Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00013/10.4BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:IRS; MAIS-VALIAS;
VALOR DE REALIZAÇÃO;
ARTIGO 44º DO CIRS;
Sumário:
I. No caso, a AT considerou, para efeitos de fixação do valor de realização relativo à venda efectuada, o montante de € 191 640,00 valor este resultante da avaliação efectuada nos termos do artigo 76º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, ou seja, com fundamento no artigo 44º, nº 2 do CIRS, foi desconsiderado o montante da contraprestação paga pela transmissão do prédio, tal como consta da escritura pública, de € 100.000,00.

II. Nos termos do artigo 73º da LGT “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.

III. A circunstância de, anteriormente ao aditamento do artigo 44º do CIRS, operado pela Lei nº 82-E/2014 de 31/12/14, a lei não prever expressamente a possibilidade daquela prova, de modo a ilidir a presunção contida no nº2 do artigo 44º, ou seja, impossibilitando o contribuinte de provar que o valor de realização foi inferior ao VPT, torna a norma de incidência correspondente ao do nº 2 do artigo 44º do CIRS, quando aplicada sem tal possibilidade, inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (artigos 13º e 103º, nº1 da CRP), assim se desaplicando ao caso concreto.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. «AA» (Recorrente), notificado da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 17.05.2017, que no âmbito de impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2006, e respectivos juros compensatórios, no valor global de 51.148,25€, a julgou totalmente improcedente, inconformado vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«(...)
1. A sentença ora recorrida, é totalmente incompreensível, não fundamentada quer de facto quer de direito, como tal ilegal, limitando-se a descrever posições pessoais do Meritíssimo Juiz, sem qualquer apoio na lei.
2. É falso que o impugnante não deduza factos que ponham em causa a liquidação.
3. O Exmo. Juiz, faz uma interpretação errada, tendenciosa e não actual do artigo 44º do CIRS.
4. Tendo em consideração, por um lado, aquilo que foi alegado na petição inicial da impugnação e por outro lado, os concretos elementos probatórios que constam nos autos, o ora recorrente não se conforma com a matéria de facto que, na sentença recorrida, foi dada como provada,
5. Os deduzidos na Impugnação, deveriam ter sido dados como provados com base nos documentos juntos com a p.i.
6. O Impugnante, peticionou que a liquidação em causa fosse anulada, imputando ao acto da liquidação adicional um vício de violação de lei, pelo facto de violar o princípio da tributação sobre o rendimento real, ao incidir sobre rendimentos que nunca existiram.
7. O recorrente considera que, para além dos factos que foram dados como provados na sentença recorrida, deveria igualmente ter sido dado como provado, porque interessa sobremaneira à boa decisão da causa, outros dois factos.
8. O primeiro, que em 08/02/2006, foi celebrada, no Cartório Notarial ..., escritura pública de compra e venda entre o impugnante e mulher na qualidade de primeiros outorgantes, e a sociedade "[SCom01...], SA, na qualidade de segundo outorgante, através da qual os primeiros outorgantes venderam ao segundo a parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 1600 m2, a destacar de um prédio misto composto por terra de vinha, cultura, mata, nogueiras, oliveiras, figueira e pastagem, com uma casa de dois pavimentos, sita nas ..., da freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...5 rústico e ...24 — urbano, pelo preço de € 100.000.00. (Cfr. Documento n° 2 junto com a p.i.)
9. O segundo, que o comprador, como forma de pagamento ao impugnante, emitiu dois cheques, um no valor de € 90.000.00 (Cfr. Documento n.º 9) devidamente depositado na conta do impugnante (Doc. 10), e um cheque de € 9.760.00. (Cfr. Documento n° 11)
10. Ao decidir, como decidiu, a douta sentença errou quanto à valoração da prova e da matéria factual não retirando as corretas consequências jurídicas da respetiva fixação da matéria de facto dada como provada e, nessa medida, incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, e em erro de julgamento quanto à aplicação da lei.
11. Assim é, porque, desde logo, o Impugnante alegou e está demonstrado, que a liquidação adicional de IRS impugnada, assenta na consideração por parte da Administração Tributária), do valor patrimonial de um imóvel que alienaram para efeitos de cálculo de mais — valias, em substituição do valor efectivo da transacção.
12. O lmpugnante alegou a liquidação adicional enferma de errónea quantificação do valor tributável, na medida em que transmitiu efectivamente o prédio pelo valor de C 100.000.00, declarado na escritura de compra e venda, pelo que pugnou que o IRS deve ser tributado pela contraprestação efectivamente recebida, sempre que o contribuinte demonstrar que é esse o valor da transmissão, ainda que o valor patrimonial tributário seja superior, nos termos e para efeitos do artg 44º do C.I.R.S.
