Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00554/08.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:09/15/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:IVA ENTREGUE EM EXCESSO;
ERRO DE DIREITO
Sumário:I - O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos então previstos no artigo 91.º, n.º 2 do CIVA (na redação em vigor à data dos factos).
II – Constitui erro de direito a sujeição das partes a IVA de um negócio que a este imposto não estava sujeito.*
* Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira - AT
Recorrido 1:BR... – Sucursal em Portugal
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Ação administrativa especial - Impugnação de atos relativos a isenções ou beneficíos
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de não pronuncia.
1
Decisão Texto Integral:Proc. n.º 554/08.3BEPRT
Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
I – A Autoridade Tributária e Aduaneira - AT (Recorrente), veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou procedente a ação administrativa especial intentada por BR... – Sucursal em Portugal (Recorrida), melhor identificada nos autos, que havia sido deduzida contra o despacho de indeferimento proferido pelo Sr. Subdiretor Geral dos Serviços de IVA, datado de 10.12.2007, pelo qual se indeferiu o pedido de restituição de pagamento de quantias pagas a título de IVA.

No presente recurso, a Recorrente (AT) formula as seguintes conclusões:
A - Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a ação interposta pela Recorrida e em consequência, anulou o ato da autoria do Sub-Director Geral do IVA datado de 10.12.2007, que indeferiu o pedido de reembolso da quantia de € 99.420,55, a título de reembolso de IVA e condenou a ré à sua restituição, acrescida dos juros indemnizatórios.
B - A questão controvertida consiste em saber qual o meio processual adequado para a Recorrida solicitar o reembolso do IVA quantia pago pela Recorrida: o mecanismo previsto no n.º 6 do artigo 71.º ou o n.º 2 do artigo 91.º todos do CIVA. (Numeração em vigor à data dos factos).
C - O Tribunal a quo decidiu que o caso dos autos se situa fora do âmbito objectivo de incidência de IVA, pelo que a regularização da situação contributiva da Recorrida não é susceptível de fazer-se com recurso ao artigo 71.º do CIVA - o qual pressupõe a existência de uma operação sujeita a tributação e à regularização do imposto pago a mais ou a menos.
D - Salvo melhor entendimento considera-se que esta interpretação não tem qualquer suporte no texto da lei pelo que incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento.
E - Mas, mesmo assim não se entendesse, sempre resultaria provado que no caso em apreço, a Recorrida liquidou IVA de acordo com a nota de crédito emitida, pelo que houve uma operação tributável enquadrada no regime de tributação do IVA.
F - O meio processual adequado e próprio para a Recorrida defender a sua pretensão relativa à correção do imposto entregue em excesso é o mecanismo previsto no n.º 6 do art.º 71.º do CIVA, e não o artigo 91.º do CIVA que tem carater residual
G - Entendimento este que constitui posição consolidada dos Tribunais superiores, conforme Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 0966/10 de 18.05.2011 do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa e, mais recentemente, Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.º 06573/13 de 08.01.2015, bem como a decisão Arbitral n.º 91/2013-T.
H - De igual modo, mal andou a decisão recorrida por considerar que a aplicação do artigo 91.º do CIVA não tem carácter residual ou de última ratio;
I - Incorreu ainda em erro de julgamento a decisão impugnada ao qualificar o erro que deu origem ao pedido de reembolso como erro na autoliquidação de IVA.
J - Uma coisa será a liquidação de imposto operada na nota de crédito emitida por um sujeito passivo, em que cobra o imposto ao adquirente do bem ou serviço, e outra será a autoliquidação efetuada na correspondente declaração periódica, onde fixa o imposto a entregar ao Estado.
K - No caso concreto, os erros em que a Recorrida assenta a sua pretensão deram-se nas liquidações integradas nas notas de crédito à sua subsidiária, e não na autoliquidação, que foi feita em conformidade com o imposto por ela mencionado naqueles documentos, e, como tal, com a lei.
L - Por não se verificar qualquer erro na autoliquidação a decisão ora impugnada incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento ao pronunciar-se no sentido que a Autoridade Tributária tinha o dever de a proceder à retificação da liquidação a favor do sujeito passivo nos termos do art.° 78.°, n.ºs 1 e 2 da LGT e 91.°, n.° 2 do CIVA, condenando a ora Recorrente ao reembolso do IVA e ao pagamento de juros indemnizatórios.
M - Com efeito, a autoliquidação, enquanto estiver em conformidade com o respetivo documento contabilístico “nota de crédito” – para o que ora interessa – está em situação regular.
