Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01927/09.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Cristina da Nova
Descritores:NULIDADE DA SENTENÇA;
AUTORIDADE DE CASO JULGADO; ERRO DE JULGAMENTO;
INDISPENSABILIDADE DO GASTO; ÓNUS DA PROVA;
Sumário:
1-O caso julgado consiste, assim, “na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgado por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário”, o instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal.

2-Embora o pedido seja diverso deste processo o que é natural, pois que, naquele estava em causa oposição à execução de dívida fiscal aqui o que está em causa é própria liquidação tout court.
A própria lei admite que no âmbito de ações diversas se conheça da mesma questão, a caducidade do direito à liquidação que se repercuta nos processos de forma diferente, no âmbito executivo pode levar à extinção da execução, na impugnação pode levar à declaração de anulação da liquidação por violação de lei, mas, ambas pressupõem na ordem jurídica vigente que aquela liquidação viola a lei por ter decorrido o prazo para a administração proceder à liquidação; do ponto de vista do direito a questão está definida, as consequências, dependendo da espécie da ação, é que poderão ser diferentes.
É exatamente esta realidade que o caso julgado visa proteger, a certeza e a segurança nas relações jurídicas, evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer o que antes foi decidido de forma definitiva.

3- É consabido que cabe à AT o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre a empresa apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
A nível dos encargos incorridos no âmbito da atividade da empresa, resulta do artigo 74º da LGT uma partilha do encargo probatório entre a Administração Tributária e o contribuinte.
Em situações como estas poderá ser normal que caiba ao contribuinte, que melhor conhece a sua realidade, fornecer elementos que legitimam uma certa despesa (mas, sem que se possa a este respeito falar de um ónus da prova no sentido próprio do termo, Saldanha Sanches, Manual do Direito Fiscal).
A aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipo de despesas em causa.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário, da Subsecção Comum, do Tribunal Central Administrativo Norte:

1.RELATÓRIO,
[SCom01...], Lda., vem recorrer da sentença do TAF de Braga que julgou improcedente a impugnação da liquidação do IRC de 2005.
*
Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:

