Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01479/14.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/25/2024
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:EXCESSO DE PRONÚNCIA; 2ª AVALIAÇÃO DE IMÓVEL;
ARTIGO 40º, N.º 3 DO CMI; ÁREA BRUTA DEPENDENTE;
PARQUE DE ESTACIONAMENTO; ÁREA DE CIRCULAÇÃO; DISPENSA DE PROVA TESTEMUNHAL;
Sumário:
I. Ocorre excesso de pronúncia quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.

II. Nos termos do disposto no art. 40º, nº 3, do CIMI, áreas brutas dependentes são áreas cobertas e fechadas de uso exclusivo, caracterizadas por serem desprovidas de autonomia económica, estando ao serviço e servindo de apoio das zonas de ocupação principal.

III. Da interpretação do n.º 3 do art.º 40.º do CIMI, decorre que, a primeira subsunção a efetuar é, quanto à área bruta privativa, e só se nela não couber é que se passará a poder subsumir na categoria da área bruta dependente.

IV. A norma do citado n.º 3 dá expressa primazia ao referir-se que os elementos que menciona, - as garagens, os parqueamentos, as arrecadações, as instalações para animais, os sótãos ou caves acessíveis e as varandas - poderão constituir a área bruta dependente se não forem de integrar na área bruta privativa, pelo que cabendo nesta primeira, já não torna necessário saber se também poderiam ser integrados naquela outra.

V. As áreas de circulação de viaturas afectas ao estacionamento dos veículos, são integrantes desse parque de estacionamento, pelo que devem ser qualificadas como de área bruta privativa, já que não têm outra função que não seja a de completarem o fim da afectação a tal fim de nele serem estacionados os veículos.

VI. Comportando a arguição do vício formal da falta de fundamentação um inadmissível ius novarum e não sendo de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, porquanto tal questão não foi, de todo, analisada na decisão recorrida.

VII. A realização das diligências instrutórias pressupõe a sua utilidade, com vista ao esclarecimento da factualidade alegada e relevante para a decisão da causa, não se mostrando, assim, útil a inquirição das testemunhas arroladas quando os factos redundarem em meras conclusões e bem assim quando os autos reunirem todos os elementos necessários para a prolação da decisão final, inexistindo, assim, qualquer violação do inquisitório.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. Autoridade Tributária e Aduaneira (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 30.03.2021, que no âmbito de impugnação judicial contra os actos de fixação do Valor Patrimonial Tributário resultante de 2ª avaliação atinente aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ...80... e ...23..., freguesia ..., concelho ..., no montante de € 2.849.010,00 e de € 1.514.890,00, respetivamente, a julgou procedente, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
I. Em causa no presente recurso está a douta Sentença que julgou totalmente procedente esta impugnação judicial que foi apresentada contra os atos de fixação do VPT resultantes de segunda avaliação efetuados aos prédios urbanos inscritos na matriz predial da freguesia ..., concelho ... (...18) sob os artigos ..80, fração ... e ..23, fração ... (atuais artigos ..., fração ... e ..76, fração ... da União das Freguesias ... e ..., concelho ...), no montante de € 2 849 010,00 e de € 1 514 890,00, respetivamente;
II. Para decidir pela procedência total desta impugnação e consequente anulação dos atos de 2.ª avaliação impugnados o Tribunal “a quo” considerou que os estacionamentos, tal como os dos autos, localizados numa fração autónoma com um espaço comercial, constitui área bruta dependente e que as áreas de circulação do estacionamento, que são obrigatórias, também devem ser consideradas como áreas brutas dependentes tal como estão definidas no art.º 40.º n.º 3 do CIMI pois até são de uso exclusivo dos utentes do estacionamento;
III. Salvo o devido e merecido respeito pelo Tribunal “a quo”, entende a Fazenda Pública que na douta Sentença ora sob recurso, para além de se verificar a nulidade por excesso de pronúncia, consubstanciada na decisão relativa à área das frações destinada a estacionamento, foi feita uma errada interpretação do regime jurídico aplicável aos factos dados como provados nos autos e que aqui não se questionam;
IV. Está devidamente provado nestes autos que os prédios aqui em causa têm como afetação, nos termos previstos no artigo 41.º do CIMI, o “Estacionamento coberto e fechado”;
V. Do confronto do disposto nos n.os 2 e 3, do artigo 40.º, do CIMI, resulta que a área de um estacionamento coberto e fechado, como é o caso das frações autónomas aqui em causa, deve ser considerada Aa quando o edifício ou fração tem como destino essa utilização e Ab, quando a sua utilização é acessória relativamente ao uso a que se destina o edifício ou fração onde se integra esse estacionamento coberto e fechado;
VI. O TCAS, no Acórdão proferido no Processo n.º 05398/12, em 2 de outubro de 2012, e numa situação semelhante à presente, decidiu que “Os corredores de acesso aos estacionamentos dos veículos, os nós de acesso aos vários pisos e as escadas e elevadores, todas eles integrantes desse parque de estacionamento, devem ser qualificados como de área bruta privativa, já que não têm outra função que não seja a de completarem o fim da afectação a tal fim de nele serem estacionados os veículos.”;
VII. In casu as áreas de circulação de pessoas e veículos automóveis não têm uma utilização diferente da utilização principal a que as frações estão afetas;
VIII. A situação fática em apreço nesta impugnação judicial é distinta daquela sobre a qual versa o Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 01111/12, em 30 de janeiro de 2013, e parcialmente transcrito na douta Sentença ora sob recurso;
IX. Está devidamente provado nos presentes autos, que as frações autónomas aqui em causa são, elas próprias, prédios autónomos (Cfr. artigo 2.º, n.º 4, do CIMI) que têm como destino principal o estacionamento e não constituem áreas comuns dos edifícios em que se inserem;
X. O decidido na douta Sentença aqui posta em crise não pode manter-se na ordem jurídica, uma vez que não é legalmente admissível a avaliação dos referidos prédios, considerando toda a sua área como Ab;
XI. A própria impugnante considera que uma parte destes prédios deve ser avaliada considerando uma determinada Aa;
XII. Ao decidir que a área dos estacionamentos propriamente ditos também deve ser considerada Ab, a Meritíssima do Tribunal “a quo” pronunciou-se sobre uma questão que não devia conhecer;
XIII. Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 125.º, do CPPT, e no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, “Constituem causas de nulidade da sentença (…) a pronúncia sobre questões que (o juiz) não deva conhecer.”;
XIV. Considerando o Tribunal “a quo” ser irrelevante, para a decisão em apreço, a existência do Ofício Circulado n.º 40 087, de 27/07/2006, da Direção de Serviços de Avaliações, tal sempre operaria em desfavor da impugnante, uma vez que esta pretendia estender a doutrina dali resultante, às avaliações sub judice;
XV. Não pode a douta Sentença aqui recorrida manter-se na ordem jurídica já que nela, para além do excesso de pronúncia verificado, se violou o disposto nos artigos 40.º, n.os 2 e 3, e 41.º, ambos do CIMI, se decidiu de modo contrário a jurisprudência anterior e, até, contra a melhor doutrina;
XVI. Assim sendo como de facto é, e está devidamente provado nos presentes autos, tendo a Meritíssima Juíza do Tribunal “a quo”, ao decidir como decidiu, a presente impugnação judicial, incorrido em excesso de pronúncia e em erro de julgamento de facto e de direito, impõe-se a revogação da Sentença ora sob recurso, com todas as devidas e legais consequências.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e, em consequência, ser a douta Sentença ora recorrida revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação, por não provada, tudo com todas as devidas e legais consequências.
Mais se requer a V.as Ex.as que, a final, atendendo ao facto de o valor da causa ser superior a € 275 000,00, determinem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, devida pela apresentação do presente recurso, nos termos do disposto no n.º 7, do artigo 6.º, do RCP.»
1.2. A Recorrida ([SCom01...], S. A), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
1. A douta Sentença recorrida, de 27.03.2021, que julgou a presente Impugnação procedente, e, em consequência, anulou as avaliações impugnadas, não merece qualquer censura.
2. Como, aliás, propugna o Ministério Público, no seu douto Parecer de 26.06.2018. Com efeito,
3. Com relevo para a apreciação do presente recurso, a douta Sentença recorrida deu por provado que: “(…) C) A fração designada pela letra ... do artigo urbano ...80 (atual ...) supra referido é um estacionamento coberto e fechado, situado na cave do prédio urbano correspondente ao n.º ...18 da Rua ..., ..., ..., composto por dois pisos (-1 e -2), e que serve o Centro Comercial ...; (…) M) Por sua vez, no que toca à fração autónoma designada pelas letras ... do artigo urbano ...23 (atual ...) supra referido também é um estacionamento coberto e fechado, composto por três pisos, constituindo os 1.º, 2.º e 3.º andares do prédio urbano sito na Praceta ..., ..., ..., nas imediações do Centro Comercial ...;”.
4. Posto isto, entendeu a douta Sentença recorrida, de forma irrepreensível, que “(…) Já quanto às áreas dependentes, defende o mesmo Autor (Ibidem, pág. 71) que: “(…) são espaços sem autonomia económica, que constituem áreas de apoio à utilização principal, ou seja, áreas acessórias, que estão ao serviço e são subsidiárias da utilização principal. (…) Como se pode ler no Acórdão do STA de 30-01-2013, proferido no proc. n.º 01111/12, acessível in www.dgsi.pt: I - Nos termos do disposto no art. 40º, nº 3, do CIMI, áreas brutas dependentes são áreas cobertas e fechadas de uso exclusivo, caracterizadas por serem desprovidas de autonomia económica, estando ao serviço e servindo de apoio das zonas de ocupação principal. II - Uma área de estacionamento localizada numa fração autónoma com um espaço comercial destinado a hipermercado, armazéns do hipermercado, posto de transformação, escritórios, etc., constitui área bruta dependente da mesma, não obstante o mesmo figurar na escritura de propriedade horizontal como espaço comum de todo o edifício. (…) Como refere o DMMP, no seu parecer, a administração tributária reconheceu que as áreas de circulação de pessoas em centros comerciais eram consideradas como áreas brutas dependentes nos termos do art.º 40.º n.º 3 do CIMI. Os estacionamentos, tal como os dos autos, localizados numa fração autónoma com um espaço comercial, constitui área bruta dependente. Assim, as áreas de circulação do estacionamento, que são obrigatórias, também devem ser consideradas como áreas brutas dependentes tal como estão definidas no art.º 40.º n.º 3 do CIMI pois até são de uso exclusivo dos utentes do estacionamento. (…) ”.