13. Uma interpretação contrária, como a constante da douta sentença recorrida, viola o princípio da tributação pelo rendimento real, o que é inadmissível por se tratar de um rendimento inexistente.
14. No caso dos autos, resulta do probatório que os Impugnantes venderam um imóvel a que a AT atribuiu um valor patrimonial de 191.640,00 EUR (ponto C do probatório) pelo preço de 100.000.00 EUR (cfr. ponto B do probatório).
15. Não está em causa o valor desta venda, na medida em que a AT não o questiona, nem em juízo, nem ao longo do procedimento administrativo.
16. A escritura de compra e venda, constitui um documento autêntico, exarado por oficial público provido de fé pública, nos termos do art. 363.º, n.º 2, do Código Civil de acordo com o disposto no art. 371.º, n.º 1, do CC, os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentador
17. Cumpria ao Meritíssimo Juiz aferir nos presentes autos tão-somente se a AT podia ter procedido à liquidação adicional de IRS com base no valor patrimonial tributário do imóvel quando a transmissão ocorreu, efectivamente, por um valor menor.
18. É convicção do Impugnante que se tinha que dizer que não.
19. O art. 44.º, n.º 2, do CIRS, na redacção à data em vigor, não prevê um qualquer mecanismo que permita ao contribuinte demonstrar que o valor da aquisição foi efectivamente inferior ao valor patrimonial tributário.
20. 0 mesmo não sucede no caso dos rendimentos empresariais e profissionais.
21. Poder-se-ia entender que, se o legislador estabelece mecanismos para afastar a aplicação do valor patrimonial do bem no caso dos rendimentos profissionais e no caso do IRC, mas não o fez para efeitos de mais-valias do IRS (como, de resto, hoje faz), então é porque há uma vontade clara de, nestes casos, não o permitir.
22. No entanto o Impugnante não sufraga, porém, um tal entendimento.
23. Já que, no direito fiscal vigora o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade consagrado no art. 13.9 da Constituição da República Portuguesa.
24. Assim sendo, constitui pressuposto dos impostos a capacidade contributiva, revelada através do rendimento, da utilização do rendimento ou do património (art. 4.°, n.º 1, do CIRS).
25. É certo que tal rendimento pode ser aferido em termos meramente presumidos, como é o caso do art. 44.º, n.° 2, do CIRS sob análise.
26. Contudo, nos termos do art. 73.° da LGT, as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário, pelo que o art. 44.°, n.° 2, do CIRS deve ser interpretado em conjugação com a proibição do art. 73.9 da LGT.
27. Assim sendo, o art. 44.°, n.° 2, do CIRS consagra uma presunção que admite prova em contrário por parte do contribuinte, podendo este fazer prevalecer o valor efectivo da transacção sempre que o demonstre devidamente, como o foi no presente processo.
28. _Entende o recorrente que a sentença recorrida errou no julgamento efetuado, desde logo quanto ao pedido e à causa de pedir formulado pelo impugnante, já que este não pretende demonstrar que o valor da transação (da venda) foi inferior ao valor resultante da avaliação do imóvel para efeitos do imposto municipal sobre imóveis, mas o facto de a liquidação não ter tido por base como valor de realização o valor declarado na escritura pública de compra e venda e que foi o efetivamente praticado.
29. No presente processo, o que está verdadeiramente em causa é uma ilegalidade da própria liquidação a qual, no entender do impugnante, não poderia ter tido por base o acto de fixação do valor patrimonial de imóveis na situação como a dos autos em que o valor declarado da venda foi o efetivamente recebido.
30. Acrescenta o facto de que o preço efetivamente praticado na transação do prédio em causa foi o declarado na escritura de compra e venda, afastando, por conseguinte, a possibilidade que a tributação do recorrente incida sobre um valor apurado de acordo com uma ficção jurídica (a de que a venda tenha sido realizada pelo valor patrimonial tributário, por ser este montante superior ao valor da escritura de venda.
31. O recorrente tem direito a ser tributado de acordo com a matéria colectável real e não fictícia.
32. Perante o tudo referido, o Meritíssimo Juiz errou quanto à valoração da prova e da matéria factual e, nessa medida, incorreu em erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto e à aplicação da lei e não podia deixar de considerar procedente ❑ invocado vício de violação de lei, por erro de direito da Administração Fiscal, que consequentemente, incorreu em violação do art. 44.°, n.ºs 1 e 2, do CIRS, em conjugação com o disposto no art. 73.° da LGT, bem como do art.° 13º da C.R.P. devendo nessa medida o ato de liquidação adicional ter sido anulado.
NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. Exªs., DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E REVOGAR-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM SE FAZENDO A ESPERADA JUSTIÇA».
1.2. A Recorrida (Autoridade Tributária e Aduaneira), notificada da apresentação do presente recurso, não apresentou contra-alegações.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 123 do SITAF, no sentido da improcedência do recurso, aderindo aos fundamentos da decisão recorrida.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento de facto e de direito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«(...) Factos provados:
A) O Impugnante porque não apresentou, relativamente ao ano de 2006, o anexo G), da declaração de rendimentos mod. 3 de IRS, apesar de ter auferido rendimentos da categoria G foi, no ano de 2009 objeto de ação inspetiva;
B) Os referidos rendimentos resultaram da verificação, através do sistema informático, que o Impugnante procedeu, em oito de fevereiro de dois mil e seis, à alienação de um terreno destinado à construção urbana, pelo preço declarado de cem mil euros;
C) prédio a que foi atribuído o valor patrimonial de € 191 640,00, pelo que considerando o valor de aquisição de 342, 96€ e aplicando-se o coeficiente de 10.04 se calculou uma mais valia de 188 196,68€, tudo conforme os documentos 2 a 8 que instruíram a petição inicial (PI),13, 17 a 19 do processo administrativo;
D) Com base nos valores vindos de referir foi emitida a liquidação nestes autos impugnada, pagável até 06-10-2009, vide doc. n.º 1 da PI;
E) O Impugnante, não se conformando com a liquidação, apresentou em 28 de dezembro de 2009, a impugnação que originou os presentes autos, cfr. carimbo aposto na parte superior da primeira folha da PI;
F) O preço declarado em B) foi recebido através dos cheques de € 90 000,00 e 9 760 00, vide docs. 9 a 11 da PI.
II Factos não provados: Inexistem.
A convicção do Tribunal formou-se com base na análise e apreciação crítica dos elementos documentais indicados em cada alínea dos factos provados.
Foi dispensada a produção de prova testemunhal pelas razões resultantes da conjugação dos despachos proferidos em 2011-03-15, 2011-04-07; dispensa que não foi objeto de recurso. Naquelas implicitamente estão consideradas a concreta alegação resultante da PI: Neste aspeto veja-se o que se alegou em 16º a 21º sobre o valor da avaliação (face ao que o Impugnante alegou não estamos perante uma pequena divergência estamos a falar de um valor de avaliação que é o dobro do valor indicado como preço na escritura de venda); sempre foi possível questionar a avaliação, mormente requerendo uma segunda avaliação e desta deduzir impugnação judicial; a audição de duas testemunhas, face ao concretamente alegado, como poderia alterar o valor atribuído pela avaliação? (...)»

2.1.2. Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, adita-se à matéria de facto o seguinte:
G) Por escritura pública e compra e venda celebrada em 08.02.2006, celebrado no Cartório Notarial ... o Impugnante e mulher vendeu à sociedade “[SCom01...], SA.” pelo valor de € 100.000,00 a parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 1600 m2, a destacar de um prédio misto composto por terra de vinha, cultura, mata, nogueiras, oliveiras, figueira e pastagem, com uma casa de dois pavimentos, sita nas ..., da freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...5 rústico e ...24 — urbano - cf. doc. 2 junto com a P.I.
2.2. De direito
O impugnante, «AA», contestou a liquidação de IRS, do ano de 2006, emitida na sequência de acção de inspecção, invocando, em síntese, o seguinte: (i) legalidade da liquidação por enfermar de errónea quantificação pois o imóvel em causa foi transmitido pelo valor constante da escritura de compra e venda; melhor dizendo na escritura convencionou-se o valor de 100 000,00€ mas efetivamente recebeu apenas € 99 760,00 que corresponde a 20.000 000$00 que foi o preço efetivamente contratado e recebido; (ii) que a fórmula aplicada na avaliação não é o único método para avaliar pois foram introduzidas alterações ao artigo 76º do CIMI pela Lei 64-A/2008 de 31 de dezembro, passando-se a admitir o valor de mercado; (iii) a tributação em causa tem como base um preço que não existiu ofendendo o princípio da tributação do rendimento real devendo ser dada ao contribuinte a possibilidade de provar que o valor da realização foi inferior ao da avaliação.
Como supra referido, a sentença recorrida julgou a impugnação judicial improcedente, mantendo a liquidação adicional de IRS e a liquidação de juros compensatórios.