N - A Administração Tributária deve pautar a sua atuação em cumprimento do princípio da imparcialidade conformando a sua atuação nos termos e com fundamento na lei como aliás fez na situação sub judice, não podendo privilegiar uns beneficiários em detrimento de outros, criando situações injustas.
O - Não tendo a Recorrida exercido o direito que lhe assiste – reembolso do imposto pago em excesso - no prazo legal, por razões de certeza e segurança jurídica, extingue-se o mesmo por caducidade.
P - Verifica-se assim provado que a Autoridade Tributária limitou-se a cumprir, de acordo com o princípio da legalidade previsto no artigo 266.º da Constituição o determinado em sede tributação do CIVA.
Q - Destarte, o ato que indeferiu o pedido de correção não padece de qualquer ilegalidade pelo que deve ser revogada a sentença que o anulou e determinou o reembolso do IVA bem como o pagamento de juros indemnizatórios.
Finaliza a Recorrente pedindo que a presente ação seja julgada totalmente improcedente, revogando-se a decisão recorrida.
A Recorrida apresentou contra-alegações, nestas concluindo que:
A. Na sequência de uma operação de transmissão de ativos realizada entre a Recorrida e a BA... Sociedade Unipessoal, Lda., a primeira procedeu a regularizações de IVA a favor do Estado, em relação aos meses de dezembro de 2003 e agosto de 2004, que ascenderam ao montante total de € 99.420,55.
B. Na sequência do entendimento da Recorrente versado no âmbito de um procedimento de inspeção instaurado contra a Recorrida, de que a operação em causa se encontrava fora do âmbito de incidência objetiva de IVA, a Recorrida, a partir de março de 2007, exerceu o seu direito de solicitar a regularização a seu favor do montante de € 99.420,55 que havia entregue em excesso a favor do Estado, através da sucessiva apresentação das competentes declarações periódicas de substituição e de pedidos de reconhecimento do crédito.
C. Essa pretensão da Recorrida foi-lhe sendo sucessivamente negada por parte da Recorrente, seja através da não-aceitação das declarações de substituição, seja através da rejeição dos pedidos de reconhecimento do crédito que aquela havia formulado.
D. A Recorrente indeferiu o pedido da Recorrida com base no argumento de que esta última exerceu o seu direito para além do prazo de dois anos previsto no artigo 71.º (78.º), do Código do IVA.
E. Sucede, porém, que o uso desse argumento não tem qualquer cabimento, à luz das normas aplicáveis ao caso concreto.
F. Nenhuma das disposições previstas no artigo 71.º (78.º), do Código do IVA, nomeadamente os seus n.ºs 2 e 6, foram pensadas pelo legislador para lidar com casos de regularizações de IVA liquidado e entregue em excesso ao Estado provocadas por erros de direito no enquadramento de uma dada operação comercial.
G. Na medida em que não se podem confundir os erros de direito com outro tipo de erros (materiais, de cálculo, inexatidões nas faturas/notas de crédito) nem com outro tipo de circunstâncias que podem despoletar a necessidade de regularizações de IVA (e.g. anulação de operações e/ou reduções do respetivo valor), então é inequívoco que o direito da Recorrida em regularizar o IVA entregue em excesso ao Estado encontra abrigo junto do artigo 91.º (98.º), n.º 2, do Código do IVA.
H. Tal é, de resto, a opinião de inúmera doutrina, designadamente de AFONSO ARNALDO, TIAGO ALBUQUERQUE DIAS, ALEXANDRA MARTINS, PEDRO MOREIRA, PATRÍCIA NOIRET CUNHA E INÊS PINTO LEITE, oportunamente citados pela Recorrida.
I. Tal foi também a opinião expressa pelo Magistrado do Ministério Público no seu parecer (de fis 141 dos presentes autos), do Tribunal a quo, e de outra jurisprudência, também oportunamente citados pela Recorrida.
J. Deste modo, tendo a Recorrida respeitado o prazo de quatro anos constante no artigo 91.º (98.º), n.º 2, do Código do IVA, não existem razões de ordem legal para que a Recorrente possa legitimamente rejeitar o reconhecimento daquele direito.
K. Até porque, em última análise, tal rejeição da parte da Recorrente conduz(iria) a uma situação de enriquecimento sem causa atendendo a que, numa operação que a própria reconheceu não estar sujeita a IVA, se está(rá) a locupletar injustificadamente de uma quantia a que sabe não ter direito.
L. Tanto mais é assim que, em função da jurisprudência do TJUE, tem sido entendimento pacífico que, em casos em que estejam envolvidos sujeitos passivos agindo de boa-fé e em que se verifique que as regras do Direito da União foram desrespeitadas aquando da liquidação do IVA, não devem os Estados-Membros (e as suas autoridades nacionais) adotar comportamentos que impeçam aqueles sujeitos passivos de serem ressarcidos das quantias que, injustificadamente, se viram privados.
