Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00305/07.0BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Margarida Reis
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL;
MÉTODOS INDIRETOS; QUANTIFICAÇÃO;
FUNDAMENTAÇÃO MATERIAL;
Sumário:
Não basta à Administração Tributária indicar um qualquer critério de quantificação, devendo demonstrar que o mesmo constitui uma forma válida de aproximação à realidade, devendo, para tanto, indicar de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da atividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença proferida em 2016-09-06 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou procedente a impugnação judicial interposta por «AA» tendo por objeto as liquidações de IRS e juros compensatórios resultantes das correções efetuadas com recurso a métodos indiretos de avaliação dos rendimentos dos anos 2002, 2003 e 2004, de que resultou o valor a pagar no montante de EUR 2.161,69, vem dela interpor o presente recurso.
A Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES
I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que considerou procedente a impugnação judicial deduzida «AA» contra as liquidações adicionais de IRS e respectivos juros compensatórios referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004.
O objecto do recurso
II. O objecto do recurso centra-se em saber, em primeira linha, se os actos tributários padecem ou não do vício de “falta de fundamentação” nos exactos termos definidos pelo douto Tribunal a quo, ou seja, se na sentença se incorre em erro de julgamento por se ter considerado que “os critérios e cálculos usados para chegar à quantificação” da matéria colectável não se encontram devidamente fundamentados.
III. Caso se entenda que os actos se encontram devidamente fundamentados, importará apurar se, contrariamente ao entendido pelo douto Tribunal, se encontram verificados os pressupostos para a aplicação de métodos indirectos relativamente ao ano de 2004.
2. Pressupostos para a análise da sentença
IV. Em primeiro lugar, a aplicação de métodos indirectos depende da verificação dos respectivos pressupostos legitimadores, mormente a “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável” (alínea b) do artigo 87.º e artigo 88.º, ambos da LGT).
V. Só após se ter concluído por aquela impossibilidade de “comprovação e quantificação directa e exacta” é que a AT estará apta a proceder à quantificação da matéria tributável em falta.
VI. O douto Tribunal concluiu pelo acerto da decisão de aplicação da metodologia indirecta quanto aos anos de 2002 e 2003, bem como pela inexistência de qualquer ilegalidade quanto à quantificação da matéria colectável, designadamente quanto ao alegado excesso de tributação.
VII. Em segundo lugar, há que distinguir entre a fundamentação formal e a fundamentação substancial, tarefa esta que foi acertadamente realizada pelo Tribunal a quo, o qual apreendeu que o vício apontado pelo impugnante se inscrevia no campo da fundamentação em sentido formal.
VIII. Em terceiro lugar, constituindo o projecto de relatório um acto preparatório ou intermédio do acto final do procedimento inspectivo, a fundamentação dos actos de liquidação subsequentes há-de buscar-se, não no projecto de relatório, mas no relatório final.
IX. Em quarto lugar, nos casos em que haja lugar a correcções por métodos indirectos e o contribuinte tenha apresentado pedido de revisão da matéria colectável, a fundamentação de tais correcções deve ser encontrada nos documentos produzidos no âmbito daquele pedido de revisão – mormente no Termo de Resolução, na Acta da Comissão de Revisão e no Laudo do PAT – ainda que em concatenação com os elementos constantes no Relatório Inspectivo.
3. A falta de fundamentação
X. Entendeu o Tribunal a quo que o acto de liquidação não se encontrava formalmente fundamentado, i.e., que não permitiu ao impugnante apreender o itinerário valorativo e cognoscitivo percorrido pela AT no que tange à quantificação da matéria colectável.
Incorreu, porém, o douto Tribunal em erro de julgamento, dado que
XI. Em primeiro lugar, a questão da eventual utilização, por parte da AT, de um critério “menos justo” por ter aplicado no Relatório Final os valores constantes do «acordo» (e não os indicados no Projecto de Relatório) tem que ver com a adequação dos critérios de quantificação (vício de violação de lei) e não com a sua falta de fundamentação formal (vício de forma), sendo que foi por este último motivo (e não por aquele) que as liquidações foram anuladas.
XII. Ademais, tendo o Tribunal julgado improcedente a invocada “ilegalidade da quantificação da matéria colectável, por vício do critério utilizado e excesso de tributação”, seria até contraditório se tivesse recorrido àquele argumento para anular os actos em causa.
XIII. Em segundo lugar, compulsandos os documentos produzidos no âmbito do pedido de revisão, encontra-se sem esforço a fundamentação clara, suficiente e congruente quanto ao critério utilizado pela AT para proceder às devidas correcções.
XIV. Em terceiro lugar, e ainda que assim se não entendesse, a pretensão anulatória do impugnante não poderia ter encontrado acolhimento, dado que até no próprio Relatório Final se encontra a fundamentação para a aplicação daquele critério e respectivos cálculos.
XV. Foi esta, portanto, a fundamentação para que a AT aplicasse aquele critério e realizasse aqueles cálculos e não quaisquer outros, fundamentação esta que foi proficientemente levada ao conhecimento do impugnante ao longo dos vários actos que precederam a realização das liquidações em causa (Relatório Final, Laudo do PAT, Acta de Revisão e Termo de Resolução).
XVI. Por conseguinte, o douto Tribunal a quo laborou em erro de julgamento ao considerar como não formalmente fundamentados os “critérios e os cálculos usados para chegar à quantificação”, violando-se o disposto no artigo 77.º da LGT, bem como o disposto nos artigos 152.º, 153.º e 163.º do CPA.
4. A ilegalidade do recurso a métodos indirectos no ano de 2004
XVII. O douto Tribunal a quo considerou que, relativamente aos anos de 2002 e 2003, a AT se encontrava legitimada a recorrer à aplicação da metodologia indirecta, não tendo mantido o mesmo entendimento no que concerne ao ano de 2004.
Incorreu, porém, o douto Tribunal em erro de julgamento, dado que
XVIII. Em primeiro lugar porque parece resultar da própria decisão aqui recorrida (pág. 28) que esta omissão de proveitos poderá ter ocorrido naquele ano.
XIX. Em segundo lugar, para além de o «quadro de omissões» da pág. 5 do RIT ser meramente exemplificativo, ficou demonstrado no Relatório (pág. 6 e 7) que, também no ano de 2004, a contabilidade não ofereceria qualquer credibilidade e que o impugnante omitiu proveitos, inclusivamente por meio da omissão dos próprios custos associados.
XX. Por conseguinte, o douto Tribunal incorreu em erro de julgamento ao considerar que, no que tange ao exercício de 2004, a AT não se encontrava legitimada a aplicar métodos indirectos, violando-se o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e no artigo 88.º, ambos da LGT, bem como o preceituado no artigo 39.º do CIRS.