1.Entende a Recorrente que a douta decisão está deficientemente fundamentada, uma vez que teve em conta importantes factos relativos ao relatório de inspecção e baseia-se muito em remissões para documentos juntos aos autos, o que tem por consequência, salvo melhor entendimento, uma insuficiente fundamentação de facto relativamente à decisão de mérito da causa.
2.Não foi efectuada a necessária destrinça entre os factos considerados provados e os não provados e por outro lado, verificamos uma deficiente fundamentação para a motivação de facto, por remissão geral para meios probatórios em causa, não sendo tal aceitável.
3.A boa decisão da causa e os requisitos da sentença impõem que as sentenças sejam devidamente fundamentadas, sob pena das decisões estarem “vazias” de conteúdo.
4.Deste modo, entendemos que jamais pode conceder beneplácito a actuações do cariz da aprecianda, pelo que a Recorrente argui o vício da nulidade, nos termos do art. 125, n. 1 do CPPT e 668, n.º 1 c) do CPC.
5.No julgamento da matéria de facto a efectuar na sentença, deve o juiz pronunciar-se sobre a factualidade alegada e sobre a que lhe seja lícito conhecer oficiosamente e que se apresente relevante para a decisão a proferir à luz das diversas soluções de direito plausíveis (cf. art. 511.º, n.º 1, do CPC), discriminando também a matéria provada da não provada e fundamentando as suas decisões, procedendo à apreciação crítica e especificando os fundamentos decisivos para a sua convicção (cf. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 653.º, n.º 2, do CPC).
6.O incumprimento da prerrogativa em causa, não distinguindo entre factos provados e não provados, não valorando, designadamente, o relatório da fiscalização e não dizendo sequer se estão ou não provados os factos que a AT aí verteu e que a levaram a concluir pela falta de credibilidade da declaração, nem procedendo ao confronto crítico dos meios de prova conflituantes, limitando-se a apresentar como fundamentação do seu julgamento quanto aos factos uma referência genérica aos meios de prova que o terão suportado, fica o Tribunal ad quem impedido de sindicar esse julgamento.
7.O que impõe a anulação da sentença o que aqui se pretende venha a ser conhecido.
Sem prescindir,
8.A Recorrente não pode concordar com o alegado relativamente à excepção de caso julgado invocada no que respeita à caducidade do procedimento de inspecção tributária, considerando existir violação das normas dos arts. 497º e 498º do C.P.C.,
9.Porquanto não estão verificados os pressupostos de que depende, designadamente a identidade do pedido, uma vez que
na oposição intentada pela Recorrente o pedido consistia na extinção da execução, sendo que na impugnação se “ataca” a legalidade da liquidação,
10.Sendo inclusive este o meio adequado a tal pretensão.
11.Pelo que não se conforma a Recorrente com tal excepção, cuja ilegalidade aqui argui, por considerar, que com tal se viola o disposto nos arts. 497º e 498º do CPC.
12.Entende a Recorrente que o procedimento de inspecção caducou, por a inspecção que originou a liquidação ter ultrapassado os 6 meses, a que estava obrigada, sendo que a prorrogação foi notificada à ora Recorrente em momento posterior,
13.Sendo até duvidoso que seja admitida prorrogação em inspecção parcial. Como a dos presentes autos.
14.Termos em que, atenta a documentação junta aos autos, se deve inferir e dar como provado a caducidade do procedimento com posterior anulação da liquidação, na origem da presente impugnação, em violação do disposto no art. 36º do RCPIT.
A isto acresce,
15.Que nos encontramos perante uma errónea valoração da matéria de facto em causa que conduziu,
16.Num manifesto erro de julgamento, senão vejamos:
17.O douto tribunal deu como provado que a Recorrente contraiu diversos empréstimos de financiamento, junto de diversas instituições bancárias, registando-as na conta POC 68 “custos e perdas financeiras”, no valor de € 293 807,02, sendo que considerou não estar provado o nexo de indispensabilidade entre custos e proveitos.
18.Tal afigura-se-nos uma evidente violação da lei uma vez que, quem tinha de evidenciar, para proceder à correcção aritmética sub iudice, a inexistência do nexo de causalidade era a Administração Fiscal, não o Recorrente.
19.Entendemos, sob pena de subverter o sistema fiscal que cabe o ónus de prova da verificação dos pressupostos de facto e de direito que determinaram a AF a efectuar correcções técnicas constantes do relatório dos serviços de fiscalização, cumprindo-lhe demonstrar a factualidade que a levou a considerar determinado custo contabilizado como não indispensável à realização dos proveitos,
20.Devendo tal factualidade ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos documentos de suporte.
21.De acordo com o disposto no art. 89º do CIRC, a liquidação é efectuada pelo sujeito passivo, presumindo-se a sua veracidade.
22.Da prova produzida nos autos pela Administração Fiscal não se pode retirar a prova da não indispensabilidade.
23.É certo que a Recorrente contraiu empréstimos, e efectuou suprimentos à sociedade do grupo [SCom02...], mas da prova produzida não se retira que os suprimentos resultaram desses mesmos empréstimos.
24.Por seu turno, os suprimentos efectuados à sua dominada e o posterior empréstimo desta a uma sociedade estranha ao grupo de montantes pecuniários não pode reflectir o objectivo único de financiamento a terceiras entidades,
25.Não pode também inferir-se que dos empréstimos contraídos não houve contributo para rendimentos sujeitos a imposto.
26.Entende a Recorrente que só uma errónea apreciação da factualidade em causa, pode conduzir à improcedência da legitimidade da Recorrente para deduzir os custos em causa, em clara violação do disposto no.
27.O mesmo se diga quanto às provisões para depreciação de existências, que de acordo com o inventário junto aos autos, em 31/12/2005, foram constituídas da seguinte forma: provisões sobre mercadorias e produtos acabados, sendo que a distinção entre ambas reside na produção dentro do grupo e fora, respectivamente.
28.Respeitam as mesmas aos produtos que não puderam ser vendidos ao cliente que efectuou a respectiva encomenda, por incumprimento dos requisitos contratualmente estipulados,
29.Aos artigos produzidos a mais dos que os encomendados, para fazer face a eventuais pedidos extra do cliente,
30.E os restos peças defeito que são os produtos que não puderam ser vendidos ao cliente que efectuou a encomenda, por terem efectivamente defeitos propriamente ditos,
31.Da análise da contabilidade resulta que as provisões em causa são a diferença entre os custos de aquisição dos produtos, por um lado e os preços d emercado, por outro,
32.Sendo visíveis pela comparação com as facturas juntas aos autos, pelo que outra não poderá ser a solução, para além de que aquelas provisões são efectivamente resultado do deperecimento de produtos, que dada a sua especificidade não podem ser vendidos a preços ditos “normais”,
33.Pelo que a diferenciação de preços de mercado se justifica pelo facto de se atender à situação de cada um dos produtos, apenas comparáveis com idênticos.
34.Parece líquido que atenta a factualidade reportada aos autos as provisões em causa são susceptíveis de ser deduzidas fiscalmente, em cumprimento do disposto no art. 34º e 36º do CIRC, sob pena de com o erro de julgamento violarmos o disposto nos artigos em causa.
35.Considerados os riscos de constituição da provisão, as facturas juntas justificam preço de mercado, por idóneos.
36.Refira-se, que dadas as características únicas das peças, conforme acima referido, a justificação do preço de mercado, basta-se com artigos da mesma categoria.
37.Ora, as provisões constituem pois um custo/encargo destinados a fazer face a prejuízos que necessariamente se esperam mas cujo valor ainda se não conhece com precisão, pelo que, atendendo ao acima exposto, o valor de mercado encontrado já se verifica pelo básico.
NOS TERMOS ASSINALADOS, V. EXAS. ANULANDO A DOUTA DECISÃO, FARÃO A HABITUAL, JUSTIÇA.»