M. Havendo, pois, que rejeitar a argumentação veiculada pela Recorrente nos Capítulo VIII das alegações de recurso apresentadas, em que a Recorrente justifica o indeferimento do pedido de regularização da Recorrida com base no princípio da legalidade.
Termina a Recorrida pedindo que seja negado provimento ao recurso.

Os autos foram com vista ao distinto magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal (cf. fls. 27 dos autos – paginação do SITAF).

Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
1. Em Dezembro de 2003 operou-se transferência de activos e passivos da sociedade “BA... Sociedade Unipessoal, Lda” (subsidiária) para a sociedade ora impugnante, sucursal em Portugal do mesmo grupo económico sedeado em Itália.
2. O saldo entre os activos e os passivos então transferidos era negativo, pelo valor de € 523.266,04, o que deu origem à emissão, por aquela subsidiária, de duas notas de crédito a favor da impugnante, datadas de Dezembro de 2003 e Julho de 2004, e que perfaziam aquele valor global – cfr. doc. 1 junto com a PI, a fls. 77 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
3. As notas de crédito referidas em “2.” foram emitidas com liquidação do IVA correspondente – cfr. doc. 1 junto com a PI, a fls. 77 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
4. A sociedade subsidiária identificada em “1.” exerceu o direito de dedução do imposto liquidado nos termos referidos em “3.” – cfr. docs. 2 e 3 juntos com a PI, a fls. 81 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá p[o]r reproduzido.
5. Em Março de 2007, na sequência de acção de inspecção levada a cabo sobre a sociedade subsidiária identificada em “1.”, por se ter concluído que a operação referida em “1.” estava fora do âmbito de incidência objectiva de IVA, aquela sociedade entregou declarações de substituição das declarações de IVA apresentadas – cfr. doc. 5, junto com a PI, a fls. 89 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
6. Das declarações de substituição apresentadas (referidas em “5.”) resultou imposto a pagar nos montantes de € 39.296,92 e € 60.123,63, valores pagos ao Estado em 30.03.2007 – cfr. doc. 5, junto com a PI, a fls. 89 e ss. dos autos físicos, cujo teor se dá por reproduzido.
7. Na sequência dos factos referidos em “5.” e “6.”, a impugnante apresentou declarações de substituição, das quais resultaria um crédito de imposto, a seu favor, de € 39.296,92 e € 60.123,63 – cfr. docs. 6 e 7, junto com a PI, a fls. 95 e ss. dos autos físicos.
8. Por ofícios datados de 25.04.2007, a Autoridade Tributária comunicou à impugnante que a regularização de IVA não havia sido autorizada, informando:
Comunico a V. Exa. que a declaração periódica respeitante ao período de imposto acima referenciado foi apresentado após o prazo previsto no nº 6 do artº 71º do Código do IVA, motivo pelo qual o crédito dela resultante não foi lançado na sua conta corrente.” – cfr. doc. 7, junto com a PI, a fls. 97 e ss. dos autos físicos.
9. Por fax de 23.04.2007, a impugnante (através da sua TOC) enviou à Divisão de Cobrança de IVA da ré requerimento com o seguinte teor:
Na sequência de Inspecção Externa, através da Ordem de Serviço n°OI...33 iniciada em 15.03.2007 e concluída em 27.03.2007 ao contribuinte B... Unipessoal, Lda, cont. nº ...20 foram detectadas algumas incorrecções, nomeadamente na emissão de duas Notas de Crédito ao contribuinte supra citado.
De acordo com a inspecção, as Notas de Crédito referidas, nº 8 de Dezembro de 2003 e nº 9 de Julho de 2004, não dariam lugar a qualquer incidência em IVA, pois enquadravam-se no nº 4 do Art.º 3º do Código de IVA, procedendo por esse facto à sua correcção.
Resultando do exposto uma correcção às respectivas Declarações Periódicas nos proceder à respectiva correcção, substituindo as referidas Declarações para os períodos indicados (cf. docs. 1 e 2).
Na sequência da substituição efectuada resultou um imposto a pagar de 39.296,92 € e 60.123,63 € respectivamente, o qual foi devidamente pago através dos documentos de pagamento, ID 103913764345 e ID 103913764698 (cf. docs. 3 e 4).
O contribuinte em referência, ...58, tinha à data das Notas de Crédito, procedido à regularização do IVA a favor do estado, por esse facto, efectuou a entrega de Declarações de Substituição nos respectivos períodos 2003/12 e 2004/08, resultando um crédito de Imposto do mesmo valor pago pelo contribuinte 505391 120 (cf. docs. 5 e 6).