5. Note-se que o douto Acórdão do TCAS proferido no Processo nº 05398/12, de 02.10.2012, in www.dgsi.pt, mencionado pela Recorrente/FP nas suas alegações de recurso, reporta-se a uma situação distinta da vertente, mais concretamente a um parque de estacionamento licenciado para estacionamento público,
6. O que não é, claramente, o caso dos autos: fracções autónomas compostas por estacionamento coberto e fechado, de utilização exclusiva e acessória para os clientes do centro comercial ....
7. Do exposto resulta que a douta Sentença recorrida, contrariamente ao entendimento da Recorrente/FP, não padece de qualquer erro de julgamento ou violação de lei.
Sem prescindir, a título subsidiário - ampliação do âmbito do recurso (artigo 636º do CPC)
8. Como se afirma no douto Acórdão do STA, 2ª Secção, de 19.09.2018, Proc. nº 040/18, “Sendo o coeficiente de localização variável entre um mínimo e um máximo torna-se necessário que a AF indique as razões que levaram à atribuição do concreto coeficiente máximo.”.
9. No caso em apreço, como resulta dos sinais dos autos, também não foi dada qualquer justificação para o concreto coeficiente de localização (Cl) aplicado nas avaliações.
10. Por conseguinte, as avaliações em causa padecem ainda de falta de fundamentação, em violação do disposto nos artigos 77º nº 1 e 2 e 84º nº 3 da LGT, 153º do CPA e 268º nº 3 da CRP.
11. Com efeito as 2ªs. avaliações não fazem qualquer referência às razões, de facto e de Direito, que terão fundamentado o Cl concretamente aplicado - em prejuízo do direito de defesa do contribuinte.
12. O artigo 84º nº 3 da LGT determina expressamente que “A fundamentação da avaliação contém obrigatoriamente a indicação dos critérios utilizados e a ponderação dos factores que influenciaram a determinação do seu resultado”. 13. Pelo que as 2ªs. avaliações padecem ainda de vício de forma, por insuficiente fundamentação, em violação do disposto nos artigos 77º nº 1 e 2 e 84º nº 3 da LGT, e 268º nº 3 da CRP (cfr. artigo 153º nº 2 do CPA).
Ainda sem prescindir, a título subsidiário,
1. Como se referiu na PI, nem todas as áreas consideradas nas avaliações são utilizadas exclusivamente para estacionamento de veículos.
2. Com efeito, existem também outros tipos de áreas não adstritas a essa utilização, que terão que ser consideradas como áreas dependentes face à afectação principal da fracção – “estacionamento coberto e fechado”,
3. mormente as áreas necessárias à circulação de pessoas e veículos automóveis que usufruem das áreas dos lugares de estacionamento. Ora,
4. Estas áreas, por terem uma utilização diferente da utilização principal a que a fracção está afecta (estacionamento) deverão, no cômputo do valor global da fracção, ter uma ponderação distinta das áreas afectas à função principal, considerando-se as mesmas como áreas dependentes. 5. Torna-se, assim, necessário apurar o quantitativo das áreas não utilizadas para estacionamento, 6. as quais, como se disse, deverão ser consideradas como áreas brutas dependentes porque dependente é também o uso das mesmas face à afectação principal da fracção - que é o “estacionamento coberto e não fechado”.
7. No próprio pedido de segunda avaliação, a Impugnante determinou os valores que, para efeitos da avaliação, deveriam ser considerados a título de área bruta privativa e a título de área bruta dependente (cfr. factualidade provada),
8. sendo que, também no decurso do procedimento avaliativo, a Impugnante remeteu ao perito avaliador as plantas dos imóveis em causa, e a explicitação fundamentada da determinação das respectivas áreas (cfr. factualidade provada).
9. Não obstante, no termo de avaliação em causa, concluiu-se que as áreas de estacionamento, circulação e demais espaços obrigatórios ao normal funcionamento da fracção terão de ser classificados como área bruta privativa (cfr. factualidade provada).
10. Ou seja, o perito em causa considerou que a área destinada às zonas de circulação pedonal e automóvel correspondia a área bruta privativa.
11. Ora, deve recordar-se que o IMI é um imposto cuja aplicação se baseia no princípio do benefício económico correspondente à afectação concreta de um determinado bem imóvel – “estacionamento fechado e não coberto”.
12. Por conseguinte, as áreas não destinadas a lugares de estacionamento, designadamente as que, até por imposição legal relativa a segurança, são afectas a áreas de circulação, não poderão ser valorizadas da mesma forma que as áreas destinadas ao estacionamento.
13. Pelo contrário, economicamente, essas áreas representam para o proprietário das mesmas um custo, uma vez que não poderão ser utilizadas para um outro fim mais rentável, como seja, para lugares de estacionamento adicionais.
14. Assim, na realidade, as áreas de circulação têm uma utilização meramente acessória ao fim a que se destina a fracção (estacionamento) e, como tal, devem ser consideradas como áreas dependentes.
15. De resto, no pedido de segunda avaliação, a Impugnante havia invocado igualmente que as áreas ocupadas por determinados equipamentos necessários, indispensáveis e legalmente exigíveis ao bom funcionamento do parque de estacionamento - genericamente designadas por “áreas técnicas” - e, bem assim, as áreas ocupadas por arrecadações, deveriam ser consideradas áreas dependentes - o que foi aceite.
16. Nos termos do artigo 40º nº 3 do CIMI, na área bruta dependente estão incluídas as áreas cobertas de uso exclusivo, mesmo que situadas no exterior do edifício ou da fracção, cujas utilizações são acessórias relativamente ao uso a que se destina o edifício ou fracção.
17. Determinante para aquela qualificação é a acessoriedade da utilização das áreas em relação ao uso (principal) a que se destina a fracção.
18. Assim, além de essas áreas de circulação não serem fonte geradora de receita – sobretudo quando o estacionamento é pago – e não poderem legalmente ser utilizadas para outro fim, têm, tal como as áreas técnicas, uma utilização meramente acessória face ao fim a que se destina a fracção em que estão inseridas (estacionamento),
19. pelo que não poderão (nem devem) ser valorizadas como se de áreas de estacionamento se tratasse - devendo, quando muito, ser consideradas como áreas dependentes.
20. De resto, no plano dos factos, não faz qualquer sentido diferenciar as “áreas técnicas” das “áreas de circulação”
21. Qual o sentido de ser determinar que as áreas técnicas -obrigatórias por lei - para funcionamento do parque de estacionamento são áreas dependentes, e considerar que as áreas de circulação – igualmente obrigatórias por lei – são áreas privativas?
22. Está em causa, pois, a efectiva destinação do imóvel.
23. Ora, neste segmento, está igualmente a considerar-se que toda a área de circulação está afecta a estacionamento, quando, como referido, não se trata de área que a Impugnante possa, sequer, dispor livremente.
24. É que, como é óbvio, por condicionantes legais e regulamentares, as vias de circulação têm de obedecer a especificações técnicas de segurança – por exemplo quanto à sua dimensão, para acesso de meios de emergência, acesso e circulação,
25. estando em causa, por isso, verdadeiras “áreas técnicas”, sem qualquer autonomia económica, e com uma utilização meramente acessória - que estão ao serviço e são subsidiárias da utilização principal.
26. A própria AT, nas instruções transmitidas através da Direcção de Serviços de Avaliações, unidade orgânica competente para o efeito, por meio do Ofício Circulado n.º 40087 de 27.07.2006 - que explicita as linhas orientadoras e estruturantes a seguir pelas comissões de avaliação – veio estabelecer que: «as áreas de circulação de pessoas em centros comerciais são consideradas áreas brutas dependentes».
27. Ora, não há qualquer razão que legitime entendimento contrário/diverso no caso concreto aqui em análise, sob pena de violação dos princípios da igualdade, imparcialidade, segurança jurídica e boa-fé, e do dever de protecção da confiança e das legítimas expectativas dos contribuintes, ínsitos no princípio do Estado de Direito Democrático (cfr. artigos 2º da CRP, 55º, 59º e 68º-A da LGT, 6º, 9º e 10º do CPA, e 266º nº 2 da CRP)
28. Com efeito, a AT está juridicamente vinculada à sua própria doutrina interpretativa interna, sob pena de abuso de direito (artigo 334º do CC), na modalidade de venire contra factum proprium.
29. Por igualdade de motivos, as áreas de circulação constantes de fracção destinada a estacionamento devem considerar-se como áreas dependentes.
30. É que essas áreas, repete-se, resultando de imposição legal, não são diferenciadas relativamente a outras fracções semelhantes destinadas a parqueamento e, portanto, não influem (não devem influir) no seu VPT.
31. Outrossim, os factores susceptíveis de influenciar na determinação do VPT – como medida tendente à sua aproximação ao “valor de mercado” – devem centrar-se na dimensão e número dos próprios lugares de estacionamento, no coeficiente de localização, na vetustez, etc.
32. Considerando que, nos termos da legislação em vigor, as áreas de circulação são determinadas de maneira uniforme para idênticos equipamentos – no caso parqueamento de centros comerciais -, e considerando igualmente que têm uma utilização acessória, as mesmas não devem ser consideradas como área dependente - influenciado positivamente o VPT.