*
A recorrida, Fazenda Pública, não apresentou contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso: (…)
I- Quanto ao primeiro ponto, entende a aqui Recorrente que a douta sentença enferma de nulidade por falta de especificação dos fundamentos da decisão, referindo que «uma vez que se nos afigura que não existe fundamentação adequada relativamente á motivação da decisão de facto que se limita a enumerar os meios de prova tidos em conta na generalidade, o que, se nos afigura manifestamente insuficiente, tomando a decisão deficientemente fundamentada».
«Afigura-se-nos que na douta sentença não está patente uma correcta descriminação entre matéria de facto provada e não provada, o que se exige, com fundamento no n.° 2 do art. 123° do CPPT».
Não tem, porém, razão a recorrente. Com efeito, na sentença recorrida, o Mmo juiz elabora uma descrição detalhada dos factos que considera provados. Ao contrário do alegado pela recorrente, não se limita a efectuar remissão para os documentos, mas ao invés, isola e especifica concretamente os factos que considera provados e que são preponderantes para a aferição e dilucidação do mérito da causa. Por outro lado, efectua uma correcta fundamentação das motivações de facto com referência especifica em cada facto aos elementos de prova constantes dos autos, nomeadamente à prova documental e testemunhal.
Assim, ao invés do alegado, não se verifica a nulidade da sentença.
II- Quanto ao segundo ponto relativo à caducidade do procedimento da inspecção com a consequente caducidade do direito à liquidação, a questão já se encontra resolvida, porquanto na sentença de 25/03/2011, já transitada, proferida na oposição n° 623/10, foi decidido que a liquidação foi efectuado dentro do prazo legalmente estabelecido.
Invoca a recorrente que não se verifica a excepção do caso julgado, pois «embora exista identidade de sujeitos e causa de pedir, o mesmo não se passa relativamente ao pedido, pelo que não pode alegar-se a verificação da excepção de caso julgado. No âmbito da oposição à execução o escopo é, sem dúvida, o de extinguir a execução, não o de atacar o acto de liquidação de IRC, pelo que deveria o tribunal a quo pronunciar-se sobre a dita caducidade do procedimento de inspecção tributária, dado ter sido este a levar à resolução da situação em causa».
Não duvidamos do escopo visado com a alegação da caducidade do direito à liquidação num caso e no outro (na oposição à liquidação e na impugnação). Todavia, esta circunstância não impede a aplicação in casu da excepção do caso julgado, já que a fundamentação invocada para a caducidade, ou seja a causa de pedir é precisamente a mesma. E o mesmo se diga do pedido, pois num caso e noutro o que se pede é que o tribunal declare a caducidade do direito à liquidação.
É obvio que a declaração da caducidade do direito tem consequências jurídicas diferentes no caso de estarmos no âmbito da execução ou da impugnação, mas isso não contende com os pressupostos do caso julgado, que no caso em apreço se mostram integralmente preenchidos.
III- No que concerne aos empréstimos contraídos e concedidos pela recorrente e a contabilização dos juros e encargos bancários decorrentes como custos para efeitos contabilísticos e fiscais, bem andou o Mmo juiz a quo. Com efeito, dispõe o artigo 23° do CIRC que gastos são aqueles que se revelem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtiva. «A relevância fiscal de um custo depende da prova da sua necessidade, adequação, normalidade ou da produção do resultado (ligação a um negócio lucrativo), sendo que a falta dessas características poderá gerar a dúvida sobre se a causação é ou não empresarial. O custo "(...) é uma despesa com um fim empresarial o que não quer dizer que tenha desde logo um fim imediata e directamente lucrativo, mas que tem na sua origem e na sua causa, um fim empresarial, concedendo a lei à AT poderes bastantes para recusar a aceitação como custo fiscal de despesas que se não possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa»' Acórdão do TCAS de 1/06/2011, processo 04589/11
Ora, cabia à impugnante o ónus da prova do nexo da indispensabilidade dos custos - previsto no artigo 23° do C1.R.C. - e não tendo cumprido esta prova, os mesmos terão de ser excluídos da contabilidade.
Quanto às facturas examinadas durante a inspecção, verifica-se que estas não reflectem o preço corrente no mercado nos termos do exercício; ou seja, não preenchem inteiramente os requisitos estabelecidos nos artigos 34° e 36°, do CIRC. Por essa razão foi o lucro tributável acrescido da soma de 137 424,15 €.
As correcções revelam-se, assim, adequadamente fundamentadas, estando a matéria colectável devidamente apurada.
Nesta conformidade deve ser negado provimento ao recurso.»
*

Sem vistos dos Ex.mos Juízes adjuntos, por assim ter sido acordado, foi o processo à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR.
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, estando o objeto do recurso ou a esfera de atuação do tribunal, delimitado pelas conclusões das respetivas alegações:

[a] Saber se a sentença incorreu em nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.
[b] saber se há autoridade de caso julgado em relação à caducidade do procedimento inspetivo
[c]Saber se foi erradamente qualificado e quantificado o imposto, em matéria dos empréstimos concedidos à sociedade participada e das provisões para depreciação de existências.