Termina pedindo:
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a douta decisão judicial, por padecer a mesma de erro de julgamento de facto e de direito, assim se fazendo justiça.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 657.º do CPC, aplicável ex vi art. 281.º do CPPT.
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Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença sob recurso padece dos erros de julgamento de direto que lhe são imputados pela Recorrente, a saber, por ali se considerar como não formalmente fundamentados os “critérios e os cálculos usados para chegar à quantificação”, violando-se assim o disposto no artigo 77.º da LGT, bem como o disposto nos artigos 152.º, 153.º e 163.º do CPA, e por se considerar que, no que diz respeito ao exercício de 2004, a ATA não se encontrava legitimada a lançar mão dos métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, assim se violando o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e no artigo 88.º, ambos da LGT, bem como o preceituado no artigo 39.º do CIRS.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
3. Fundamentação
3.1 Matéria de facto dada como provada.
Com base nos meios de prova produzidos nos autos considera-se provada, com relevância para a decisão, a seguinte matéria de facto:
1. O agora Impugnante exerce a atividade, por conta própria, de “Fotógrafo” (CAE 74810), com estabelecimento designado “....X....” situado na Rua ..., ..., ..., ..., e uma loja na Rua ..., ... – fls. 10 do PA e artigo 1º da p.i.;
2. Para isso, optou por fazer contabilidade regularmente organizada, para efeitos de IRS e IVA – fls. 10 do PA;
3. Com a fatura nº ...59, de 20/9/2001, o agora Impugnante adquiriu ao fornecedor “[SCom01...], Lda” equipamento de revelação e impressão de fotografias analógicas (a partir de rolo de filme com “negativos”) designado “visiolab durst” pelo preço de € 138.224,22, que contabilizou como “ativo imobilizado” – fls. 37 do PA e primeira e segunda testemunhas;
4. Poucos anos depois (por volta de 2004) essa máquina ficou inativa, por obsolescência, devido à chegada da fotografia digital – primeira e segunda testemunhas;
5. Relativamente aos anos 2002, 2003 e 2004, o agora Impugnante declarou os seguintes rendimentos da sua atividade empresarial:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
6. No exercício da sua atividade, o agora Impugnante efetua reportagens de casamento, que representam a grande percentagem ou parte considerável (“mais de 90%”) dos serviços prestados anualmente – fls. 10 e 12 do PA e artigo 2º da p.i. e testemunhas;
7. A partir das faturas registadas na contabilidade do referido sujeito passivo, em ação inspetiva levada a cabo ao abrigo da Ordem de Serviço nº OI2005......70, de 6/9/2005, que decorreu entre 31/1/2006 e 3/3/2006, a AT apurou a existência de pelo menos as seguintes reportagens de casamentos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
8. Cruzada essa informação com as informações prestadas diretamente por alguns dos clientes (noivos), a AT considerou que se verificaram discrepâncias que consistem em falta de registo na contabilidade de reportagens efetivamente realizadas no ano 2002 e registo de outras reportagens por valor inferior ao recebido dos clientes em 2002 e 2003 – fls. 13 do PA;
9. A AT considerou que um dos serviços não registados corresponde à reportagem do casamento, em 28/7/2002, de «BB» com «CC», mas o agora Impugnante exibe a fatura nº 658 de 1/8/2001, no valor de € 204,51, IVA incluído, com o seguinte descritivo: “serviço de reportagem” – artigo 51º p.i. e fls. 31 do processo físico;
10. Outro dos serviços que a AT considerou ter sido omitido ao registo contabilístico corresponde à reportagem do casamento, em 26/1/2002, de «DD» com «EE», mas o agora Impugnante exibe a fatura nº 1009 de 7/6/2003, em nome de “«EE»”, no valor de € 819,99, IVA incluído, com o seguinte descritivo: “Reportagem fotog. de casamento (…)” – artigo 52º p.i. e fls. 32 do processo físico;
11. Além disso, o dito sujeito passivo declarou situação de crédito em IVA, permanente ao longo de 10 anos consecutivos, e de resultados negativos em IRS, ao longo de 10 anos; apesar de nunca ter declarado a retirada de qualquer quantia a título de vencimentos o sujeito passivo declarou a aplicação de valores significativos em contas de poupança-habitação, compra de ações da PT e EDP, despesas normais de saúde, seguros e outras; a conta “51.3- Capital conta particular” em nome do sujeito passivo apresenta saldos credores no final de cada ano sob análise de € 166.054,29 em 31/12/2002, de € 102.819,61 em 31/12/2003 e de € 114.878,61 em 31/12/2004, sem que existam documentos externos comprovativos da veracidade de tais movimentos – fls. 13/14 do PA;
12. A AT também verificou falta de registo sequencial das faturas com o nº 809, 842 e 843, de 2002 e nº 1149 de 2004 e verificou a emissão de duas faturas com o mesmo número (1232, ambas com data de 11/10/2004) para o mesmo cliente e com valores diferentes (€ 700,00 e € 350,00) – fls. 14 e 267, 268 do PA;
13. A fatura nº 842 acima referida foi emitida em 13/5/2002, relativa a reportagem para «FF», a fatura nº 843 foi emitida em 14/5/2002 relativa a reportagem para «GG», a fatura nº 1149 foi emitida em 16/2/2004 relativa a reportagem de casamento para «HH» e na conta “229- cliente Junta de Freguesia ...” encontra-se registada a fatura nº 809 de 25/1/2002 por débito no valor de € 80,33 – fls. 33 a 36 do processo físico;
14. Em cruzamento de informações a AT também verificou falta de registo de custos do agora Impugnante com o principal fornecedor, [SCom01...], de ..., no valor de € 4.143,88+IVA 787,34= € 4.931,22 em 2003 e € 5.492,32 + IVA 1.043,54 = €6.535,86 em 2004 – fls. 14 A 16 e 271 do PA;
15. O agora Impugnante contabilizou a nota de crédito 1001616, de julho/2004, de € 265,37, emitida pelo fornecedor [SCom01...], como se de fatura de cliente se tratasse (doc. 7047) – fls. 14 do PA;
16. A AT verificou que para além dos custos contabilizados com pessoal (relativos a «II», «JJ» e «KK») havia custos com outro pessoal ao serviço do sujeito passivo, como seria o caso de «LL», que efetua reportagens de vídeo nos casamentos sem que exista qualquer registo de pagamentos (havendo ainda “conhecimento de outras pessoas a trabalhar para o SP”) – fls. 14 e 15 do PA;