Para assim concluir, quanto ao imposto contestado, o TAF de Viseu alinhou, naquilo que para aqui releva, o seguinte discurso argumentativo, tendo para o efeito convocado o quadro legal que considerou aplicável [artigo 44.º, nºs 2 do CIRS]:
«Incumbe ao Tribunal o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes, e apenas destas, sem prejuízo de a lei impor ou permitir o conhecimento oficioso de outras: art.º 660º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art.º 2º al. e) do CPPT.
Servindo-nos da linguagem do Impugnante pugna-se nestes autos pela correção do valor declarado na escritura de venda em vez do da avaliação; a liquidação impugnada ofende o princípio da tributação do rendimento real devendo ser dada ao contribuinte a possibilidade de provar que o valor da realização foi inferior ao da avaliação.
Uma primeira nota resultante da pertinente observação da FP: O Impugnante questiona a liquidação mas o certo é que ele não comunicou qualquer valor pelo que a
impugnação é, no bom rigor, apenas parcial ou seja a que decorre da diferença do valor entre o declarado na escritura e o valor patrimonial.
Por outro lado não se vê que não tenha sido dado ao contribuinte a possibilidade de provar o valor real da transmissão. A este propósito relembra-se o que supra se referiu sobre a explicação que o Impugnante deu para não requerer a segunda avaliação. E mesmo quanto a esta o que consta dos autos é uma mera negação do valor patrimonial apurado e uma afirmação dos elementos que resultam de documentos sobre o preço referido na escritura de compra e venda.
A argumentação apresentada afigura-se manifestamente insuficiente para questionar a norma prevista no n.º 2 do artigo 44 do CIRS que foi a que esteve na base, conjuntamente com o valor patrimonial resultante da avaliação do bem vendido, da liquidação impugnada. Atente-se que a Impugnante invoca a al. f) do n.º do referido artigo e diploma, mas parece olvidar que a referida alínea e uma das referidas no nº 2 como sendo postergada, “prevalecendo, quando superiores, os valores porque os bens houverem sido considerados…”.
Se quisesse, com efetividade, questionar o valor patrimonial e asseverar o preço escriturado poderia e deveria ter desenvolvido argumentação e comprovação diversa da usada: por exemplo disponibilizar os seus elementos bancários de forma a demonstrar que outros valores não recebeu para além dos escriturados; se a sinonímia dos nomes entre o Impugnante e a compradora for mais de uma mera sinonímia poderia até cogitar-se que diligenciasse por juntar elementos contabilísticos da compradora para evidenciar que outros valores não foram pagos para além do preço escriturado.
Em sede de fundamentação de convicção da factualidade assente salientamos “não estamos perante uma pequena divergência estamos a falar de um valor de avaliação que é o dobro do valor indicado como preço na escritura de venda” para por em relevo a passividade do Impugnante face ao valor resultante da primeira avaliação.
Assim, por falta de argumentação concretamente questionadora da liquidação impugnada, não vislumbrando nós que ela padeça de qualquer irregularidade ou invalidade que oficiosamente cumpra conhecer, impõe-se a sua confirmação.» (fim de transcrição)
É contra o assim decidido, em todas as vertentes, que se insurge o Recorrente.
Desde logo alegando que “(...) para além dos factos que foram dados como provados na sentença recorrida, deveria igualmente ter sido dado como provado, porque interessa sobremaneira à boa decisão da causa, outros dois factos.” Indicando para tal os seguintes dois factos: a) “O primeiro, que em 08/02/2006, foi celebrada, no Cartório Notarial ..., escritura pública de compra e venda entre o impugnante e mulher na qualidade de primeiros outorgantes, e a sociedade "[SCom01...], SA, na qualidade de segundo outorgante, através da qual os primeiros outorgantes venderam ao segundo a parcela de terreno destinada a construção urbana, com a área de 1600 m2, a destacar de um prédio misto composto por terra de vinha, cultura, mata, nogueiras, oliveiras, figueira e pastagem, com uma casa de dois pavimentos, sita nas ..., da freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...5 rústico e ...24 — urbano, pelo preço de € 100.000.00. (Cfr. Documento n° 2 junto com a p.i.)” e, o segundo b) “(...) que o comprador, como forma de pagamento ao impugnante, emitiu dois cheques, um no valor de € 90.000.00 (Cfr. Documento n.º 9) devidamente depositado na conta do impugnante (Doc. 10), e um cheque de € 9.760.00. (Cfr. Documento n° 11)”.
Relativamente à pretendida inserção pela Recorrente do que supra vai vertido nas alíneas a) e b), temos que considerar que aquela cumpre os ónus processuais de
impugnação da matéria de facto vertidos no artigo 640.º do CPC aplicável por força do disposto no art.º 281.º do CPPT e a mesma se mostra pertinente.