Pelo exposto, vimos junto de V. Exas. solicitar a reactivação das comunicações de crédito que resulta a favor do sujeito passivo, contribuinte nº ...58, pelas Declarações de Substituição submetidas dos períodos 2003/12 e 2004/08. (...)” cf. doc. 8 junto com a PI, a fls. 99 e ss. dos autos físicos.
10. Por fax de 04.06.2007, a impugnante (através da sua TOC) enviou à Divisão de Cobrança de IVA da ré requerimento com o seguinte teor:
Na sequência do nosso fax enviado em 23.04.2007, e ao qual ainda não obtivemos qualquer resposta, vimos reforçar o nosso pedido de Reactivação dos Créditos uma vez que os mesmos não resultam, por parte do sujeito passivo, de qualquer rectificação de facturas, nem se enquadram no n° 6 do art. ° 71 ° do Código do IVA, conforme comunicação automática recebida pela substituição das declarações.
O contribuinte nº ...20 procedeu à emissão de duas Notas de Crédito relativas à transferência dos activos e passivos do balanço, já referidas no fax anteriormente enviado, e que se junta cópia, regularizando IVA a favor do sujeito passivo, deste modo o contribuinte nº ...58, recepcionando as referidas Notas de Crédito procedeu à regularização a favor do estado do referido IVA.
De acordo com uma fiscalização efectuada ao contribuinte ...20 a regularização a favor do sujeito passivo foi-lhe retirada, tendo este contribuinte conjuntamente com o contribuinte ...58, uma vez que ambos pertencem ao mesmo grupo de empresas, e aconselhados pela técnica da fiscalização, procedido à entrega das declarações de IVA de substituição entregando o respectivo IVA nos cofres do estado, e por outro lado o contribuinte ...58 entregou as declarações de substituição regularizando o IVA a favor do sujeito passivo, como lhe é de direito de acordo com o n° 2 do art° 91° do Código do IVA.
Com base no exposto aguardamos a respectiva reactivação dos créditos existentes.
(...)” – cf. doc. 8 junto com a PI, a fls. 101 e ss. dos autos físicos.
11. Por fax de 25.07.2007, a impugnante (através da sua TOC) enviou à Divisão de Cobrança de IVA da ré requerimento com o seguinte teor:
Indevidamente, por erro do contribuinte, procedeu-se à entrega de modelos C de substituição para os períodos 2003/12 e 2004/08, na sequência de uma regularização efectuada pelo contribuinte ...20 após uma fiscalização, contribuinte este que pertence ao mesmo grupo de empresas da acima mencionada tendo esta acompanhamento permanente da parte da administração fiscal.
O contribuinte em referência vem, a título excepcional, requerer o direito à dedução com base no nº 2 do artigo 91º do Código do IVA, dos valores de 39.296,92 € e 60.123,63 € relativamente aos períodos 2003/12 e 2004/08, uma vez que não se trata de nenhuma correcção mas somente de imposto entregue em excesso.
Agradecemos a V/ melhor atenção para o assunto e solicitamos a indicação do campo onde deveremos incluir os valores referidos na respectiva declaração. (...)
– cf. doc. 8 junto com a PI, a fls. 103 dos autos físicos.
12. Em 29.11.2007 foi elaborada pela Direcção de Serviços do IVA informação com o seguinte teor:
1. O sujeito passivo acima citado refere que, por erro, procedeu à entrega do modelo C de substituição para os períodos de 2003/12 e 2004/08, na sequência de uma regularização efectuada pelo contribuinte ...20 após uma fiscalização, pertencente este ao mesmo grupo de empresas da acima citada e tendo esta acompanhamento permanente da parte da administração fiscal.
2. Vem assim, com base no nº 2 do artigo 91° do CIVA, requerer o direito à dedução dos valores de €39.296,92 e €60.123,63 relativamente aos períodos 2003/12 e 2004/08, não considerando que se trata de nenhuma correcção mas somente de imposto entregue em excesso.
3. O artigo 19º nº 1 do CIVA define, em termos gerais, como funciona o chamado mecanismo das deduções que corresponde, regra geral a todo o imposto suportado pelo sujeito passivo, estabelecendo a alínea a) “o imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos e a alínea b "o imposto devido pela importação de bens".
4. De acordo com o nº 1 do art° 22º do CIVA, o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artºs 7º e 8º do mesmo diploma, estabelecendo o nº 2 do art° 91° do CIVA, que poderá ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução.
