de 2000 e 2001, conforme relatório integrado no Processo Administrativo a fls. 73 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso ao PA (cfr. factos nºs 1 a 4 do probatório).
C- Nos presentes autos de impugnação judicial, está, pois em causa, aferir da legalidade das liquidações adicionais de IVA, emitidas pela Administração Tributária (AT), com referência aos exercícios de 2000 e 2001, no seguimento das correcções com recurso a métodos indirectos.
D- A meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo entendeu que os indícios elencados no relatório de inspecção tributária, tal como os descreveu (Comportamento declarativo/fiscal da empresa; Venda da licença; Gestão de carreira; Prémios de competição e Serviços de publicidade prestados), analisados no seu conjunto e tendo em conta as regras da experiência são, em nosso ver, mais do que suficientes para permitir à AT concluir que a contabilidade da Impugnante não reflectia o resultado obtido nos exercícios de 2000 e 2001.
E- Ou seja, pese embora, a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo tenha entendido que se encontra materialmente fundamentado o recurso a métodos indirectos, atendendo às regras do ónus da prova referidas na decisão, que no relatório de inspecção são identificadas situações de onde resulta a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável da Impugnante,
F- considerou que, tendo no discurso fundamentador vertido no relatório de inspecção tributária, a AT apenas indicado como pressuposto da avaliação indirecta o disposto no art. 88.°, al. a) da LGT (que prevê «a inexistência ou insuficiência de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal ...»), e que prevendo a lei que o sujeito passivo seja notificado para proceder à sua organização num prazo a designar pela AT, não superior a 30 dias (art. 52.º, n.ºs 2 e 3 do Código do IRC) e só se as deficiências de contabilidade e escrituração não forem supridas neste prazo, se poderá concluir, se for caso disso, pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável,
G- e, não constando do mesmo relatório ou do processo administrativo que a AT tenha notificado a Impugnante para regularizar as deficiências da contabilidade, nos termos expressamente previstos na referida alínea a) do art. 88.º da LGT (…) foi preterida formalidade legal essencial à avaliação indirecta da matéria colectável, porque ao sujeito passivo não foi concedida a possibilidade de suprir a lacuna da inexistência de elementos de contabilidade, não estando reunidos os pressupostos invocados pela AT para a aplicação dos métodos indirectos. (negritos e sublinhado nossos)
H- Ora, com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente assim decidido, pois entende que a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo, ao ter decidido como decidiu, incorreu em erro de julgamento, por errónea interpretação do disposto na alínea a) do art. 88° da LGT.
I- Para fundamentar a sua decisão a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo apelou à jurisprudência que dimana dos acórdãos do STA, datado de 03/12/2014, proc. nº 01262/13 e de 13/09/2017, proc. n.º 01316/16, em especial a este último, de onde se retira que a possibilidade de suprimento, no prazo legal, contemplada na al. a) do art. 88º da LGT, impõe-se em todas as situações ali previstas e não apenas nas situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução.
J- Salvo o devido respeito por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que não é bem assim, a notificação para regularização da situação não se aplica quando o fundamento é a insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, in casu imputáveis ao contribuinte (impugnante) a título de dolo.
K- Considera a Fazenda Pública que, apenas nos casos de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução, é que deve ser dada a oportunidade ao contribuinte para regularizar a contabilidade, tal e qual como se encontrava previsto no nº 2 do art. 52° do CIRC.
L- Normativos da LGT e do CIRC que não podem deixar de ser interpretados, de uma forma sistemática (harmónica), com outros dispositivos legais que digam respeito a esta matéria, veja-se o disposto nos artigos 120° e 121° do RGIT.
M- Com efeito, o art. 120° nº 2 do RGIT dispõe que “Verificada a inexistência de escrita... é notificado o contribuinte para proceder à sua organização num prazo a designar, que não pode ser superior a 30 dias (...)” (sublinhado nosso) e o nº 2 do art. 121° do RGIT, sob a epígrafe “Não organização da contabilidade de harmonia com as regras de normalização contabilística e atrasos na sua execução” estipula que “Verificado o atraso, (…) o contribuinte é notificado para regularizar a escrita em prazo a designar, que não pode ser superior a 30 dias (...)” (sublinhado nosso)
N- Para a situação de insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração não foi, sequer, prevista a mesma exigência legal de notificação (cfr. art. 119º do RGIT).
O- Em termos de doutrina sufragamos a opinião de que, atendendo à letra da alínea a) do artigo 88º da LGT a condição nela ínsita “quando não supridas no prazo legal” se aplica apenas às situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução (como parecem entender DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª ed., 2012, p. 765 – nota 2 ao art. 88º da LGT).
P- Ora, estando o escopo da norma erigido no sentido de dar a oportunidade ao contribuinte para regularizar a sua contabilidade apenas nas situações em que se verifique a inexistência de escrita e a falta e atrasos na execução da contabilidade (porquanto, salvo o devido respeito por opinião contrária, é esta a interpretação mais consentânea com a letra da lei e o espírito do legislador), não sendo de sufragar a interpretação extensiva acolhida no acórdão do STA de 13/09/2017, proc. n.º 01316/16, pelo que mal andou a douta sentença recorrida ao julgar que a Administração Tributária deveria, ter efectuado à impugnante a notificação para regularizar as deficiências da contabilidade.
Q- A jurisprudência que dimana do acórdão do STA, datado de 13/09/2017, proc. n.º 01316/16, não se pode ainda considerar pacífica e reiterada. Encontra-se, inclusivamente, em oposição com o acórdão do TCAN, datado de 14/07/2016, proferido no processo n. º 00548/10.9BECBR.
R- Do acórdão do TCAN, datado de 14/07/2016, proferido no processo n. º 00548/10.9BECBR, cuja jurisprudência a Fazenda Pública sufraga e entende melhor se aplicar à situação sub judice, retira-se que: “VIII–Para aferição dos casos em que se verifica a impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria tributável, o legislador, no artigo 88.º da LGT, criou, de forma taxativa, parâmetros legais destinados a tornar mais facilmente identificáveis as situações em que essa impossibilidade se verifica. IX - Nas situações mais graves, deparamos com anomalias ou incorrecções imputáveis ao sujeito passivo a título de dolo. São as situações em que o seu próprio comportamento revela a intenção de não colaborar com a AT e de ocultar a sua verdade fiscal, inviabilizando a cabal aferição da sua capacidade contributiva. XI - Comum a estas situações mais graves é o facto de o legislador não exigir que seja fixado um prazo legal para o suprimento da falta. A razão é evidente: os comportamentos descritos revelam por si só uma intenção de não colaborar com a AT. Em casos como o dos autos, com tais comportamentos, o contribuinte está a anunciar antecipadamente a intenção de não colaborar. XII - Não obstante o enquadramento pela AT (também) na alínea a) do artigo 88.º da LGT, o certo é que os factos constatados que subjazem a tal conclusão inculcam a ideia de dolo (existência de dupla contabilidade), pelo que, nestas situações, não há lugar a notificação prévia para suprir ou regularizar a situação, porque a atitude do contribuinte já espelha a intenção de não colaborar com a AT, podendo a decisão de recorrer a tributação por métodos indirectos ser tomada sem que a aqui Recorrente fosse notificada para regularizar a escrita em prazo que não podia ser superior a 30 dias.” (negrito e sublinhado nosso)
S- A administração tributária recorreu aos métodos indirectos de avaliação porque encontrou insuficiências (dolosas) na contabilidade e na declaração Mod. 22 da impugnante (omissão de proveitos), como claramente resulta do relatório inspectivo junto aos autos.
T- A impugnante em todos os procedimentos administrativos (procedimento inspectivo, de revisão e de reclamação graciosa) sempre contestou substancialmente as correcções efectuadas pelos SIT, em nenhum momento concordou com elas e mostrou intenção em “regularizar/organizar” a sua contabilidade e suprir a insuficiência declarativa. Nem mesmo já em sede judicial. A impugnante sempre apelou à integridade e integralidade dos seus elementos contabilísticos
U- Concorda-se com o entendimento da meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo ao referir que sérios indícios “mais tarde, foram recolhidos no âmbito do processo crime de que a Impugnante e o piloto vieram a ser alvo – designadamente, que a constituição da R-. fez parte de um esquema de planeamento fiscal abusivo, que visava, por um lado, a produção, em nome da mesma, de facturas de conveniência para entidades nacionais, entre as quais a Impugnante, para aumentar os seus custos, sem que tivessem sido prestados quaisquer serviços, e, por outro lado, que a Impugnante deixasse de contabilizar proveitos com correspondência a serviços prestados, mas cuja facturação foi emitida em nome daquela R-.-., não tendo aquela empresa qualquer substância económica, sendo uma sociedade meramente instrumental (cfr. fls. 14,15,18, 22, 30, 52, 53 da referida decisão instrutória) -, não é difícil de concluir que a venda pela Impugnante de uma licença exclusiva, sem contrapartida monetária para, na mesma data, adquirir uma sub-licença da mesma “patente” em contrapartida do pagamento de royalties não tinha qualquer racionalidade económica e apenas visava a erosão da base fiscal nacional e o desvio de lucros para outras jurisdições, prática que é hoje conhecida e combatida com medidas concretas, no âmbito da OCDE, como “BEPS” (“Base erosion and profit shifting”)”.
V- Citando o acórdão do TCAN, datado de 14/07/2016, proferido no processo n. º 00548/10.9BECBR, são situações em que o seu próprio comportamento revela a intenção de não colaborar com a AT e de ocultar a sua verdade fiscal, inviabilizando a cabal aferição da sua capacidade contributiva.
W- O legislador não exige que seja fixado um prazo legal para o suprimento da falta. A razão é evidente: os comportamentos descritos revelam por si só uma intenção de não colaborar com a AT. Em casos como o dos autos, com tais comportamentos, o contribuinte está a anunciar antecipadamente a intenção de não colaborar.
X- Em nenhum momento a impugnante se mostrou disponível a colaborar com a AT, não fazendo nenhum sentido, salvo o devido respeito por opinião diversa, a obrigatoriedade de in casu se ter de notificar a impugnante para proceder à organização da sua contabilidade, no prazo máximo de 30 dias.
Y- Acresce dizer que, pese embora no RIT não conste a menção à al. d) do artº 88.º da LGT, a impugnante apresentou um pedido de revisão da fixação da matéria tributável.
Z- Na sentença recorrida a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo entendeu que resulta dos autos (em concreto) que deveria ter sido com base nos artigos art.º 87º e 88º, als. a) e d) da LGT que a fiscalização se deveria ter estribado para lançar mão do poder de tributar por métodos indirectos, considerando que “como é bom de ver, na situação em causa não estamos apenas perante a existência de irregularidades na organização ou execução da contabilidade da Impugnante (cfr. a al. a) do artigo 88.º da LGT), mostrando-se concretamente identificados factos através dos quais é patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada (cfr. a al. d) do artigo 88.º da LGT)” (negrito e sublinhado nosso).
AA- Ora, do recente acórdão do TCAN, datado de 19/06/2019, proferido no processo n. º 02362/08.2BEPRT, por todos, retira-se que assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão nos termos do art.º 92.º da LGT, é desse acto final que fixa a matéria tributável que se deve colher a fundamentação adoptada pela Administração Tributária.
BB- E, pese embora este entendimento também tenha sido sufragado pela meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo na sentença recorrida, entendeu que a decisão em causa nada esclarece, limitando-se a remeter para os factos apurados no procedimento de inspecção e a referir genericamente os artigos 87.º e 88.º da LGT. (negrito e sublinhado nosso).
CC- Ora com o assim decidido, salvo o devido respeito por opinião diversa, não pode a Fazenda Pública concordar, com a alegada falta de fundamentação formal derivada apenas pelo motivo de na decisão do procedimento de revisão se ter referido tout court o art.º 88.º da LGT sem se especificar a al. d).
DD- Nos termos do n.º 4 do artigo 77.º da LGT a decisão da tributação pelos métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, bem como indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável, exigências que a Fazenda Pública considera satisfatoriamente cumpridas no relatório de inspecção e na decisão do pedido de revisão, sendo claro e esclarecedor o motivo do recurso a tais métodos e bem assim o critério eleito para a avaliação indirecta e a forma como se determinaram os valores corrigidos.
EE- Um acto está suficientemente fundamentado sempre que um destinatário normal, colocado perante o acto em causa, possa ficar ciente das razões que sustentam a decisão. Fora de situações especiais em que são exigidos requisitos acrescidos de fundamentação, o acto considera-se suficientemente fundamentado quando é atingido formalmente esse propósito.
FF- Sendo atingido tal objectivo, qualquer irregularidade ou omissão deverá considerar-se sanada, aferindo-se tal efeito face ao acto efectivamente praticado, perante o qual terá que ser cotejada a sua adequação. A fundamentação dos actos tributários, legalmente exigível, não é idêntica para todas as espécies de actos.
GG- No caso em apreço, pela análise do pedido de revisão, da petição da reclamação graciosa e da petição de impugnação, ficou demonstrado que a Impugnante conheceu e compreendeu na sua integralidade, apercebendo-se e captando o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelos autores do acto, não ocorrendo, por isso, ilegalidade por falta de fundamentação, motivo pelo qual deveria improceder o vício.
HH- Para que a fundamentação de direito se considere suficiente não é imprescindível a indicação de todos os preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico, ou a um quadro normativo determinado, conforme se retira do acórdão do STA datado de 27/05/2003, proferido no processo 01835/02, disponível in www.dgsi.pt, “tem sido entendimento deste Tribunal que na fundamentação de direito dos actos administrativos não se exige a referência expressa aos preceitos legais, bastando a referência aos princípios jurídicos pertinentes, ao regime legal aplicável ou a um quadro normativo determinado - cfr. p. ex, os acs. de 28.02.02, rec. 48071, de 28.10.99, rec. 44051 (respectivo Apêndice ao Diário da República, pág. 6103), de 8.6.98, rec. 42212 (Apêndice, pág. 4263) de 7.5.98, rec. 32694 (Apêndice, pág. 3223) e do pleno de 27.11.96, rec. 30218 (Apêndice, pág. 828).
II- Deve-se pois considerar, fundamentado de direito um acto quando ele se insere num quadro jurídico-normativo perfeitamente cognoscível, conforme ampla jurisprudência
dos nossos tribunais superiores, por todos, veja-se igualmente o acórdão do STA datado de 25/05/2015, proferido no processo 087/14, disponível in www.dgsi.pt.
JJ- Ainda que não haja referência específica à al. d) do art.º 88.º da LGT, na decisão do procedimento de revisão, tal não implica de per si, a invalidade do acto já que a referência ao art.º 88.º da LGT abrange necessariamente em abstracto todas as suas alíneas.
KK- No caso dos autos a situação em concreto subsume-se inequivocamente à al. d) art.º 88.º da LGT (como bem concluiu a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo) isso
não inibiu a impugnante de reagir judicialmente contra o acto, demonstrando aperceber-se do carácter lesivo do mesmo, bem como das razões que conduziram à sua prolação. Encontrando-se, pois, o acto suficientemente fundamentado.
LL- E não somos pois da opinião de que, se a meritíssima Juíza do douto Tribunal a quo assim tivesse considerado, invadiria os poderes da administração activa ou extravasava os limites do contencioso de anulação.
MM- Caso assim não se entenda, salvo o devido respeito que é muito, entende a Fazenda Pública que se deveria/deve considerar inoperante o suposto vício formal, sob pena de se incorrer numa clara violação do princípio anti formalista. Por todos, veja-se o decidido no Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte de 05/12/2014 proferido no processo 02171/09.1BEPRT, disponível em www.dgsi.pt.
NN- A pretensa formalidade para regularizar as deficiências da contabilidade, nos termos alegadamente previstos na referida alínea a) do art. 88.º da LGT, se se considerar essencial, degrada-se em não essencial, não sendo, por isso, invalidante do acto controvertido, nos casos em que não tem a mínima probabilidade de influenciar a decisão tomada, o que se impõe o aproveitamento do acto – utile per inutile non viciatur.
OO- Neste sentido se tem pronunciado alguma da jurisprudência dos nossos Tribunais superiores, no que ao direito de audição diz respeito (mutatis mutandis aqui aplicável), salientando a título de exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15/02/2007 proferido no processo 01071/06.
PP- A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do procedimento ser influenciada pela participação da requerente, Acórdão do STA, proferido em 25/06/2015, no processo 01391/14.
QQ- Entende a Fazenda Pública, que no caso em concreto a alegada preterição do dever de se notificar a impugnante para proceder à organização da sua contabilidade, no prazo máximo de 30 dias (que não se concede) não teria a mínima probabilidade de influenciar a favor da impugnante a decisão tomada na medida (em que) ela sempre considerou que a sua contabilidade já se encontrava organizada, o cumprimento do dever de notificação constituiria ritual inócuo e desnecessário, insusceptível de influenciar a decisão de aplicação de métodos indirectos, impondo-se assim, o aproveitamento do acto, e consequentemente, permanecer a liquidação impugnada na sua estabilidade e vigência no ordenamento jurídico.
RR- Sendo a impugnação um processo de mera anulação, a anulação da liquidação, na parte correspondente às correcções por métodos indirectos, motivada por este vício de forma, nas circunstâncias factuais em que os presentes autos se circunscrevem, uma eventual não aplicação do principio do aproveitamento do acto inválido, é salvo o devido respeito por outra opinião, violadora do Princípio da Proporcionalidade.
SS- Por tudo o exposto, entende a Fazenda Pública, que a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito por errónea interpretação do disposto no art. 88° da LGT, devendo ser revogada e substituída por outra que declare a acção totalmente improcedente».