17. Em “termo de declarações” de 20/2/2006, o agora Impugnante declarou que “nos anos 2002, 2003 e 2004 foram pagas importâncias a três pessoas que executaram trabalhos de reportagens de casamentos, importâncias essas que não se encontram relevadas na contabilidade e nos montantes que se evidenciam no quadro seguinte; estas importâncias foram apuradas por estimativa do nº médio de reportagens efetuada por cada um deles:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
18. No mesmo “termo de declarações” o agora Impugnante declarou que relativamente ao “jeep” de matrícula ..-..-QB (Mitsubishi Pajero), adquirido em 2001, contabilizado por valor inferior ao constante da fatura, calcula que os gastos não contabilizados foram € 400,00 em 2002, € 888,00 em 2003 e € 1.000,00 em 2004 – fls. 15,16 e 271 do PA;
19. Ainda no mesmo termo de declarações o agora Impugnante declarou que nos anos em causa retirou da empresa sem contabilizar o montante estimado de € 7 .500,00 por ano, destinado ao pagamento do seu vencimento - fls. 18 e 271 do PA;
20. Na mesma data, 20/2/2006, o agora Impugnante assinou declaração dizendo que “concordo com os valores apurados nos quadros acima. Solicito até ao próximo dia 3 Março de 2006, para proceder às regularizações declarativas (IVA e IRS) e de pagamento dos impostos em falta” – fls. 18 e 272 do PA;
21. Em 3/3/2006, pelas 12:15horas, o agora Impugnante entregou à AT um requerimento dizendo que “precipitadamente, o exponente assinou nesse papel uma declaração referindo que aceitava tais valores; Ora, tal declaração e assinatura foi precipitada, já que a vontade real declarante não corresponde ao declarado; O contribuinte só assinou tal documento, porque se sentiu pressionado pelas insistências da Senhora Inspetora Tributária, o que afetou o raciocínio e a vontade do expoente; Consequentemente, o expoente declara que não aceita como válidas as correções propostas” – fls. 18 e 273 do PA;
22. A AT apurou, no projeto de Relatório datado de 5/3/2006, as seguintes correções em sede de IVA e de IRS, com recurso a métodos indiretos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
23. Notificado, em 17/3/2006 o agora Impugnante exerceu o direito de audição relativamente ao projeto de Relatório renovando a declaração a que alude o ponto21 e considerando as correções ilegais por abuso de poder do funcionário inspetor – fls. 274 a 281 do PA e artigo 13º p.i.;
24. Em resposta ao direito de audição, a AT reduziu o valor das correções propostas no “projeto de Relatório” para os mesmos valores propostos e aceites pelo sujeito passivo na declaração a se alude em 20 supra, conforme quadro seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
25. Notificado do Relatório final datado de 24/3/2006, homologado por despacho de 6/4/2006, em 11/5/2006 o agora Impugnante requereu procedimento de revisão previsto no artigo 91º e 92 da LGT – fls. 1 a 22 e 83 a 100 do PA;
26. No procedimento de revisão a que alude o ponto anterior não foi encontrado acordo entre os peritos das partes – fls. 132 a 157 do PA;
27. Por decisão de 9/10/2006 o Diretor de Finanças resolveu manter os valores fixados no procedimento inspetivo em causa nos autos e aplicar agravamento à coleta no valor de € 809,00 – fls. 101 a 131 do PA;
28. No seguimento, a AT praticou os seguintes atos tributários relativos ao IRS do agora Impugnante:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
29. Em 26/2/2007 deu entrada no ....Serviço de Finanças de ....... a petição inicial da presente Impugnação – fls. 6 e seguintes do PA;
3.2 – Matéria de facto dada como não provada:
Não há factos a considerar como não provados com relevância para a boa decisão da questão.
4 – Motivação de facto
A convicção do tribunal teve por base o confronto das posições das partes assumidas nos respectivos articulados e a análise global dos documentos juntos aos autos e ao processo administrativo que, por não estarem impugnados, se dão como integralmente reproduzidos, bem como dos depoimentos das testemunhas inquiridas, conforme se indica em cada um dos pontos de 3.1 supra.
A relevância dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Impugnante mostra -se fortemente limitada pela manifesta fragilidade da razão de ciência invocada. A primeira testemunha disse ser trabalhadora do Impugnante há cerca de 20 anos. Para além desse facto, soube-se pela terceira testemunha (inspetora tributária) que faz parte da família do Impugnante (como esposa ou companheira e mãe dos dois filhos). A omissão desta informação descredibiliza genericamente o depoimento da testemunha, na medida em que se entende que esse comportamento, sob juramento, visou omitir parte da verdade dos factos, certamente tendo em vista manipular a convicção a formar pelo juiz.
Sem prejuízo de se acreditar, porque isso é do conhecimento comum, que em regra os pagamentos dos serviços aos fotógrafos destes eventos ocorrem depois do contrato e da cerimónia do casamento e da boda, quase sempre depois, e em alguns casos muito depois, da viagem de núpcias, a verdade é que não se acompanha a afirmação da testemunha segundo a qual, para defender essa tese, jurou que o Impugnante não faz contratos (que não existem contratos “tipo”, escritos) prévios à prestação de serviço. A falsidade dessa afirmação resulta do facto objetivamente provado a fls. 258 e 259 do PA, que demonstra que relativamente aos nubentes «MM» e «NN», casados em21/9/2003, foi celebrado um contrato escrito, razoavelmente detalhado, onde consta a previsão de uma eventual “caução” de € 150,00.
Do conjunto da materialidade apurada resulta a convicção de que o agora Impugnante exerce a atividade de fotógrafo, por conta própria e em nome individual, obtendo grande parte do respetivo rendimento – que se estima em cerca de 90% - através de prestação de serviços de reportagens fotográficas e de vídeo em casamentos. Além disso, obtém rendimentos resultantes de reportagens de outros eventos (como batizados, reuniões e congressos) e de fotografias ocasionais bem como da venda de equipamentos relacionados (máquinas, rolos, álbuns e molduras para fotografias). Isso resulta dos documentos acima referidos e dos depoimentos das testemunhas.
Porém, da análise à contabilidade não resulta confirmada tal estimativa (do facto descrito em 5 supra resulta que a percentagem do total de serviços prestados declarado representa cerca 10% em 2002, 57% em 2003 e 66% em 2004, do volume de negócios de cada um desses anos.
Além disso, a AT (administração tributária ou Autoridade Tributária) estava previamente informada de que em regra existia um elevado grau de “fuga ao fisco” no setor de atividade relacionada com organização de “eventos”, em especial, de casamento, nomeadamente na parte relativa aos fotógrafos.