Ora, atento o item F) do probatório e o teor do aditado por esta instância oficiosamente (item G) do probatório), torna-se inútil aferir da sua inclusão, uma vez que aqueles absorvem a pretensão da Recorrente.
Assim sendo, indefere-se o peticionado aditamento, sendo que o mesmo é parcialmente alcançado por via da inserção factual aditada oficiosamente por esta instância, no mais o mesmo revela-se inútil, dando-se por estabilizada a decisão da matéria de facto.
Cumpre apreciar e decidir do alegado erro de julgamento de direito.
No essencial, está causa a discordância do Recorrente com a conclusão retirada na sentença no sentido de que “A argumentação apresentada afigura-se manifestamente insuficiente para questionar a norma prevista no n.º 2 do artigo 44 do CIRS que foi a que esteve na base, conjuntamente com o valor patrimonial resultante da avaliação do bem vendido, da liquidação impugnada. Atente-se que a Impugnante invoca a al. f) do n.º do referido artigo e diploma, mas parece olvidar que a referida alínea e uma das referidas no nº 2 como sendo postergada, “prevalecendo, quando superiores, os valores porque os bens houverem sido considerados…”.
Com efeito, se bem interpretamos os argumentos do Recorrente o mesmo insurge-se contra a consideração da AT atentar no valor patrimonial do imóvel alienado para efeitos de cálculo de mais valias, em detrimento do valor efectivo da transacção
Alegando que a liquidação adicional enferma de errónea quantificação do valor tributável, na medida em que transmitiu efectivamente o prédio pelo valor de € 100.000.00, declarado na escritura de compra e venda, pelo que pugnou que o IRS deve ser tributado pela contraprestação efectivamente recebida, sempre que o contribuinte demonstrar que é esse o valor da transmissão, ainda que o valor patrimonial tributário seja superior, nos termos e para efeitos do artigo 44º do CIRS. Uma interpretação contrária, como a constante da douta sentença recorrida, viola o princípio da tributação pelo rendimento real, o que é inadmissível por se tratar de um rendimento inexistente. Invocando vício de violação de lei, por erro de direito da Administração Fiscal, que consequentemente, incorreu em violação do artigo 44°, n.ºs 1 e 2, do CIRS, em conjugação com o disposto no art. 73° da LGT, bem como do artigo 13º da CRP.
Vejamos, então, desde já se esclarecendo que passaremos a seguir de perto, transcrevendo, o acórdão do STA, de 08.11.17, proferido no processo nº 011/08, cuja fundamentação, com as devidas adaptações ao caso concreto, nos permite chegar a uma decisão segura sobre a questão que nos ocupa. Na mesma linha jurisprudencial, pode ver-se, também, o acórdão do STA, de 11.10.17, proferido no processo nº 880/16 e o acórdão do TCA Sul de 22.02.2018, proferido no âmbito do processo n.º 1412/10.7BESNT.
Assim, e recuperando o acórdão do STA mencionado, deve considerar-se que:
(…)
O código do Imposto Municipal Sobre Imóveis (C.I.M.I.) entrou em vigor em 01 Dezembro de 2004 e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (C.I.M.T.) em 01 Janeiro de 2004 cfr nºs 1 e 3 do artigo 32 do Decreto-Lei nº 278/2003 de 12 Novembro.
Antes vigorava o Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações (CSISSD).
O Artigo 1º do CIRS ao definir a base do imposto estipula que o IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos das categorias que aí prevê e entre elas a categoria G.
O artigo 9º do CIRS considera como rendimentos da categoria G os incrementos patrimoniais desde que não considerados rendimentos de outras categorias e entre esses incrementos a ter em conta as mais valias que o artigo 10º nº 1 a) do mesmo diploma legal define como constituindo os ganhos obtidos e que não sendo rendimentos resultem entre outras situações da alienação onerosa de direitos reais sobre imóveis sendo que o ganho nos termos do nº 4 do mesmo preceito é constituído pela diferença entre o valor da realização e o valor da aquisição.
Nos termos do disposto na alínea f) do nº1 do artigo 44 do CIRS para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, nos casos que não estejam compreendidos nas outras alíneas referidas nesse nº 1 tem-se como valor de realização o da respectiva contraprestação.
Mas o nº 2 deste mesmo artigo prescreve que no caso da alínea f), em que como se deixou dito se considera o valor da contraprestação como o da realização, prevalece o valor por que o bem foi considerado para efeitos de liquidação de I.M.T. ou não havendo lugar a esta liquidação o valor que devesse ser considerado se tal liquidação fosse devida. Desde que superior ao valor da contraprestação.
Neste caso é o valor considerado para efeitos de IMT a ter em conta na determinação das mais valias.