5. A este propósito, refira-se que, conforme foi esclarecido através do Ofício - Circulado nº 30 082 de 17.11.2005 da DSIVA, designadamente no ponto 8, as regularizações previstas no artº 71º do CIVA destinam-se a corrigir, a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contemplados noutros normativos legais.
5.1. Nesse sentido, os mecanismos previstos no artº 71º não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente:
- alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos;
- apuramento de pro rata
- regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do activo imobilizado ou relativas à afectação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam. Estas situações deverão ser regularizadas ao abrigo dos artºs 23º, 24º, 24º -A e 25º do CIVA, consoante o caso.
5.2. Assim, não são aplicáveis os mecanismos previstos no artº 71º nos casos do exercício do direito à dedução do imposto mencionado em documentos ainda não registados, o qual deve ser efectuado nos termos do art° 22º, desde que dentro do prazo previsto no nº 2 do artº 91º.
6. Porém, a situação exposta não se enquadra em nenhuma das mencionadas anteriormente, pelo que não lhe será aplicável o prazo de dedução previsto no artº 91º nº 2 do CIVA, mas sim uma regularização de IVA a favor do sujeito passivo, resultante da ocorrência de um determinado tipo de erro, que no caso se refere como sendo somente imposto entregue em excesso e portanto contemplada pelo artº 71º do CIVA (ponto 1 do Ofício Circulado nº 30082 de 17.11.2005).
7. Refira-se, a este propósito que, nos termos do nº 2 do artº 71º do CIVA, se depois de efectuado o registo referido no artº 45º do CIVA, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão, ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador de serviço poderá efectuar a dedução da correspondente imposto até ao final do período seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.
8. Actualmente, o nº 7 do artº 71º do CIVA foi eliminado pela Lei nº 39 -A/2005, de 29 de Julho (com a entrada em vigor em 2005.08.03) pelo que os sujeitos passivos deixam de poder contar com o prazo de quatro anos para, mediante requerimento dirigido ao Director Geral dos Impostos, solicitar que lhe seja autorizada a regularização, a seu favor em casos devidamente justificados.
9. No entanto, face à nova redacção do nº 6 do artº 71º do CIVA, dada pelo artº 12º da já citada Lei 39-A/2005, de 29 de Julho, é alargado para dois anos o prazo de que os sujeitos passivos dispõem para regularizar a seu favor, o imposto resultante da correcção de erros materiais ou de cálculo efectuados nos registos ou nas declarações periódicas.
10. Em face do exposto, uma vez que o prazo de dois anos referido no nº 6 do artº 71º do CIVA, já foi ultrapassado, será de indeferir o presente pedido por falta de disposição legal que o permita.” – cfr. doc. 9 junto com a PI, a fls. 105 e ss. dos autos físicos.
13. Em 10.12.2007 foi proferido pelo Subdirector-Geral da Direcção de Serviços de IVA despacho de concordância com o teor da informação transcrita em “12.”, indeferindo-se o peticionado pela impugnante por via do requerimento referido em “11.” – cfr. doc. 9 junto com a PI, a fls. 105 dos autos físicos.
Na sentença recorrida e relativamente aos factos não provados, considerou-se que:
«Inexistem factos não provados com relevância para a decisão a proferir.»
Relativamente à motivação da decisão da matéria de facto, decidiu-se na sentença apelada que:
«Os factos elencados foram dados como provados com base no acordo das partes, onde o mesmo foi possível, bem como com base no teor dos documentos juntos aos autos, indicados por referência a cada específico ponto da matéria.»
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III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, no que tange aos erros de julgamento apontados à sentença recorrida.
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IV – Do direito
Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na qual se concedeu provimento à ação administrativa especial na qual a ora Recorrida havia peticionado a anulação do despacho da autoria do Sr. Subdiretor Geral do IVA, datado de 10.12.2017, pelo qual se indeferiu o reembolso de uma quantia entregue a título de IVA.
No presente recurso a AT considera que houve erro de julgamento no que tange à anulação do ato impugnado supra identificado e quanto à condenação firmada quanto à devolução das quantias entregues.
Na perspetiva da Recorrente, em síntese, o pedido formulado quanto à devolução do IVA pago teria que ter sido feito com recurso ao regime então previsto no art.º 71.º do CIVA, sendo que a restituição efetuada assenta num documento contabilístico consubstanciado numa nota de crédito. Por isso, defende a Apelante que não há aqui lugar à aplicação do disposto no então art.º 91.º do CIVA, sendo que não estamos perante um verdadeiro erro na autoliquidação. Mais sustenta a Recorrente que a sua conduta se pautou pelos princípios gerais que norteiam a atividade administrativa.