A Impugnante apresentou contra-alegações, aproveitando o ensejo para alegar a prescrição das dívidas geradas pelos actos impugnados, sustentando a improcedência do recurso e, a mais disso, requerendo a ampliação do mesmo nos termos e para os efeitos do artigo 636º nº 1 do CPC, em termos redutíveis à seguinte transcrição:
«Termos em que se conclui:
I. Como questão prévia, verifica-se que as dívidas em causa nos presentes autos estão prescritas, prescrição que deve ser declarada para todos os efeitos legais, e determinar a inutilidade superveniente da lide.
II. Dispunha o artº 48º da Lei Geral Tributária à data dos factos que “as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”.
III. Dispondo, de seguida, o artº 49º da mesma lei, na redacção dada pela Lei n.º 100/99, de 26 de Julho, em vigor à data dos factos e da instauração da reclamação graciosa que teve por objecto as dívidas impugnandas, que 1 – A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição. 2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
IV. Como é sabido, esta redacção do nº 2 do artº 49º veio a ser revogada pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro, tendo no entanto esta lei vindo a explicitar que a revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo (cf. artigo 91.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, disposições transitórias no âmbito da LGT).
V. Ora, no caso dos autos, verifica-se que o prazo de prescrição dos impostos em causa era de oito anos, tendo-se a prescrição interrompido em 31.05.2004 por efeito da interposição da reclamação graciosa deduzida (vd. nº 11 dos factos dado como provados na douta sentença proferida),
VI. Tendo tal reclamação sido objecto de indeferimento em 20.05.2008 (conforme se verifica do nº 12 dos factos dados como provados), verificando-se da decisão de indeferimento (fls. 174 e ss. do processo de reclamação graciosa apenso) que nenhum acto foi praticado no âmbito do processo de reclamação a não ser a análise do invocado pelo contribuinte.
VII. Em 01.06.2005 verificou-se assim preenchido o efeito constante do nº 2 do artº 49º da L.G.T., tendo recomeçado a contagem do prazo de prescrição, que terminou em 01.06.2013.
VIII.
E não se diga que a dedução da presente impugnação judicial em 2008 interrompeu novamente a prescrição que se encontrava a decorrer, na medida em que é pacífico (nº 3 do artº 49º na redacção que lhe foi dada pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro que a interrupção da prescrição “tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”.
IX. Verifica-se, assim, a prescrição das dívidas impugnadas, a qual, muito embora não possa ser objecto de impugnação judicial pode ser invocada até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo a tal impugnação, como fundamento que possa conduzir à inutilidade superveniente da lide, invocação que aqui se faz para todos os legais efeitos.
X. Sem prescindir quanto ao que ficou dito, e para o caso de não virem a ser julgadas prescritas as dívidas impugnadas, ainda assim entenda a recorrida que não assiste qualquer razão à recorrente.
XI. A douta sentença proferida julgou ilegais as liquidações impugnadas por ter sido preterida formalidade legal essencial à avaliação indirecta da matéria colectável, porque ao sujeito passivo não foi concedida a possibilidade de suprir a lacuna da inexistência de elementos da contabilidade.
XII. Com efeito, as liquidações em causa (por métodos indirectos) foram nos termos da “alínea a) do artº 88º da Lei Geral Tributária” – cfr. fls. 6 do Relatório de Inspecção Tributária junto aos autos, e transcritas no início de fls. 3 da sentença proferida.
XIII. E dúvidas não restam, como bem anota a sentença recorrida, que o artº 52º do CIRC dispõe que esse motivo só dá lugar à aplicação de métodos indirectos após o decurso do prazo fixado para a sua regularização sem que tal tenha ocorrido.
XIV. E tal exigência, conforme bem se refere na sentença recorrida, é além do mais
um imperativo constitucional, que consagra a opção pela tributação do lucro real (artº 104º nº 1 da CRP), sendo que a avaliação indirecta tem “natureza limitada e excepcional”.
XV. A recorrente invoca, contra tal entendimento, que entende que tal exigência de notificação não se aplica “quando o fundamento é a insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração in casu imputáveis ao contribuinte a título de dolo”.
XVI. Ou seja, considera a Fazenda que só quando há “falta ou atrasos de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução” é que deve ser dada a oportunidade para a regularização.
XVII. Mas não é isso que diz a lei, como não tem sido esse o sentido da jurisprudência dominante.
XVIII. Desde logo, quem qualificaria como “dolosa” a atitude do contribuinte? A Administração Fiscal? Com que indícios?
XIX. Dos autos decorre que não existiram comportamentos omissivos, de falta de resposta a notificações, de sonegação de informação, ou de outra índole que justificassem tal conclusão.
XX. Tal não sucede no caso dos autos – basta ler o relatório de inspecção para verificar que o que estava em causa era uma divergência essencial sobre a contrapartida de um contrato celebrado com uma entidade inglesa, tendo o contribuinte estado sempre presente e a colaborar, explicando, os procedimentos e os movimentos que pudessem levantar dúvidas.
XXI. Dolo, à data do relatório, que é a única data que pode contar para efeitos da averiguação da legitimidade do recurso a métodos indirectos, não existia, não podia ser presumido, não estava indiciado de forma alguma.
XXII. Como não é o que se passa quando se cita a al. d) do artº 88º da LGT, reiterando-se que não foi esse o fundamento invocado, utilizado e que efectivamente conduziu a AT à decisão de tributação por métodos indirectos, sendo certo que o recurso a tal alínea d) não se encontra sequer fundamentado no relatório de inspecção.
XXIII. A recorrente pretende deixar explícita uma assunção que não decorre de todo do relatório de inspecção, que foi o único acto prévio às liquidações, que o poderiam justificar: que o contribuinte não se mostrou disponível para colaborar com a AT.
XXIV. Pelo contrário: basta ver o início do relatório para verificar que, perante determinados custos que estavam contabilizados na sociedade o sócio gerente da recorrida de imediato reconheceu que se tratava de despesas pessoais.
XXV. Não se pode concordar com a sentença recorrida quando refere que se mostravam identificados factos através dos quais “é patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior que a declarada”, a menos que se esteja a referir ao sócio gerente (conta 25511), já que quanto à outra sócia “M---, S.A.” é o próprio relatório que refere que existem “montantes pouco significativos” (parte final de fls. 24 do relatório).
XXVI. Quanto ao sócio gerente, verificam-se movimentos na conta 255 de entradas de dinheiro e saídas de dinheiro nas contas bancárias da sociedade em 2000 e 2001 que evidenciam que o mesmo utilizava a conta da sociedade no âmbito da sua actividade (posto que o sócio gerente era, ao mesmo tempo, o pivot de toda a actividade da empresa), em que procedia a pagamentos da sua conta pessoal de despesas relacionadas com a actividade que posteriormente eram reflectidas na empresa (vd. explicações a fls. 25 do relatório).
XXVII. Ora, em primeiro lugar, estão em causa nos autos rendimentos dos anos de 2000 e 2001.
XXVIII. No ano de 2000 estava em vigor a seguinte redacção do artº 88º da LGT: A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos da aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais; b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação; c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
XXIX. Esta redacção foi apenas alterada pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro (que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2001. E mesmo esta lei refere o seguinte: A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais; b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação; c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal. d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.
XXX. Ora, a alínea d) obviamente que tem que se referir ao sujeito passivo, e não aos seus sócios gerentes, como parece inferir-se das alegações a que se responde (ponto .33.), no que à capacidade contributiva diz respeito, sendo certo que quanto a discrepâncias entre valores declarados e valores de mercado nem sequer são referidas no relatório.
XXXI. E em lado nenhum do relatório se atribui qualquer capacidade contributiva superior à declarada à impugnante, pelo contrário – referem-se resultados baixos e nada mais (fls. 26, ponto 10 do relatório).
XXXII. Pelo que neste ponto não pode concordar-se com a sentença proferida, ou com as alegações da recorrente.
XXXIII. Ao contrário do que se alega, a decisão de recurso a métodos indirectos não sem baseou, nem juridicamente, nem de facto, na alínea d) do artº 88º, nem no artº 88º como um todo, mas sim na al. a) do artº 88º da LGT, conforme se refere no início do ponto IV do relatório.
XXXIV. A alínea d) refere discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, que em lado nenhum do relatório consta, e actos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada que igualmente não constam do relatório, no que diz respeito à recorrida.
XXXV. Nunca bastaria ou seria suficiente, assim, invocar a alínea d) do artº 88º, a mesma teria que ser devidamente fundamentada – nada se referindo no relatório quanto aos dois fundamentos previstos naquela alínea.
XXXVI. A fundamentação do recurso a métodos indirectos é, nestes termos, relativa à al. a) do artº 88º, que deveria ter conduzido à notificação ao contribuinte prevista naquela alínea, o que, a não suceder conduziu, como bem entendeu a sentença recorrida, à preterição de formalidade legal essencial, e consequentemente à ilegalidade das liquidações em causa nos presentes autos.
XXXVII. E não se confunda o princípio antiformalista e de aproveitamento do acto administrativo com o princípio da legalidade. O princípio antiformalista esgrimido pela Fazenda Pública nas suas alegações não pode de forma nenhuma resultar na legitimação à preterição de formalidades legais no decurso da acção inspectiva, principalmente quando a lei expressamente consagra o direito do contribuinte de espontaneamente suprir determinadas faltas,
XXXVIII. Precisamente porque estamos no domínio de uma tributação (por métodos indirectos) que deve ser utilizada apenas e só quando não é possível qualquer outra, e é por definição uma tributação altamente gravosa para o contribuinte, na medida em que sistematicamente (como é o caso dos autos) presume apenas lucros e nunca custos.
XXXIX. Tudo para concluir que a sentença em causa fez correcta aplicação do Direito não merecendo qualquer censura.
SEM PRESCINDIR,
XL. Sem prescindir ainda, e caso se venha a conceder provimento ao entendimento da recorrente, o que por mero dever de patrocínio se admite, ainda assim sempre deveria atender-se aos demais vícios imputados às liquidações impugnadas, que não chegaram a ser apreciados por desnecessidade, impondo-se, por outro lado, a alteração à matéria de facto dada como provada, de acordo com que adiante vai expresso.
XLI. Na verdade, considerou-se na sentença recorrida que não ficaram provados os factos constantes do ponto III.2 (pág. 39), com o que a recorrida não pode concordar, considerando que tais factos devem considerar-se provados em face da prova produzida e de todos os elementos documentais juntos aos autos.
XLII. Com efeito, remete-se para as transcrições acima feitas dos depoimentos testemunhais, os quais, em conjunto com as provas documentais constantes dos autos, conduzem a que os factos em causa deveriam ter sido considerados provados.
XLIII. Dá-se ainda por reproduzido todo o processo administrativo, incluindo o relatório e as reclamações deduzidas.
XLIV. É essencial verificar o que referiu igualmente o perito independente, quanto à questão do contrato com a R-.-.: que teria que ter efectivamente havido um proveito inerente ao uso da licença (o que se não concede), considerando, no entanto, "que não está devidamente sustentada a posição da administração fiscal expressa no ponto 4.5, item 14, folha 18, do relatório de inspecção tributária, ao referir que o valor do proveito omitido corresponderá, no mínimo, ao valor do custo de aquisição da sub-licença, uma vez que ficaram por computar os custos que a R-.-. suportará para colocar o piloto no seu objectivo final".
XLV. - no que diz respeito à publicidade, e muito embora refira estar "de acordo quanto à existência de proveitos omitidos, todavia a sua qualificação não está devidamente justificada pela administração fiscal".
XLVI. - no que diz respeito à omissão de prémios de competição, considerou o perito independente que "quanto à omissão de prémios de competição, a administração fiscal não fez prova bastante para suportar tal conclusão, pois conforme o contribuinte contrapõe, tais verbas são pertença do operador internacional que inscreve o piloto nas corridas, e, perante a dúvida, o contribuinte não pode ser prejudicado".
XLVII. Isto posto; considerou-se na sentença recorrida que no procedimento em causa foi preterida formalidade legal essencial, por não ter sido concedida à recorrida a possibilidade de suprir lacunas, mas mesmo que não se aceite tal entendimento, o que por mero dever de patrocínio se admite, ainda assim sempre deveria a presente impugnação ser julgada procedente.
XLVIII. Com efeito, conforme se referiu, dispõe o artº 87º da Lei Geral Tributária que a avaliação indirecta apenas pode efectuar-se em determinados casos, que não se mostram verificados nos autos.
XLIX. São esses os motivos legitimadores do recurso à tributação por métodos indirectos, adoptados igualmente, por remissão, pelos artºs. 52º do Código do IRC e 84º do Código do Iva.
L. Ora, não se descortina, dos fundamentos invocados pela administração fiscal, qual a impossibilidade de inexistência ou insuficiência de elementos da contabilidade.
LI. Com efeito, a fundamentação do recurso a métodos indirectos, que conduziu à presente liquidação, refere determinados pontos que não se encontram demonstrados.
a. - análise do comportamento declarativo/ fiscal da empresa;
b. - informações prestadas pela administração fiscal inglesa;
c. - omissão de eventuais custos adicionais suportados com a gestão da
carreira do piloto;
d. - omissão de prémios de competição;
e. - omissão de proveitos relativos a serviços de publicidade prestados;
f. - inexactidões da conta 25511;
g. - anomalias no processamento de facturas.
LII. No entanto, analisando cada um daqueles pontos concretos, não se vislumbra qualquer fundamento válido para o recurso a métodos indirectos, nos termos previstos na lei.
LIII. Quanto à análise do comportamento declarativo da empresa, a administração tributária limita-se a referir que a empresa declara "lucros tributáveis muito baixos, e, consequentemente, rentabilidades fiscais muito reduzidas”. Apenas isso: uma afirmação que mais não é do que um juízo subjectivo, que não se encontra alicerçado em qualquer indicador objectivo, por um lado, não se tratando, por outro lado, de prejuízos fiscais declarados, e muito menos em três anos consecutivos – o que poderia conduzir, nos termos do artº 87º da Lei Geral Tributária, ao recurso a métodos indirectos.
LIV. Acresce que, nada é referido quanto a índices de rentabilidade, quanto à média do sector em que se insere a impugnante, ou quaisquer outros factos concretos que conduzam àquela afirmação vaga, e muito menos aos indicadores objectivos de base técnico-científica a que se refere o artº 89º da Lei Geral Tributária.