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3.FUNDAMENTOS de FACTO

Em sede de probatório a 1ª Instância, fixou os seguintes factos:
1.A Impugnante foi notificada em 28.09.2009, da liquidação de IRC n.° ...54, relativa ao ano de 2005, no valor de 217.828,68 E, com data limite de pagamento em 11.11.2009 (fls. 15 a 17 dos autos);
2.Em 28.09.2009 foi efectuada liquidação de I.R.C. no montante de 217.828,68 €, sendo a impugnante notificada a 12 de Outubro de 2009 [cfr. fls. 15 dos autos].
3.Foi efectuado acerto de contas, em 2 de Outubro de 2009, sendo o valor de I.R.C. a pagar reduzido para 217.472,27€ [cfr. fls. 17 dos autos].
4.A impugnante é uma sociedade por quotas que se dedica à exportação, importação e fabrico de confecções têxteis [cfr. fls. 145].
5.A impugnante é uma sociedade dominante num grupo de sociedades ao qual pertencem a [SCom03...], Lda., e [SCom02...], Lda.,
6.Em 21 de Janeiro de 2009, através do despacho DI......31, foi iniciado processo de inspecção tributária à impugnante, relativa a I.R.C., I.V.A. e Imposto do Selo do ano de 2005, o qual terminou em 22 de Maio de 2009 [cfr. fls. 52 dos autos];
7.Na mesma data, através do despacho DI..........29, foi iniciado processo de inspecção tributária à empresa [SCom03...], Lda., relativa a I.R.C., I.V.A. e Imposto do Selo do ano de 2005, o qual terminou em 22 de Maio de 2009 [cfr. fls. 92 dos autos].
8.Na mesma data, através do despacho D1........30, foi iniciado processo de inspecção tributária à empresa [SCom02...], Lda., relativa a I.R.C., I.V.A. e Imposto do Selo dos anos de 2005, 2006 e 2007, o qual terminou em 22 de Maio de 2009 [cfr. fls. 128 dos autos].
9.Por notificação datada de 21.07.2009, foi a impugnante informada da ampliação do prazo de inspecção por mais três meses, quanto às inspecções que decorriam nas empresas do grupo [cfr. fls. 152 dos autos].
10. Na sequência daqueles processos inspectivos, foi emitida ordem de serviço interna n° ...86 de carácter parcial I.R.C., I.V.A. e Imposto do Selo para o exercício de 1005, a fim de reflectir, em sede de I.R.C., as correcções ao lucro tributável das empresas integrantes do grupo na liquidação em termos de grupo [cfr. fls. 25 dos autos].
11.Da acção inspectiva, da impugnante, foi elaborado o Relatório de Inspecção Tributário, constante de fls. 48 a 86 que aqui se dá por integralmente reproduzido;
12. A acção interna decorreu de 27 de Julho de 2009 a 29 de Julho de 2009 [cfr. fls. 25 dos autos].
13.No âmbito destes procedimentos de inspecção, constatou-se que a impugnante contraiu diversos empréstimos de financiamento, junto de diferentes entidades bancárias, registando-os na conta POC 68 "custos e perdas financeiras", no montante de 293.807,02€ [cfr. fls. 48 a 86 dos autos].
14.No mesmo período, a impugnante realizou empréstimos/suprimentos, a título gratuito, à empresa [SCom02...], Lda., no montante de 1.451.140,00€ [cfr. fls. 48 a 86 dos autos].
15.E a empresa [SCom02...], Lda., concedeu empréstimos, igualmente a título gratuito à empresa por si participada, mas fora do grupo da impugnante, [SCom04...], Lda., no montante de total de 1.416.140,00€ [cfr. fls. 48 a 86 dos autos].
16.A impugnante contabilizou provisões para depreciação de existências de mercadorias em armazém e produtos acabados sob a conta POC 667 "ajustamentos de existências" no montante de 137.424,15€ [cfr. fls. 48 a 86 dos autos].
17.A impugnante deduziu oposição à execução fiscal, a qual correu termos neste tribunal com o n.° 623/10.0 BEBRG, a qual transitou em julgado em 11.04.2011, e na qual foi equacionada a falta de notificação da caducidade do direito à liquidação do tributo de IRC e juros, relativo ao ano de 2005, no valor de 222 419.19 € (fls. 328 a 331 dos autos);
18. As presentes impugnações foram apresentadas em 13.01.2010.
2.2. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados e não provados na prova documental e testemunhal.
A prova documental teve por base a constante do Relatório da Inspecção Tributária e respectivos anexos e documentos juntos aos autos pelo impugnante.
A impugnante, apresentou prova testemunhal, no entanto, o depoimento prestado não foi suficiente para lograr provar qualquer dos aspectos em discussão neste litígio.
*

4. Apreciação jurídica do Recurso.

4.1. Dos fundamentos do recurso:

4.1.1. Dos vícios formais apontados à sentença, consubstanciados na sua nulidade.
A sentença estar deficientemente fundamentada por ter tido em conta factos relativos ao relatório de inspeção e fazer remissões para documentos;
Não foi feita a necessária destrinça entre os factos considerados provados e os não provados, com deficiente fundamentação para a motivação de facto por remissão geral para os meios de prova; por outro lado, a sentença deve pronunciar-se sobre a factualidade alegada e a que tenha de conhecer oficiosamente, fazendo uma apreciação crítica e especificar os fundamentos para a sua convicção.

Vejamos,
No que respeita à imprecisa alegação de omissão de pronúncia a recorrente não concretiza que factos foram alegados com relevo para julgamento ou que não foram atendidos nem valorados pela sentença, o que determina a sua improcedência.
Por manifesta falta de concretização da nulidade invocada, não se mostrando a omissão de pronúncia ostensiva é rejeitado este segmento de recurso.

A segunda modalidade de vício formal prende-se com a sua deficiente fundamentação, por um lado, faz remissão para documentos e não faz uma apreciação crítica, não identifica os fundamentos em que assentou a sua convicção, por outo lado, não é feita uma destrinça entre factos considerados provados e não provados.