O artigo 12 do IMT, ínsito no capitulo III do CIMT que tem como epigrafe a determinação do valor tributável, prescreve que o IMT incidirá sobre o valor do acto ou contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis consoante o que for maior prescrevendo o nº 2 que o valor patrimonial tributário é determinado nos termos do CIMI.
Efectivamente o artigo 14 do CIMI determina por sua vez que o valor tributário dos prédios é determinado por avaliação.
O que aliás está em sintonia com o disposto no nº 3 do artigo 76 do CIMI na redacção vigente à data dos factos que assim dispunha:
1 - Quando o sujeito passivo, a câmara municipal ou o chefe de finanças não concordarem com o resultado da avaliação directa de prédios urbanos, podem, respectivamente, requerer ou promover uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias contados da data em que o primeiro tenha sido notificado. (Redacção dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro)
2 - A segunda avaliação é realizada com observância do disposto nos artigos 38.º e seguintes, por uma comissão composta por um perito regional designado pelo director de finanças em função da sua posição na lista organizada por ordem alfabética para esse efeito, que preside à comissão, um vogal nomeado pela respectiva câmara municipal e o sujeito passivo ou seu representante. (Redação dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro)
3 - Não obstante o disposto no número anterior, desde que o valor patrimonial tributário, determinado nos termos dos artigos 38.º e seguintes, se apresente distorcido relativamente ao valor normal de mercado, a comissão efetua a avaliação em causa e fixa novo valor patrimonial tributário que releva apenas para efeitos de IRS, IRC e IMT, devidamente fundamentada, de acordo com as regras constantes do n.º 2 do artigo 46.º, quando se trate de edificações, ou por aplicação do método comparativo dos valores de mercado no caso dos terrenos para construção e dos terrenos previstos no n.º 3 do mesmo artigo. (Redação pelo artigo 215.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)
4 - Pelo pedido de segunda avaliação a que se refere o número anterior é devida pelo requerente uma taxa inicial, a fixar entre 7,5 e 30 unidades de conta, tendo em conta a complexidade da matéria. (Redação do artigo 6.º da Lei n.º 82-D/2014, de 31 de dezembro; de acordo com o n.º 51.º da mesma Lei, a alteração operada pelo seu artigo 6.º tem natureza interpretativa)
5 - Para efeitos dos números anteriores, o valor patrimonial tributário considera-se distorcido quando é superior em mais de 15 % do valor normal de mercado, ou quando o prédio apresenta características valorativas que o diferenciam do padrão normal para a zona, designadamente a sumptuosidade, as áreas invulgares e a arquitectura, e o valor patrimonial tributário é inferior em mais de 15 % do valor normal de mercado. (Redação dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de dezembro).
No caso dos autos o recorrido consignou como preço de venda do prédio o de € 21.000,00 constante da escritura pública de venda e foi esse o valor constante da declaração de IRC, que a AT aceitou.
(…)
No caso dos autos não está em causa a legalidade da fixação do valor patrimonial tributário do prédio em causa.
O que está em causa é o facto de esse valor dever ser considerado como valor da realização, da transacção, para efeitos de apuramento de mais valia em sede de IRS como resulta do nº 2 do artigo 44 do CIRS e do artigo 76 /3 do CIMI.
Entende a Fazenda Pública. Que o valor de realização que releva para efeitos de determinação do rendimento da categoria G do I.R.S., na alienação de bens imóveis, é o constante do contrato ou o que serviu de base à liquidação do I.M.T. ou, não havendo lugar a esta liquidação, o que devesse ser quando devida, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 44.º do Código do I.R.S.
Sendo valor que prevalece, quando superior ao do contrato, o valor usado para a liquidação de I.M.T.
Resulta do entendimento da Fazenda Pública que o nº 2 do artigo 44 do CIRS contém, uma regra objectiva de determinação do valor de realização de um ganho sujeito a IRS não sendo passível de prova nos termos do artigo 31 – A do CIRS.
Mas não tem razão.
O nº 2 do art. 44º do CIRS, sendo uma verdadeira norma de incidência, deve ser interpretado no sentido de consagrar uma presunção “juris tantum” e não “juris et de jure”, sob pena de a tributação se afastar injustificadamente do rendimento real e de violar o princípio constitucional da igualdade (arts. 13º e 18º da CRP e art. 5°, n° 2, da LGT),
E neste sentido é que com a reforma do IRS (aprovada pela Lei n° 82-E/2014, de 31/12) foi incluída expressamente (nº 5 do art. 44º do CIRS) a possibilidade de afastamento do valor patrimonial tributário mediante prova do preço de transmissão efectivo, alteração legislativa esta que contribui, de forma inequívoca e decisiva, para interpretar adequadamente o disposto naquele n° 2 do art. 44° do CIRS.