LV. Assim, nunca seria esta a via para fundamentar o recurso a métodos indirectos, sendo certo que apenas se refere no relatório tal facto de passagem, sem
qualquer comparação com outras empresas do mesmo sector.
LVI. Quanto às informações prestadas pela AT Inglesa, através do contrato junto ao relatório, conclui a administração tributária pela omissão de proveitos inerentes à cedência do uso da patente dos direitos do piloto, tendo ficado demonstrado o contrário.
LVII. Não se trata, igualmente no caso, de um facto, mas de uma conclusão, uma vez que o contrato junto aos autos não refere qualquer contrapartida monetária, sendo já uma presunção, e não um facto conducente à decisão de tributação por métodos indirectos - a omissão de proveitos de um contrato que nem sequer os refere.
LVIII. Dá-se por reproduzido o que adiante vai dito. Não se pode aceitar que, uma vez mais, sirva de fundamento ao início do procedimento de tributação por métodos indirectos a existência de um contrato que nem sequer se encontra assinado por todas as partes, que não prevê qualquer espécie de pagamento: salvo o devido respeito, apenas poderia afirmar-se a existência de omissão de proveitos se os mesmos resultassem, sem margem para dúvidas, do contrato, e se viesse a verificar que o contribuinte não os tinha declarado.
LIX. Mas não é nada disso que se passa – a administração fiscal é que não aceita que inexista contrapartida daquele contrato, e parte desse facto para recorre a métodos indirectos.
LX. O resultado da aplicação dos métodos indirectos serve de base ao início do procedimento, o que não se pode aceitar.
LXI. Quanto à omissão de eventuais custos adicionais suportados com a gestão da carreira do piloto, padece de total vício de raciocínio a conclusão a que se chega no relatório de fiscalização, porquanto se é o próprio relatório que refere que a gestão da carreira do piloto pertence à R-.-. (cfr. alínea 11) do ponto 4.5, a que propósito teria a sociedade recorrida registados custos - que nem sequer se refere quais são - na sua contabilidade?
LXII. Se tivesse custos registados, para além dos que inequivocamente suporta para a sua actividade de propaganda e que se encontram explicitados no ponto 5.10, seria, aí sim, grave, na medida em que tais custos são directamente suportados pela sociedade que gere a carreira do piloto, e o sujeito passivo paga apenas uma contrapartida a tal sociedade R-.-..
LXIII. Quanto à Omissão dos prémios de competição, tal como ficou demonstrado, a verdade é que, mais uma vez se verifica que a "omissão de prémios de competição" se trata de uma suposição que não se encontra minimamente fundamentada, posto que, como é evidente, não é por existir um único bónus, concedido ao piloto, numa concreta corrida,
LXIV. Que se poderá supor que em todas as outras corridas lhe foram atribuídos bónus - que, aliás, sempre seriam para a sociedade que gere a sua carreira, ou seja, a R-.-..
LXV. Uma vez mais, não faz qualquer sentido o "palpite" vertido no relatório, posto que nada mais se trata do que isso - basta ver que não existe uma única prova concreta da efectiva existência de bónus a conceder nas outras corridas, referidas no ponto .6. do relatório, o que não pode fundamentar o recurso a métodos indirectos.
LXVI. Quanto à Omissão de proveitos relativos a serviços de publicidade prestados, no que diz respeito à eventual (uma vez mais) omissão de proveitos de publicidade, remete-se igualmente para o que as testemunhas referiram, sendo certo que, numa óptica de legitimação do recurso a métodos indirectos, se trata, também aqui, mais uma vez de suposições, conjecturas e juízos de valor subjectivos, que não se encontram, de forma alguma, traduzidos em elementos concretos, sequer num cruzamento com informações das entidades supostamente pagadoras de proveitos ao sujeito passivo.
LXVII. Quanto às inexactidões da conta 25511, ficaram totalmente explicadas pelo TOC da empresa, na medida em que se tratou de um lapso formal na contabilização da conta corrente caucionada da própria empresa.
LXVIII. Quanto a anomalias no processamento de facturas, verifica-se que se trata apenas de uma troca no número das facturas, que ocorreu porque não se tratava, à data, de um programa específico de facturação, devidamente explicado pelo TOC da empresa.
LXIX. De qualquer forma, verifica-se que não existe duplicação de facturas (uma vez que se trata de factos tributários diferentes), existindo apenas um erro de numeração das mesmas.
LXX. Verifica-se inexistir, sem margem para dúvidas, fundamento para o recurso a
métodos indirectos, sendo certo que os alegados fundamentos em que se baseia o relatório em crise são suposições, por um lado, ou o próprio resultado da aplicação dos métodos indirectos, por outro.
LXXI. Como é óbvio, o recurso à avaliação indirecta (vulgo métodos indiciários) não se coaduna com qualquer arbitrariedade de afastar, sem fundamentação concreta e objectiva a contabilidade do contribuinte, para o tributar com base em presunções e estimativas.
LXXII. Não se aceita que possa ser relevante para o recurso a métodos indirectos a
simples e mera íntima convicção de quem quer que seja, de que “a empresa declara lucros tributáveis muito baixos” e, pior ainda, numa gratuita asserção do tipo “omissão de eventuais custos adicionais suportados com a carreira do piloto".
LXXIII. Convenhamos que, para fundamentação da tributação por métodos indirectos, razões deste tipo não podem servir, sob pena de deturpação absoluta da lei.
LXXIV. O sujeito passivo tem a sua contabilidade organizada de acordo com as
exigências das leis fiscais, não se tendo, por outro lado, verificado a sonegação de quaisquer elementos à Administração Fiscal.
LXXV. E mesmo que a Administração Fiscal tivesse dúvidas sobre o rendimento, ainda não assim não poderia partir, sem mais, para a fixação de rendimento por métodos indirectos.
LXXVI. Pois que, “em caso de dúvida fundada sobre se o rendimento ou outros factos tributários declarados correspondem à realidade, em consequência de anomalias e incorrecções da contabilidade ou dos livros de registo, a Administração Fiscal continua adstrita ao dever legal de investigação, na procura de elementos que lhe permitam apurar a matéria tributável efectiva, não podendo, de imediato, proceder à utilização dos métodos indiciários” – cfr. Relatório da Comissão Para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal, pág.
23.
LXXVII. E o sujeito passivo tem toda a sua escrita devidamente organizada, possuindo os livros obrigatórios e demais documentos exigidos pelas leis fiscais e comerciais, nomeadamente nos termos do artº 98º do Código do IRC.
LXXVIII. Dispõe o artº 77º da Lei Geral Tributária que “a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram”.
LXXIX. E, nos termos do artº 125º do Código do Procedimento Administrativo, a fundamentação pode “consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão nesse caso parte integrante do acto”,
LXXX. Devendo todo o acto, ser levado ao conhecimento dos interessados, através de fundamentação, só podendo ser resumido quando tiver deferido inteiramente a pretensão formulada pelo interessado ou respeite à prática de diligências processuais (cfr. nº 2 do artº 68º do Código de Procedimento Administrativo).
LXXXI. O relatório de fundamentação enviado à recorrida foi construído com base em suposições e presunção de intenções.
LXXXII. Sendo que algumas asserções contidas no "relatório" que serviu de base à aplicação dos métodos indirectos são bem exemplo disso, como seja o de presumir que existem contrapartidas num contrato cuja contrapartida – está bom de ver - é precisamente a da hipótese de o piloto correr; presumir que em todas as corridas a recorrida há-de ter auferido um bónus em dinheiro, não declarados, e ainda a presunção de que toda a publicidade tem que ter sido necessariamente paga, sem que sejam aceites (sabe-se lá por que motivo) as explicações do sujeito passivo.
LXXXIII. Fundamentar não pode ser transcrever “íntimas convicções” dos técnicos de administração fiscal. É, assim, apodíctico, padecer a fixação em apreço de vício de forma por falta de fundamentação, pelo que se imporia a sua anulação, ainda por esta via.
LXXXIV. A fixação por métodos indirectos do lucro tributável dos exercícios de 2000 e 2001 foi efectuada com a consideração das importâncias acima referidas.
LXXXV. Quanto à presunção da omissão de prestações de serviços, vejamos cada uma das três situações referenciadas no mapa acima.
LXXXVI. Relativamente à cedência de licença, a presunção de proveitos, relativa ao que a Administração tributária designa de “cedência da licença do uso da patente dos direitos do piloto” (fls. 27 do relatório), resulta de uma errónea interpretação quanto ao modo como o piloto M1... desenvolve a sua actividade, como ficou demonstrado.
LXXXVII. Com efeito, ao longo do processo explicou-se como se processava a actividade do piloto, sendo que o sujeito passivo – aqui recorrida – era detentora dos direitos de desporto referentes ao piloto português M1..., sócio e único gerente da sociedade; a recorrida, cede os direitos de imagem do piloto a um operador internacional, por forma a assegurar ao piloto a sua integração numa equipa com capacidade de participação efectiva em provas internacionais e o operador, por sua vez, obriga-se a gerir a carreira do piloto e a garantir-lhe competições; o operador internacional registará todos os benefícios decorrentes da exploração da imagem da equipa em que integre o piloto (patrocínios, publicidade, prémios e o que mais arranjar) e suportará os custos inerentes à participação em corridas (carros, inscrições, deslocações, etc.);
LXXXVIII. Dada a popularidade do piloto em Portugal e atentas as relações pessoais que cá detém, o operador internacional autoriza a recorrida a angariar directamente alguns patrocínios e publicidade mediante o pagamento de montantes que previamente lhe fixa face aos valores que espera ver angariados pelo piloto.
LXXXIX. Em suma, a carreira do piloto fica inevitavelmente, e de forma substancial, nas mãos do operador internacional, pois é este que tem a capacidade de lhe garantir uma equipa e assegurar a participação em corridas, que é a única coisa por que ambiciona o piloto.
XC. A forma de operar acima descrita, está concretizada na celebração dos
contratos que constituem os anexos 1 e 2 do relatório da inspecção e foi confirmada pelas testemunhas.
XCI. De facto, não ocorre qualquer venda de licença e o relatório esquece aqui, aquando do desenho do esquema, a contrapartida dessa cedência.
XCII. Na verdade, a cláusula 2 do contrato (anexo 1 do relatório) enumera os direitos que recorrida cede à R-.-. e elencados a fls. 9 do relatório.
XCIII. Mas o relatório ignora a cláusula 3 do mesmo contrato, que prescreve as obrigações que a R-.-. assume no que toca à gestão da carreira do piloto.
XCIV. Aquele contrato consubstancia a cedência de direitos pela recorrida e o assumir de obrigações pela R-.-., cujo objecto é garantir a participação do piloto em provas internacionais, o que foi confirmado pelas testemunhas.
XCV. O contrato reflecte pois a cedência de direitos por impugnante, que tem comocompensação as obrigações assumidas pela R-.-., não havendo lugar a qualquer cláusula monetária.
XCVI. De qualquer forma, e mesmo que existisse alguma contrapartida monetária, nunca poderia aquela corresponder aos valores que a recorrida paga à R-.-., pelo simples facto que aquela empresa inglesa é que suporta os custos com toda a actividade desportiva do piloto, sendo esse facto que valoriza os respectivos direitos de imagem.
XCVII. Não fazem, assim, qualquer sentido os critérios utilizados pela administração fiscal para calcular o valor dos alegados proveitos – o valor pago pela recorrida é que tem subjacente a valorização dos direitos de imagem decorrente do facto de estar assegurada a actividade desportiva do piloto,
XCVIII. Assim, caso viesse a aceitar-se a argumentação da administração fiscal, o que apenas por dever de patrocínio se admite, nunca o valor presumido de proveitos poderia corresponder ao valor posteriormente pago pela recorrida à R-.-., na medida em que a recorrida não teria custos a assegurar a presença do piloto nos campeonatos – veja-se o que a esse propósito ficou dito pelas testemunhas.
XCIX. Aliás, a ausência de sentido da argumentação da administração fiscal revela-se, além do mais, pelo facto de a sociedade recorrida não ter sequer meios para suportar os custos da actividade desportiva do piloto, e forma de assegurar que o mesmo possa disputar campeonatos, e de a administração fiscal pretender que, pela “cedência” dos direitos de imagem do mesmo, a recorrida receba um montante igual ao que os seus direitos valem depois de estar assegurada a sua presença em dezenas de provas internacionais.
C. A contrapartida monetária da R-.-. é obviamente a que ela conseguir obter com a angariação de publicidade e patrocínios decorrentes da exploração da imagem do piloto, na qual se inclui os proveitos inerentes à cedência da sublicença à própria recorrida.
CI. É que estes últimos proveitos obtidos pela R-.-. junto da recorrida mais não são
do que proveitos de publicidade e patrocínios que de facto pertencem em exclusivo à R-.-., mas obtidos através da recorrida dada a persuasão do piloto junto de algumas entidades sediadas em Portugal.
CII. E é óbvio o interesse de recorrida em canalizar aqueles proveitos de publicidade para o operador internacional, caso contrário não garantiria a presença do piloto nas competições.
CIII. A R-.-. não pagou qualquer montante à recorrida pela cedência dos direitos de imagem do piloto.
CIV. Não faz assim qualquer sentido a fixação, por métodos indirectos, de uma contrapartida a tal contrato, sendo que o montante fixado padece de manifesto erro e exagero na quantificação – que, aliás, foi confirmado pelo próprio perito independente nomeado.
CV. No que diz respeito à publicidade, foi demonstrado pelas testemunhas que a ostentação da marca P--, E---, J---, O---, T-----, F, D--- e Y---- não tiveram como contrapartida qualquer valor, ao contrário do que se pretende no relatório.
CVI. Quanto aos prémios de competição, os mesmos sempre seriam para a sociedade inglesa, mas não pode igualmente retirar-se de um bónus pago a existência de uma prática constante de pagamento de bónus.
CVII. De tudo o exposto, conclui-se que as liquidações em causa sempre padeceriam de manifesta ilegalidade, quer por vícios de procedimento, quer por não se mostrarem preenchidos os pressupostos de que depende o recurso a métodos indirectos, quer porque os alegados pressupostos não correspondem à verdade, quer, finalmente, por manifesto excesso de quantificação e total ausência de critérios objectivos na fixação operada.
CVIII. Pelo que, ainda que não fosse pelos motivos constantes da douta sentença proferida, ainda assim deveriam as liquidações em crise manter-se anuladas, conforme é de elementar Justiça.
Termos em que deve:
a) Declarar-se a prescrição das dívidas impugnadas, concluindo-se pela inutilidade superveniente da lide;
b) Caso assim se não entenda, negar provimento ao recurso interposto;
c) Caso assim ainda não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se admite, ampliar-se o objecto do recurso e considerar provados os factos não julgados provados na
sentença proferida, mantendo-se a anulação das liquidações impugnadas pelos motivos acima expostos.»