33. Isso é assim, desde logo, porque a finalidade da fracção é a prestação de serviço de parqueamento – pelo que o VPT é influenciado apenas pela área efectivamente destinada a parqueamento.
34. Paralelamente, e por idênticos motivos, num espaço comercial não podem ser consideradas, na área privativa, as zonas técnicas de utilização acessória.
35. E note-se que, no caso em apreço, relativamente às “áreas técnicas”, as mesmas foram consideradas como área dependente – não subsistindo qualquer argumento minimamente coerente para suportar o inverso relativamente às áreas de circulação numa fracção destinada a estacionamento. Ainda sem prescindir, por cautela de patrocínio,
36. Conforme resulta dos sinais dos autos, por douto Despacho de 03.03.2015, a Impugnante/Recorrida foi notificada para indicar os factos da PI sobre os quais pretendia ouvir a testemunha arrolada.
37. A Impugnante/Recorrida assim fez, indicando, para o efeito, a factualidade constante dos artigos 3, 4, 19, 20, 21 e 22 da PI – conforme requerimento de 17.03.2015.
38. Contudo, por douto Despacho de 19.03.2018, foi decidido dispensar a produção da prova testemunhal requerida pela Impugnante, por configurar “diligência inútil e proibida por lei (artigo 130º do Código de Processo Civil).”. Ora,
39. Pelo menos parte daquela factualidade era controvertida e relevante para a decisão de mérito, segundo as diferentes soluções de Direito plausíveis.
40. Sendo que, nos termos do artigo 265º nº 3 do CPC, incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que deve conhecer - princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material.
41. Por outro lado, a produção de prova testemunhal deve ser aceite em todos os casos em que não seja proibida por lei (cfr. artigo 392º do CC). 42. Assim, a prova testemunhal oportuna e legitimamente requerida foi indevidamente dispensada/indeferida.
Nestes termos, nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V. Exas., negando provimento ao recurso da FP e confirmando a douta Sentença recorrida, ou, subsidiariamente, com ampliação do âmbito do recurso, proferindo Acórdão que de igual modo julgue a presente Impugnação procedente, se necessário com a prévia baixa do processo para produção da prova testemunhal, e com a consequente anulação das avaliações aqui impugnadas, V. Exas., como sempre, farão inteira JUSTIÇA.»
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 392 e ss. do SITAF, no sentido da improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida (i) enferma de nulidade por excesso de pronúncia, (ii) se incorreu em errada valoração e apreciação da prova, e, consequentemente, se incorreu em erro de julgamento na aplicação do direito, (iii) da dispensa do remanescente e, em sede de ampliação de recurso da Recorrida e, como tal, subsidiariamente, (iv) da invocada falta de fundamentação dos actos de avaliação(coeficiente de localização), (v) da ilegalidade dos actos, posto que as áreas de circulação de pessoas e veículos do parque de estacionamento deverão ser consideradas áreas brutas dependentes em relação aquele e, (vi) da ilegal dispensa da produção de prova testemunhal.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Compulsados os autos e analisada a prova produzida, dão-se como provados, com interesse para a decisão, os factos infra indicados:
A) A Impugnante é uma sociedade anónima, que se encontra coletada pela atividade de Arrendamento de bens imobiliários - CAE 068200, encontrando-se inscritos a seu favor, na matriz urbana da freguesia ... (extinta), concelho ... (...18), entre outros, os prédios correspondentes aos artigos ..80-A e ..23-DE - cfr. fls. 55 a 56 e 58 do Processo Administrativo Apenso;
B) Após a Reorganização Administrativa do Território das Freguesias (Lei n.º 11-A/2013, de 28/01), os referidos prédios urbanos passaram a estar inscritos na matriz sob os artigos ...2... e ...76..., respetivamente, da União das Freguesias ... e ... (131730) – cf. fls. 57 e 59 do PA apenso;
C) A fração designada pela letra ... do artigo urbano ...80 (atual ...) supra referido é um estacionamento coberto e fechado, situado na cave do prédio urbano correspondente ao n.º ...18 da Rua ..., ..., ..., composto por dois pisos (-1 e -2), e que serve o Centro Comercial ...;
D) Os serviços da AT procederam à avaliação geral deste prédio urbano, através da correspondente Mod. 1 do IMI, registo n.º ...53 de 21/06/2012;
E) Em 29/06/2012, foi efetuada uma primeira avaliação [ficha de avaliação n.º ...13], na qual foi fixado o VPT de € 3.578.140,00, tendo sido notificada à Impugnante através do ofício n.º ...31 de 03/07/2012 – cfr. fls. 60 a 62 do PA apenso;
F) Em 26/07/2012, deu entrada no Serviço de Finanças ... 1 um pedido de Revisão da Avaliação relativamente a duas frações, – sendo que na parte correspondente à fração em apreço, a Impugnante requereu: » a aplicação do coeficiente de vetustez de 0,85, ao invés do aplicado na avaliação de 0,90; » no que concerne à área total da fração (14.610,73m2), apenas 5.200,00m2 devem ser considerados como área bruta privativa, e os restantes 9.410,73m2 devem ser considerados como área bruta dependente, já que são atinentes à área de circulação de pessoas e automóveis e às áreas técnicas (áreas ocupadas com elevadores e escadas de ligação, casa das máquinas, arrumos) – cfr. cópia de fls. 63 a 68 do PA apenso;
G) Na sequência deste pedido de Revisão, aquela avaliação foi dada sem efeito, e efetuada uma nova 1ª avaliação (ficha de avaliação n.º ...43), em 26/07/2012, na qual foi fixado o VPT de € 3.379.350,00, e foi notificada ao Contribuinte através do ofício n.º ...67 de 02/08/2012, recebido em 09/08/2012 – cfr. fls. 23 e 24 do PA apenso;
H) Desta avaliação resultam, designadamente, os seguintes elementos: » coeficiente de vetustez: 0,85 (em vez de 0,90); » coeficiente de localização: 1,40 (tipo de coeficiente de localização: habitação); » área total e área bruta privativa: 14.610,73m2 (não foi considerada qualquer área como área bruta dependente);
I) Não se conformando com este VPT, a Impugnante apresentou Requerimento de 2ª Avaliação, que deu entrada no Serviço de Finanças ... 1 em 11/09/2012, do qual resulta, em síntese, que: » no que concerne à área total da fração, continua a requerer que apenas 5.200,00m2 sejam considerados como área bruta privativa, sendo que os restantes 9.410,73m2 devem ser considerados como área bruta dependente, arguindo os mesmos fundamentos do Pedido de Revisão; » no que tange ao coeficiente de localização, alega que desconhece os fundamentos e os critérios do Art. 42.º, n.º 3, als. a) a d) do CIMI que foram consideradas para a sua determinação – cfr. cópia de fls. 26 a 31 do PA apenso;
J) Através de Termo de Avaliação datado de 19/03/2014 e respetiva ficha de avaliação n.º ...65 da mesma data, foi efetuada a 2ª avaliação desta fração, tendo o VPT baixado para € 2.849.010,00, na sequência de: » o coeficiente de localização passou de 1,40, para 1,30 (tipo de coeficiente de localização: comércio), » a área bruta privativa passou de 14.610,73m2 para 12.674,73, sendo considerado agora como área bruta dependente 1.936,00m2, correspondentes às áreas técnicas – cfr. fls. 32 a 36 do PAT;
K) Do Termo de Avaliação elaborado pelo Perito Independente decorre, nomeadamente, que: “(…) As áreas de utilização acessória, correspondentes às zonas técnicas, como áreas ocupadas com equipamentos, casas das máquinas, elevadores e escadas que servem o edifício comercial, foram consideradas áreas brutas dependentes, que, com base nas plantas de arquitetura e elementos retirados da vista efetuada, totalizam 1936,00 m2. As áreas de utilização idêntica, como as áreas dos lugares de estacionamento e circulação automóvel, inserem-se em área bruta privativa, que representa a superfície total, medida pelo perímetro exterior e eixos das paredes separadoras da fração. O coeficiente de localização, fixado no zonamento em vigor e aprovado por portaria, foi corrigido para 1,30 em vez de 1,40 fixado em sede de avaliação geral, pois o tipo de coeficiente de localização considerado, não correspondia à utilização dominante.” – cfr. fls. 33 do PA apenso;
L) O resultado desta 2ª avaliação foi notificado através do ofício ...87 de 21/03/2014, recebido em 24/03/2014, e o Termo de Avaliação do Perito Independente através do ofício n.º ...65 de 03/04/2014, do Serviço de Finanças ... 1 – cfr. fls. 36 e 34 do PA apenso;
M) Por sua vez, no que toca à fração autónoma designada pelas letras ... do artigo urbano ...23 (atual ...) supra referido também é um estacionamento coberto e fechado, composto por três pisos, constituindo os 1.º, 2.º e 3.º andares do prédio urbano sito na Praceta ..., ..., ..., nas imediações do Centro Comercial ...;
N) Os serviços da AT procederam à avaliação geral deste prédio urbano, através da correspondente Mod. 1 do IMI, registo n.º ...17 de 24/06/2012; O) Em 02/07/2012, foi efetuada uma primeira avaliação (ficha de avaliação n.º ...06), na qual foi fixado o VPT de € 1.565.720,00, tendo sido notificada à Impugnante através do ofício n.º ...06 de 04/07/2012 – cfr. fls. 69 a 71 do PA apenso;
P) Em 26/07/2012, deu entrada no Serviço de Finanças ... 1 um pedido de Revisão da Avaliação relativamente a duas frações, sendo que na parte correspondente à fração em apreço, a Impugnante requereu: » no que concerne à área total da fração (8.850,00m2), apenas 4.589,00m2 devem ser considerados como área bruta privativa, e os restantes 4.261,00m2 devem ser considerados como área bruta dependente, dado que são relativos à área de circulação de pessoas e automóveis e às áreas técnicas (áreas ocupadas com elevadores e escadas de ligação, casa das máquinas, arrumos) – cfr. cópia de fls. 63 a 68 do PA apenso;