Por isso, integrando uma campanha inspetiva visando a fiscalização dessa atividade, a AT levou a cabo, no distrito ... (e não só), diversas ações de inspeção dirigidas aos fotógrafos (bem como às “Quintas” e empresas de “catering” dedicadas à organização de eventos), abrangendo nomeadamente o agora Impugnante (conforme resultou do depoimento da testemunha arrolada pela Fazenda Pública, autora do Relatório em causa).
Nessa conjuntura, a AT averiguou a identidades de pessoas que se casaram em 2002, 2003 e 2004 e enviou questionários relativos aos serviços adquiridos, incluindo a identidade do fotógrafo e o valor eventualmente pago.
Dessa “circularização de informação” resultou a verificação de algumas situações que poderiam indiciar a existência de fuga ao fisco, quer por subfacturação (faturação por valor inferior ao valor real ou omissão de faturação ou do respetivo registo contabilístico) de proveitos e de custos, pelo agora Impugnante. Durante a ação inspetiva (a ação decorreu entre 31/1/2006 e 3/3/2006 - factos 7 e 17 de 3.1 supra), ainda antes da formalização do projeto de relatório, a Inspetora reuniu com o sujeito passivo, agora Impugnante, e com o respetivo técnico de contas, comunicando-lhes a existência das anomalias já verificadas até essa altura e a intenção de proceder a correções aos valores declarados e instando-os a regularizarem voluntariamente a situação tributária.
Mais tarde, em 20/2/2006, antes do termo da ação inspetiva, o sujeito passivo, agora Impugnante, aceitou assinar voluntariamente uma declaração concordando com as correções ao resultado fiscal e ao IVA declarado dos exercícios dos anos 2002, 2003 e 2004 e comprometendo-se a regularizar a situação tributária (em IRS e em IVA) nesses termos até 3/3/2006, conforme factos 20 e 24 de 3.1 supra.
O agora Impugnante defende que tal declaração não foi voluntariamente assinada e que foi coagido a fazê-lo, sob ameaças diversas.
Não se comprovou nos autos a existência de qualquer ato de coação, física ou moral, ilícita.
Por um lado, cabia ao Impugnante fazer essa prova e não cumpriu tal ónus: as testemunhas arroladas disseram nada saber por via direta, confessando que apenas sabem aquilo que o agora Impugnante lhes disse, já que não assistiram aos factos.
De facto, no ato em causa apenas estavam presentes o agora Impugnante e a inspetora tributária e terceira testemunha inquirida, que depôs neste exato sentido.
Não vem alegado nem se compreenderia facilmente que a inspetora possa ter exercido qualquer tipo de coação física sobre o sujeito passivo, agora Impugnante.
Segundo as testemunhas, o acordo consistiria em o sujeito passivo regularizar as declarações os pagamentos do IVA e do IRS nos termos da declaração de fls. 271 do PA comprometendo-se a AT a encerrar imediatamente os atos inspetivos relativos aquele período fiscal se o sujeito passivo cumprisse a sua parte do acordo.
A eventual “ameaça” de que a falta de regularização voluntária da situação tributária nos termos acordados poderia ter consequências desvantajosas, em termos económicos, para o sujeito passivo se eventualmente a ação inspetiva tivesse de prosseguir não é uma ameaça ilícita, já que se limita a avisar para a consequência legal do exercício, até ao fim, do poder fiscalizador do Estado.
Independentemente, não se afasta a possibilidade de alguns sujeitos passivos poderem pensar, subjetivamente, que nessas condições não resta alternativa senão assinar determinado “acordo” ainda que este pareça mais ou menos vagamente injusto, sem que daí se possa dizer que ocorreu divergência entre a declaração e a vontade real em resultado de coação exercida sobre o declarante.
No caso dos autos afigura-se que o agora Impugnante assinou o dito acordo, não por se sentir física ou moralmente coagido, mas por concordar, no momento em que assinou, que os factos apurados pela AT demonstram que a sua contabilidade não reflete a exata situação tributária e patrimonial, que isso justifica uma tributação adicional, e que os valores constantes da declaração a que aludem os factos 20 e 24 de 3.1 supra corresponderão sensivelmente à realidade da vida.
De facto, a AT demonstrou que o programa informático de faturação não é fiável, permitindo a emissão de várias faturas diferentes com o mesmo número, como sucedeu efetivamente com as duas faturas nº 1232, ambas com data de 11/10/2004 mas com valores diferentes, a que alude o facto 12 de 3.1 supra, tal como demonstrou que o agora Impugnante prestou serviços em 2002 e 2003 que não faturou, como sucedeu nomeadamente com as reportagens do casamento de «OO» e «PP», em 31/5/2003 (fls. 13 e 256 do PA), do casamento «QQ» e «RR». «SS», em 9/3/2002 (fls. 13, 261 e 262 do PA, ou mesmo de «BB» e «CC», em 28/7/2002 (fls. 13 e 262 do PA), já que quanto a este últ imo não se pode aceitar a fatura nº 658, a que alude o artigo 51º da p.i., como comprovativo dessa reportagem na medida em que esta fatura foi emitida em 1/8/2001, cerca de uma ano antes do evento em causa; acrescendo que a reportagem faturada tem valor aparentemente incompatível com a reportagem de casamento a que a AT se refere. Noutros casos, a AT demonstrou que as faturas das reportagens mencionam valores inferiores os valores declarados pelos respetivos adquirentes dos serviços (fls. 13 e fls. 257, 259, 264 do PA). E também demonstrou que a contabilidade omitiu o registo de custos indiciadores de rendimentos não declarados, como custos com pessoal ao serviço das reportagens de casamentos.
A AT tem razão, ao considerar que se deve presumir que para além destas omissões concretamente verificadas poderão ter ocorrido outras semelhantes, já que não teve acesso à informação relativa a todos os casamentos dos nubentes a que enviou os questionários (apenas cerca de 40% respondeu – fls. 12 do PA).
Além disso, a convicção de que o agora Impugnante não declarava o verdadeiro rendimento resulta da conjugação de vários outros factos que, individual e conjuntamente, apontam nesse sentido. A AT apurou que em 2001 a Impugnante adquiriu uma viatura automóvel que registou na contabilidade por valor equivalente a cerca de metade do preço faturado, o que parece corresponder à omissão dos respetivos custos de amortização, tal como omitiu gastos de manutenção e utilização desse veículo bem como outros gastos com pessoal e fornecedores.