Embora a sentença neste segmento não seja exemplar, por se mostrar afastada da melhor técnica de elaboração do julgamento de facto, pois, no que respeita ao relatório acaba por o dar como reproduzido, em vez de elencar os factos erigidos pela AT na fundamentação das correções, não descrimina os factos não provados, ainda assim, não é suscetível de comprometê-la de modo a ser anulada.
Isto porque,
No que tange à caducidade do procedimento inspetivo a sentença autonomiza os factos relevantes no julgamento de facto, como se deprende dos factos 1 a 10, e 17 no que respeita ao julgamento do caso julgado.

Já na parte respeitante aos vícios de violação de lei nas correções efetuadas, são claramente identificadas as correções no relatório com referência aos fundamentos da impugnação, ou seja, a fundamentação da administração em matéria de perdas ou custos com os empréstimos que contraiu junto da banca que, por sua vez, destinou a outras empresas, uma do grupo e outra não, qualificando a AT como tal perdas ou custos que não se mostram conexionados com o objeto ou atividade empresarial; as provisões para depreciação de existências e mercadorias, bem como produtos acabados por falta.
Na verdade, as questões suscitadas na impugnação estão claramente segmentadas, caducidade do procedimento inspetivo, empréstimos concedidos a empresa participada e a consideração de que tais empréstimos são estranhos à atividade da empresa, as provisões para depreciação de existências por violação ou falta dos pressupostos dos arts. 34.º e 35.º do CIRC.

Ora, neste enquadramento a sentença embora não tenha feito uso das boas práticas na sua elaboração, ainda assim, não compromete a sua validade, pois, com clareza se percebe que o tribunal erigiu como factos provados tudo o que constava da prova documental, que identifica, e, por outro lado, afasta a prova testemunhal decorrente do depoimento da única testemunha ouvida, depreendendo-se, que os factos não provados poderão ser os que foram objeto de prova testemunhal ou que não há outros factos com relevância que tenham de ser mencionados como provados.

Os factos estão descriminados com a menção do documento, maxime o relatório, que informa a factualidade eleita pelo que não permite afirmar que o quadro factológico não está fundamentado.
Com efeito,
Apenas a falta absoluta de fundamentação implica a nulidade da sentença, isto é, aquela que omite a especificação dos fundamentos de facto ou de direito, que ocorre quando há falta absoluta de motivação.
Também poderá haver deficiente, obscura ou contraditória decisão sobre determinados pontos da matéria de facto.
Diferente daquela é a motivação deficiente, ou errada, esta apenas poderá afetar o valor doutrinal da sentença.
Como se expressou e explicou, a sentença analisada afasta-se de forma clara do que se tem vindo a entender como falta de fundamentação.
É, aliás, sabido, e jurisprudência assente, que a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos: isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão cfr., entre outros, ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259; ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131..
A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Prof.Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.
Ora, na sentença em causa não se verifica falta absoluta de fundamentação que seja geradora da apontada nulidade.
Improcede este segmento do recurso porquanto o que resulta das conclusões é uma insatisfação da recorrente que reside, afinal, na discordância total da valoração dos factos, das ilações que o tribunal retirou deles, nomeadamente do relatório que fundamenta as correções a título de IRC do exercício de 2005.
4.1.2. A recorrente afirma que não pode concordar com a não verificação do caso julgado respeitante à caducidade do procedimento de inspeção tributária, pois, entende que viola os arts. 497.º e 498.º do Código Civil, porquanto, entre os processos não há identidade de pedido, já que a oposição visa a extinção da execução.
Insiste, assim, na verificação da caducidade do procedimento inspetivo, com posterior anulação da liquidação.
A sentença proferida no âmbito da oposição n.º 623/10.0BEBRG foi junta ao presente processo, físico a fls 329, no sitaf páginas 48 a 50.
O fundamento da oposição à execução fiscal da dívida do IRC do ano de 2005, no valor de 222.419,19€, assentou na falta de notificação da liquidação do tributo no prazo de caducidade e consequentemente a caducidade do direito à liquidação, foram dados como provados os seguintes factos:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

A respeito, julgou a sentença de modo que se segue, transcreve-se:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

De seguida conclui e julga que a notificação da liquidação do IRC de 2005 foi corretamente efetuada em 12-10-2009 pelo que não ocorre a caducidade do direito à liquidação.

Vejamos,
O caso julgado é uma das excepções previstas na lei adjectiva, que é de conhecimento oficioso e cuja ocorrência impede que o tribunal conheça do mérito da causa, dando lugar à absolvição da instância [arts. 495º e 493º nº 2 do C. Proc. Civil, actuais arts. 578º e 576º nº 2 do mesmo diploma legal], exceção essa que pressupõe, nos termos do art. 497º nºs 1 e 2 [actual 580º nºs 1 e 2 do mesmo diploma legal], a repetição de uma causa já decidida por sentença transitada em julgado e que tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior.

O caso julgado consiste, assim, na alegação de que a mesma questão foi já deduzida num outro processo e nele julgado por decisão de mérito, que não admite recurso ordinário Prof. Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., pág. 307 ou, como aponta o Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1993, págs. 305 e 306, o caso julgado consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social., o instituto do caso julgado exerce, assim, duas funções: uma função positiva e uma função negativa.
Exerce a primeira quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões e exerce a segunda quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal.