Notificada da contra-alegação, a Recorrente não respondeu à ampliação do recurso.

O Digno Magistrado do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Também conforme jurisprudência reiterada deste tribunal, embora a sede própria para a alegação e o conhecimento de prescrição da dívida tributária seja o processo da respectiva execução, nada obsta a que tal causa extintiva da obrigação tributária seja suscitada e ou conhecida no processo de impugnação, como causa de extinção da instância por inutilidade superveniente, desde que o processo documente todos os elementos de facto necessários à apreciação, com segurança, da questão.
Assim, e antes de tudo, cumpre saber se e em que termos haverá que apreciar a questão de extinção da lide por inutilidade superveniente, devido a prescrição da dívida tributária gerada pelos actos impugnados.
Caso improceda essa alegação, feito a necessária síntese das prolixas “conclusões”, quer de recorrente quer, sobretudo, da Recorrida enquanto requerente de ampliação do recurso, as questões colocadas a este tribunal são as seguintes.

Do recurso original, interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira:
1ª Questão
Padece, a sentença recorrida, de erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que fundou a procedência da Impugnação numa errada interpretação do artigo 88º alª a) da LGT, isto é, aquela segundo a qual a necessidade de se dar oportunidade ao contribuinte de suprir a situação “no prazo legal”, para que se considere verificada a impossibilidade de comprovação e determinação directa da matéria tributável, vale não só para a situação de “atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução” como também para as demais situações aí referidas, designadamente a as de “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração”, como foi qualificado, materialmente, o caso da Recorrida?

2ª Questão
De todo o modo, errou de direito, a sentença recorrida, ao fundar a procedência da impugnação na alegada preterição da formalidade da notificação da Recorrente para suprir, em prazo legal, a suposta inexistência ou insuficiência de elementos da contabilidade, nos termos da alínea a), in fine, do artigo 88º da LGT, porque do cumprimento dessa formalidade jamais decorreria acto tributário diverso dos impugnados, pelo que devia aplicar-se o princípio do aproveitamento to acto administrativo?

3ª Questão
Errou, a sentença recorrida, no julgamento de direito, na medida em que considerou padecerem, os actos impugnados, de uma falta de fundamentação da decisão de recurso a métodos indirectos – decisão consubstanciada no despacho que pôs termo ao procedimento de revisão da matéria tributável – por esta, segundo a sentença, aludir apenas e em geral ao Relatório da Inspecção e invocar os artigos 87º e 88º da LGT sem especificação das alíneas, apesar de o procedimento (reclamação graciosa) e o processo (impugnação) subsequentes mostrarem que a Recorrida ficou bem ciente das razões de tal decisão, designadamente as expressas no RIT, e apesar da jurisprudência do STA (cf. conclusão HH) no sentido de para a fundamentação de direito poder bastar a menção dos princípios pertinentes e ou de um quadro normativo determinado e de, de todo o modo, ter sido mencionado o artigo 88º da LGT, que abrange, necessariamente, a sua alª d)?

Quanto ao pedido de ampliação do recurso nos termos do artigo 636º nºs 1 e 2 do CPC, impõe-se fazer uma delimitação do que pode e não pode ser objecto do mesmo. Só depois disso poderemos seleccionar as questões que cumpre a este Tribunal de recurso abordar.
Vista toda a extensão das “conclusões” das contra-alegações da Recorrida, verificamos que esta começa por responder às alegações da Recorrente, sustentando a sentença recorrida na parte que lhe é favorável, seguindo-se a impugnação da mesma sentença na dimensão que lhe foi desfavorável, a saber, a decisão em matéria de factos não provados, factos que haviam sido alegados pela Recorrida enquanto impugnante e cuja prova interessava à sustentação da solução por si preconizada para o litígio, para depois, num terceiro e último segmento, passar a esgrimir argumentação no sentido da apreciação, a seu favor, das questões por si suscitadas na PI como causa de pedir, mas não apreciadas na sentença recorrida, por terem sido julgadas prejudicadas pela solução dada ao litígio, acabando por pedir que a anulação dos actos impugnados seja mantida, também por estas outras razões.
Ora é evidente que este último objecto do requerimento de ampliação do recurso não pode ser admitido, ao menos nessa qualidade.
A assim chamada “ampliação de recurso”, consoante decorre como toda a clareza dos nºs 1 e 2 do artigo 636º do CPC, só pode servir para o recorrido impugnar, caute, a sentença (já recorrida pela parte vencida) quanto à parte da fundamentação em que o vencedor tiver decaído ou, a título subsidiário, ser arguida a nulidade da sentença ou serem impugnados concretos pontos da decisão em matéria de facto.
Já para uma apreciação, em primeira mão, das questões que – sem dar azo a qualquer nulidade – a sentença recorrida não apreciou, o recurso não pode ser meio processual, pois ele sempre consiste na critica de uma sentença, seu objecto (artigo 627º nº 1 do CPC). Se o recurso não pode ser usado para tal fim, por maioria de razão tão pouco o poderá ser a ampliação de um recurso Sem embargo, o contraditório assim re-exercido entre as partes quanto a esta parte do objecto da causa será aproveitado para se decidir imediatamente em substituição ao tribunal recorrido (cf. infra).
.
Posto isto, havemos de convir em que o objecto da ampliação do recurso, requerida pela Recorrida, se fica pela impugnação da decisão em matéria de facto, quanto aos factos discriminados como não provados, pelo que a questão a apreciar em princípio, produto da ampliação do recurso, é a seguinte:

4ª questão
Errou, a sentença recorrida, no julgamento em matéria de facto, ao dar como não provados os factos como tal nela discriminados, pois os mesmos devem ter-se como provados, atentos, quer os depoimentos das testemunhas, transcritos no corpo das contra-alegações, “em conjunto com as provas documentais”, quer o parecer do perito independente (no procedimento de revisão)?

III – Apreciação da alegação de prescrição
Cumpre antes de mais apreciar se o processo contém a prova de todos os elementos de facto necessários para uma verificação certa do decurso do prazo de prescrição das obrigações tituladas pelas liquidações impugnadas.
Para tanto há que compulsar, antes de tudo, os factos dados como provados na própria sentença recorrida, decisão em matéria de facto que, note-se, tem a concordância da Recorrida, embora a não tenha quanto aos factos julgados “não provados”:

A decisão recorrida em matéria de factos provados é redutível à transcrição seguinte:
III.1 – Factos Provados
Da prova produzida nos autos, resultou apurada a seguinte factualidade:
1. Com base na Ordem de Serviço n.º 44, de /01/2003, procedente do despacho n.º 40 de /11/2002, entre 02/12/2002 e 24/03/2003, a Impugnante foi alvo de acção inspectiva, de âmbito parcial, em sede de IVA, IRC e IRS aos exercícios de 2000 e 2001 - cfr. fls. 73 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso.
2. Pelo ofício n.º 21, de 28/03/2003, com registo de 31/03/2003, foi a Impugnante notificada do projecto de conclusões do relatório de inspecção para exercer o seu direito de audição – cf. fls. 176-177 do processo de reclamação graciosa apenso ao processo n.º 1325/08.2BEPRT, de que se determina a junção de cópia, nos termos e para os efeitos do artigo 414.º, n.º 2 do CPC.
3. Do relatório da acção inspectiva referida em 1), resultam correcções à matéria colectável da Impugnante em sede de IVA, dos exercícios de 2000 e 2001, com recurso a correcções técnicas (391,49€, em 2000 e €2.391,24, em 2001) e métodos indirectos, nos montantes de € 51.866,67 (2000) e € 99.831,73 (2001) - cfr. fls. 73 e segs. do processo de reclamação graciosa apenso.
4. Os Serviços de Inspecção Tributária fundamentaram as correcções com recurso a métodos indirectos referidas em 3) nos seguintes termos, vertidos no relatório de inspecção:
«(…)
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