Q) Na sequência deste pedido de Revisão, aquela avaliação foi dada sem efeito, e efetuada uma nova 1ª avaliação (ficha de avaliação n.º ...15), em 19/09/2012, na qual foi fixado o mesmo VPT (€ 1.565.720,00), e foi notificada ao Contribuinte através do ofício n.º ...19 de 21/09/2012 – cfr. fls. 37 e 38 do PA apenso;
R) Desta avaliação resultam, designadamente, os seguintes elementos: » coeficiente de localização: 1,20 (tipo de coeficiente de localização: habitação); » área bruta privativa: 7.405,00m2 e área bruta dependente: 1.445,00m2;
S) Não se conformando com este VPT, a Impugnante apresentou Requerimento de 2ª Avaliação, que deu entrada no Serviço de Finanças ... 1 em 28/09/2012, do qual resulta, em síntese, que: » no que concerne à área total da fração (8.850,00m2), 1.445,00m2 é área descoberta da fração, sendo que apenas 4.589,00m2 devem ser considerados como área bruta privativa, o que significa que os restantes 4.261,00m2 devem ser considerados como área bruta dependente, invocando os mesmos fundamentos do Pedido de Revisão; » no que tange ao coeficiente de localização, alega que desconhece os fundamentos e os critérios do Art. 42.º, n.º 3, als. a) a d) do CIMI que foram consideradas para a sua determinação – cfr. cópia de fls. 40 a 47 do PA apenso;
T) Através de Termo de Avaliação datado de 19/03/2014 e respetiva ficha de avaliação n.º ...64 da mesma data, foi efetuada a 2ª avaliação desta fração, tendo o VPT baixado para € 1.514.890,00, na sequência de: » o coeficiente de localização manteve-se (1,20 - tipo de coeficiente de localização: habitação), » a área bruta privativa passou de 7.405,00m2 para 7.036,00m2, e a área bruta dependente passou de 1.445,00m2 para 1.814,00m2, tendo sido considerados 369,00m2 referentes a áreas técnicas – cfr. fls. 48 a 52 do PAT;
U) Do Termo de Avaliação elaborado pelo Perito Independente decorre nomeadamente que: “(…) As áreas de utilização acessória, correspondentes às zonas técnicas, como áreas ocupadas com equipamentos, casas das máquinas, elevadores e escadas que servem o edifício, foram consideradas áreas brutas dependentes, que, com base nas plantas de arquitetura e elementos retirados da vista efetuada, totalizam 369,00 m2. As áreas de utilização idêntica, como as áreas dos lugares de estacionamento e circulação automóvel, inserem-se em área bruta privativa, que representa a superfície total, medida pelo perímetro exterior e eixos das paredes separadoras da fração. O coeficiente de localização foi fixado com base no zonamento em vigor, aprovado por portaria.” – cfr. fls. 49 do PA apenso;
V) O resultado desta 2ª avaliação foi notificado através do ofício ...86 de 21/03/2014, recebido em 24/03/2014, e o Termo de Avaliação do Perito Independente através do ofício n.º ...67 de 03/04/2014, do Serviço de Finanças ... 1 – cfr. fls. 52 e 50 do PA apenso;
W) Em 23/06/2014, a Impugnante remeteu, via e-mail, a presente Impugnação ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto.
Factos não provados
Não se deram como não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
Motivação da decisão sobre a matéria de facto
A convicção do Tribunal estribou-se na análise crítica da documentação junta aos autos e ao processo administrativo apenso, referida no probatório em relação a cada um dos factos aí enunciados, bem como na factualidade alegada e não impugnada, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respetiva alegação, nos termos do disposto no artigo 412º do Código de Processo Civil.»
2.2. De direito
A Recorrente (Autoridade Tributária e Aduaneira) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida com a consequente anulação dos actos de segunda avaliação impugnados, considerando, no que aqui importa, que:
- Os estacionamentos, tal como os dos autos, localizados numa fração autónoma com um espaço comercial, constitui área bruta dependente
- As áreas de circulação do estacionamento, que são obrigatórias, também devem ser consideradas como áreas brutas dependentes tal como estão definidas no art.º 40.º n.º 3 do CIMI pois até são de uso exclusivo dos utentes do estacionamento
Pelos presentes autos, a recorrida impugnou os actos de fixação do valor patrimonial tributário resultante de 2ª Avaliação atinente aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ...80... e ...23..., freguesia ..., concelho ..., no montante de € 2.849.010,00 e de € 1.514.890,00, respectivamente, invocando, entre outros fundamentos, vícios da avaliação que contendem com a distribuição das áreas bruta dependente e privativa, alegando, em síntese, que:
- As áreas necessárias à circulação de veículos (subentenda-se de viaturas e pessoas) têm que ser consideradas como área bruta dependente, dado que têm uma utilização diferente da utilização principal a que a fração está afecta (estacionamento), como tal dependente é o seu uso face ao estacionamento;
- Em sede de 2ª avaliação estas áreas foram consideradas como área bruta privativa, sendo que, está subjacente ao IMI que o benefício económico corresponda à afetação concreta de um determinado imóvel, pelo que as áreas não destinadas a estacionamento não podem ser valorizadas da mesma forma que as áreas destinadas a estacionamento;
- Tanto mais que estas áreas representam um custo, dado que não podem ser utilizadas para outro fim mais rentável, tendo apenas uma função acessória ao estacionamento, não podendo a Impugnante dispor livremente daquelas áreas;
- Não faz sentido diferenciar as áreas técnicas e as arrecadações das áreas de circulação, já que as áreas técnicas e arrecadações foram consideradas na 2ª avaliação como área bruta dependente, porque acessórias em relação à área principal;
- Acresce que as áreas de circulação, cuja dimensão e outras especificações técnicas de segurança têm que obedecer à lei, são verdadeiras;
- Por outro lado, o Ofício-Circulado n.º 40087 da Direção de Serviços de Avaliações, de 27/07/2006, veio estabelecer que as áreas de circulação de pessoas em centros comerciais são consideradas áreas brutas dependentes, pelo que, pelo mesmo motivo, devem as áreas de circulação do estacionamento ser também consideradas áreas brutas dependentes;
- Aliás, atendendo a que, em termos legais, as áreas de circulação estão estabelecidas uniformemente para equipamentos semelhantes, e têm uma função acessória, não devem sequer ser consideradas como área bruta dependente, sendo que apenas as áreas destinadas a parqueamento devem influenciar o VPT, dado que a finalidade da fração é a prestação de serviços de parqueamento;
Pugnando, com tais fundamentos que a determinação do VPT desta fração é ilegal, pelo que deve ser anulada.
Diametralmente, AT sustenta que dúvidas não subsistem de que as áreas de circulação de pessoas e automóveis no parqueamento têm que ser consideradas como área bruta privativas não sofrendo as avaliações em apreço de qualquer vício.
Conhecendo, exclusivamente dos vícios da avaliação que compõem a causa de pedir principal, isto é, da não concordância da distribuição que decorre dos actos de 2ª avaliação entre áreas bruta e privativa, ou seja, de que as áreas necessárias à circulação de pessoas e veículos têm que ser consideradas como área bruta dependente, dado que têm uma utilização diferente da utilização principal a que a fração está afecta (estacionamento), e também dependente é o seu uso face ao estacionamento (posição da Impugnante,) ou se , pelo contrário, devem ser consideradas como área bruta privativa, conforme foi considerada pela AT e defendida pela mesma nos autos.
O Tribunal a quo viria a considerar que quer a área de estacionamento, quer a área de circulação de viaturas deve ser considerada com área bruta dependente, anulando os actos de 2ª avaliação impugnados.
Perante o assim decidido, inconformada, alega a Recorrente, em síntese, que a sentença incorreu em (i) nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 125º nº1 do CPPT, 608º nº2 e 615º nº1 d) e 4, ambos do CPC, em relação a área de estacionamento e considerando que a mesma deve ser tida como área bruta dependente, questão que não foi suscitada nem esteva em causa nos autos; (ii) do erro de valoração dos factos e subsequente erro de julgamento de direito.
Ao estribar o recurso no excesso de pronúncia da sentença invocando o disposto nos artigos 125.º, n.º 1 do CPPT, 608.º, n.º 2 e 615.º, nº 1, alínea d) e n.º 4 do CPC, quanto ao conhecimento de questão não colocada pela Recorrida em sede de p.i., pretende a Recorrente atribuir nulidade à sentença, nulidade que, gozando de primazia no seu conhecimento, constitui, portanto, a primeira questão colocada que importa apreciar e decidir.
2.2.1. Do excesso de pronúncia
Compete verificar se a sentença padece de nulidade por excesso de pronúncia, consubstanciada na decisão relativa à área das frações destinada a estacionamento, quando o que era questionado era tão só a área correspondente à circulação de veículos e pessoas.
O Juiz do Tribunal recorrido proferiu despacho de sustentação, do qual destacamos o ali afirmado de que “(...) está aqui em causa as alegadas incorreções nas avaliações dos prédios correspondentes a parques de estacionamento, no que tange à distribuição da área bruta (privativa e dependente), ou seja, as frações autónomas compostas por estacionamento coberto e fechado, de utilização exclusiva e acessória para os clientes do centro comercial .... / Assim, salvo o devido respeito por melhor entendimento, entende-se não se verificar a nulidade arguida, não carecendo, assim, de ser proferido despacho a suprir a mesma.”.
Vejamos.
Ora, o artigo 125.º, n.º 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário, determina que constitui causa de nulidade de sentença a pronúncia pelo juiz de questões que não deva conhecer.