Compreende-se, desse modo, a razão de tal autoridade do caso julgado pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. Tanto mais que a decisão transitada em julgado pode até ter apreciado mal os factos e interpretado e aplicado erradamente a lei, mas no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça.Prof. Alberto, dos Reis, CPC Anotado, vol. III, pág. 94.

Perante tais efeitos do caso julgado importa estabelecer, com clareza, o conceito de repetição de uma causa.
Para tanto estatuía o art. 498º nº 1 do C. Proc. Civil [atual art. 581º] que a causa se repete “quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”.
Por seu lado, os nºs 2, 3 e 4, desse mesmo preceito, concretizando melhor, dispõem que “há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica; há identidade do pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e há identidade da causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico”. (sublinhado nosso)
Ora, intui-se, assim, com clareza que o efeito pretendido na oposição era efetivamente a extinção da execução, mas consubstanciado no facto de a dívida não puder ser executada por que se funda num facto que é violador de lei, pois, foi praticado [a liquidação do imposto] para além do prazo que a lei autoriza.
Embora o pedido seja diverso deste processo o que é natural, pois que, naquele estava em causa oposição à execução de dívida fiscal aqui o que está em causa é própria liquidação tout court, ainda assim não permite concluir como faz a recorrente.
Na verdade,
A própria lei admite que no âmbito de ações diversas se conheça da mesma questão, a caducidade do direito à liquidação que se repercuta nos processos de forma diferente, no âmbito executivo pode levar à extinção da execução, na impugnação pode levar à declaração de anulação da liquidação por violação de lei, mas, ambas pressupõem na ordem jurídica vigente que aquela liquidação viola a lei por ter decorrido o prazo para a administração proceder à liquidação, ou não; ou seja, do ponto de vista do direito a questão está definida, as consequências, dependendo da espécie da ação, é que poderão ser diferentes.
É exatamente esta realidade que o caso julgado visa proteger, a certeza e a segurança nas relações jurídicas, evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer o que antes foi decidido de forma definitiva.
Por conseguinte, a sentença ao julgar não haver caso julgado não incorreu em erro de julgamento, improcedendo este segmento recursivo.
*
4.2. Erro de julgamento na quantificação e qualificação do imposto: indispensabilidade e ónus da prova; provisões para depreciação de existências [provisões sobre mercadorias e produtos acabados]

Entende a recorrente que o tribunal deu como provado que a Recorrente contraiu diversos empréstimos de financiamento, junto de diversas instituições bancárias, registando-as na conta POC 68 “custos e perdas financeiras”, no valor de € 293.807,02, sendo que considerou não estar provado o nexo de indispensabilidade entre custos e proveitos, sendo tal juízo de uma evidente violação de lei, uma vez que, quem tinha de evidenciar, para proceder à correcção aritmética sub iudice, a inexistência do nexo de causalidade era a Administração Fiscal, não o Recorrente.
Se bem entendemos a recorrente, a questão da discórdia é o errado julgamento quanto ao conceito de indispensabilidade ínsito no art. 23.º do CIRC [na redação anterior à do DL 159/2009 de 13 de julho] quer quanto ao ónus da prova da indispensabilidade dos custos registados na contabilidade relativamete aos empréstimos contraídos e respetivos juros.

Indispensabilidade, ónus da prova.
Assim temos que indagar se a correção que deu origem a liquidação podia ou não ser efetuada com o fundamento que foi, ou seja, ao abrigo do art. 23.º do CIRC, atendendo a que a AT acionou as seguintes razões. A inspecionada contraiu diversos empréstimos de financiamento junto de diferentes entidades bancárias, suportando os respetivos juros e encargos bancários que os contabilizou na Conta 68, concedendo no exercicio 2005 vários empréstimos à empresa do grupo “[SCom02...]”, em análise às empresas do grupo verificou que esta última canalizou os empréstimos obtidos pela [SCom01...] para a empresa “[SCom04...]” [que não faz parte do grupo e cuja atividade é comércio de vestuário e calçado] paraticipada da “[SCom02...]” em 89,90% do capital, a qual não está sujeita ao regime especial de tributação do grupo.
Entende que a “[SCom02...]”, serve de intermediária entre a [SCom01...] e a “[SCom04...]” porque aquela não possui capacidade financeira para realizar o investimento.
Considera que parte dos empréstimos que [SCom01...] contraiu e deu origem a pagamento de juros contabilizados em 2005 como custo financeiros originou uma redução do lucro tributável do grupo que não seriam necessários se a empresa não tivesse financiado a empresa dominada “[SCom02...]”, que canalizou para empresa fora do grupo “[SCom04...]” , estes gastos não se paresentam como indispensável para a realização dos proveitos, cuja atividade radica na atividade de exportação, importação e fabrico de confeções têxteis.

A recorrente argumenta que o empréstimo não tem nexo de causalidade com os suprimentos efetuados à sua participada “[SCom02...]”, os empréstimos sempre seriam necessários para realização dos proveitos ainda que não tivesse financiado a participada e não demonstrou a AT que os empréstimos são estranhos à obtenção dos proveitos, cabendo o ónus da prova da verificação dos pressupostos de facto e de direito que determinam a sua atuação a efetuar correções, importando à AT ilidir a presunção de verdade decorrente da sua contabilidade, dos elementos e documentos que a constituem.