- Cfr. fls. 73 e seguintes do processo administrativo de reclamação graciosa apenso.
5. A Impugnante deduziu pedido de revisão da fixação por métodos indirectos do IRC e IVA em falta, junto da Direcção de Finanças do Porto, em que alega a falta do direito de audição antes do recurso a métodos indirectos, a ilegalidade do recurso a métodos indirectos e a errónea quantificação de rendimentos com recurso a métodos indirectos, afirmando:
- quanto à cedência da licença: a inexistência de contrapartida monetária por parte da X-.-.;
- quanto à publicidade: relativamente à P--, a falta de lógica do critério de quantificação, que o piloto explicou que quis ajudar quem em tempos o ajudou e que a AT poderia ter indagado junto da entidade supostamente pagadora da publicidade, pois só há que recorrer à avaliação indirecta quando a avaliação directa se mostre inviável, pelo que carece de ilegalidade o recurso a métodos indirectos; idem, quanto à presunção de permuta de serviços, pois as entidades com as quais celebraram permutas equitativas estão completamente identificadas; relativamente à marca E---, não compreende o valor indicado de facturas anuladas (no mínimo 31.000.000$00, porque o contrato celebrado com a T1---, S.A. e respectivas facturas perfazem apenas 6.000.000$00), também não compreendendo as razões da não indagação junto da entidade publicitada, mais afirmando que o piloto não voltou a ostentar a marca no seu equipamento após a anulação do contrato; relativamente à Marca J---, O---, T-----, F-----, alega que a contrapartida da publicidade é a cobertura jornalística das provas; relativamente à D---, a contrapartida da publicidade é a elaboração de posters e o fabrico de autocolantes; quanto à Y----, a contrapartida foi todo o equipamento que o piloto veste nas corridas.
- quanto aos prémios de competição: os prémios não são proveito da empresa mas do operador internacional que inscreve o piloto nas corridas.
- quanto aos lançamentos reflectidos na conta #2551: que os valores apresentados a fls. 24 do relatório de inspecção são parciais e tendenciosos, que a AT não analisou as notas internas, como devia ter feito e que diversos movimentos registados na conta-corrente correspondem a operações financeiras entre a sociedade e o sócio com recurso a financiamento bancário, sob a forma de conta-corrente caucionada – cfr. aditamento ao processo administrativo apenso ao processo de impugnação n.º 1325/08.2BEPRT, cuja junção aos autos se determina nos termos e para os efeitos do disposto no art. 414.º, n.º 2 do CPC.
6. Não tendo sido possível o acordo entre os peritos, o perito da Impugnante lavrou laudo em que reafirma que não estão reunidas condições para a aplicação de métodos indirectos, reiterando os argumentos constantes do pedido de revisão – cfr. aditamento ao processo administrativo apenso ao processo de impugnação n.º 1325/08.2BEPRT.
7. Por seu turno, o perito da Fazenda Pública lavrou laudo, onde refere, além do mais, o seguinte:
«1. Dos pressupostos para a realização da avaliação indirecta
(…)
1.3 Na génese do procedimento, encontra-se a forma e caracterização do “acordo” estabelecido entre o sujeito passivo (que passamos a designar por W1...) e o operador inglês, X-.-. (que passamos a designar por R-.-.).
1.4 Constata-se que, em 1/9/2000, foi estabelecido um primeiro acordo designado por “Agreement” (anexo 1 do relatório), onde, claramente, se evidencia o interesse da X-.-. em adquirir a W1... dois tipos de direitos, por um período compreendido entre 1/9/2000 e 31/12/04, a saber:
- direitos de “imagem” (nas suas diferentes vertentes)
- direito de gerir a carreira
1.5 W1..., “recorda-se” ter assinado um contrato naqueles termos, referindo não possuir qualquer exemplar.
Considera que o mesmo foi substituído por um outro, designado “Licence Agreement”, celebrado na mesma data (anexo 2 do relatório).
Afirma ainda (cf. fls. 10 do relatório) que este segundo contrato e respectiva adenda (anexo 3 do relatório), mais não teve como finalidade (do que) traduzir o que o primeiro previa, complementado pela clausula de cedência da -X.-. a W1... de uma sub-licença, consubstanciada na “gestão de carreira”, mediante o pagamento de determinada importância por parte de W1....
1.6 Os direitos cedidos à -X.-. (imagem e gestão de carreira), centrados na pessoa do piloto, representando um valor, consubstanciado numa patente susceptível de ser negociada e transaccionada, deveriam ter expressão na contabilidade de W1..., uma vez que a empresa, como qualquer outra, desenvolve a sua actividade com um fim lucrativo.
1.7 As afirmações feitas por W1... não correspondem, porém, à realidade factual: na verdade, os custos inerentes à sub-licença cedida pela X-.-. a W1..., não respeitam à “gestão de carreira”, mas, tão só, aos “direitos de imagem”. O conteúdo do segundo contrato é perfeitamente claro.
Assim, o “valor” dos direitos cedidos (imagem e gestão de carreira) deveria estar espelhado na contabilidade, no mínimo pelo valor relativo à gestão de carreira, uma vez que o valor relativo à “imagem”, em oposição ao custo da sub-licença, se reflectiu na contabilidade de W1....
Acresce, que o valor de cedência de W1... à X-.-. não deverão (SIC) confinar-se ao valor da gestão de carreira (valor presumido), pois a X-.-., com a aquisição global dos direitos, ficou em condições de estabelecer sub-licenças (em termos de imagem) a outras entidades, gerando benefícios superiores aos obtidos pela cedência da sub-licença a W1.... Em síntese, diríamos que a cedência dos direitos de imagem à X-.-. deveria proporcionar um valor superior ao custo da sub-licença da X-.-. à W1....
1.8. Além disso, como se verificou que a W1... contabilizou custos com provas desportivas (afectos à gestão de carreira), antes e depois da celebração do acordo (ponto 5 do relatório), necessariamente teria que contabilizar os proveitos inerentes. Simplesmente, se tal o fizesse, estaria em clara oposição ao “acordo” estabelecido, que não permitia a W1... gerir a carreira. Infere-se da situação descrita, que há uma total falta de coerência entre a realidade e o acordado, no sentido de que, a validar o acordo, haveria custos de gestão de carreira impossíveis de suportar, a validar os custos haveria proveitos não contabilizados.
Sendo certo que alguns custos directamente afectos com a gestão de carreira (provas, cf., pontos do relatório) foram efectivamente contabilizados e que outros custos relacionados com a gestão de carreira (elencados a fls. 20 do relatório) foram igualmente contabilizados, conclui-se que o hipotético acordo foi desvirtuado e, consequentemente, foram omitidos proveitos.
(…)
2. Da reclamação
2.1 No ponto 7 da reclamação é referido que o sujeito passivo não foi previamente ouvido sobre a aplicação de métodos indirectos, tendo em conta o disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 60.º da LGT.
A este propósito apenas diremos que pelo oficio n.º 21 de 28/03/2003 e com registo de 31/03/03, foi o sujeito passivo notificado do conteúdo do projecto de relatório para efeitos do exercício do direito de audição, notificação essa efectuada nos termos do art. 60.º da LGT. O facto de não ter usado a faculdade do exercício do direito de audição, não significa que não tenha tido oportunidade de se pronunciar (…).
2.2 No ponto 18 da reclamação, refere que o facto de a empresa apresentar “lucros muito baixos”, mais não é que um juízo subjectivo.
Concordamos sem, contudo, deixar de referir, que tal actuação deve ser analisada no contexto geral, designadamente, com a ponderação dos valores envolvidos e com a movimentação da conta de suprimentos em conjugação com a situação tributária individual, para daí inferir, por indícios, da falta de credibilidade da escrita e consequentemente, do nível de resultados tributáveis.
2.3 No ponto 22 da reclamação refere que a administração tributária conclui pela omissão de proveitos, baseada no contrato junto ao relatório e que, ponto 23, se trata de uma conclusão descabida e não de um facto, tanto mais que o contrato não refere qualquer contrapartida.
Sobre esta matéria, remetemos para as considerações feitas no ponto 1 deste parecer, salientando a importância da análise do conteúdo dos dois contratos (anexos 1, 2 e 3 do relatório) e dos elementos objectivos reflectidos na contabilidade, em matéria de “gestão de carreira”.
2.4 No ponto 26 da reclamação, sobre a matéria de “omissão de eventuais custos adicionais suportados com a gestão de carreira”, remetemos, igualmente, para os comentários feitos no ponto 1 deste parecer, recordando, em síntese, que se provou a existência de custos com a “gestão de carreira”, que, nos termos do contrato, não deveriam existir.
2.5 Nos pontos 31 a 34 da reclamação, e, sobre a matéria “omissão de proveitos de competição”, queremos relembrar, que, sendo um indício, centra-se na área da quantificação, cujo ónus da prova compete ao sujeito passivo (n.º 3 do artigo 74.º da LGT).
2.6 Nos pontos 35 e 36 da reclamação, sobre a “omissão de proveitos relativos a serviços de publicidade prestados”, diremos apenas que foi um dado real a existência de publicidade e que não houve contrapartida nos proveitos.
2.7. Nos pontos 37 a 41 da reclamação, sobre “inexactidões da conta 25511”, importará referir, que o objectivo da análise efectuada teve uma sequência e a coerência lógica, no sentido de carrear para o relatório, uma situação nada consentânea com a situação tributária individual do sócio de W1..., Sr. .W1.., bem como da situação tributária da outra sócia “AR--, SA”.
A este propósito, diga-se que em 1998, 1999, 2000 e 2001, o Sr. W1... não auferiu qualquer rendimento, sendo que para o agregado familiar apenas contribuiu, no mesmo período, o sujeito passivo B (esposa), com os seguintes valores: 2.223,10€, 9.610,71€, 1.127,82€ e 7.910,93€. Além disso, não são conhecidos outros rendimentos.
(…)
Para além de tudo o exposto, importa também notar que muitas das movimentações operadas foram apoiadas em notas internas….
(…)
2.10 Nos pontos 124 a 163 da reclamação, em matéria de publicidade, remetemos para o ponto 2.6 do presente parecer, a apreciação global.
Relativamente à situação da “P---” (pontos 128 a 131), entendemos não colher a razão apresentada (razão de amizade), tanto mais que foram relatados movimentos contabilísticos relacionados com operações com letras, cujo aceitante foi a “P---”, sem existência de qualquer dívida de clientes (ponto 23 do relatório).
Além disso, no ponto 150 da reclamação refere-se que a marca “E---” foi substituída pela marca “P---”!!
Obs. Com referência ao critério utilizado para a quantificação – média aritmética – importa referir que compete ao sujeito passivo a demonstração de que a utilização de tal critério ocasiona um excesso de quantificação (art. 74.º, n.º 3 da LGT).
Relativamente à situação da “permuta de serviços”, (pontos 140 a 143 da reclamação), entendemos que o sujeito passivo deveria espelhar contabilisticamente ou extracontabilisticamente a situação em causa, sendo certo que, em matéria de custos, deveria munir-se de elementos credíveis, susceptíveis de contrariar o procedimento.
Relativamente à “marca E---” (pontos 144 a 152 da reclamação) verificou-se que o relatório fala em facturas com um valor de 31.000.000$ (pág. 22). A fls. 23 e 24 do relatório volta a referir-se à anulação, no mínimo de 31.000.000$00.
Considerando o que vem referido na reclamação, apenas constavam duas facturas com um valor global de 6.000.000$00, relacionadas com a “E---”. Confirmou-se, assim, que este montante é que deveria ter sido considerado no apuramento do resultado.
A diferença de 25.000.000$, estando relacionada com serviços publicitários prestados pela firma “B----”, NIPC (…) não foi objecto de qualquer análise e não foi levada ao conhecimento do sujeito passivo. Tratando-se de um facto novo, não referido no relatório e não sujeito ao contraditório, terá necessariamente, de ser tida em conta no apuramento do lucro tributável do exercício de 2001.
(…)
Relativamente às marcas “J---”, “O---”, “T-----” e “F---” (pontos 153 a 155 da reclamação), queremos salientar que a compensação não se limita ao binómio “cobertura jornalística/publicidade no fato do piloto”. Às entidades referidas revela-se de particular interesse o uso da “imagem” da pessoa em destaque no meio, como forma do incremento das vendas.
Relativamente às marcas “D---” e “Y---” diremos que para além da inexistência de qualquer relevação contabilística ou extracontabilistica, são válidas as considerações atrás referidas.
2.11 Nos pontos 164 a 171, prémios de competição, remetemos para o ponto 2.5 deste parecer, acrescentando que o referido no ponto 168 da reclamação carece de explicitação, uma vez que a área da “gestão de carreira” foi por nós questionada.
(…)
5. Por tudo o exposto, entendemos que os valores fixados para o exercício de 2000, devem ser mantidos.
Relativamente ao exercício de 2001, os valores deverão ser ajustados tendo em conta o referido no ponto 2.10 do presente parecer.
Assim: Exercício de 2001
IRC – Lucro tributável cf. Relatório 1.323.318,13€
Correcção cf. Ponto 2.10 (25.000.000$) 124.699,47€
Lucro tributável a fixar 1.198.618,66€
IVA valor considerado 587.245,46x17% 99.831,73€
correcção cf. Ponto 2.10 124.699,47
Valor a considerar 462.545,99x17% 78.632,82
Porto 18/11/03 (…) – cfr. aditamento ao processo administrativo apenso ao processo de impugnação n.º 1325/08.2BEPRT.
8. Por seu turno, o perito independente lavrou laudo, em que conclui:
- por um lado, que «há indícios e factos que permitem ajuizar inequivocamente da legitimidade do recurso a métodos indirectos, para os quais o contribuinte não apresentou provas em contrário, a saber:
Como indícios: o descrito no ponto 1.18 deste parecer [Análise à conta 255]
Como factos inequívocos: os factos descritos nos pontos 1.15, 1.16 e 1.17, deste parecer [Gestão de carreira: custos de participação em provas para os quais a contabilidade não regista proveitos; Omissão dos prémios de competição; Omissão de proveitos relativos a serviços de publicidade]
- por outro lado, «quanto à presunção da omissão de prestações de serviços consubstanciada em»:
a) Cedência da licença do uso da patente dos direitos do piloto»:
«o contribuinte não conseguiu fazer prova dos fundamentos que assentes na lógica, razoabilidade e coerência dos elementos que constituem o objecto do contrato subjacente, pudessem justificar a ausência de qualquer cláusula pecuniária (…)».
«De igual modo, não está devidamente sustentada a posição da Administração Fiscal expressa no ponto 4.5, item 14, a folha 18, do relatório de Inspecção Tributária, ao referir que o valor do proveito omitido corresponderá, no mínimo, ao valor do custo de aquisição da sub-licença (466.376,03€ em 2000 e 1.056.493,98€ em 2001), uma vez que ficaram por computar os custos que a X-.-. suportará para colocar o piloto no seu objectivo final (participar em corridas nacionais e internacionais).
b) Publicidade
A Administração Fiscal considera que os proveitos omitidos relativos aos serviços de publicidade totalizam 305.098,05€ em 2000, e 587.245,46€ em 2001.
Estou de acordo quanto à existência de proveitos omitidos, todavia, a sua quantificação não está devidamente justificada pela Administração Fiscal, já que:
Marca P---
Quanto à marca P--- concordo com o contribuinte ao afirmar que não é correcto apelar-se ao valor da média aritmética, sendo, em meu entender, mais coerente assumir-se o valor mínimo contemplado na Contabilidade para situações idênticas.
Também concordo com o contribuinte ao referir-se que dever-se-ia ter indagado a entidade supostamente pagadora da publicidade “A -P--”
Permuta de Serviços
Neste ponto também partilho da afirmação do contribuinte pois se não é possível efectuar qualquer avaliação (plausível) do valor dos proveitos e dos custos, qual a razão que levou a Administração Fiscal a presumir exclusivamente os proveitos. Na dúvida não prejudicava o contribuinte.
Marca E---
Efectivamente o valor deve ser corrigido para 29.927,87€ (6.000.000$00), como ficou demonstrado no debate contraditório, tendo o digno representante da Administração Fiscal assumido o erro.
A justificação apontada pelo contribuinte de que o boné do piloto ostentava na apresentação anual a publicidade à marca E---, porque não houve tempo para refazer aquela peça, afigura-se-me pouco coerente, dados os cuidados e profissionalismo de que tais eventos se revestem.
Acresce referir que o contribuinte ao afirmar que na segunda corrida e daí em diante substituiu aquela marca (E---) pela P---, está a admitir de forma explicita a publicidade à marca P---, e, obviamente, a correspondente contrapartida (o proveito).
Marca J---, O---, T-----, F-----, e ainda, D--- e Y----
As eventuais contrapartidas estabelecidas entre a W1..., Lda. e as entidades em questão, deveriam ter sido contratualizadas a fim de salvaguardar os interesses de cada uma das partes e definirem em concreto os bens e serviços eventualmente permutados.
Na falta de documento apropriado o contribuinte fica insustentado e sem possibilidade de contrariar a posição da Administração Fiscal.
c) Prémios de competição
Quanto à omissão dos prémios de competição, a Administração Fiscal não fez prova bastante para suportar tal conclusão, pois, conforme o contribuinte contrapões, tais verbas são pertença do operador internacional que inscreve o piloto nas corridas e, perante a dúvida, o contribuinte não pode ser prejudicado. (…)» – cfr. aditamento ao processo administrativo apenso ao processo de impugnação n.º 1325/08.2BEPRT.
9. Apresentados os laudos dos peritos, o decisor proferiu decisão, em 21/11/2003, sobre o procedimento de revisão com o seguinte teor:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

– cfr. aditamento ao processo administrativo apenso ao processo de impugnação n.º 1325/08.2BEPRT.
10. No seguimento da decisão referida em 9) e, bem assim, das correcções meramente aritméticas constantes do relatório de inspecção tributária, em 31/03/2004, foram emitidas as liquidações adicionais de IVA n.º 0336…., relativa ao ano de 2000, no
montante de €56.866,67 e n.º 0336…., referente ao exercício 2001, no montante de € 78.632,82, e, bem assim, as correspondentes liquidações de juros compensatórios n.º 0336…, período 0012, no montante de €73947,68 e n.º 0336…., período 0112, no montante de €6.559,92, todas com data limite de pagamento de 29/02/2004 – cfr. fls. 132-135 do processo de reclamação graciosa apenso.
11. Em 31/05/2004, a Impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações referidas em 10), na parte respeitante às correcções com recurso a métodos indirectos - cf. fls. 2 segs. do processo de reclamação graciosa apenso.
12. Por despacho de 20/05/2008, remetido à Impugnante sob correio registado com aviso de recepção de 02/06/2008, foi indeferida a reclamação referida em 11) - cfr fls. 198 segs. do processo de reclamação graciosa apenso.
13. Em 16/06/2008, a petição inicial dos presentes autos de impugnação deu entrada neste TAF via SITAF – Cf. fls. 2 dos autos.
(…)»
*
De relevante para a questão da prescrição, os autos documentam, ainda, mediante o procedimento de reclamação graciosa apenso e a certidão integral do Processo de Execução Fiscal nº 338720040101…, junta em 9 de Setembro de 2020, o seguinte:
14
No procedimento de reclamação graciosa mencionada no artigo 12, entre 17 de Junho de 2004, data em que foi junta cópia do processo administrativo que conduzira às liquidações, e 24/4/2008, data da expedição de notificação da Recorrida para audiência prévia relativamente ao indeferimento da reclamação preconizado conforme informações técnicas de 18/4/2007 e projecto de despacho de 21 de Abril de 2008, no procedimento de reclamação não foi praticado qualquer outro impulso.
15
Para a cobrança coerciva das dívidas objecto das liquidações de IVA e juros compensatórios aqui impugnadas, mais legais acréscimos, como custas e juros de mora, nom total de 167 063,66 €, foi instaurada, em 10/5/2004 a execução fiscal (PEF) nº 3387200401017…..
16
Em 15/9/2004, na sobredita execução e para garantia e pagamento da sobredita quantia exequenda, foi lavrado auto de penhora da fracção autónoma “AI” do prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de (…), com o valor patrimonial de 43 185,91 €.
17
No dia 22/10/2004 a recorrida foi citada, com cópia do auto de penhora e das notas de liquidação, “para no prazo de 30 dias (…) efectuar o pagamento” da quantia exequenda “ou no mesmo prazo deduzir oposição ou requerer a dação em pagamento, findo o quão será designada data para venda judicial do bem que lhe foi penhorado”.
18
Em 4 de Novembro de 2004 a executada apresentou no PEF vindo a ser referido requerimento de suspensão da execução nos termos do artigo 92º nº 8 da LGT, alegando que as liquidações resultavam de uma fixação da matéria tributável como recurso a métodos indirectos e que, nesse procedimento, o perito independente emitira parecer conforme ao do perito do contribuinte.
19
Em 29 de Maio de 2005 o Senhor Chefe de Finanças emitiu despacho indeferindo esse requerimento, com fundamento em que não ocorria a alegada conformidade dos dois pareceres, mais mencionando que apenas poderia haver suspensão mediante a prestação da garantia, no prazo de quinze dias após notificação para o efeito, nos termos do artigo 169º nº 2 do CPPT.
20
Notificada deste despacho e para aquele preconizado efeito, a ora Recorrida apresentou, em 9/6/2005, na repartição de Finanças, requerimento inicial de uma reclamação judicial, com pedido de atribuição de efeito suspensivo da execução, cujo teor, do requerimento, a fs. 364 do processo de papel, aqui se dá por reproduzido.
21
Em 20 de Junho de 2005 o Chefe de Finanças proferiu o despacho cuja cópia consta a fs. 539 do processo de papel, com o seguinte teor:
“Face à reclamação apresentada, na qual se alega prejuízo irreparável, nos temos da alínea) do nº 3 do artigo 278º do Código de procedimento e Processo Tributário, remetam-se os autos ao tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nos termos do nº 4 do mesmo artigo. Proceda-se à apensação do processo nº 33872004010….4 ao processo nº 33872004010…7”
22
Desde então e até pelo menos 9 de Setembro de 2020, não voltou a ser praticado, no PEF, qualquer acto.