Para melhor enquadramento deste tipo de nulidade, chamamos à colação o Acórdão deste Tribunal Central Administrativo Norte de 17.12.2020, proferido no processo n.º 42/14.9BEMDL, do qual se transcreve a seguinte passagem:
«Ocorre excesso de pronúncia quando o tribunal aprecia e decide uma questão, isto é, um problema concreto, que não foi suscitada pelas partes nas respectivas peças processuais, com excepção das que sejam do conhecimento oficioso. Como refere Jorge Lopes de Sousa, in “Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado”, volume II, 6ª edição, 2011, Áreas Editora, p. 366, ocorre nulidade da sentença “Se o tribunal, apesar de se limitar a apreciar um pedido que foi formulado, exceder os seus poderes de cognição quanto à causa de pedir, violando a regra da identidade de causa de pedir e de causa de julgar”.
A referida nulidade reconduz-se, assim, a um incumprimento, por parte do julgador, do poder prescrito no artigo 608º, nº 2 do CPC, de só conhecer de questões que tenham sido suscitadas pelas partes (salvo aquelas de que a lei lhe permite conhecer oficiosamente).
O mesmo equivale a dizer, em síntese, que o excesso de pronúncia pressupõe que o julgador vai além do conhecimento que lhe foi pedido pelas partes, o que determina que a causa do julgado não se identifique com a causa de pedir ou o julgado não coincida com o pedido.
A causa de pedir pode definir-se como o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, não bastando a indicação vaga ou genérica dos factos em que o autor fundamenta a sua pretensão para que se verifique o preenchimento de tal exigência legal (cfr. Antunes Varela e outros, “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 245, e José Alberto dos Reis, “Comentário ao Código de Processo Civil”, II, Coimbra, 1945, p. 369 e seg.).
Por seu lado, o pedido pode definir-se como o meio de tutela jurisdicional pretendido pelo autor, ou seja, o efeito jurídico que quer obter com a acção, devendo o mesmo ser formulado na conclusão da petição inicial e não bastando para a satisfação desta exigência legal que o pedido surja acidentalmente referido na parte narrativa da peça processual em questão (cfr. Antunes Varela e outros, ob. cit., p. 245, e José Alberto dos Reis, ob. cit., p. 360 e seg.).
Aplicando tais princípios, será nula, por vício de “ultra petita”, a sentença em que o Juiz invoca, como razão de decidir, um título, ou uma causa ou facto jurídico, essencialmente diverso daquele que a parte colocou na base (causa de pedir) das suas conclusões (pedido).».
A sentença, enquadrou a causa de pedir e, consequente pedido, da seguinte forma:
«Como já referimos e resulta dos Autos, a Impugnante vem impugnar o VPT fixado em 2ª avaliação atinente aos prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ...80... e ...23... freguesia ..., concelho ... (...18), que são estacionamentos cobertos e fechados.
Não concorda a Impugnante com a distribuição entre as áreas brutas dependente e privativa na 2ª Avaliação, arguindo que as áreas necessárias à circulação de pessoas e veículos têm que ser consideradas como área bruta dependente, dado que têm uma utilização diferente da utilização principal a que a fração está afeta (estacionamento), e também dependente é o seu uso face ao estacionamento, não podendo ser consideradas como área bruta privativa, conforme foi considerada pela AT.
Desde já se adianta que falece total razão à AT.
Sobre esta matéria, importa chamar à colação o disposto no art. 40.º do CIMI, segundo o qual:
(...)
Como se pode ler no Acórdão do STA de 30-01-2013, proferido no proc. n.º 01111/12, acessível in www.dgsi.pt:
I - Nos termos do disposto no art. 40º, nº 3, do CIMI, áreas brutas dependentes são áreas cobertas e fechadas de uso exclusivo, caracterizadas por serem desprovidas de autonomia económica, estando ao serviço e servindo de apoio das zonas de ocupação principal. II - Uma área de estacionamento localizada numa fração autónoma com um espaço comercial destinado a hipermercado, armazéns do hipermercado, posto de transformação, escritórios, etc., constitui área bruta dependente da mesma, não obstante o mesmo figurar na escritura de propriedade horizontal como espaço comum de todo o edifício. III - É que se o mesmo está afeto ao uso, a título gratuito, pelos clientes que acedam ao “Edifico comercial” e, em especial, ao hipermercado inserido na referida fração, trata-se de uma situação em que o título constitutivo da propriedade horizontal não pode ser decisivo, devendo prevalecer a afetação material e destinação económica que é dada ao estacionamento. IV - O referido estacionamento não pode perder o carácter de uso exclusivo, nos termos e para os efeitos do nº 3 do art. 40º do CIMI, apenas pelo facto de o seu uso estar afeto ou ser cedido, por quem tem poder de disposição para tal, seja a título gratuito seja oneroso, para atrair clientela aos espaços comerciais em geral e sobretudo aos inseridos naquela fração.
Trata-se de jurisprudência com a qual estamos inteiramente de acordo e que, mutatis mutandis, tem plena aplicabilidade ao presente caso, não havendo qualquer motivo para da mesma divergir, tanto mais que o julgador deverá ter “em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (art.º 8º, nº 3, do Código Civil).
Como refere o DMMP, no seu parecer, a administração tributária reconheceu que as áreas de circulação de pessoas em centros comerciais eram consideradas como áreas brutas dependentes nos termos do art.º 40.º n.º 3 do CIMI.
Os estacionamentos, tal como os dos autos, localizados numa fração autónoma com um espaço comercial, constitui área bruta dependente.
Assim, as áreas de circulação do estacionamento, que são obrigatórias, também devem ser consideradas como áreas brutas dependentes tal como estão definidas no art.º 40.º n.º 3 do CIMI pois até são de uso exclusivo dos utentes do estacionamento.
Por último, dir-se-á que é irrelevante a existência de Ofício Circular da AT que como se sabe não constitui instrumento de interpretação da lei e nem pode vincular os tribunais [in casu o Ofício-Circulado n.º 400873 da Direção de Serviços de Avaliações, de 27/07/2006].
Pelo exposto, face aos fundamentos supra expostos e na procedência dos vícios assacados, impõe-se julgar totalmente procedente a impugnação judicial, como infra decidir-se-á.» (fim de citação, sublinhados nossa autoria)
Ora, não obstante, estar em apreciação a ilegalidade da 2ª avaliação das Frações autónomas designadas pelas letras ... e pelas letras ..., ambas estacionamento coberto e fechado (vide itens C) e M) do probatório) por erros sobre os pressupostos na qualificação da área bruta privativa e área bruta dependente, certo é que na Petição Inicial, a Impugnante não invoca qualquer invalidade ao acto de fixação quanto à área bruta privativa considerada referente ao estacionamento, nem coloca em causa as medições, apenas não aceita que não tenham sido consideradas enquanto área bruta dependente as áreas de circulação automóvel do estacionamento, à semelhança do que foi logrado alcançar com as áreas ocupadas por determinados equipamentos necessários, e indispensáveis e legalmente exigíveis ao bom funcionamento do parque de estacionamento - genericamente designadas por “áreas técnicas” - e, bem assim, as áreas ocupadas por arrecadações, as quais foram por força da 2ª avaliação consideradas áreas dependentes.
Decorre do silogismo da própria Petição Inicial e dos factos dados como provados que estamos perante “(…) C) A fração designada pela letra ... do artigo urbano ...80 (atual ...) supra referido é um estacionamento coberto e fechado, situado na cave do prédio urbano correspondente ao n.º ...18 da Rua ..., ..., ..., composto por dois pisos (-1 e -2), e que serve o Centro Comercial ...; (…) M) Por sua vez, no que toca à fração autónoma designada pelas letras ... do artigo urbano ...23 (atual ...) supra referido também é um estacionamento coberto e fechado, composto por três pisos, constituindo os 1.º, 2.º e 3.º andares do prédio urbano sito na Praceta ..., ..., ..., nas imediações do Centro Comercial ...;”.
Para além disso, discorre do teor dos requerimentos de 2ª avaliação de que “(...) no que concerne à área total da fração (8.850,00m2), 1.445,00m2 é área descoberta da fração, sendo que apenas 4.589,00m2 devem ser considerados como área bruta privativa, o que significa que os restantes 4.261,00m2 devem ser considerados como área bruta dependente, invocando os mesmos fundamentos do Pedido de Revisão;” quais sejam “(...) apenas 4.589,00m2 devem ser considerados como área bruta privativa, e os restantes 4.261,00m2 devem ser considerados como área bruta dependente, dado que são relativos à área de circulação de pessoas e automóveis e às áreas técnicas (áreas ocupadas com elevadores e escadas de ligação, casa das máquinas, arrumos)” [vide itens F) e I), P), e S) da matéria de facto provada, sendo que a transcrição corresponde aos pedidos inerentes à fracção ..., mas extensíveis a fracção ... na sua essência, apenas diferindo nos espaços e volumetria a ter em consideração].
E, atentemos ainda, ao termo de avaliação elaborado pelo Perito Independente do qual escoa que: “(…) As áreas de utilização acessória, correspondentes às zonas técnicas, como áreas ocupadas com equipamentos, casas das máquinas, elevadores e escadas que servem o edifício, foram consideradas áreas brutas dependentes, que, com base nas plantas de arquitetura e elementos retirados da vista efetuada, totalizam 369,00 m2. As áreas de utilização idêntica, como as áreas dos lugares de estacionamento e circulação automóvel, inserem-se em área bruta privativa, que representa a superfície total, medida pelo perímetro exterior e eixos das paredes separadoras da fração. O coeficiente de localização foi fixado com base no zonamento em vigor, aprovado por portaria.” (item U) do probatório, atinente a fracção ..., sublinhado nossa autoria).
Ora, na Petição Inicial nada foi alegado que coloque em questão a consideração e / ou inserção dos lugares de estacionamento enquanto área bruta privativa, enquanto fim económico das fracções, mas tão só, é posta em questão a não consideração das zonas de circulação automóvel enquanto área bruta dependente.