A omissão do registo de gastos denuncia a existência de proveitos que também são omitidos aos respetivos registos contabilísticos, como sucede com os custos com pessoal, em regra também geradores diretos de rendimentos, ou os custos com fornecedores (caso da “[SCom01...]”, que a terceira testemunha identificou como sendo o fornecedor que habitualmente procede ao tratamento da imagens e impressão de material para o agora Impugnante) que se refere a serviços prestados por terceiros em complemento dos serviços prestados pelo Impugnante aos seus próprios clientes e cujos proveitos este pretende omitir.
De facto, tem-se como certo que, para além do Impugnante, outras pessoas trabalhavam nas reportagens de casamentos, como os citados «QQ», «TT» e «LL», como foi reconhecido no termo de declarações assinado em 20/2/2006 (fls. 271 do PA). Ainda que algum desse trabalho tivesse sido realizado gratuitamente, sempre haveria de se considerar que dele resultaram ganhos, estando indiciado que por não terem sido registados os respetivos gastos também foram omitidos os registos contabilísticos dos ganhos do Impugnante, ou parte deles, resultantes dessa atividade humana.
No mesmo sentido aponta a existência de situação continuada, ao longo de uma dezena de anos, em que a “empresa” do agora Impugnante apresenta crédito de IVA e apresenta resultado fiscal declarado sempre negativo.
A situação de crédito de IVA significa que o sujeito passivo suporta mais imposto nos seus “inputs” (compras de bens ou serviços) do que o valor do IVA que liquida nos seus “outputs” (vendas e serviços prestados). Sendo certo que o Impugnante procura justificar os resultados fiscais negativos com o facto de ter feito grande investimento em 2001, determinante da existência de grande valor de custos com amortizações, a verdade é que essa justificação para o desempenho em IRS deixa a descoberto qualquer justificação para a situação de crédito de IVA, que não se justifica do mesmo modo, já que o IVA a entregar depende essencialmente do volume de negócios e das aquisições de cada período (não sendo afetado pelas amortizações resultantes do investimento em períodos anteriores).
Além disso, na mesma década a contabilidade não registou o pagamento de rendimentos do trabalho ao dito empresário apesar de este reconhecer que necessitava de cerca de € 7.500,00 anuais (pelo menos) para manter a sua família, composta pela companheira (e primeira testemunha inquirida) e dois filhos de ambos. A prova de que terá recibo esse valor, e mais, resulta – além do que já se disse - do facto de em anos anteriores aos inspecionados ter declarado valores aplicados em contas de poupança-habitação e na compra de ações da PT e EDP, além de despesas normais com saúde, seguros e outras, e ainda assim a conta “51.3 - Capital conta particular” apresentar saldos credores muito elevados no final de cada um dos anos inspecionados, denunciando mobilização e reforço desses valores e a existência de capacidade financeira não declarada.
Portanto, assente que se justificava a elaboração de algumas correções, técnicas e por métodos indiretos, a inspetora tributária e o sujeito passivo agora Impugnante e o seu contabilista reuniram-se no gabinete deste último e a primeira comunicou que até essa data já verificara a existência de algumas anomalias, que quantificou. Noutra altura, já num Café, a inspetora tributária reuniu-se a sós com o agora Impugnante e este assinou a declaração de 20/2/2006 (fls. 271 e 272 do PA) na qual declarou que concorda com tal quantificação das correções e se comprometeu a regularizar a situação tributária entregando declarações (até 3/3/2006) e pagando o imposto em falta.
Mais tarde, apoiado ou influenciado por amigos ou outros conselheiros, o agora Impugnante resolveu não cumprir o dito acordo, considerando-o inválido por ter sido feito sob coação e por injustiça do resultado a que conduziria.
Contactado pela Inspetora em 3/3/2006, por via telefónica (conforme depoimento da terceira testemunha, a dita Inspetora), o agora Impugnante expressou a sua intenção de não cumprir o acordo de 20/2/2006. Na dúvida sobre a melhor atitude a tomar para resolver a situação, a Inspetora consultou o coordenador da sua equipa de inspeção na Direção de Finanças ..., o Dr. «UU» (subscritor do Parecer de 29/3/2006 relativo ao Relatório final em causa nos autos, a fls. 6 e 7 do PA), que a aconselhou a continuar o procedimento inspetivo e, já que o acordo não foi cumprido por facto imputável ao sujeito passivo, a desconsiderar esses valores e a quantificar as correções por aplicação de um rácio de rentabilidade fiscal de 20% sobre o volume de negócios (alegadamente por ter sido esse o critério mais usado nas inspeções a outros fotógrafos no âmbito da referida “campanha” de fiscalização à “organização de eventos” e ter sido geralmente aceite – só o agora Impugnante e outro contribuinte impugnaram). Tudo conforme depoimento da terceira testemunha (inspetora em causa).
Com essa orientação, a Inspetora deu por encerrada a ação inspetiva em 3/3/2006) e elaborou o projeto de Relatório datado de 5/3/2006, que notificou, tendo apurado tributos de valor substancialmente superiores aos acordados inicialmente.
Em resposta, o agora Impugnante apresentou requerimento destinado ao exercício do direito de audição insurgindo-se contra o comportamento moral da AT e contra a legalidade das correções propostas.
Ainda segundo o depoimento da terceira testemunha (a inspetora), perante as enérgicas manifestações de descontentamento do Impugnante o dito Coordenador da Equipa de inspeção aconselhou-a a aceitar as razões invocadas no direito de audição e a propor no Relatório final as correções constantes do acordo de 20/2/2006, acima referido Pelo que, no Relatório final, datado de 24/3/2006 e homologado por despacho de 6/4/2006, a AT propôs as correções ao IVA e IRS nos termos que já contavam no dito acordo e por remissão para este, ou seja: “Valores a fixar: Valores a fixar por aplicação de métodos indiretos, apresentados ao contribuinte em 20.02.2006, baseado no critério da presunção de um rendimento Liquido anual de 7.500,00 € destinado a fazer face às despesas do agregado; rendimento este indicado pelo SP, conforme Termo de Declarações assinado igualmente em 20.02.2006, junto a este Relatório como anexo 26 (…)” e discriminando a distribuição proporcional do IVA, em função da taxa aplicável, pelos respetivos períodos dos anos 2002, 2003 e 2004 – fls. 20 e 21 do PA;
Notificado, o Impugnante pediu abertura do procedimento de revisão previsto nos artigos 91º e 92 da LGT, não tendo sido obtido acordo entre os peritos das partes; pelo que o Diretor de Finanças concluiu o procedimento decidindo manter os valores fixados no Relatório final.
Em consequência, a AT efetuou as liquidações agora sob impugnação e notificou-as ao Impugnante; e o Impugnante reagiu por meio da presente Impugnação judicial, cujo conhecimento de direito se fará no ponto seguinte.