Do que se vem de expor é objetivamente adequado entender que os empréstimos contraídos pela recorrente em vista da satisfação de necessidades financeiras de uma empresa do grupo que, por sua vez, canaliza para outra empresa alheia ao grupo, prima facie, não integra o conceito de indispensabilidade no sentido de ter conexão com a atividade da recorrente de exportação, importação e fabrico de confeções têxteis.

Na verdade, a AT munida dos elementos extraídos e revelados pela contabilidade da recorrente concluiu que, atento o seu objeto social [não se tratando de sociedade com atividade financeira] e o facto de a beneficiária dos empréstimos não pertencer ao grupo, tais encargos não poderiam ser relevados fiscalmente como indispensáveis à sua atividade, posto que, a recorrente não trouxe ao procedimento factos que esclareçam a racionalidade e ou a justificação dos custos registados num quadro mais amplo da sua atividade.

É consabido que cabe à AT o dever de demonstrar os pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, por seu turno, sobre a empresa apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados esses pressupostos.

Com efeito, como resulta do artigo 74º da LGT, há, a este nível, uma partilha do encargo probatório entre a Administração Tributária e o contribuinte. Ac deste TCA no processo n.º 00624/05.0 BEPRT DE 12-01-2012, disponível em www.dgsi.pt


Aliás, a este propósito, temos vindo a afirmar em consonância com a doutrina e jurisprudência, que na abordagem do ónus da prova e procurando proceder a uma delimitação dos casos em que este deverá pertencer ao contribuinte e os casos em que deverá ser um encargo da AT, ensina o Professor Saldanha Sanches Manual do Direito Fiscal 3ª Edição, pág. 389-392. , (…) em situações aparentadas, em casos de dúvida, como resulta do ónus da prova em sentido formal ou subjetivo, a dúvida sobre o facto resulta contra quem tem o ónus, caso seja sobre o contribuinte, os poderes da administração tornam-se excessivos, pondo, também, fim à segurança jurídica do sujeito passivo na aplicação do que julga ser a lei fiscal.

Avança, então, aquele autor que sempre que esteja em dúvida a necessidade de uma despesa, o sujeito passivo deverá colaborar com a Administração fiscal _ o que se aproxima do ónus da prova em sentido material _ para fornecer elementos que ponham fim a essa dúvida, aumentando a intensidade da cooperação na razão direta do caráter controvertido da despesa e da sua maior ou menor ligação direta com a prossecução do seu escopo social.

Notando ainda o mesmo autor que em situações como estas poderá ser normal que caiba ao contribuinte, que melhor conhece a sua realidade, fornecer elementos que legitimam uma certa despesa (mas, sem que se possa a este respeito falar de um ónus da prova no sentido próprio do termo).

Ora não resultando do procedimento e dos contributos da recorrente a razão dos custos, além dos que estão evidenciados no relatório, temos de concluir que não está claramente demonstrada a conexão com os proveitos da empresa no âmbito da sua atividade social.
Isto porque a aferição da indispensabilidade deverá, pois, assentar numa análise casuística da empresa e de cada uma das despesas ou tipo de despesas em causa.
Por conseguinte, a sentença não errou a sancionar que não há conexão entre despesa e atividade da recorrente.
*
Provisões para Depreciação de Existências [provisões sobre mercadorias e produtos acabados].

A recorrente dissente neste capítulo porque a distinção entre mercadoria e produtos acabados reside na produção dentro do grupo e fora, respetivamente. Respeitam as mesmas aos produtos que não puderam ser vendidos ao cliente que efetuou a respetiva encomenda, por incumprimento dos requisitos contratualmente estipulados e aos artigos produzidos a mais do que os encomendados para fazer face a eventuais pedidos extra do cliente e restos de peças com defeito que não puderam ser vendidos ao cliente que efetuou a encomenda. Resulta da contabilidade que o que se registou a titulo de provisões são a diferença entre os custos e aquisição dos produtos e os preços de mercado, visíveis pela comparação com as faturas juntas aos autos, as provisões são, assim, o resultado do deperecimento dos produtos que dada a especificidade não podem ser vendidos a preços “normais”, integrando a provisão dos arts. 34.º e 36.º do CIRC.
Ora, a este respeito a sentença sancionou a legalidade das correções a título de depreciação de existências do seguinte modo, (…) Nos termos dos artigos 34° e 36° do C.I.R.C., as provisões para depreciação só serão aceites quando o preço de mercado for inferior ao preço das existências sobrantes no final do exercício. E tal implica que sejam discriminadas, de forma inequívoca, as existências e os preços de mercado e de aquisição ou produção.
Pegando, desde logo, nas facturas juntas ao presente processo - fls. 219 e seguintes - verifica-se que o preço de mercado é constante independentemente do produto que se transacciona. Ou seja, e a título de exemplo, tanto custa uma "t-shirt 100% algodão", como um "pijama 80% algodão e 20% polyester".
Analisando o registo de provisões para depreciação de mercadorias do ano de 2005 - fls. 196 e seguintes - não só os bens não têm o mesmo nome, como não se percebe de onde é retirado o preço de mercado para os bens em causa.
Confrontando estes registos, percebe-se que há uma diferença de valores de mercado - o que justificaria a constituição da provisão - mas não há qualquer explicação para essa diferença. Importa relembrar que, para que a provisão seja fiscalmente aceite, terá que ser fundamentado o preço de mercado e o preço de aquisição ou produção, o que não foi cumprido.
O mesmo se diga das provisões para depreciação de existências, verificando-se o mesmo cenário.
Além do mais, apenas nas facturas é apresentada a indicação de "restos de produção com defeito" ou só "defeito", nada se apontando, quanto a este aspecto, no registo das provis-ões para depreciação. Não se podendo concluir, assim, que os produtos em causa são os mesmos, ou o que, efectivamente, motiva a desvalorização.
Nesta conformidade, é forçoso concluir que as provisões para depreciação de existências e mercadorias e produtos acabados não preenchem os requisitos dos artigos 34° e 36° do C.I.R.C., devendo, por isso, acrescer ao lucro tributável.