Desta forma, verifica-se que efectivamente, em conformidade com o alegado pela Recorrente, a sentença pronunciou-se sobre matéria que não tinha sido alegada e não estava em discussão nos autos.
Mas mais se diga, que mesmo que assim não se considerasse, sempre teria incorrido em erro de julgamento na aplicação do direito por errada valoração dos factos, o que é manifestamente perceptível do despacho de sustentação emitido, ao mencionar “(...) está aqui em causa as alegadas incorreções nas avaliações dos prédios correspondentes a parques de estacionamento, no que tange à distribuição da área bruta (privativa e dependente), ou seja, as frações autónomas compostas por estacionamento coberto e fechado, de utilização exclusiva e acessória para os clientes do centro comercial ....”, pois essa não é a realidade que emana dos factos e da própria posição das parte que assenta na finalidade da fracção de parqueamento, situação dispare da jurisprudência citada em que se discutia a natureza privativa ou dependente dos lugares de estacionamento inseridos em área comum de fracção afecta ao comércio (centro comercial).
Face ao exposto, declara-se nula a parte da sentença que se pronuncia sobre avaliação na parte em que a área correspondente aos lugares de estacionamento é considerada como área bruta dependente.
Mas, está ainda a razão do lado da Recorrente(AT) quanto ao mais, ou seja, não nos revemos no discurso jurídico em que assenta a sentença sob recurso, assente na interpretação errónea da jurisprudência do STA que cita, como já mencionamos, se bem que as considerações doutrinais não mereçam qualquer reparo.
Relembremos que, de acordo com o nº 2, do artigo 40º, do CIMI «A área bruta privativa (Aa) é a superfície total medida pelo perímetro exterior e eixos das paredes ou outros elementos separadores do edifício ou da fração, incluindo varandas privativas fechadas, caves e sótãos privativos com utilização idêntica à do edifício ou da fração, a que se aplica o coeficiente 1.».
Já o nº 3 deste artigo dispõe que « As áreas brutas dependentes (Ab) são as áreas cobertas e fechadas de uso exclusivo, ainda que constituam partes comuns, mesmo que situadas no exterior do edifício ou da fração, cujas utilizações são acessórias relativamente ao uso a que se destina o edifício ou fração, considerando-se, para esse efeito, locais acessórios as garagens, os parqueamentos, as arrecadações, as instalações para animais, os sótãos ou caves acessíveis e as varandas, desde que não integrados na área bruta privativa, e outros locais privativos de função distinta das anteriores, a que se aplica o coeficiente 0,30.»
Parafraseando o acórdão do STA de 30.01.2013, proferido no âmbito do recurso 01111/12, diremos também que «Atendendo à noção legal constante do nº 3 do art. 40º do CIMI, as áreas brutas dependentes são espaços sem autonomia económica, que constituem áreas de apoio à utilização principal, ou seja, áreas acessórias, que estão ao serviço e são subsidiárias das zonas de ocupação principal e lhes servem de apoio (Cfr. JOÃO RICARDO CATARINO/VASCO BRANCO GUIMARÃES, Lições de Fiscalidade, Almedina, Coimbra, 2012, p. 335.).
Segundo JOSÉ MARIA F. PIRES, na definição do conceito de área bruta dependente, a lei estabelece alguns requisitos essenciais, a saber:
“i) Em primeiro lugar o requisito da subsidiariedade. Estas áreas têm de estar ao serviço de uma qualquer área bruta privativa. A sua utilização deve ser dependente e não principal;
ii) Em segundo lugar têm que ser áreas cobertas e fechadas. Não basta que essas áreas sejam meramente cobertas, têm que ser fechadas;
iii) Em terceiro lugar devem ser áreas de uso exclusivo. A sua utilização tem que ter carácter exclusivo, não podendo, por isso, ser de utilização comum ou em conjunto com outros titulares. (…)”.».
Importa ainda atentar que, conforme referem J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, «Edificações afectas a comércio serviços e indústria. No caso das edificações afectas a estas actividades, são muitas vezes compostas por diversos tipos de edificações e por espaços livres.// Neste caso, seguindo a diferenciação para a ponderação das áreas previstas neste artigo, há que distinguir o que são as edificações principais, que são os espaços onde se desenvolve a actividade de serviços, comercial ou industrial propriamente dita, incluindo áreas administrativas e espaços congéneres, ponderadas com o coeficiente 1, as áreas dependentes, como, por exemplo, estacionamentos cobertos, depósitos de mercadorias, armazéns e outras edificações acessórias, a que é atribuído o coeficiente 0,30 e (…)» – cfr. in Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto de Selo, Anotados e Comentados, Engifisco, pág. 201 e 202.
Baixando aos factos, temos que in casu, as frações autónomas avaliadas correspondem em si a um estacionamento coberto e fechado, como se referiu anteriormente, constituindo eles próprios um prédio urbano, como decorre do artigo 2.º, n.º 4, do CIMI, nomeadamente para efeito de avaliação. Por conseguinte, os prédios urbanos em questão Fracção autónomas “A” e “DE” destinam-se a ser usadas como estacionamento, sendo essa a sua utilização principal.
E, é a essa luz, tendo por referência a sua utilização principal, que cumpre decidir o diferendo. Sendo assim, somos de sufragar a tese da Recorrente, de que as áreas de circulação de veículos e, obviamente de pessoas, são áreas essenciais e imprescindíveis à utilização da fração/prédio em causa, uma vez que são necessárias para que as pessoas e veículos possam circular dentro do estacionamento e aceder aos lugares de aparcamento dos veículos. Mais se diga, que não conseguimos descortinar, atenta a sua utilização principal, como seria alcançável tal fim sem zona de circulação, ou seja, sem a existência dessas vias de circulação não seria possível transitar dentro do estacionamento, nem ter acesso aos lugares nele existentes, pelo que essas áreas não podem ser consideradas acessórias nem dissociadas do uso a que se destina a fração – o estacionamento de veículos.
Estamos cientes da jurisprudência emanada do acórdão do STA de 30.01.2013, proferido no âmbito do proc. n.º 01111/12, invocado na sentença ora recorrida para qualificar as áreas de estacionamento e de circulação do estacionamento como áreas brutas dependentes, mas abonamos que o mesmo não é susceptível de aplicação in casu pois que a situação factual subjacente ao mesmo é distinta da que consta dos presentes autos.
Cujo sumário reza assim:
«I - Nos termos do disposto no art. 40º, nº 3, do CIMI, áreas brutas dependentes são áreas cobertas e fechadas de uso exclusivo, caracterizadas por serem desprovidas de autonomia económica, estando ao serviço e servindo de apoio das zonas de ocupação principal.
II - Uma área de estacionamento localizada numa fracção autónoma com um espaço comercial destinado a hipermercado, armazéns do hipermercado, posto de transformação, escritórios, etc., constitui área bruta dependente da mesma, não obstante o mesmo figurar na escritura de propriedade horizontal como espaço comum de todo o edifício.
III - É que se o mesmo está afecto ao uso, a título gratuito, pelos clientes que acedam ao “Edifico comercial” e, em especial, ao hipermercado inserido na referida fracção, trata-se de uma situação em que o título constitutivo da propriedade horizontal não pode ser decisivo, devendo prevalecer a afectação material e destinação económica que é dada ao estacionamento.
IV - O referido estacionamento não pode perder o carácter de uso exclusivo, nos termos e para os efeitos do nº 3 do art. 40º do CIMI, apenas pelo facto de o seu uso estar afecto ou ser cedido, por quem tem poder de disposição para tal, seja a título gratuito seja oneroso, para atrair clientela aos espaços comerciais em geral e sobretudo aos inseridos naquela fracção.» (destacados nossos)
Senão vejamos.
É que, no acórdão proferido pelo STA, estava em causa um edifício utilizado para centro comercial, constituído em regime de propriedade horizontal, composto por várias frações autónomas, que dispunha de uma área comum onde estava situado um parque de estacionamento que servia de apoio àquelas frações, como decorre da decisão judicial.
Tendo sido essa a situação que levou o STA a qualificar o referido estacionamento como uma área bruta dependente, discorrendo do mesmo que “(…) apesar do estacionamento ser uma parte comum, face à disponibilização que é feita aos clientes do ………, de estacionamento gratuito, está a mesma a ser afecta, essencialmente, ao uso do mesmo, designadamente aos clientes que acedem ao hipermercado inserido na fracção ... e por isso bem andou a comissão de avaliação e a administração ao considerar aquela área de estacionamento proporcional à permilagem, acessória (área dependente) daquela fracção(...)” e aderindo à fundamentação da ali sentença sob recurso de que ““(…) A área correspondente, proporcionalmente, ao estacionamento no prédio em regime de propriedade horizontal onde a fracção ... se insere não poderia ser considerada como área bruta privativa, mas teria de ser área bruta dependente uma vez que tal área de estacionamento é um “plus” relativamente à fracção e, não resultando directamente da finalidade da dita fracção é-lhe acessório”. O espaço destinado a estacionamento, tal como as garagens e parqueamento, embora não se possam qualificar como fins comerciais e de serviços, eles imprimem um plus a essa função e por essa razão não são contabilizados na sua totalidade mas unicamente numa proporção que o legislador definiu como 0,30. Significa isto que a área bruta dependente apenas adiciona uma valorização, tendo um papel secundário ou instrumental relativamente à função principal./De facto, a existência de um estacionamento junto ou no mesmo edifício onde se encontre um espaço comercial e de serviços como a dos presentes autos, em que existe um hipermercado, armazéns do hipermercado, posto de transformação, escritórios e instalação de pessoal, terá de considerar-se como área dependente na proporção da permilagem pois que tal área é oferecida, inclusive, aos visitantes que acedem aquele espaço, sendo-lhe acessório.(…)”.
Em suma, tratava-se de uma área comum e acessória às frações do centro comercial, visto que aquela área dedicada a estacionamento não constituía ela próprio um prédio urbano para efeitos fiscais, tratando-se antes de uma parte comum do edifício e como tal, considerada acessória da fracção onde se desenvolvia a actividade comercial de hipermercado.