*
II.2. Fundamentação de Direito
Tal como se deixou sumariado acima, a Recorrente imputa à sentença erros de julgamento de direto por entender que na mesma se errou ao considerar como não formalmente fundamentados os “critérios e os cálculos usados para chegar à quantificação”, violando-se assim o disposto no artigo 77.º da LGT, bem como o disposto nos artigos 152.º, 153.º e 163.º do CPA, e por se considerar que, no que diz respeito ao exercício de 2004, a ATA não se encontrava legitimada a lançar mão dos métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, assim se violando o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º e no artigo 88.º, ambos da LGT, bem como o preceituado no artigo 39.º do CIRS.
Sucede que sobre a questão em discussão no presente recurso já se pronunciou este Tribunal em 2023-11-09 no proc. 463/07.3BEVIS (ainda inédito), no âmbito do recurso interposto pela aqui Recorrente da decisão proferida pelo mesmo TAF de Aveiro relativamente à impugnação judicial interposta pela mesma Recorrida tendo por objeto as liquidações adicionais de IVA e correspondentes juros compensatórios referentes aos anos de 2002, 2003 e 2004, emitidas na sequência da mesma ação inspetiva e com fundamento no mesmo relatório de inspeção tributária, e em cujo recurso foram colocadas as mesmas questões, sendo as respetivas conclusões idênticas às do recurso em apreço.
Ora, e porque nos revemos integralmente na jurisprudência emanada do supracitado acórdão, cuja fundamentação passamos a citar, aqui acolhemos a mesma sem qualquer reserva:
(…)
5.1. Do erro de julgamento – falta de fundamentação
No que se refere à falta de fundamentação, é curioso o recurso interposto pela Fazenda Pública (mormente a conclusão VII). Senão vejamos:
Conforme decorre do teor do recurso interposto, a Fazenda Pública pretende que este Tribunal aprecie se os atos tributários impugnados padecem ou não do vício de “falta de fundamentação” nos exatos termos definidos pelo Tribunal a quo, ou seja, considerando essa falta de fundamentação enquanto formal e não substancial.
Ora, é precisamente nesse ponto (só nesse) que este Tribunal diverge do decidido pelo Tribunal a quo, pois em causa, não está a fundamentação formal dos atos tributários, mas sim a substancial, ou seja, adiantando desde já que, salvo o devido respeito, na sentença recorrida se não distingue convenientemente entre fundamentação formal e fundamentação substancial.
Na sentença em apreço, consta o seguinte discurso fundamentador.
[(…) o Impugnante alega que a sucessão de três propostas demonstra a fragilidade do trabalho efetuado pela AT (artigos 19 a 21º p.i.) e cria dúvidas quanto ao método utilizado e não permite, a final, chegar a saber se o método utilizado anteriormente estava ou não correto (artigo 22º p.i.) e não se explicando adequadamente por que razão se aceita como fiável um critério e não o outro (artigos 23º a 32º p.i.).
Afigura-se que nesta argumentação se pretende invocar o vício da fundamentação formal do procedimento inspetivo, não sanado posteriormente, que consiste em insuficiência, obscuridade e incongruência da atividade administrativa, ficando sem se perceber qual o método de quantificação das correções é o mais correto, já que o primeiro foi abandonado por a AT considerar que o segundo era mais justo e, em seguida vem a abandonar a última correção para voltar à primeira.
(…)
a AT não ficava dispensada de indicar no Relatório da inspeção, ainda que resumidamente, quais os critérios e cálculos usados para chegar à quantificação estimada no final do procedimento, sob pena de violação do dever de fundamentação formal do ato administrativo.] – Fim de citação.
Atento o exposto, não concorda este Tribunal com o transcrito entendimento.
Em causa nos presentes autos estão liquidações de IVA [no caso, IRS] emitidas no seguimento de uma inspeção tributária da qual resultaram correções à matéria tributária em resultado de aplicação de métodos indiretos.
Decorre do artigo 75.º, n.º 1 da LGT que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes, apresentadas nos termos previstos na lei, sendo, contudo, aplicável métodos indiretos quando ocorram anomalias e incorreções na contabilidade que impossibilitem a comprovação e a quantificação através do método direto, ou seja, através de simples correções técnicas. Conclui-se, como tal, que a avaliação indireta tem carácter subsidiário (artigo 85.º, n.º 1 da LGT), dado que tal regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade de comprovação e quantificação por correções meramente aritméticas.
Acresce que o artigo 90.º do Código do IVA – o qual corresponde na versão aplicável ao artigo 84.º, na redação anterior à revisão do articulado, efetuada pelo Decreto-Lei n.º 102/2008, de 20/06 - (doravante CIVA) dispõe que a liquidação do imposto com base em presunções ou métodos indiretos efetua-se nos casos em condições previstos nos artigos 87.º e 89.º da LGT, seguindo os termos do artigo 90.º da referida lei. Vejamos de que forma:
Dispõe o n.º 1 do artigo 81.º da LGT que: A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei.”
Por sua vez, o artigo 83.º, n.º 2 da LGT que “A avaliação indirecta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos que a administração tributária disponha.”
Refira-se, ainda, que nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 87.º da LGT, “A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de (…) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto; (…).” E que nos termos do artigo 88.º da referida Lei:
“A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:
a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando na ausência desses elementos se deva a razões acidentais;
b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação;
c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal;
d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.”
Já no que respeita aos critérios de determinação da matéria tributável por métodos indiretos, determinava o artigo 90.º da LGT:
[1 - Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos:
a) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros;
b) As taxas médias de rentabilidade de capital investido;
c) O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos directos;
d) Os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte;
e) A localização e dimensão da actividade exercida;
f) Os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade;
g) A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária.
h) O valor de mercado dos bens ou serviços tributados;
i) Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.
2 - No caso de a matéria tributável se afastar significativamente para menos, sem razão justificada, dos indicadores objectivos de actividade de base técnico-científica, a sua determinação efectua-se de acordo com esses indicadores.]
Já no que respeita às regras/repartição do respetivo ónus da prova que recaem sobre as partes (Contribuinte e Administração Tributária) a regra geral está prevista no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, especificando que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
No entanto, no que se refere à determinação da matéria tributável por métodos indiretos, compete à Administração Tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação – artigo 74.º, n.º 3 da LGT.
Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à Administração Tributária o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação. A este respeito, a título meramente exemplificativo, cita-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de março de 2010, proferido no processo 01211/09, no qual consta: “Tendo a avaliação indirecta carácter excepcional (cfr. o n.º 1 do artigo 81.º da LGT) e subsidiário em relação à avaliação directa (cfr. o artigo 85.º, n.º 1 da LGT), cabe à Administração tributária a demonstração da verificação dos pressupostos do recurso à avaliação indirecta da matéria tributável, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação (artigo 74.º, n.º 3 da LGT)”.