E sendo assim o facto de em sede de IMI o recorrido não ter sindicado o resultado da avaliação (demonstrando o seu excesso - art. 76°, n° 8 do CIMI), nem ter requerido a realização do procedimento de 2ª avaliação (nº 1 do art. 76° do CIMI) não implica que o valor patrimonial tributário do imóvel em causa se tenha consolidado na ordem jurídica como “caso resolvido”.
Esta relevância em sede de IMI não determina que o efeito ou força do caso resolvido releve de igual forma em sede de IRS.
A consideração do Valor Patrimonial Tributário nos termos do nº 2 do artigo 44 do CIRS traduz como acima já se disse uma mera presunção juris tantum ilidível. Nestes sentido aliás se pronunciou o Tribunal Constitucional. (cfr. o acórdão nº 211/2017, proferido em 02/05/2017, no proc. nº 285/15, da 3ª secção) que julgou inconstitucional, aliás, a norma contida no nº 2 do art. 44º do CIRS, “na interpretação segundo a qual, para efeitos da determinação dos ganhos sujeitos a IRS relativos a mais-valias decorrentes da alienação onerosa de bens imóveis, ali se estabelece uma «presunção inilidível», por violação do princípio da capacidade contributiva ínsito nos artigos 103.º, n.º 1 e 13.º da Constituição da República Portuguesa”, sendo que para o Tribunal, quer se entenda “a técnica usada pelo legislador como uma verdadeira e própria presunção (a lei presume o valor do rendimento obtido por referência ao VPT, enquanto valor-padrão ou rendimento normal ou seja, como rendimento provável) ou como uma ficção (a lei ficciona ter sido auferido com a venda um valor idêntico ao do VPT do imóvel) na determinação do ganho obtido com a transação onerosa do imóvel para efeito de apuramento das mais-valias – admitindo-se assim a distinção entre os dois conceitos –, certo é que o resultado da sua aplicação não difere quanto ao apuramento da matéria coletável, na medida em que, num caso como noutro, o VPT do imóvel prevalece na determinação da base tributária (não se admitindo, mesmo na hipótese de se tratar de um rendimento presumido, prova do contrário), desconsiderando-se, assim, o rendimento efetivamente auferido pelo contribuinte quando inferior ao decorrente do valor de referência estabelecido.”
No caso dos autos tendo a liquidação adicional de IRS ocorrido em 2008 o recorrido limitou-se a juntar aos autos documento comprovativo da venda do prédio em causa pelo preço de 21 000.00 Cfr escritura pública de compra outorgada no cartório notarial ... em 02 07 2004 e a sua alienação foi declarada no IRS do ano de 2004 como anteriormente se disse e também em sede de IRC.
Mas bastará a mera junção da escritura pública para afastar a presunção legal de que goza a Fazenda? Entendemos que não.
O artigo 44 do CIRS ao estabelecer a ficção legal ou presunção da prevalência do valor patrimonial tributário nos casos em que o contribuinte indica como valor da realização um valor inferior a este não contende com a força probatória que o artigo 371 do CC atribui aos documentos autênticos na medida em que apenas põe em crise os factos que nele são atestados mas que não respeitam a factos praticados pela autoridade in casu o notário.
Mas porque se trata de norma de incidência a presunção só podendo ser juris tantum-artigo 73 da LGT a lei permite ao contribuinte provar que o valor da realização foi inferior ao aí previsto cfr nºs 5 a 7 do citado artigo.
Tal prova está sujeita a procedimento próprio, procedimento este regulado no artigo 139 do CIRC, com as necessárias adaptações.
Mas esta possibilidade só foi permitida com a entrada em vigor da Lei 82-E/ 2014 de 31 12 que aditou ao artigo 44 do CIRS os nºs 5 a 7.
Assim a norma de incidência contida no nº 2 do artigo 44 do CIRS antes da entrada em vigor da Lei 82-E /2014 de 31 12 na interpretação que a Fazenda Pública teve ao proceder à liquidação ora impugnada tem de considerar-se como refere o aresto do Tribunal Constitucional acima referido como inconstitucional por traduzir a consagração de uma presunção inilidível em violação dos artigos 13 e 18 da CRP e 5º nº 2 e 73 da LGT.
Neste sentido veja-se também o acórdão do STA de 11 10 2017 in processo 0880/16” (fim de transcrição).
Ora, como se percebe, a análise feita no acórdão transcrito é, com as adaptações necessárias às especificidades do caso concreto, aqui inteiramente transponível.