Por consulta ao SITAF apura-se, ainda, o seguinte facto relevante para a questão da prescrição e aqui relevável nos termos do artigo 5º nº 2 alª c) do CPC ex vi artigo 2º do CPPT:
23
O Requerimento de reclamação judicial, acima referido, deu origem ao processo de reclamação judicial dos actos do órgão de execução fiscal nº 1490/05.0BEPRT, no qual, em 6/2/2006 foi proferido o acórdão deste TCAN, logo transitado em julgado, confirmando a sentença do TAF do Porto que, em 14/9/2005, a julgara improcedente.

Importa ainda fazer uma precisão ao facto provado 12, da sentença recorrida.
Com efeito, conforme o procedimento de reclamação graciosa apenso por linha, a data de entrada do requerimento da reclamação graciosa é 4/5/2004. 31/5/2004 é a data da autuação do processo).
Assim o artigo 12 dos factos provados passa a ter o seguinte teor:
12
Em 4/05/2004 a Impugnante apresentou requerimento de reclamação graciosa das liquidações referidas em 10), na parte respeitante às correcções com recurso a métodos indirectos, o qual foi autuado como tal em 31 seguinte.

Com os factos provados na primeira instância e com estes outros é possível formular uma conclusão sobre a prescrição das liquidações oficiosas de IVA aqui em litígio, aliás, no sentido negativo. Vejamos:
Decorria da redacção do artigo 48º nº 1 da LGT vigente até à Lei nº 55-B/2004 de 30 de Dezembro – que neste aspecto não lhe introduziu alteração alguma – que as dívidas tributárias de IVA prescreviam em 8 anos contados desde o início do ano seguinte àquele em que o imposto se tornou exigível.
Nos termos do nº 8 do artigo 35º da LGT , “os juros compensatórios integram-se na própria dívida do Imposto, com a qual são conjuntamente liquidados”, de onde decorre que a prescrição da obrigação principal (a do imposto), envolve prescrição da obrigação de pagamento de tais juros Neste sentido, cf. a LGT anotada e comentada de Diogo Leite de Campos, Benjamim Sila Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lisboa, 2012, Encontro da escrita, Lda.
.
Assim, e tendo em conta o disposto no artigo 40º nº 1 do CIVA, de onde decorre que o IVA de último período mensal ou trimestral de um ano só se torna exigível já no ano seguinte, o prazo de prescrição da dívida exequenda relativa a IVA do último período de 2001 e juros compensatórios tem o seu dies a quo em 1 de Janeiro de 2003. Por sua vez, o prazo de prescrição do IVA de 2000 (do ultimo trimestre) tem o seu dies a quo em 1 de Janeiro de 2002.
Conforme o artigo 49º nº 1 da LGT, na redacção anterior à introduzida pela lei nº 53-A/2006 de 29 de Dezembro, “A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição”.
Segundo o artigo 11º dos factos julgados provados na sentença Recorrida, a Recorrida deduziu reclamação graciosa relativamente às liquidações aqui impugnadas, em 31/05/2004, com o que o prazo de prescrição sofreu interrupção, interrupção, porém, de efeito instantâneo, isto é, o prazo recomeçou a correr desde o princípio.
Conforme o nº 2 do mesmo artigo 49º, na sobredita redacção, “2 - A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
Decorre dos artigos 12º e 14º da enunciação dos factos julgados provados na 1ª e nesta instâncias, que aquele procedimento de reclamação, cuja interposição interrompera a prescrição, sofreu uma paragem, não imputável à Recorrida, desde 17 de Junho de 2004 a 24/4/2008, data em que esta viria a ser objecto de despacho ordenando a sua notificação para se pronunciar sobre o preconizado indeferimento.
Conforme o artigo 91º da Lei nº 53-A/2006 de 29 de Dezembro, que revogou o nº 2 e alterou a redacção do artigo 49º vindo a ser invocado, “a revogação do nº 2 do artigo 49º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo”.
Tal período, no nosso caso, completara-se já em 1 de Junho de 2005, pelo que é aplicável a norma acima transcrita.
Assim, sendo, dir-se-ia que o prazo de prescrição voltou a contar-se desde o dies a quo supramencionado e retomou o seu curso em 11 de Junho de 2005, tudo se passando – quanto às liquidações do IVA de 2001 – como se o prazo, começado em 1 de Janeiro de 2003, se tivesse suspendido em 31 de Maio de 2004 (data da autuação da reclamação) e retomado o seu curso em 31 de Maio de 2005.
Sucede, porém, que, conforme facto provado 17, no dia 22/10/2004, isto é, antes de que um novo nº 3 do artigo 49º, introduzido pela referida Lei nº 53-A/2006 viesse afastar a admissibilidade de sucessão de interrupções da prescrição, o devedor tributário foi citado para o processo de execução fiscal (PEF) em que se porfiava pelo pagamento coercivo das dívidas em questão.
Nessa altura ainda a paragem do processo de reclamação graciosa não ultrapassara um ano, pelo que o prazo de prescrição, posto que interrompido em 31/5/2004, estava a correr normalmente. Recorde-se o efeito meramente instantâneo da interrupção causada pela apresentação da reclamação graciosa; e que o processo de reclamação ainda não parara mais de um ano por motivo não imputável ao sujeito passivo. Não estava, portanto, vigente qualquer suspensão da prescrição nem qualquer efeito duradouro de interrupção da prescrição, pelo que a citação causou nova interrupção da prescrição, desta feita com efeito duradouro, até passar em julgado decisão que pusesse termo à execução fiscal, conforme o disposto no artigo 327º nº 1 do CC, aplicável à prescrição tributária segundo é jurisprudência uniforme do STA que de forma reiterada e pacífica tem adoptado o entendimento expresso pelo Conselheiro JORGE LOPES DE SOUSA “Notas Práticas sobre a prescrição da obrigação Tributária”, Áreas Editora, pág. 51
(Cf. entre outros os acórdãos de 19/10/2016, proc. n.º 01060/16, e de 27/01/2016, proc. n.º 01698/15)
Face ao facto provado nº 22, teremos de concluir que esse efeito duradouro se manteve pelo menos até 9 de Setembro de 2020, pelo que, mesmo que, entretanto, tenha ocorrido o facto determinante da cessação do mesmo, o mais que pode ter ocorrido é o recomeço de um prazo de oito anos.
Assim sendo, impõe-se-nos concluir que a alegada prescrição não ocorreu.
Improcede, portanto, a alegação, da Recorrida de extinção da instância por inutilidade superveniente da Lide.
E há que passar à bordagem das questões objecto do recurso e da ampliação do mesmo, acima enunciadas.

IV - Apreciação do recurso
A – Do recurso inicial
1ª Questão
Padece, a sentença recorrida, de erro de julgamento em matéria de direito, na medida em que fundou a procedência da Impugnação numa errada interpretação do artigo 88º alª a) da LGT, isto é, aquela segundo a qual a necessidade de se dar oportunidade ao contribuinte de suprir a situação “no prazo legal”, para que se considere verificada a impossibilidade de comprovação e determinação directa da matéria tributável, vale não só para a situação de “atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução” como também para as demais situações aí referidas, designadamente a as de “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração”, como foi qualificado, materialmente, o caso da Recorrida?

Vejamos, antes de mais, o texto e o contexto da alínea em causa, na redacção da LGT em vigor ao tempo em que decorreu a inspecção:
Artigo 87.º
Realização da avaliação indirecta
A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de:
a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei;
b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto;
c) A matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos ou, durante três anos seguidos, mais de 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos da actividade de base técnico-científica referidos na presente lei.
d) Os rendimentos declarados em sede de IRS se afastarem significativamente para menos, sem razão justificada, dos padrões de rendimento que razoavelmente possam permitir as manifestações de fortuna evidenciadas pelo sujeito passivo nos termos do artigo 89.º-A;
e) Os sujeitos passivos apresentarem, sem razão justificada, resultados tributáveis nulos ou prejuízos fiscais durante três anos consecutivos, salvo nos casos de início de actividade, em que a contagem deste prazo se faz do termo do terceiro ano, ou em três anos durante um período de cinco.
Artigo 88.º
Impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável
A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal.
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente menor do que a declarada.
Deste seu contexto e do emprego do verbo “poder”, bem como da expressão “quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável” resulta, antes de mais, que a função do artigo 88º da LGT consiste apenas em enunciar, sem caracter de necessidade, situações susceptíveis de causar – o que não é mesmo que consistirem elas mesmas em – impossibilidade de comprovação e quantificação directas da matéria tributável.
Esta natureza do artigo 88º não é de somenos importância para a nossa questão.
É que o pressuposto da legalidade da avaliação indirecta reside na impossibilidade concreta de se proceder à avaliação directa – não propriamente no cumprimento de uma formalidade legal como essa de conferir ao contribuinte um prazo legal para suprir a falta de elementos necessários. Esta formalidade, portanto, releva não como uma prerrogativa conferida ao contribuinte, mas sim e apenas na medida em que só no caso de não supressão daquela falta é que, pela própria natureza das coisas, se consuma aquela impossibilidade.
Daqui extraem-se dois postulados hermenêuticos.
Primeiro, o legislador, que dispôs em abstracto, só pode querer referir aquela obrigatória oportunidade de supressão às situações supríveis.
Depois, e em qualquer caso, só é legal partir para a avaliação indirecta, em qualquer das circunstâncias aludidas na alª a) do artigo 88º d a LGT, se a falta de elementos ou declaração não for, no caso concreto, suprível, seja por iniciativa da AT, seja pela do contribuinte. Assim, se directamente da situação detectada na inspecção ou até mesmo de uma situação subsumível à alª a) do artigo 88º, como a inexistência ou a insuficiência de elementos de contabilidade relativamente a algum ou alguns factos tributários, resultar, à partida e em concreto, a impossibilidade de remoção desses obstáculos à avaliação directa, tanto bastará para se recorrer à avaliação indirecta.
Que situações, porém, é que o legislador da alª a) supõe supríveis?
Nesta questão é decisivo o elemento literal da interpretação, embora não seja despiciendo o racional. Vejamos:
A língua portuguesa não conhece o género neutro, quer no número singular quer no número plural. Em consequência disso, quando se pretende aludir, seja por pronome seja por nome, seja por adjectivo, a uma pluralidade de realidades ou de conceitos de ambos os géneros, em português emprega-se o género masculino, seja do pronome seja do nome, seja do adjectivo. Assim, no género feminino, um nome ou pronome ou um adjectivo no número plural pode significar uma pluralidade de realidades e conceitos de género feminino: nunca uma pluralidade composta por conceitos de ambos os géneros.
Acresce recordar o artigo 9º nº 3 do CC, in fine:
“3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (destaque nosso).
Pois bem, no texto da norma em análise, o adjectivo “supridas” está no género feminino, pelo que, a menos que isso resulte numa solução “desadequada”, temos de entender que o Legislador se refere a uma pluralidade de nomes ou conceitos do género feminino.
Relida a alínea, verificamos que o “atraso de escrituração dos livros e registos” é o único conceito expresso no género masculino.
Por outro lado, verificamos que são enunciadas, não duas, mas três alternativas de situações susceptíveis de serem causadoras de impossibilidade de avaliação directa, separadas, as primeiras duas, por uma virgula, a segunda, da terceira, pela conjunção disjuntiva “ou”: Assim:
1ª “Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração,”
2ª “falta ou atraso de escrituração dos livros e registos”
3ª “ou irregularidades na sua organização ou execução”
Havendo disjunção nos nomes plurais, o adjectivo, “supridas” no número plural e no género feminino só pode referir-se ao ultimo “nome”, que é plural e feminino, a saber, “irregularidades na sua organização ou execução”.
Por fim verificamos que nesta última expressão não vem aposta vírgula em execução, seguindo-se-lhe sem mais a expressão “quando não supridas no prazo legal”. Também esta continuidade entre substantivo e adjectivo, sem vírgula, indica que este se refere apenas ao substantivo enunciado imediatamente antes.
Quer a Recorrente quer a Recorrida, quer o acórdão do STA a que se refere a sentença recorrida, dão de barato que o adjectivo “supridas” se refere, não só às irregularidades na organização ou na execução dos livros e registos como também à falta e ao atraso da escrituração dos mesmos e ainda à inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, no expresso pressuposto de que a literalidade do texto é compatível com ambas as interpretações.
Mas não é isso, como vimos, que resulta da análise morfológica.
Vejamos, porém, se desta interpretação directa da norma resulta uma solução inadequada, de maneira que tenhamos que postergar o elemento gramatical.
Como já se disse, o pressuposto do recurso à avaliação directa que está aqui em causa é a “impossibilidade” da quantificação directa, conforme alínea b) do citado artigo 87º da LGT. Ora, tal pressuposto não ocorre se, em concreto, for possível suprir os obstáculos que se levantem à avaliação directa, seja por acção da AT ex officio, no âmbito seu poder/dever inquisitório (artigo 58º da LGT) seja pelo dever de colaboração (artigo 99º nº 2 da LGT) e pelo direito de participação do contribuinte no procedimento de avaliação (artigo 60º da LGT). Quer dizer, a colaboração do contribuinte na remoção de quaisquer outros obstáculos à avaliação directa é sempre admissível.
Já entender a alínea a) do artigo 88º como se consagrasse a formalidade legal da notificação do contribuinte, sempre e em qualquer caso, inclusivamente quando fosse adquirida a inutilidade – ou até o absurdo – da diligência, não só não tem cobro na letra da norma como é contraditório com a função sistemática do artigo 88º, que é a de indicar situações susceptíveis de causarem – não que causam necessariamente – a impossibilidade, a que se refere a alª b) do artigo 87º, de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
Assim sendo, nada tem de inadequado a sobredita solução ditada pelo elemento gramatical.
Importa ainda considerar o seguinte, no sentido da plena adequação, do ponto de vista do elemento racional da interpretação das normas, da solução hermenêutica aqui propugnada:
A impossibilidade, em concreto, de determinação exacta da matéria tributável pode relevar não só de uma impossibilidade absolutamente objectiva, mas também de a contabilidade do contribuinte revelar indícios fundados de não reflectir, antes dissimular, a matéria colectável.
Nesse caso, aliás, passará a cair sobre o contribuinte o ónus de provar que a sua contabilidade é verdadeira ou que houve excesso na quantificação indirecta.
Tal é o que decorre da conjugação dos artigos 74º nº 3 e 75º nºs 1 e 2, especialmente, em concreto, a alª a) deste, da LGT, que rezam assim:
Artigo 74ª, nº 3:
“3 - Em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação.”
Artigo 75.º
Declaração e outros elementos dos contribuintes
1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.
2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando:
a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;(negro nosso).
In casu, a AT, mediante a inspecção, coligiu e provou factos geradores de indícios sérios de que a contabilidade não espelhava a realidade e de que, portanto, teriam sido subtraídos ao registo na contabilidade e ao conteúdo das declarações fiscais da Impugnante elementos que conduziriam à determinação de uma matéria tributável superior à declarada e documentada, de onde concluiu, a AT, ocorrer inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade e de declaração, nos termos e para os efeitos da alínea b) do artigo 87º e da alª a) do nº 1 do artigo 88º da LGT.
Visto o relatório da inspecção (capítulo IV), desses factos, considerados provados, relevamos os seguintes:
- Inexistência de proveitos (registados) com a cedência dos direitos de utilizar comercialmente o nome e gerir a carreira desportiva do Piloto W1..., ao operador inglês; conjugada com a existência de custos (registados), com a “reaquisição” parcial desses direitos pela ora Recorrente;
- Inexistência de proveitos (registados) com os serviços de publicidade prestados, designadamente mediante a ostentação de marcas e nomes comerciais no automóvel e no vestuário do corredor.
- Lançamentos, reflectidos na conta 2511 (accionistas – empréstimos) de depósitos de quantias muito avultadas (centenas de milhares de contos), feitos as mais das vezes pelo sócio W1..., em conjugação com o facto de que este não declarara quaisquer rendimentos individuais nos anos em causa – apenas o sujeito passivo B do seu agregado os declarara, mas num valor que raiava a indigência; e com o facto de a outra sócia – a sociedade C--- S.A. – apresentar prejuízos fiscais até 1999 e um lucro tributável também reduzido nos anos de 2000 e 2001 (5 832,43 e 9027,06 €, respectivamente).
Entendeu, a AT, que estes factos geram indícios fundados de que a verdadeira matéria tributável foi ocultada e que, por causa desses fundados indícios de omissão de declaração, registo e documentação daqueles elementos contabilísticos, é impossível determinar com certeza a verdadeira matéria tributável.
E assim é, com efeito.
Desde logo, é muito inverosímil a cedência da gestão de todos os direitos de imagem, publicidade e prémios do corredor W1... a custo zero, sobretudo quando a reaquisição ou a subaquisição, em parte, desses direitos, por quem os cedera, veio dar lugar a custos registados.
É, depois muito inverosímil que a publicidade no veículo, na roupa e no capacete do corredor fosse sempre gratuita.
É praticamente impossível que as centenas de milhares de contos em depósitos efectuados em conta bancária da Impugnante e lançados na contabilidade desta, na conta 2551 (accionistas - empréstimos) conforme nº 8 do cap. IV do RIT, fossem todas provenientes de empréstimos do sócio N1… ou da sócia “C..--- S.A”, muito menos obtidas por empréstimo bancário, atenta a total falta de rendimentos do primeiro e a exiguidade dos rendimentos da segunda.
Destes factos e inverosimilhanças não se pode extrair, sem mais, a prova de que a contabilidade da Impugnante falseava a realidade, no sentido de ser superior, ao declarado e registado, o valor da matéria tributável; e de que, portanto, inexistem na contabilidade os elementos que deveriam espelhar uma parte daquela. Resultam, porém, fortes e objectivos motivos para se duvidar da veracidade da matéria tributável ilustrada pela contabilidade da Impugnante e, consequentemente, se concluir pela impossibilidade de se apurar a mesma com exactidão e certeza, impossibilidade essa que, assim, é devida à inexistência dos “elementos da contabilidade e de declaração” relativos aos factos omissos. Mais: a cada inverosimilhança e impossibilidade prática acima referidas, corresponde uma forte suspeita de terem sido omitidos proveitos e custos da Impugnante, não só nas frentes especificadas como em outras, proveitos que, note-se, aparentemente, permitiram à Impugnante sustentar a subsistência pessoal do corredor W1... (na indigência, atentas as suas declarações de rendimentos para o IRS de 2000 e 2001) e toda a actividade da sociedade, bem como de serem gerados por esta proveitos indeclarados e não registados como tais mas, alguns deles, engenhosamente lançados na conta 2551 como empréstimos dos sócios.
Materialmente, foi mediante este iter cognoscitivo e valorativo narrados e expostos longamente no capítulo IV do RIT, que a AT decidiu recorrer à avaliação indirecta.
E interpretando o artigo 88º alª a) como contemplando, na “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração” as omissões e ocultações, fundadamente indiciadas, acima referidas, invocou esta norma.
Cumpre notar, a este propósito, que nem mesmo a invocação desta norma nos parece errada, atenta a abertura dos conceitos que ela utiliza, sobretudo se tivermos presente que até 1 de Janeiro de 2001 não existia a alínea d) do artigo 88º da LGT, que foi aditada pela Lei nº 30-G/2000 de 29 de Dezembro.
Designadamente, o substantivo “declaração” faz parte da expressão “elementos de (…) declaração”. Também aqui o elemento gramatical nos ajuda, revelando que o objecto da “inexistência ou insuficiência” previstas na norma interpretanda são quaisquer “elementos” que deviam ser declarados – não as declarações modelares propriamente ditas – conceito em que mui bem cabe a omissão de declaração de factos relevantes para a determinação da matéria tributável.