Em contrapartida, no caso que nos ocupa, estão em causa duas frações autónomas elas próprias afectas a estacionamento, localizada num edifício utilizado para centro comercial ou nas imediações do mesmo, conforme decorre da matéria de facto assente.
Por isso, embora a fração autónoma sirva de estacionamento aos utentes do centro comercial, ela constitui um prédio urbano para efeitos fiscais, nos termos do artigo 2.º, n.º 4, do CIMI, pelo que o entendimento do acórdão do STA, usado na fundamentação da sentença ora recorrida, não é transponível para a avaliação de fração autónoma que é o estacionamento.
Prosseguindo compete então aferir, qual a qualificação a atribuir as zonas de circulação de veículos das fracções para efeitos fiscais tidas como parque de estacionamento.
Cientes do enquadramento jurídico e considerações doutrinais explanadas supra, cumpre dar resposta a questão traçada que efectivamente nos ocupa.
E para o efeito, atentemos ao discorrido no acórdão de TCA Sul de 02.10.2012, proferido no âmbito do processo n.º 5398/12, este sim, com contexto factual semelhante aos presentes autos, qual seja, a da qualificação dos corredores de acesso aos estacionamentos dos veículos, os nós de acesso aos vários pisos e as escadas e elevadores, todas eles integrantes de parque de estacionamento, enquanto parte principal. Ali se refere que:
“(...) nas áreas brutas dependentes encontra-se ínsito o seu carácter acessório, funcionando a parte principal, de per si, cumprindo plenamente o fim a que se destina, mesmo que estas não existissem, como sejam as garagens, os parqueamentos e as arrecadações, relativamente ao prédio ou fracção destinada à habitação ou a outro fim, sendo aliás estes alguns dos exemplos apontados no citado n.º3, como área bruta dependente.
Ora, no caso, quanto aos elementos a que a ora recorrente pretende que sejam qualificados como de área dependente ou acessória, como sejam os corredores de acesso aos próprios locais de estacionamento dos veículos, as salas de máquinas, sanitários, sala de apoio e reuniões, entre outros, fazem parte integrante desse parque de estacionamento, localizado nesses três pisos subterrâneos, sendo todos eles indissociáveis para o respectivo funcionamento desse parque de estacionamento, inexistindo neles o seu carácter acessório que permita a sua qualificação na área bruta dependente, antes sendo directamente subsumíveis no seu n.º2, pelo seu carácter privativo e com utilização idêntica à do edifício, ou seja, não têm outra utilização, dissociável, da que é exercida pela função de estacionamento dos veículos na restante parte dos pisos, pelo que não podem deixar de ser qualificados como de área bruta privativa, como foram, que assim se não mostra tal avaliação inquinada do invocado vício de erro nos seus pressupostos.
Aliás, a primeira subsunção a efectuar desses elementos é, quanto à área bruta privativa, e só se nela não couber é que se passará a poder subsumir na categoria da área bruta dependente, já que a norma do citado n.º3 dá expressa primazia a tal subsunção ao referir-se que os elementos que menciona, poderão constituir a área bruta dependente se não forem de integrar na área bruta privativa, pelo que cabendo nesta primeira, já não teremos de cuidar saber se também poderiam ser integrados naquela outra.”
Revemo-nos no assim decidido.
Efectivamente, se nos centrarmos no requisito da subsidiariedade, qual seja a de que a área em questão tem de estar ao serviço de uma qualquer área bruta privativa, a sua utilização deve ser dependente e não principal.
A face da matéria de facto assente, temos por adquirido que quanto ao elemento que a Recorrida pretende que seja qualificada como de área dependente ou acessórias, área de circulação de veículos, fazem parte integrante desse estabelecimento – parque de estacionamento, inserido nos respectivos pisos, já que aquela permite aos veículos circularem e alcançarem os lugares destinados a parqueamento. Todas essas áreas circulatórias são indissociáveis ao funcionamento do parque de estacionamento, finalidade das fracções, inexistindo, assim, caráter acessório que permita a sua qualificação na área bruta dependente. Antes sendo diretamente subsumíveis no n.º 2 do art.º 40.º do CIMI, pelo seu caráter privativo e com utilização idêntica à do edifício, ou seja, não têm outra utilização, dissociável, da que é exercida pela função de parqueamento, pelo que não podem deixar de ser qualificadas aquelas zonas de circulação de veículos como áreas bruta privativa, como o foram pela AT.
Mais se diga, no que comporta ao requisito de utilização exclusiva e acessória a aferir em função e para os clientes do centro comercial ..., tese que sustenta a Recorrida nas suas contra alegações, a mesma é descabida de contexto, pois em discussão está tão só a área de circulação de veículos cuja natureza cumpre aferir em função da fracção em avaliação, qual seja estacionamento não estando em discussão a sua dependência enquanto tal em função de o mesmo servir ou não um centro comercial.
A fundamentação em contrária trazida à liça pela Recorrida, designadamente o apelo aos casos que invoca como paralelos em que existirá acessoriedade da função de áreas de estacionamento em relação a um outro fim tido como principal e que como área bruta dependente são qualificados que emerge do acórdão do STA de 30.01.2013, proferido no proc. n.º 01111/12 e Ofício Circulado n.º 400873 da Direção de Serviços de Avaliações, de 27.07.2006, não podem ter por virtualidade a de deixar de subsumir os espaços de circulação de veículos nas concretas normas do CIMI que se entendeu por aplicáveis pelas razões supra expostas, pelo que improcedem, na totalidade, a matéria das conclusões das contra alegações do recurso, projectadas no sentido de confirmar a sentença recorrida.
Concluindo a sentença que considerou que aquelas áreas de circulação de veículos se inserem na qualificação de área bruta dependente, errou no seu julgamento, o que importa na sua revogação e, subsequentemente, se apreciação do recurso da Recorrida a título subordinado não o obstar, cumpre julgar a final a acção improcedente.

Do recurso subordinado interposto pela Recorrida.
Aqui chegados cumpre conhecer, se nada obstar, ao recurso apresentado a título subsidiário pela recorrida ao abrigo do disposto no artigo 636º do CPC.
A recorrida ao longo das suas vastas conclusões recursivas, se bem interpretamos as mesmas, cinge o mesmo a três segmentos, a saber: (i) da falta de justificação para o concreto coeficiente de localização aplicado nas avaliações, que redunda em falta de fundamentação das avaliações, em violação do disposto nos artigos 77º nº 1 e 2 e 84º nº 3 da LGT, 153º do CPA e 268º nº 3 da CRP (vide conclusões 8. a 16.); (ii) da natureza dependente das áreas necessárias à circulação de pessoas e veículos automóveis face à afectação principal da fracção repisando nos argumentos que constam da p.i. (vide conclusões – nova numeração 1. a 35.); (iii) da dispensa da produção de prova testemunhal (vide conclusões 36. a 42.).
Vejamos.
Perscrutada a petição inicial, temos que a causa de pedir dos presentes autos assenta em duas secções autónomas, a saber, dos vícios da avaliação decorrente da distribuição das áreas bruta dependente e privativa, pela qual pugna a Recorrida na natureza dependente das áreas de circulação de veículos e da ilegalidade da Portaria n.º 1119/2009 com força obrigatória geral e da sua inconstitucionalidade, por violação dos princípios da igualdade, da proibição do arbítrio e da proporcionalidade – estabelecidos nos artigos 13º e 266º, nº 2 da CRP.
A Recorrida peticiona a título subsidiário que este Tribunal ad quem aprecie e decida da falta de fundamentação dos actos avaliação impugnados, concluindo que: “No caso em apreço, como resulta dos sinais dos autos, também não foi dada qualquer justificação para o concreto coeficiente de localização (Cl) aplicado nas avaliações.(...) não fazem qualquer referência às razões, de facto e de Direito, que terão fundamentado o Cl concretamente aplicado - em prejuízo do direito de defesa do contribuinte. (...) Pelo que as 2ªs. avaliações padecem ainda de vício de forma, por insuficiente fundamentação, em violação do disposto nos artigos 77º nº 1 e 2 e 84º nº 3 da LGT, e 268º nº 3 da CRP (cfr. artigo 153º nº 2 do CPA).”.
Contudo, a Impugnante, ora Recorrida, nunca afirmou que a fundamentação constante do acto de avaliação não lhe permitia alcançar as razões de facto e de direito dos coeficientes de localização utilizados previstos no CIMI e aprovados na Portaria que menciona. O que ela, verdadeiramente defende em sede de p.i., de forma exaustiva, é a ilegalidade e inconstitucionalidade, subjacente à aprovação do zonamento e do coeficiente de localização aplicado, mormente da Portaria n.º 1119/2009, considerando que a mesma se limita a aprová-los sem explicitar a forma como os mesmos foram determinados, inquinando entre o mais, a mesma de falta de fundamentação.
Assim, se bem compreendemos a alegação da agora Recorrida, a qual se afasta diametralmente da posição sustentada em sede de petição onde ataca a insuficiência de fundamentação na fixação do coeficiente de localização previsto no CIMI e aprovado na citada Portaria, para nesta sede alegar que os actos tributários impugnados consubstanciados nas 2ª avaliações e fixação do valor patrimonial tributário das fracções, padecem de falta de fundamentação formal. Porém tal questão não foi suscitada pela então Impugnante em sede do seu articulado inicial, pelo que a mesma, não sendo matéria de conhecimento oficioso, não pode ser apreciada na presente instância.
Ou seja, para além desse vício formal não estar, desde logo, devidamente substanciado impossibilitando, per se, o seu conhecimento, a verdade é que tal alegação consubstancia uma questão nova, a qual nunca foi alegada na petição inicial, sendo que, é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, que não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação, não servindo para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição.