Com efeito, à data dos factos aqui em análise, dispunha o artigo 44º, nº1, alínea f), do CIRS, que, em caso de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis, para a determinação dos ganhos sujeitos a IRS, considera-se valor de realização o valor da respectiva contraprestação. No entanto, previa o nº 2 do mesmo preceito que, tratando-se de direitos reais sobre bens imóveis, prevalecerão, quando superiores, os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis ou, não havendo lugar a esta liquidação, os que devessem ser, caso fosse devida.
Foi assim, com base neste quadro legal, que a AT considerou, para efeitos de fixação do valor de realização relativo à venda identificada em G) supra, o montante de €191 640,00, valor patrimonial atribuído ao prédio aquando da avaliação nos termos do artigo 76º do CIMI (vide fls. 16 v.º do processo administrativo e doc. n.º 3 junto com a petição inicial).
Sendo que, com fundamento no artigo 44º, nº 2 do CIRS, foi desconsiderado o montante da contraprestação paga pela transmissão do prédio a que se reporta a alínea G) dos factos provados, tal como consta da escritura pública, de €100.000,00.
Ora, como a jurisprudência citada vem afirmando, considerando os princípios constitucionais da igualdade, da capacidade contributiva, bem como o da tributação real dos rendimento, o nº 2 do artigo 44º do CIRS, ao preceituar que para determinação dos ganhos sujeitos a IRS, no caso de transmissões onerosas de bens imóveis, prevalecerão quando superiores os valores por que os bens houverem sido considerados para efeitos da liquidação de IMI, consagra, não uma presunção juris et de jure, mas antes uma presunção juris tantum.
E, como é incontroverso, nos termos do artigo 73º da LGT “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.
Ora, com a entrada em vigor da Lei nº 82-E/2014 de 31.12.14, foram aditados ao artigo 44º do CIRS os nºs 5 a 7, preceitos estes que vieram prever a possibilidade de ser feita a prova de que o valor de realização foi inferior ao previsto no nº 2 do artigo 44º, seguindo o procedimento previsto no artigo 139.º do Código do IRC.
A circunstância de, anteriormente a tal aditamento, a lei não prever expressamente a possibilidade daquela prova, de modo a ilidir a presunção contida no nº2 do artigo 44º, ou seja, impossibilitando o contribuinte de provar que o valor de realização foi inferior ao VPT, torna a norma de incidência correspondente ao do nº 2 do artigo 44º do CIRS, quando aplicada sem tal possibilidade, inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (artigos 13º e 103º, nº1 da CRP), assim se desaplicando ao caso concreto.
Por conseguinte, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, há que concluir que a liquidação de IRS viola a lei, nos termos expostos e, como tal, não pode manter-se.
Portanto, há que conceder provimento ao recurso interposto pelo Recorrente e, em consequência, revogar a sentença recorrida que decidiu em contrário e, nesta linha, julgar a impugnação judicial procedente e anular a liquidação adicional de IRS contestada.
Face ao decidido, concluindo-se pela ilegalidade do imposto, segue-se a invalidade consequente dos juros compensatórios cuja liquidação visa compensar o Estado pelo atraso na liquidação do imposto devido. Ora, no caso, não sendo devido o IRS – como se determinou – não são logicamente devidos juros compensatórios.

2.3. Conclusões
I. No caso, a AT considerou, para efeitos de fixação do valor de realização relativo à venda efectuada, o montante de € 191 640,00 valor este resultante da avaliação efectuada nos termos do artigo 76º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, ou seja, com fundamento no artigo 44º, nº 2 do CIRS, foi desconsiderado o montante da contraprestação paga pela transmissão do prédio, tal como consta da escritura pública, de € 100.000,00.
II. Nos termos do artigo 73º da LGT “As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”.
III. A circunstância de, anteriormente ao aditamento do artigo 44º do CIRS, operado pela Lei nº 82-E/2014 de 31/12/14, a lei não prever expressamente a possibilidade daquela prova, de modo a ilidir a presunção contida no nº2 do artigo 44º, ou seja, impossibilitando o contribuinte de provar que o valor de realização foi inferior ao VPT, torna a norma de incidência correspondente ao do nº 2 do artigo 44º do CIRS, quando aplicada sem tal possibilidade, inconstitucional por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva (artigos 13º e 103º, nº1 da CRP), assim se desaplicando ao caso concreto..
3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar a impugnação judicial procedente e anular a liquidação adicional de IRS sindicada e, bem assim, a liquidação de juros compensatórios.
Custas pela a cargo da Recorrida, Fazenda Pública, não sendo devida taxa de justiça nesta instância, por não ter contra-alegado.

Porto, 22 de fevereiro de 2024

Irene Isabel das Neves
Celeste Oliveira
Margarida Reis