Ora, quanto à presente questão exarou-se na sentença ora sob apreciação que:
“[…] Antes de mais, cumpre atentar no teor das normas em presença, para efeitos de enquadramento jurídico da factualidade e das pretensões em presença.
Dispunha, à data, o art.º 71.º do CIVA o seguinte:
“1 - As disposições dos artigos 35.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo.
2 - Se, depois de efectuado o registo referido no artigo 45.º, for anulada a operação ou reduzido o seu valor tributável em consequência de invalidade, resolução, rescisão ou redução do contrato, pela devolução de mercadorias ou pela concessão de abatimentos ou descontos, o fornecedor do bem ou prestador do serviço poderá efectuar a dedução do correspondente imposto até ao final do período de imposto seguinte àquele em que se verificarem as circunstâncias que determinaram a anulação da liquidação ou a redução do seu valor tributável.
3 - Nos casos de facturas inexactas que já tenham dado lugar ao registo referido no artigo 45.º, a rectificação é obrigatória quando houver imposto liquidado a menos, podendo ser efectuada sem qualquer penalidade até ao final do período seguinte àquele a que respeita a factura a rectificar, e é facultativa, quando houver imposto liquidado a mais, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.
4 - O adquirente do bem ou destinatário do serviço que seja um sujeito passivo do imposto, se tiver efectuado já o registo de uma operação relativamente à qual o seu fornecedor ou prestador de serviço procedeu a anulação, redução do seu valor tributável ou rectificação para menos do valor facturado, corrigirá, até ao fim do período de imposto seguinte ao da recepção do documento rectificativo, a dedução efectuada.
5 - Quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução.
6 - A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 40. º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º, é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só poderá ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, será contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.
(...)”
[…]
Daqui resulta, como transparece, e como pressuposto da aplicabilidade deste art.º 71.º (correspondente ao actual artigo 78.º do CIVA), que estejamos, sempre, perante uma operação tributável.
Com efeito, o primeiro número do artigo determina-o desde logo, aí se referindo “o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo”.
Por todo o artigo perpassa a ideia de operação sujeita a liquidação de imposto, como se deduz da utilização, sucessiva e reiterada, das expressões “valor tributável”, “imposto liquidado” e “valor facturado”.
Pressupõe-se, pois, que se trate de uma operação sujeita a tributação, e à regularização de imposto pago, a mais ou a menos.
Diferente configuração tem o caso dos autos, o qual resulta de uma operação isenta de tributação, por se situar fora do âmbito objectivo de incidência de IVA – isenção que, aliás, a ré sequer discute.
A regularização da situação contributiva da impugnante, por conseguinte, não é susceptível de fazer-se com recurso à norma contida naquele art.º 71.º do CIVA.
Independentemente desta questão, porém, cumpre atentar no que se dispõe no artigo 91.º do CIVA (mais uma vez, na redacção em vigor à data dos factos e hoje correspondente ao art.º 98.º).
Aí se estabelece:
“1 -Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, proceder-se-á à revisão oficiosa nos termos do artº 78º da lei geral tributária.
2 - Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só poderá ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente.
3 - Não se procederá à anulação de qualquer liquidação quando o seu valor seja inferior ao limite previsto no n.º 5 do artigo 88.º.”
Desde logo, cumpre assinalar que nada na redacção desta norma aponta no sentido da circunscrição do respectivo âmbito de aplicação às hipóteses para as quais não se preveja qualquer outra forma de “regularização” da situação jurídica tributária do sujeito passivo.
Não se vislumbra, na verdade, de que elemento literal possa resultar o entendimento da ré, que parece tomar a solução aqui prevista como residual, ou de última ratio. E, de acordo com basilares regras de interpretação de normas, nada se pode retirar da lei que na sua letra não encontre o devido respaldo, em termos de mínima correspondência verbal (art.º 9.º, n.º 2 do Código Civil, ex vi art. 11.º, n.º 1 da LGT).
Donde, ainda que se considerasse aplicável à situação em apreço o mecanismo previsto no art.º 71.º (à data, hoje 78.º) do CIVA, nada nos remeteria para a exclusão da aplicabilidade deste artigo 91.º, cujo âmbito é objectivamente definido, por referência a todas as situações em que, “por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido”.
Assim, cumpre atentar, por sua vez, no disposto no art.º 78.º da LGT, que estabelece:
“1 - A revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.
2 - Sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.
3 - A revisão dos actos tributários nos termos do n.º 1, independentemente de se tratar de erro material ou de direito, implica o respectivo reconhecimento devidamente fundamentado nos termos do n.º 1 do artigo anterior.
4 - O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao do acto tributário a revisão da matéria tributável apurada com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte.