E por assim ser, comportando um inadmissível ius novarum quanto à questão suscitada pela Recorrida e não sendo, de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal ad quem emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, pois, e como já se disse, tal questão não foi, de todo, analisada na decisão recorrida.
Por isso, quanto a este subponto, terá que improceder o presente recurso subordinado.
Mais alega a Recorrida, que sempre deverão os autos baixar à 1ª instância para efeitos da produção da prova testemunhal dispensada, argumentando que: “(...) por douto Despacho de 03.03.2015, a Impugnante/Recorrida foi notificada para indicar os factos da PI sobre os quais pretendia ouvir a testemunha arrolada. 37. A Impugnante/Recorrida assim fez, indicando, para o efeito, a factualidade constante dos artigos 3, 4, 19, 20, 21 e 22 da PI – conforme requerimento de 17.03.2015. 38. Contudo, por douto Despacho de 19.03.2018, foi decidido dispensar a produção da prova testemunhal requerida pela Impugnante, por configurar “diligência inútil e proibida por lei (artigo 130º do Código de Processo Civil).”. Ora, 39. Pelo menos parte daquela factualidade era controvertida e relevante para a decisão de mérito, segundo as diferentes soluções de Direito plausíveis. (...) a prova testemunhal oportuna e legitimamente requerida foi indevidamente dispensada/indeferida.”.
Em suma, defende a Recorrida que nos termos do artigo 265.º nº 3 do CPC, incumbe ao Tribunal realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, sendo que o seu incumprimento acarreta a violação do princípio do inquisitório e da descoberta da verdade material.
Mais sublinhando que, a factualidade convocada pela Recorrida, em sede própria, era passível de prova testemunhal, controvertida e relevante para a decisão de mérito, razão pela qual deveria ter sido ordenada a produção da prova testemunhal oportuna e legitimamente requerida o seu incumprimento acarreta deficit instrutório com a competente anulação da decisão recorrida.
Porém, não lhe assiste razão. Senão vejamos.
De relevar, ab initio, que o facto de não ter sido interposto recurso do despacho interlocutório do despacho de dispensa de prova testemunhal não inviabiliza, per se, a apreciação do aduzido vício e concreto deficit instrutório.
Com efeito, como doutrinado pelo Acórdão do STA, prolatado no âmbito do processo nº 0289/11, de 16 de novembro de 2011: “[a]ntes do mais, poderíamos interrogarmo-nos se pode agora a Recorrente, que não interpôs recurso do despacho que dispensou a prova testemunhal, questionar em sede de recurso da sentença a falta da produção da prova testemunhal. Manifestamente, sim, não havendo sequer que averiguar aqui se aquele despacho é ou não necessário e se, a ser proferido, faz ou não caso julgado formal. (…)
Por outro lado, o Tribunal de recurso sempre pode sindicar o juízo sobre a necessidade ou não de produção de prova em sede do recurso interposto da sentença. Aí, não só o impugnante ou a Fazenda Pública podem sustentar a insuficiência da matéria de facto e/ou o erro no seu julgamento, como o próprio tribunal ad quem pode e deve, se considerar que a sentença não contém os factos pertinentes à decisão da causa, anular a sentença oficiosamente (…).”
Atentemos, então, da bondade do alegado pela Recorrida, relevando, desde já, que não lhe assiste razão.
Cumpre evidenciar que a avaliação da prova testemunhal depende de uma apreciação casuística do Juiz, competindo, assim, ao mesmo aferir se é legalmente permitida a produção da prova testemunhal oferecida pelas partes em face das normas que regulamentam a admissibilidade desse meio de prova, e, em caso afirmativo, aquilatar da pertinência e acuidade da factualidade alegada perante as várias soluções plausíveis para as questões de direito colocadas, sendo que só é possível a sua dispensa caso a mesma seja manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária.
Aliás, tal é o que dimana do consignado no artigo 13.º, n.º 1, do CPPT segundo o qual “Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.”
Ora, in casu, o Tribunal a quo dispensou a produção de prova testemunhal porquanto entendeu que: “Nos presentes autos está em causa o valor atribuído em 2ª avaliação a um imóvel utilizado como parque de estacionamento, e a questão fulcral, para além das questões de direito, prende-se com a alegada qualificação como área dependente das zonas usadas para circulação de veículos automóveis – artigos 19 a 22, sendo que a invocada não exploração ou abertura apenas em época de grande afluência não releva para a avaliação. Deste modo, uma vez que a prova dos factos em causa assenta nos documentos juntos aos autos, não impugnados pela Fazenda Pública, e só está em causa matéria de direito, não se procederá à inquirição das testemunhas arroladas, por se entender que configura diligência inútil e proibida por lei (artigo 130º do Código de Processo Civil).”
E, de facto, assim é. Não se vislumbra qualquer erro de julgamento, não só se validando, por um lado, tal entendimento como, por outro lado, atento o âmbito e extensão da presente lide -e conforme discorre da análise supra em sede de conhecimento do recurso principal- sempre a produção de prova testemunhal seria manifestamente irrelevante.
Aduza-se, em abono da verdade, que não se pode perder de vista a causa de pedir - da qualificação como área bruta dependente ou privativa das zonas usadas para circulação de veículos automóveis em 2ª avaliação de prédio cujo fim é o parqueamento - a prova testemunhal atentos os factos indicados apenas lograria a prova de que os prédios ou não estavam a ser explorados, ou a sua utilização era sazonal, o que de todo não releva para efeitos de avaliação do imóvel como é fácil de ver, a não ocupação de um prédio habitacional em nada interfere com o seu VPT, aludindo ao caso mais pragmático. E, quanto ao mais elencado, conflui em conclusões ou conceitos de direito.
Estamos, pois, aptos afiançar que a inquirição das testemunhas não tem qualquer interesse e relevo para a decisão da causa.
Assim, tendo presente, que a realização das diligências instrutórias pressupõem a sua utilidade, com vista ao esclarecimento da factualidade alegada relevante para a decisão da causa, e que, em ordem ao prosseguimento desse desiderato, no caso sub judice, a inquirição das testemunhas arroladas não se mostra útil, atendendo à natureza dos factos para cuja prova foram arroladas, por redundarem em factos irrelevantes ao mérito da causa e meras conclusões, a que acresce que os autos reúnem todos os elementos necessários para a prolação da decisão final e reapreciação, conclui-se que a dispensa da produção de produção de prova testemunhal não acarretou qualquer violação do inquisitório e da descoberta da verdade material, tendo o Tribunal a quo atuado dentro dos meandros da lei sem que lhe possa ser apontado qualquer deficit instrutório.
Termos em que improcedem as alegações do recurso subordinado atinentes à dispensa de produção de prova testemunhal e às cominações a ela inerentes.
Posto isto, quanto ao mais alegado pela Recorrida, que em si sustenta uma reapreciação da questão por nós já sindicada em sede de apreciação do recurso principal, remete-se para o ali decidido quanto à natureza das áreas de circulação de veículos e, consequentemente improcedente, o recurso subordinado in totum.

Da dispensa do remanescente.
Preceitua o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00 o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista neste preceito legal depende, portanto, da verificação de dois requisitos cumulativos: a simplicidade da questão tratada e a conduta das partes facilitadora e simplificadora do trabalho desenvolvido pelo tribunal.
No caso, entendemos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso à luz do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram particularmente complexas, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria (não havendo dispensa do pagamento do remanescente) algo desproporcionado relativamente ao concreto serviço público prestado.

2.3. Conclusões
I. Ocorre excesso de pronúncia quando se procede ao conhecimento de questões não suscitadas pelas partes e que não sejam de conhecimento oficioso.
II. Nos termos do disposto no art. 40º, nº 3, do CIMI, áreas brutas dependentes são áreas cobertas e fechadas de uso exclusivo, caracterizadas por serem desprovidas de autonomia económica, estando ao serviço e servindo de apoio das zonas de ocupação principal.
III. Da interpretação do n.º 3 do art.º 40.º do CIMI, decorre que, a primeira subsunção a efetuar é, quanto à área bruta privativa, e só se nela não couber é que se passará a poder subsumir na categoria da área bruta dependente.
IV. A norma do citado n.º 3 dá expressa primazia ao referir-se que os elementos que menciona, - as garagens, os parqueamentos, as arrecadações, as instalações para animais, os sótãos ou caves acessíveis e as varandas - poderão constituir a área bruta dependente se não forem de integrar na área bruta privativa, pelo que cabendo nesta primeira, já não torna necessário saber se também poderiam ser integrados naquela outra.
V. As áreas de circulação de viaturas afectas ao estacionamento dos veículos, são integrantes desse parque de estacionamento, pelo que devem ser qualificadas como de área bruta privativa, já que não têm outra função que não seja a de completarem o fim da afectação a tal fim de nele serem estacionados os veículos.
VI. Comportando a arguição do vício formal da falta de fundamentação um inadmissível ius novarum e não sendo de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal emitir qualquer juízo de reavaliação ou reexame, porquanto tal questão não foi, de todo, analisada na decisão recorrida.
VII. A realização das diligências instrutórias pressupõe a sua utilidade, com vista ao esclarecimento da factualidade alegada e relevante para a decisão da causa, não se mostrando, assim, útil a inquirição das testemunhas arroladas quando os factos redundarem em meras conclusões e bem assim quando os autos reunirem todos os elementos necessários para a prolação da decisão final, inexistindo, assim, qualquer violação do inquisitório.

3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte conceder provimento ao recurso da AT, julgando parcialmente nula, a sentença por excesso de pronúncia, no mais revogar a sentença, negar provimento ao recurso subordinado da recorrida e, em substituição, julgar improcedente a Impugnação.
Custas pela Recorrida em ambas as instâncias, sem prejuízo da dispensa do remanescente da taxa de justiça concedida nesta sede.
Porto, 25 de janeiro de 2024

Irene Isabel das Neves
Cristina Santos da Nova
Paula Moura Teixeira