Recordados a fundamentação da decisão de recurso à avaliação directa e os factos concretos que consubstanciaram e subjazeram à falta de elementos, retomemos a nossa a questão.
A sentença recorrida fundou a procedência da Impugnação na omissão, pela Inspecção Tributária, de uma “formalidade legal essencial à avaliação indirecta”, formalidade que consistiria na notificação da Recorrida para proceder à organização da contabilidade, uma vez que invocara a alínea a) do nº 1 do artigo 88º da LGT como fundamento para recorrer à avaliação indirecta.
Fê-lo como se a fundamentação da decisão se reduzisse à invocação – ainda que supostamente errada – de uma norma.
Porém, como acabamos de ver, todo o discurso de fundamentação revela que a AT não considerou que houvesse uma qualquer negligente incompletude na organização da documentação e na execução de livros ou registos contabilísticos existentes, mas sim deliberada omissão, em massa de escrituração e de declaração de factos tributários.
Como decorre à saciedade dos factos provados, a posição assumida, por sua vez, pela Impugnante, designadamente no procedimento de revisão da matéria tributável, foi de inexistência de quaisquer omissões.
Tanto basta para tornar num acto inútil a sua notificação para suprir qualquer “insuficiência”.
Tão pouco em sede jurisdicional foi admitida omissão alguma de elementos na contabilidade, ou foi alegado facto algum de que se depreendesse ser em concreto suprível a impossibilidade de avaliação directa, causada pela invocada “inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração”, pelo que a invocação da falta de cumprimento da “formalidade legal” em causa raiaria, até, o abuso do direito – se o direito existisse.
Poderia pensar-se que também o contribuinte que dolosamente subtraiu elementos à contabilidade pode vir voluntariamente suprir os elementos em falta, sendo, até, desígnio do legislador da alínea a) do artigo 88º da LGT dar essa oportunidade a todo o contribuinte em qualquer circunstância, em homenagem à natureza absolutamente subsidiária da avaliação indirecta. Só uma focagem assistemática na alínea e no artigo em causa podem induzir o intérprete em tal erro. Não podemos esquecer os já citados artigos 74º 3 e 75º nº 1 alª a) da LGT. Uma vez que essa inexistência ou insuficiência de elementos e declarações, a que se refere a alª a) do artigo 88º, releve de fundados indícios de a contabilidade não espelhar, antes ocultar, a matéria tributável real, deixa de existir, a favor do contribuinte, a presunção de verdadeiras das suas declarações e escrita. Ora, desta desqualificação probatória não podem estar excluídas as declarações substitutivas ou rectificativas que apresente, de outro modo bastaria ao infractor inspeccionado apresentar mais elementos e declarações, verosímeis, mas ainda assim inverdadeiros, para subverter aquela inversão do ónus da prova e evitar a avaliação indirecta.
Também por aqui se vê como, mais do que inútil, tem um objecto logico-juridicamente impossível, a notificação do contribuinte nos termos da alª a) do artigo 88º quando o juízo de impossibilidade da avaliação directa releva de fundados indícios de a contabilidade não reflectir ou impedir o conhecimento da matéria tributável.
De tudo o exposto, concluímos que in casu não era obrigatório, nem sequer tinha sentido logico-jurídico, notificar a Recorrida para os efeitos da parte final da alª a) do artigo 88º da LGT.
Daqui segue-se que a sentença recorrida errou em matéria de direito, ao fundar a procedência da impugnação na preterição da suposta “formalidade legal”, o que basta para o recurso da AT proceder.
Contudo, há que prosseguir na abordagem das demais questões que não devam considerar-se prejudicadas.

2ª Questão
De todo o modo, errou de direito, a sentença recorrida, ao fundar a procedência da impugnação na alegada preterição da formalidade da notificação da Recorrente para suprir, em prazo legal, a suposta inexistência ou insuficiência de elementos da contabilidade, nos termos da alínea a), in fine, do artigo 88º da LGT, porque do cumprimento dessa formalidade jamais decorreria acto tributário diverso dos impugnados, pelo que devia aplicar-se o princípio do aproveitamento to acto administrativo?
Esta questão está prejudicada pela resposta dada à anterior. Com efeito, se a assim chamada formalidade não era devida, o acto, sob este prisma, não é inválido, pelo que não tem sentido apreciar a sua a validade sob o prisma do aproveitamento do acto administrativo.

3ª Questão
Errou, a sentença recorrida, no julgamento de direito, na medida em que considerou padecerem, os actos impugnados, de uma falta de fundamentação da decisão de recurso a métodos indirectos – decisão consubstanciada no despacho que pôs termo ao procedimento de revisão da matéria tributável – por esta, segundo a sentença, aludir apenas e em geral ao Relatório da Inspecção e invocar os artigos 87º e 88º da LGT sem especificação das alíneas, apesar de o procedimento (reclamação graciosa) e o processo (impugnação) subsequentes mostrarem que a Recorrida ficou bem ciente das razões de tal decisão, designadamente as expressas no RIT, e apesar da jurisprudência do STA (cf. conclusão HH) no sentido de para a fundamentação de direito poder bastar a menção dos princípios pertinentes e ou de um quadro normativo determinado e de, de todo o modo, ter sido mencionado o artigo 88º da LGT, que abrange, necessariamente, a sua alª d)?
Esta questão labora num pressuposto “quod erat demosntrandum” que a recorrente não cuida, sequer, de demonstrar.
Referimo-nos à afirmação de que a sentença recorrida se fundamentou, também, na consideração de que a decisão de recurso à avaliação indirecta padece de falta de fundamentação por invocar os artigos 87º e 88º da LGT sem a tão relevante especificação de números e ou alíneas.
O excerto da sentença no qual a Recorrente vê – e a recorrida, ao contra-alegar, não se fez rogada em ver – invocada a falta de fundamentação da decisão de recurso a métodos indirectos, é o seguinte:
«(…)
Ora, como é bom de ver, na situação em causa não estamos apenas perante a existência de irregularidades na organização ou execução da contabilidade da Impugnante (cfr. a al. a) do artigo 88.º da LGT), mostrando-se concretamente identificados factos através dos quais é patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada (cf. a al. d) do artigo 88.º da LGT).
Daí que, nos termos das citadas normas, a AT poderia Destaque nosso. [ter] ficado legitimada a efectuar o apuramento da matéria tributável da Impugnante com o recurso a métodos indirectos, tendo em vista encontrar o volume de negócios dos exercícios em causa, que a contabilidade não espelhava na sua totalidade.
Sucede que, compulsado o relatório de inspecção tributária, verificamos que a AT fez assentar a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável da Impugnante para efeitos de aplicação de métodos indirectos apenas na alínea a) do artigo 88.º da LGT («Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais»3), não invocando nenhuma outra alínea deste mesmo artigo, mormente a referida al. d).
Acresce que, assentando a liquidação impugnada num acto emanado no procedimento de revisão, mais propriamente, na decisão do respectivo Director de Finanças, sendo nesse acto final que se deve colher a fundamentação adoptada pela AT, e tendo presente que o n.º 4 do artigo 77.º da LGT determina que a decisão de tributação por métodos indirectos especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a decisão em causa nada esclarece, limitando-se a remeter para os factos apurados no procedimento de inspecção e a referir genericamente os artigos 87.º e 88.º da LGT.
Ora, no discurso fundamentador vertido no relatório de inspecção tributária, a AT apenas indicou como pressuposto da avaliação indirecta o disposto no art. 88.°, al. a) da LGT (que prevê «a inexistência ou insuficiência de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal ...»), mas, neste caso, a lei também prevê que o sujeito passivo seja notificado para proceder à sua organização num prazo a designar pela AT, não superior a 30 dias (art. 52.º, n.ºs 2 e 3 do Código do IRC) e só se as deficiências de contabilidade e escrituração não forem supridas neste prazo, se poderá concluir, se for caso disso, pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável.
Porém, no caso concreto dos autos, não consta do mesmo relatório ou do processo administrativo que a AT tenha notificado a Impugnante para regularizar as deficiências da contabilidade, nos termos expressamente previstos na referida alínea a) do art. 88.º da LGT.
Assim, foi preterida formalidade legal essencial à avaliação indirecta da matéria colectável, porque ao sujeito passivo não foi concedida a possibilidade de suprir a lacuna da inexistência de elementos de contabilidade, não estando reunidos os pressupostos invocados pela AT para a aplicação dos métodos indirectos, porquanto.»
Todo o sobredito arrazoado tem apenas o sentido de demonstrar que a AT não podia ter deixado de notificar a Recorrida para os efeitos da parte final da alínea a) do artigo 88º da LGT.
No que particularmente diz respeito à falta de menção de alíneas e nºs dos artigos 87º e 88º na decisão do Director de Finanças, que pôs termo ao procedimento de revisão, tudo o que a Mª Juiz a qua afirma é que, não sendo especificadas, em tal decisão final, outras alíneas do nº 1 do artigo 88º da LGT que não a alª a) – apenas invocada no RIT – designadamente a alª d) do nº 1 do artigo 88º, cujos elementos de facto, a seu ver, se verificavam, a AT não podia deixar de proceder à notificação supostamente devida em toda e qualquer das situações representadas na alª a).
Assim, nem historicamente houve intenção nem objectiva e actualisticamente se pode retirar do texto da sentença recorrida que também seja fundamento da procedência da impugnação um vício de falta de fundamentação da decisão de recurso a métodos indirectos.
Pelo exposto, a questão ora sub judices, por não ocorrer o pressuposto quod erat demonstrandum, só pode ter resposta negativa.

Do anteriormente exposto, porém, resulta que procede em toda a linha, o recurso da AT.