5 - Para efeitos do número anterior, apenas se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca e grave a resultante de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional.
6 - A revisão do acto tributário por motivo de duplicação de colecta pode efectuar -se, seja qual for o fundamento, no prazo de quatro anos.
7 - Interrompe o prazo da revisão oficiosa do acto tributário ou da matéria tributável o pedido do contribuinte dirigido ao órgão competente da administração tributária para a sua realização.”
Neste caso, como evidencia a factualidade apurada, estamos perante erro na autoliquidação.
[…]
Daqui resulta, por conseguinte, transpondo para o caso em apreço, que, efectivamente, o erro na autoliquidação de que resultou liquidação de imposto em operações não sujeitas a tributação deve considerar-se imputável aos serviços. Donde decorre que, nos termos da jurisprudência citada, ainda que suscitada pelo sujeito passivo a apreciação da ilegalidade cometida, a ré não podia demitir-se do dever legal de proceder à respectiva revisão.
Assim, suscitada a apreciação do erro na declaração dentro do prazo dos quatro anos estabelecido pelo art.º 78.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e 91.º, n.º 2 do CIVA, impendia efectivamente sobre a Autoridade Tributária o dever de proceder à rectificação da liquidação a favor do sujeito passivo.
Não o fazendo, a ré violou o regime legal decorrente da conjugação daquelas normas.
[…]”.
Cumpre apreciar e decidir.
Primeiramente há que atender à circunstância que a ora Recorrida celebrou uma operação de natureza financeira da qual resultaram duas notas de crédito emitidas a favor desta última e sobre as quais foi liquidado e pago o IVA. Assim, a sociedade terceira exerceu, posteriormente, o seu direito à dedução. Contudo, tendo a sociedade terceira sido objeto de uma ação inspetiva na qual se veio a concluir que tal operação financeira não estava sujeita, apresentou novas declarações de IVA retificando-as quanto à sobredita operação. Destas novas declarações resultou imposto a pagar pela sociedade terceira, o que foi por esta feito. Por seu turno, a ora Recorrida também apresentou declarações de substituição, retificando os valores apresentados tendo em conta que a sobredita operação financeira afinal não estaria sujeita a IVA. Destas últimas declarações, resultou um crédito de imposto, cujo pagamento foi negado pelo ato administrativo em matéria tributária aqui em apreço.
Na presente situação, o quadro legal aplicável é ainda o que vai citado na sentença recorrida e que supra transcrevemos.
Assim, a questão primacial é a de saber se atendendo à factualidade aqui vertida estamos perante um acontecimento que se prefigure como um erro de cálculo (aplicando-se as regras do então n.º 6 do art.º 71.º do CIVA) ou se, antes, estamos perante um erro de direito (aplicando-se o regime previsto no então n.º 2 do art.º 91.º do CIVA). Por isso e por não existir qualquer sentido recursivo contra a sentença recorrida no que tange à questão suscitada pela AT no sentido de que a sua atuação se pautou pelos princípios gerais que enuncia na presente apelação, esta instância não se pronunciará quanto à mesma.
Deste modo, há que atender que o facto jurídico fundamental que dá azo à presente situação consubstancia um vício de raciocínio feito pela Recorrida e pela sociedade com a qual fez uma operação financeira, quando consideraram que esta última estava sujeita a IVA. O apontado vício de raciocínio constitui uma errónea qualificação de um facto como estando sujeito a imposto, quando tal não seria verdade. Assim, é patente que está aqui em causa um erro de direito e não um mero lapso formal ou contabilístico (na aceção prevista no n.º 2 do art.º 95.º-A do CPPT). Assim, não é sequer fonte do pedido formulado de restituição de IVA feito à AT, qualquer falha contabilística inserta num determinado documento, mas antes o erro, que é de direito, quando as partes consideraram indevidamente um negócio como estando sujeito a IVA. Assim, as notas de crédito indevidamente emitidas são um mero suporte documental de um erro que lhes é anterior ou contemporâneo e que é determinante e que constitui o apontado erro de direito, sendo errónea a ilação factual que a AT pretende daquelas aqui retirar.
Ora a questão aqui em apreciação, tem sido profusamente tratada pela jurisprudência do STA, ainda que no regime legal posterior ao que está aqui em causa, mas que é idêntico ao vigente à data dos factos aqui em questão, sendo disso exemplo o acórdão da apontada instância de 28.06.2017, proferido no recurso n.º 01427/14 (in www.dgsi.pt). Assim, neste aresto, relatou-se que: “[…] A questão controvertida exige que se determine se, na situação concreta, estamos perante correção de erros materiais ou de cálculo ou diversamente perante erros de direito, como sustenta o impugnante.