[No n.º 2 do artigo 77.º da LGT estabelecem-se os requisitos da fundamentação dos actos tributários. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo (cfr. LGT, anotada e comentada, Diogo Leite de Campos e outros, Vislis Editores).
Portanto, na hipótese normativa da realização da avaliação indirecta, por impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável do imposto, o acto administrativo terá de especificar qual o concreto circunstancialismo fáctico que, sendo susceptível de um enquadramento nas diversas categorias de pressupostos que estão definidos no artigo 88.º da LGT, acaba por permitir a formação de um juízo, conformado segundo os princípios de causalidade adequada que sejam solicitados pela natureza própria dos concretos factos que estão em causa, quanto à impossibilidade da comprovação directa e exacta da matéria colectável.] – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido a 3 de dezembro de 2020 no processo 00022/15.7BUPRT.
A nosso ver, é inequívoco que está formalmente fundamentada a atuação da Administração Tributária, quer na vertente da explicitação dos motivos da impossibilidade da quantificação direta e exata da matéria tributável (não colocada em causa em sede de recurso, pelo menos, nesta fase de apreciação do recurso), quer na vertente da indicação do critério de quantificação que adotou.
Desde logo, cumpre ter presente que a fundamentação a considerar é a que foi externada na decisão proferida no pedido de revisão, pois é esse o ato final de fixação da matéria tributável – ainda que em concatenação com os elementos constantes no Relatório Inspetivo por, em muitos momentos, se verificar uma remissão para este.
Ora, consta da decisão proferida em sede de pedido de revisão quanto ao critério de quantificação – fls. 111 do processo administrativo apenso:
[“(…) critério da presunção de um Rendimento Líquido Anual de 7.500,00€ destinado a fazer face às despesas do agregado, Rendimento este indicado pelo SP, conforme Termo de Declarações assinado (…) em 20.02.2006 (…).” – cf. Fl. 12 do Relatório] – fim de citação.
Salvo o devido respeito, é percetível qual o método que foi utilizado para quantificar a matéria tributável.
Questão diferente, e que se situa já no âmbito da validade substancial do ato, é a de saber se as razões externadas pela Administração Tributária são aptas a suportar o critério utilizado na quantificação da matéria tributável.
No caso sub judice foi escolhido o referido critério de presunção de rendimento líquido de € 7.500,00, dado que o mesmo apesar de ser menos “justo”, melhor se ajustava ao alegado exagero na quantificação. Mais uma vez se transcreve a fundamentação constante da decisão proferida em sede de pedido de revisão:
[(…) os valores propostos no Processo de Relatório (…) os mais justos, dadas as características do SP em causa (…) e dado o conhecimento adquirido noutros SP’s do mesmo ramo.
No entanto, tendo em conta a alegação de que os mesmos seriam manifestamente exagerados face à sua actividade, propõe-se que os valores a fixar sejam os constantes do mapa (…) assinado pelo SP em 20.02.2006. (…)”. – Cf. Fl. 11 do Relatório.] – Fim de citação.
Mais vejamos o que é referido na sentença:
[Percebe-se, sobretudo pelo depoimento da terceira testemunha, a Inspetora responsável pela ação inspetiva, que a certa altura, em fase já bastante adiantada do procedimento, (em 20/2/2006) houve uma reunião com o sujeito passivo, na qual a AT deu a conhecer a sua intenção de efetuar correções com base em estimativas. Essa intenção resultaria de diversas irregularidades e anomalias graves encontradas na contabilidade e que estão descritas no Relatório, como sejam a omissão de registos de proveitos e de custos e vários indícios que reforçam a convicção acerca da necessidade de aplicar métodos indiretos de avaliação.
Nessa altura (20/2/2006), certamente em conformidade com a quantificação proposta pela AT, o sujeito passivo agora Impugnante declarou concordar “com os valores apurados nos quadros acima”, acrescentando, “Solicito até ao próximo dia 3 Março de 2006, para proceder às regularizações declarativas (IVA e IRS) e de pagamento dos impostos em falta”, conforme consta nos factos 20 e 24 de 3.1 supra.
Desse documento não consta qualquer explicação do método de quantificação utilizado, sendo impossível, para qualquer terceiro, perceber como se chegou aos valores que constam nos quadros referidos.
Sabe-se também que o agora Impugnante não cumpriu a sua parte desse acordo, não regularizou a situação, e que, por isso, a Inspetora deliberou com o respetivo Coordenador da Equipa de inspeção e, em conjunto, decidiram que nessa circunstância o acordo deixara de ter qualquer valor vinculativo também para a AT. Pelo que resolveram concluir nesse mesmo dia a ação inspetiva e quantificar as correções a efetuar por métodos indiretos aplicando um rácio de rentabilidade fiscal de 20% sobre o volume de negócios de cada um dos anos e corrigindo o IVA em função no volume de negócios apurado repartindo-o periodicamente em partes iguais em função da taxa em vigor.
Os valores apurados com tal critério são significativamente mais gravosos (quase duplicam) do que os inicialmente propostos e aceites pelo sujeito passivo, conforme facto 22 de 3.1 supra.
No projeto de Relatório não consta qualquer explicação para tal divergência de valores (nem sequer existe referência ao acordo de 20/2/2006 e respetivas vicissitudes), pelo que nada se sabe quanto à justificação para a eventual divergência dos critérios aplicados.
Notificado, o agora Impugnante exerceu o direito de audição reagindo energicamente contra a proposta de correções, percebendo-a como um abuso de poder traduzido num castigo ilegal e uma vingança imoral por não ter cumprido o acordo de 20/2/2006, como resulta do requerimento a que alude o facto 23 de 3.1 supra.
A Inspetora voltou a deliberar com o seu Coordenador da Equipa de inspeção e juntos decidiram que seria de manter a tributação com recurso a métodos indiretos e que seria de atender a reclamação quanto à quantificação proposta no projeto de Relatório.
Nessa conformidade, a Inspetora efetuou Relatório final, datado de 24/3/2006, no qual propôs a fixação dos valores “apresentados ao contribuinte em 20/2/2006” e acrescentou que tais valores são “baseado no critério da presunção de um rendimento Liquido anual de 7.500,00 € destinado a fazer face às despesas do agregado; rendimento este indicado pelo SP, conforme Termo de Declarações assinado igualmente em 20.02.2006, junto a este Relatório como anexo 26 (…)” – fls. 20 e 21 do PA.