A administração tributária não aceitou a criação de provisões de existências de mercadorias em armazém e produtos acabados no exercício de 2005, conta 667, “ajustamentos de existências” no montante de 137.424,15 €, porque elas não se encontravam devidamente fundamentadas nos limites e termos seguintes:
-Produtos fabricados ou produtos acabados pela diferença entre o custo de produção das existências, constante do balanço no fim do exercício e o respetivo preço de venda;
-Preço de venda, o constante dos elementos oficiais ou último que em condições normais tenha sido praticado pela empresa, ou ainda o que no termo do exercício for corrente no mercado, desde que idóneo ou de controlo inequívoco;
-Mercadorias, pela diferença entre o custo de aquisição das existências, constantes do balanço no fim do exercício e do respetivo preço de venda.

Apreciando.
Dispunha-se nos arts. 34.º e 36.º do CIRC, na redação então vigente, o seguinte:
Art. 34.º
Provisões fiscalmente dedutíveis
1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes provisões:
a)

b) As que se destinarem a cobrir as perdas de valor que sofrerem as existências;
c)

e)
f)
2 - As provisões a que se referem as alíneas a) a d) do número anterior que não devam subsistir por não se terem verificado os eventos a que se reportam e as que forem utilizadas para fins diversos dos expressamente previstos neste artigo consideram-se proveitos do respectivo exercício.

3 -
Art. 36.º
Provisão para depreciação de existência
1 - A provisão a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 34.º corresponde à diferença entre o custo de aquisição ou de produção das existências constantes do balanço no fim do exercício e o respectivo preço de mercado referido à mesma data, quando este for inferior àquele.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, entende-se por preço de mercado o custo de reposição ou o preço de venda, consoante se trate de bens adquiridos para a produção ou destinados a venda.
3-
4 -
5 - Esta provisão só pode ser utilizada no exercício em que o prejuízo se torne efectivo.


Ora, as provisões obedecendo a princípios contabilisticos como o da prudência e da especialização de exercícios demandam que se façam tais provisões, e, para terem relevância fiscal terão de obedecer aos requisitos do art. 36.º do CIRC, ou seja, que estejam devidamente fundamentadas com referência à descriminação das existências [objeto da depreciação], preços de aquisição e/ou de produção, com a inerente justificação do preço de mercado, que deverá ser realizado no momento da sua constituição, ou seja, no presente caso, em 31-12-2005, através do confronto dos valores das existências constantes nos inventários [armazém], com o valor de mercado [preço de venda] à data, evidenciando a desvalorização ou perda de valor das mesmas.

Acontece que, a recorrente embora tenha apresentado faturas para indicação e justificação do preço, [após ter sido notificada para o efeito, em face de inexistência à data da inspeção dos elementos justificativos para a criação de provisões] não justifica o preço de mercado de todos os bens existentes em stock e objeto do respetivo ajustamento, até porque, no quadro das provisões para depreciação de mercadorias e produtos acabados apresenta faturas respeitantes a matérias-primas.

Por conseguinte, tal como se faz referência na sentença, decorrente do relatório inspetivo, a recorrente ao apresentar a relação de documentos, constituídas por faturas, delas não consta ou não faz referência à existência de produtos defeituosos ou grupo de segunda escolha ou com defeito ou restos de coleção, com a indicação individualizada da quantidade respeitante a restos de coleções, indicação de época, ou aos produtos com defeito e tipo de defeito.
Deste modo, os documentos não são idóneos ou não são de controlo inequívoco, apresentam-se, antes, como um conjunto de produtos diferenciados não equiparáveis.

Mas, ainda assim, sempre se tem de dizer que neste segmento do recurso, a recorrente é pouco ou nada eficaz, na medida em que não concretiza um ataque à sentença, ao seu discurso fundamentador e decisório de validação das correções nesta matéria.
Deste modo, este segmento do recurso tem também necessariamente de improceder.

Em suma, improcedem todas as conclusões de recurso.
*
5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Subsecção Comum, da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida, com a consequente manutenção da liquidação do IRC do ano de 2005.

Custas a cargo da Recorrente.

Notifique-se.

Porto, 22 de fevereiro de 2024


Cristina da Nova
José António Coelho
Tiago de Miranda