Só depois poderemos estabelecer qual o prazo para a correspondente impugnação.
Defende o recorrente que o pedido de revisão oficiosa do ato tributário de autoliquidação do IVA, consubstancia-se num erro de direito e não numa situação de erro material ou de cálculo, na medida em que, conforme alega no ponto 8 das conclusões das alegações, o mesmo decorreu “por incompleta interpretação das regras legais aplicáveis, no ano de 2008” pois “não considerava qualquer pro rata de dedução.”
O artigo 23.º do CIVA estabelece os «métodos de dedução relativa a bens de utilização mista», quando o sujeito passivo de IVA efetuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito a dedução.
De acordo com o método de afetação real o sujeito passivo efetua a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados (artigo 23.º n.º 1 al. a) e nº 2).
De acordo com o método de percentagem de dedução (pro rata) o sujeito passivo efetua a dedução na percentagem correspondente ao montante anual das operações que deem lugar a dedução (artigo 23.º n.º al. b) e n.º 2).
Nos termos do n.º 4, do referido artigo 23.º, a percentagem de dedução resulta de uma fração que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução e no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efetuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma atividade económica.
A especificidade do método de percentagem de dedução, prevista no n.º 1 alínea b), resulta do facto de o direito à dedução ser proporcional ao valor das operações tributáveis e isentas com direito à dedução sobre o total do volume de negócios.
A aplicação dos métodos de dedução relativos a bens de utilização mista é juridicamente complexa pelo que o erro decorrente da aplicação deste regime jurídico não constituí nem erro material nem erro de cálculo.
Estabelece o artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT que se consideram erros materiais ou manifestos os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistema informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso.
Incluem-se neste conceito (cf. Jorge Lopes de Sousa in cf. Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6ª ed. 2011) “todo o tipo de lapsos materiais, que são situações em que o autor do acto deixou nele escrito algo que não correspondia à sua vontade, como por exemplo, errada indicação do nome do contribuinte ou do tributo em causa ou erro aritmético no cálculo do tributo. Neste conceito de lapsos materiais incluem-se ainda os derivados do deficiente funcionamento do sistema informático da administração tributária.”.
Sobre esta temática a Autoridade Tributária já se pronunciou, através do seu “Ofício-Circulado 30082/2005, de 17 Novembro – DSIVA”, no ponto 9.3 sustentando que «consideram-se erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros. Normalmente consistem em erros na transcrição de facturas para os registos ou dos registos para a declaração periódica, não compreendendo os que estão assinalados no ponto 8 do presente ofício-circulado. / (…).»
E, no ponto 8 do mesmo Ofício-Circulado, entendeu que «as regularizações previstas no artº 71º do CIVA destinam-se a corrigir, a favor do sujeito passivo ou a favor do Estado, o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de tempo de imposto, por diversas circunstâncias ocorridas após o envio da declaração periódica e que não estejam contempladas noutros normativos legais. Nesse sentido, os mecanismos previstos no artº 71º não poderão ser utilizados noutras situações, nomeadamente:
- alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos;
- apuramento de pro rata;
- regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens de activo imobilizado ou relativas à afectação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam. / (…).» (Note-se que a redação do artigo 71.º a que se reporta este Ofício-Circulado, emitido em 2005, cuja redação corresponde, atualmente, à vertida no artigo 78.º). […]”.
Deste modo, no quadro legal vigente à data dos factos, a situação em apreço tinha enquadramento no n.º 2 do artigo 91.º do CIVA (a que corresponde, hoje, o n.º 2 do art.º 98.º do CIVA). Por isso, tal como na sentença recorrida, consideramos que o ato de indeferimento aqui em causa, padece do vício que lhe foi imputado.
Por outro lado, consideramos que atendendo à data em que foi formulada a solicitação de devolução do IVA pago em excesso pela Recorrida, não havia ainda decorrido o prazo previsto no n.º 2 do art.º 91.º do CIVA, pelo que bem se andou na sentença recorrida ao se condenar a AT à prática do ato devido, consubstanciando-se este último segmento decisório na restituição das quantias de IVA aqui em causa, acrescidas dos respetivos juros.
Por isso, terá que se considerar improcedente o presente recurso.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:
I - O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos então previstos no artigo 91.º, n.º 2 do CIVA (na redação em vigor à data dos factos).
II – Constitui erro de direito a sujeição das partes a IVA de um negócio que a este imposto não estava sujeito.
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V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso apresentado pela Recorrente, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela Recorrente (por vencida).

Porto, 15 de setembro de 2022
Carlos A. M. de Castro Fernandes
Tiago A. Lopes de Miranda
Cristina da Nova