B - Da ampliação do recurso
Quid júris quanto ao objecto de ampliação do recurso, requerida pela Recorrida?
Já vimos que e por que a ampliação admitida se limita à impugnação da decisão em matéria de facto quanto à não prova dos factos como tal julgados.
A questão, única, é, portanto, a seguinte:

4ª questão
Errou, a sentença recorrida, no julgamento em matéria de facto, ao dar como não provados os factos como tal nela discriminados, pois os mesmos devem ter-se como provados, atentos os depoimentos das testemunhas, nos excertos que a Requerente situou e transcreveu no corpo das contra-alegações, “em conjunto com as provas documentais”, e com o parecer do perito independente (no procedimento de revisão)?
Como tem sido entendido por este Tribunal, os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se possa fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim, viu, ouviu e apreciou com imediação o depoimento de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.
Em coerência com este entendimento e para obviar à perplexidade de não haver um objecto concreto e definido para a crítica da decisão de facto, o artigo 640º nºs 1 e 2 do CPC, aqui aplicável ex vi artigo 281º do CPPT, faz impender sobre o recorrente em matéria de apreciação da prova o ónus de delimitar positivamente factos indevidamente provados ou indevidamente não provados, decisão que devia ter sido tomada e meios de prova determinantes, chegando ao ponto de lhe impor, no caso da prova verbal gravada (com é o caso) sob pena de “imediata rejeição (…) do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (nº 2 alª a).
Por sua vez, o nº 3 do mesmo artigo estende todas aquelas exigências ao recorrido que requeira a ampliação de recurso, como é o presente caso.
Nestes pressupostos normativos, apreciemos a questão sub judices:
As “conclusões” que dão origem a esta questão vão desde a “conclusão” XL à XVI e são rematadas pela a alª c) da conclusão final.
No corpo das alegações a Requerente refere-se a cada um dos factos e sustenta que deveriam ter sido dados como provados.
Como meios de prova, indica, para cada um, excertos de depoimentos das testemunhas, que situa no tempo de gravação e transcreve, e o parecer do perito independente, na parte que transcreve.
Desta feita, dir-se-á que, formalmente, cumpre com o ónus acima referido.
Porém, nem a Requerente explicita nem o Tribunal vê, sem mais explicações, em que é que de tais elementos de prova resulta, seja pela lógica, seja pelos ditames da experiência comum, que forçoso seja dar como provados aqueles factos.
Como já se disse, o recurso em matéria de facto não pode consistir num julgamento ex novo da matéria de facto, antes é uma crítica do decidido pelo juiz a quo, acerca da prova ou não prova de determinado facto, pelo prisma de concretos erros de lógica ou erro de julgamento em face dos ditames da experiência comum.
Como dizíamos, nem a Requerente da ampliação do recurso explicitou esses erros nem o tribunal, face ao alegado, os detecta.
Assim sendo, não vemos fundamento para alterar o decidido pela Mª Juiz a qua, pelo que haverá de improceder, a ampliação do recurso.

V – JULGAMENTO DA CAUSA EM SUBSTITUIÇÃO AO TRIBUNAL RECORRIDO.
A Mª Juiz a qua, por as considerar prejudicadas, acabou por não julgar a causa sob o prisma das restantes causas de pedir alegadas pela Impugnante na PI.
A matéria de facto, embora tenha sido objecto de impugnação mediante ampliação do recurso, já está estabilizada com a improcedência desta.
Assim sendo, impõe-se que este Tribunal proceda a esse julgamento em substituição ao tribunal recorrido, nos termos do artigo 665º do CPC.
Uma vez que a necessidade de se decidir em substituição é manifesta, que tal é do interesse de ambas as partes e que, no âmbito do alegado em sede do pedido de ampliação do recurso, ambas tiveram oportunidade de se pronunciar derradeiramente sobre as questões ainda em aberto, passamos desde já ao julgamento.
A Impugnante alegou, como causa do pedido de anulação das liquidações de IVA e juros compensatórios aqui sub judices, os seguintes fundamentos, que enunciaremos por ordem lógica:
1ª falta de audiência prévia na formação da decisão de recurso a métodos indirectos na fixação da matéria tributável;
2ª falta de fundamentação na mesma decisão;
3ª Erro nos pressupostos da decisão de fixação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos;
4ª Erro na quantificação da matéria tributável por métodos indirectos.
Estas Alegações resultam em outras tantas questões a apreciar:

1ª Questão
Falta de audiência prévia na formação da decisão de recurso a métodos indirectos na fixação da matéria tributável:
Atenta a matéria de facto provada, não haverá dúvidas de que não se procedeu a uma notificação para audiência prévia especificamente para a decisão de recurso aos métodos indirectos.
Esta decisão, porém, é parte integrante de um procedimento integrado por ou subsequente a um relatório de inspecção tributária, relativamente a cujo projecto não está em causa que foi dada audiência prévia.
Nos termos do artigo 60º nºs 1 e 3 da LGT:
“1 - A participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, por qualquer das seguintes formas:
a) Direito de audição antes da liquidação;
b) Direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições;
c) Direito de audição antes da revogação de qualquer benefício ou acto administrativo em matéria fiscal;
d) Direito de audição antes da decisão de aplicação de métodos indirectos, quando não haja lugar a relatório de inspecção;
e) Direito de audição antes da conclusão do relatório da inspecção tributária.
(…)
3 - Tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado.”
A decisão “definitiva” de recurso a métodos indirectos foi emitida no procedimento com natureza de reclamação administrativa que é o procedimento de revisão da matéria tributável concebido nos artigos 91º a 94º da LGT, no âmbito do qual a Requerente apresentou o seu perito e sustentou a sua posição, aliás, na sequência de um relatório de inspecção tributária, para a formação do qual ela também se pôde pronunciar previamente.
Atento o disposto pela conjugação dos nºs 3 e 1 alªs b) e d) do artigo 60º da LGT, tanto basta para estar dispensada nova audição prévia imediatamente antes da decisão final do procedimento de revisão que, além do mais, confirmou a licitude do recurso a métodos indirectos para a determinação da matéria tributável.
Como assim improcede esta alegação da Impugnante.

2ªQuestão
Falta de fundamentação da mesma decisão de recorrer a métodos indirectos:
Esta causa de pedir é exposta, essencialmente, nos artigos 96º a 110º da PI.
Lidos os mesmos, na parte em que se referem concretamente às manifestações de falta de fundamentação no capítulo do RIT dedicado a isso – não à abundante doutrina citada – verificamos que o que a impugnante considera falta de fundamentação consiste na invocação, pela AT, de presunções e suposições alegadamente subjectivas e indemonstradas.
Desta feita estará, a Impugnante, a confundir eventuais causas de demérito da fundamentação material do acto, atenta uma alegada falta de concretos pressupostos de facto, por um lado, com a falta de fundamentação (no sentido dito formal) por outro.
Certo é que as afirmações apontadas como suposições e presunções permitem precisamente entender que do iter cognoscitivo e valorativo do autor da decisão de recurso aos métodos indirectos fizeram parte essas presunções e ou suposições, alegadamente infundadas ou erradas.
Como assim, não é de falta de fundamentação, no sentido em que desta se fala no artigo 77º nºs 4 e 5 da LGT e no artigo 125º do CPA (a, por alguns, chamada “fundamentação formal”) que a decisão de recurso a métodos indirectos padece por causa do recurso às alegadas suposições e presunções subjectivas, pelo que improcede a alegação de falta de fundamentação da decisão de recurso a métodos indirectos.

3ª Questão
Erro nos pressupostos da decisão de fixação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.
Algo incoerentemente com a alegação de falta de fundamentação, pois se a fundamentação fosse inexistente seria impossível, logicamente, definir os pressupostos de direito e de facto do acto de maneira a criticá-lo quanto ao mérito, a Impugnante alega também erro nos pressupostos de facto e de direito da decisão.
Em suma, alega que tinha a contabilidade impecavelmente organizada e documentada, pelo que qualquer falta ou omissão ou outro factor de impossibilidade avaliação directa da matéria verdadeira não são mais do que íntimas convicções e presunções dos agentes da AT, sem fundamento objectivo algum, de maneira que a AT confunde os pressupostos com a decisão, isto é, por lhe parecer, com invocação de presunções e suposições, que a contabilidade não é verdadeira, decide-se passar a utilizar presunções e suposições na fixação da matéria colectável.
Sem embargo de sustentar a ilegalidade destes supostos pressupostos da decisão, nos artigos 36º a 82º da PI a Impugnante procura demonstrar a inconsistência daquelas presunções e estimativas de que, alegadamente, a AT parte para concluir pela impossibilidade de determinar a verdadeira matéria tributável.
Embora a Impugnante não o explicite, o erro de direito que aqui residiria seria uma violação dos artigos 87º alª b) e 88ºnº 1 alª a) da LGT, que foram as normas invocadas no RIT e assumidas, por remissão, pela decisão do procedimento de revisão, como seu fundamento de direito, normas cujos pressupostos de facto, assim, no entender da Impugnante, não ocorreriam.
Esta alegação passa, porém, ao lado de um complexo normativo decisivo na resolução desta questão.
Referimo-nos, também agora, à conjugação dos artigos 74º nº 3 e 75º nºs 1 e 2, especialmente, em concreto, a alª a) deste, da LGT.
Deste complexo normativo resulta que, se é certo que é da AT a alegação e a prova de que é impossível a avaliação directa, designadamente por causa, in casu, de uma das situações aludidas na alª a) do nº 1 do artigo 88º da LGT; e que, estando a contabilidade da Impugnante aparentemente bem organizada, se presume a veracidade do declarado pelo contribuinte e espelhado nela – portanto, a autenticidade de toda a escrita – também o é que, logrando a AT provar factos dos quais resultem indícios fundados, isto é, suspeitas sérias e objectivas, de que, afinal, a contabilidade impecável não reflecte (antes dissimula) a matéria tributável real, passa a ser do contribuinte o ónus de provar, seja a conformidade dessa contabilidade com a realidade, seja o excesso de quantificação em que se tenha incorrido na sua fixação pelos métodos indirectos.
Já vimos, a propósito da 1ª questão do recurso, que factos provou a AT susceptíveis de criarem indícios fundados de a escrita da agora recorrente não ser verdadeira.
Quanto a esses factos provados e sua conjugação, já então concluímos, tal como a AT, que os mesmos geram indícios fundados de que a verdadeira matéria tributável foi superior à declarada e que, por causa desses indícios de omissão de declaração, registo e documentação daqueles elementos contabilísticos, é impossível determinar com certeza a verdadeira matéria tributável.
Ora, atento o disposto no artigo 75º nºs 1 e 2 a) da LGT, quando a contabilidade, as declarações ou a escrita revelarem indícios fortes de ter sido subtraída aos registos contabilísticos uma parte dos elementos necessários à determinação directa da matéria tributável, tanto bastará, não para que se recorrer sem mais à avaliação indirecta, mas para desaparecer a presunção de veracidade de que gozava a contabilidade aparentemente bem organizada da Impugnante, de maneira que passa a ser desta o ónus de alegar e provar os factos concretos de que se possa concluir pela veracidade da sua contabilidade ou, ao menos, os factos de que se tenha de concluir que houve excesso na quantificação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos.
Quanto à AT, basta-lhe, nesse caso, provar os factos geradores desses fortes indícios, com o que terá cumprido o ónus que sempre é seu, de provar os pressupostos do recurso à avaliação indirecta, conforme o nº 3 do artigo 74º da LGT.
Visto isto, percebe-se que não era ónus da AT, no procedimento como na presente impugnação, demonstrar em absoluto estas e aquelas omissões de proveitos, para poder partir para a avaliação indirecta. Apenas lhe bastava alegar e provar os factos geradores de indícios fundados de tal omissão ocorrer e de, consequentemente, ser impossível determinar com certeza e exactidão a matéria tributável da Impugnante nos exercícios em causa. Para esses indícios fundados contribuíram, é certo, o que acima designámos como inverosimilhanças e a Impugnante qualifica como suposições e presunções. Mas não vemos que norma ou princípio jurídico proscreva o uso, em conjugação com outros elementos, nomeadamente os factos provados, de presunções retiradas da experiência comum, quando se faz um juízo sobre o bom fundamento de uma suspeita ou sobre a existência de indícios de outro facto.
O emprego de suposições e presunções sugeridas pela experiência comum não retira, portanto, legalidade à decisão de recurso à avaliação indirecta da matéria tributável.
Nesta circunstância processual, uma defesa eficaz da Impugnante passava por alegação e prova de factos que demonstrassem, logicamente e ou em face dos ditames da experiência comum, que a contabilidade exibida correspondia, apesar de inverosímil, à realidade ou, ao menos, que a avaliação indirecta pecava por excesso (cf. artigo 74º nº 3 da LGT). A impugnante, porém, limitou-se a pôr em causa, conclusivamente, a validade das suposições em que laborou a AT e a legalidade do concurso das mesmas para a decisão de recurso à avaliação indirecta, no que este Tribunal já expôs que e por que a não secunda. Quanto à prova da verdade dos factos considerados inverosímeis pela AT, a Impugnante não a logrou fazer.
Enfim, não há erro nos pressupostos de facto nem dos de direito da decisão de proceder à avaliação da matéria tributável por métodos indirecto, pelo que a acção, com este fundamento, não pode proceder.

4ª Questão
Erro na quantificação da matéria tributável por métodos indirectos.
Como já tivemos ensejo de salientar, segundo o artigo 74º nº 3 da LGT, em caso de emprego de métodos indirectos na determinação da matéria tributável, é ónus do contribuinte provar o excesso na quantificação da mesma.
Note-se que para provar o excesso não é necessário provar o quantum exacto do mesmo. Basta, logicamente, provar que a matéria tributável, por qualquer motivo concreto e determinado, tinha forçosamente de ser inferior à fixada.
Portanto, cumpria à impugnante alegar e provar ao menos um facto concreto de onde decorresse que a matéria tributável fora forçosamente inferior à fixada.
A impugnante, na sua crítica à quantificação feita pela AT, não assestou a mira em factores situados a jusante dos fundamentos da decisão de recorrer aos métodos indirectos, quer dizer, não alegou concretos erros nos pressupostos de facto das estimativas feitas, por exemplo, não alegou concretos ou específicos custos ignorados ou factos que prejudicassem a realidade do objecto de determinada estimativa quantitativa, antes se dedicou, desde o artigo 111º ao artigo 233º da PI, a fundamentar, com factos e argumentos relativos a cada uma das espécies e subespécies de proveitos supostamente não registados, a alegação de serem verdade, nesses aspectos, os dados da sua contabilidade.
É certo que da prova de ser verdadeira a sua contabilidade, ao menos num dos elementos postos em causa pela AT, resultaria logicamente o excesso, em alguma medida, da quantificação. Porém, dos factos nesse sentido alegados e susceptíveis de, por essa via indirecta, mas eficaz, se obter a prova de um excesso na quantificação, nem um, ao menos, se provou, conforme se pode ver da discriminação dos factos provados e não provados pela sentença recorrida – recorde-se a improcedência, acima julgada, do objecto da ampliação do recurso.
Sendo assim, temos de concluir que a Impugnante não satisfez o ónus, que era seu, de provar o excesso na quantificação da matéria tributável com recurso aos métodos indirectos, pelo que acção tão pouco por esta via procede.

VI – Custas
Uma vez que o Recurso procede e a ampliação do recurso improcede, as custas do recurso serão suportadas pela Recorrida: artigo 527º do CPC.
Uma vez que a acção improcede, as custas da 1ª instância ficarão a cargo da Impugnante: artigo 527º do CPC.

VII- Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar:
- Procedente, o recurso;
- Improcedente, o objecto da ampliação do Recurso;
- Em substituição do tribunal recorrido, improcedente, a acção.
Custas do Recurso, pela Recorrida.
Custas da acção, pela Impugnante.

Porto, 3/3/2022

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina da Nova
e
Cristina Travassos Bento (vota a decisão)
________________________________________________
i) Sem embargo, o contraditório assim re-exercido entre as partes quanto a esta parte do objecto da causa será aproveitado para se decidir imediatamente em substituição ao tribunal recorrido (cf. infra).

ii) Neste sentido, cf. a LGT anotada e comentada de Diogo Leite de Campos, Benjamim Sila Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lisboa, 2012, Encontro da escrita, Lda.

iii) “Notas Práticas sobre a prescrição da obrigação Tributária”, Áreas Editora, pág. 51

iv) Destaque nosso.