Além disso, nessa altura (a pág. 11 do Relatório ou fls. 19 do PA) a Inspetora afirma: “Achamos que os valores propostos no Projecto de Relatório seriam os mais justos, dadas as características do SP em causa (mais de 90% do VN é baseado em serviços prestados de reportagens fotográficas de casamentos, logo com margens bastante elevadas em relação aos custos necessários à sua efetivação) e dado o conhecimento adquirido noutros SP´s do mesmo ramo. No entanto, tendo em conta a alegação de que os mesmos seriam manifestamente exagerados face á sua actividade, propõe-se que os valores a fixar sejam os constantes do mapa de trabalho já referido e assinado pelo SP em 20.2.2006”.
Ou seja, se bem se percebe, a Inspetora considera que o apuramento mais justo (isto é, que melhor se ajusta à realidade tributária daquele concreto contribuinte nos anos em causa) é aquele que foi efetuado no projeto de Relatório, com base no rácio de 20% de rentabilidade fiscal.
Apesar disso, tinha apresentado ao SP um apuramento reportado a 20/2/2006 com valores substancialmente inferiores e, sem que conste que tivesse feito quaisquer atos de inspeção posteriores, veio a aplicar o referido critério assente na rentabilidade fiscal de 20% de que resultou quase duplicação daqueles valores.
Ora, sabe-se agora, pelo depoimento prestado pela própria Inspetora, que tais valores, que em resposta ao direito de audição veio a considerar serem “os mais justos”, apenas foram considerados depois de deliberar com o Coordenador da Equipa acerca de qual o procedimento a adotar no seguimento do incumprimento do acordo de 20/2/2006.
Ora, sendo assim, parece que tal quantificação resultou, não de factos verificados relativamente ao caso concretamente inspecionado, mas de considerações relativas à equiparação com outros fotógrafos inspecionados no âmbito da mesma campanha, numa lógica de equidade relativa.
Depois, contraditoriamente, apesar de considerar que o apuramento que conduzia a resultados mais justos era aquele que foi feito no projeto de Relatório de 5/3/2006, a AT veio a propor, a final, as correções que constavam do acordo de 20/2/2006.
A justificação para essa modificação, em 24/3/2006, dos valores apurados no projeto de Relatório, parece assentar exclusivamente na aceitação da mera “alegação (do agora Impugnante) de que os mesmos seriam manifestamente exagerados face á sua actividade”.
Esta justificação é incompreensível do ponto de vista legal e racional, afigurando-se que a respetiva decisão poderá ter sido condicionada por algum tipo de receio da reação do sujeito passivo, já que a inspetora responsável pela ação inspetiva mencionou, quando inquirida na qualidade de (terceira) testemunha, que foi abordada agressivamente no seu local de trabalho (na Direção de Finanças) durante a fase final do procedimento inspetivo.
Independentemente da real motivação, resulta dos autos que a fundamentação prestada no procedimento se mostra insegura, insuficiente, obscura e até contraditória, pois se na explicação dada em 24/3/2006 não se percebem as razões factuais e objetivas que levaram a tomar a respetiva decisão, para além da mera remissão para o “mapa de trabalho” de 20/2/2006, também não se vislumbra a justificação para a quantificação dos valores mencionados nesse “mapa”.
Em rigor, se a AT reconhece que o apuramento de 5/3/2006 é o mais justo, quer dizer que o apuramento agora em discussão (de 24/3/2006, igual ao de 20/2/2006) é menos justo. O que significa que a AT não deveria ter feito propostas que considera injustas, sob pena de violação dos deveres de conduta imposta pelo artigo 266º da CRP, a não ser que entenda que apesar de menos justo é o mais adequado à situação concretamente verificada na ação inspetiva, o que não está racionalmente explicado e seria profundamente contraditório.
Não se diga que a verbalização da racionalidade dos critérios subjacentes aos valores “apresentados ao contribuinte em 20/2/2006” (essa “apresentação” pode entender-se como uma proposta de acordo) não carece de ser feita expressamente no Relatório porque se considera que ao aceitar tal acordo (em momento anterior á conclusão do Relatório) o sujeito passivo tomou conhecimento dos seus respetivos fundamentos e se conformou com eles.] – Fim de citação.
Ora, com a ressalva de que a fundamentação dos atos tributários aqui em causa deverá resultar da decisão do pedido de revisão (ainda que com referência ao teor do Relatório, nesse sentido, entre muitos outros Acórdão deste Tribunal proferido a 26-04-2018 no processo 01234/07.2BEVIS), concorda-se com o discurso fundamentador constante da sentença.
Ou seja, apesar de ter sido indicado o critério utilizado na quantificação da matéria tributável (o qual é perfeitamente percepcionado), ficou por explicar qual a razão para a Administração Tributária ter alterado o critério utilizado por três vezes, ficando-se, no final, sem se saber por que a Administração Tributária procedeu desse modo.
“Ora, como é bom de ver, não basta à Administração Tributária indicar um qualquer critério de quantificação. Tem que demonstrar que o mesmo constitui uma forma válida de aproximação à realidade e, para tanto, terá que indicar de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da atividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente, por forma a permitir à Contribuinte conformar-se com esse critério ou contestá-lo e ao Tribunal sindicá-lo.” – Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido a 28-02-2008 no processo 04634/04 – VISEU.
Foi isso que a Administração Tributária não fez e, assim, não podemos ter o critério utilizado na quantificação da matéria tributável como materialmente fundamentado.
Por tudo o que ficou dito, o recurso não merece provimento, mostrando-se inútil apreciar a questão seguinte, como aliás a Recorrente refere na conclusão III.
(…)
Assim sendo, e tomando integralmente a fundamentação do acórdão citado, deve ser julgamento improcedente o recurso.
***
Atento o decaimento da Recorrente, é sua a responsabilidade pelas custas, nos termos do disposto no art. 527.º, n.º 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT.
***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
Não basta à Administração Tributária indicar um qualquer critério de quantificação, devendo demonstrar que o mesmo constitui uma forma válida de aproximação à realidade, devendo, para tanto, indicar de forma clara, precisa e suficiente, os factos conhecidos de que partiu e que lhe permitiram, à luz das regras de experiência, segundo critérios de razoabilidade e tendo em conta as concretas circunstâncias do exercício da atividade, fixar o critério de quantificação da matéria tributável e qual o raciocínio que lhe está subjacente.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao presente recurso, mantendo-se o decidido com a presente fundamentação.
Custas pela Recorrente.

Porto, 22 de fevereiro de 2024 - Margarida Reis (relatora) – Maria Celeste Oliveira – José Coelho.