Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00205/08.6BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/07/2021
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA MÉTODOS INDIRECTOS, INADEQUAÇÃO DOS CRITÉRIOS À REALIDADE CONHECIDA
Sumário:I– A inadequação, à realidade conhecida, dos critérios utlizados pela AT para a avaliação indirecta da matéria tributável, a não ser manifesta, só pode ser judicialmente sindicada por via de, em concreto, ter resultado num excesso de quantificação em relação à realidade.

II – A alegação e a aprova dos factos que imponham a conclusão de ter havido excesso na quantificação é ónus do Contribuinte, conforme dispõe o nº 3 do artigo 74º da LGT, pelo que um non liquet na questão de saber se ocorreu esse excesso e, portanto, a inadequação dos critérios escolhidos e elementos considerados tem de resolver-se em desfavor daquele.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:C.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
C., NIF (…), interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 1911/02/2016, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial movida contra a liquidação adicional de IVA relativamente ao ano de 2004, no montante de 5 192,17 € mais juros compensatórios,


As alegações de recurso da Recorrente terminam com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
1-. O recurso à avaliação indirecta operado pela AT é ilegal, porquanto no primeiro relatório da IT e respectivos anexos, constam elementos e valores que permitiriam efectuar correcções através de uma simples avaliação directa e portanto sem qualquer necessidade do uso de estimativas ou presunções.
2§. Ainda assim a quantificação efectuada pelo recurso a presunções com contém vícios lógicos intrínsecos que lhe retiram qualquer credibilidade.
33. Porquanto se fixam, por presunção, pressupostos - como é o caso do valor das avenças - que depois na quantificação são derrogadas pela própria IT.
43. Retirando o sentido lógico - dedutivo ao resultado final alcançado no processo quantificativo.
53. Pelo que a avaliação assim obtida por assentar em premissas arbitrárias, não pode ser considerada idónea ou adequada para presumir rendimentos que a lei pretende que sejam tendencialmente reais.
62. Assim, entende-se que a sentença recorrida, viola as normas legais que regem o recurso à avaliação indirecta, designadamente, os artigos 85º, 86º, 879º e 88º da LGT.
71. Além de caucionar vícios de quantificação operados pela IT, que a lei proíbe (Conf. art. 90º nº 4 (SIC) alínea i) da LGT) e a jurisprudência e doutrina não sustentam.
Termos em que se requer a V. Exªs que revoguem a sentença recorrida e em consequência dêem procedência à impugnação.

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

A Digno Magistrada do MP emitiu parecer no sentido da Improcedência do Recurso, redutível aos seguintes excertos:
«(…)
O método indiciário constitui um método excepcional de apurar o facto tributário que só pode ter lugar quando a contabilidade do contribuinte não merecer credibilidade e não for possível reconstituir a realidade de forma directa.
Porque a tributação deve incidir sobre a matéria tributável real, a avaliação indirecta, porque envolve a apreciação de elementos de ordem subjectiva e, por isso, menos exactos, constitui meio subsidiário de determinação da matéria colectável que só pode ser usada nos casos e condições previstos na lei e aplicando-se-lhe sempre que possível e a lei não dispuser de outra forma, as regras da avaliação directa - cf. art°s. 81.° n. 2, 83º e 85º da LGT.
A avaliação indirecta visa pois o apuramento presumivelmente real do imposto, nos termos do disposto no art° 83.°, n° 2 da LGT, e só pode utilizar-se em determinadas situações, nomeadamente, no caso da impossibilidade de comprovar e quantificar a correcta determinação da matéria colectável de qualquer tributo (art.º 87.°, al b) da LGT).
As liquidações foram efectuadas na sequência duma acção inspectiva, de cujo relatório constam os elementos em que a AT se baseou para calcular a matéria tributável, pelo que é bem perceptível o suporte legal e os elementos fácticos utilizados.
Foi apresentado recurso de revisão, mas não houve acordo entre os peritos, sendo mantidas as correcções inicialmente propostas- fls 1 a 31 do PA.
A AT colheu indícios da omissão parcial aos rendimentos dos honorários cobrados aos clientes pessoas colectivas com contabilidade organizada; omissão parcial aos rendimentos dos honorários cobrados aos clientes pessoas singulares com contabilidade organizada e no regime simplificado de tributação; a diversificação do universo dos clientes daquele gabinete de contabilidade reportados ao triénio 2003-2005 inviabilizar qualquer tentativa na concretização de uma exacta valorização dos honorários cobrados nesse mesmo período, pela dificuldade que adviria em contactar pessoalmente os diversos intervenientes, nomeadamente par com contribuintes singulares ou colectivos actualmente cessados, ou que exerçam actividades sem que tenham um estabelecimento estável; estão reunidos os pressupostos estabelecidos na alínea b) do artigo 87° da Lei Geral Tributária(LGT), par que a determinação da matéria tributável possa ser realizada através da avaliação indirecta.
A impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável é resultado da supressão de proveitos aos rendimentos empresariais e profissionais do contribuinte, sendo evidentes, nomeadamente os “erros e inexactidões na contabilidade das operações. Deste modo, as declarações apresentadas pelo contribuinte não se presumem verdadeiras e de boa fé, nos termos da alínea a) do n° 2 do artigo 75° da LGT. Propõe-se a liquidação do IVA com base em presunções ou métodos indirectos, nos termos do n° 1 do art° 84° do CIVA,
(…)
O recorrente não demonstrou que os elementos de escrita e de controlo da actividade empresarial fossem suficientes para efeitos de determinação da matéria colectável, já que a contabilidade enfermava de deficiências que não podem considerar-se supridas por depoimento de testemunhas ou juízos conclusivos formulados por alegações, não obstante as várias diligências para apuramento da verdade efectuadas pela AT que constam do PA.
Não sendo apresentado pelo recorrente factos ou elementos capazes de contrariar as correcções efectuadas face à cessação da presunção da verdade declarativa de que goza a declaração do contribuinte, a AT decidiu bem.
Também a sentença, a nosso ver, ponderou, pois, todos os elementos de prova e da mesma consta quanto à fundamentação da matéria de facto os meios de prova a que o Tribunal recorreu para dar como provada a matéria factual, especificando correctamente os meios de prova atendidos e direito aplicado.
Pelo exposto, emitimos parecer no sentido da improcedência do recurso com manutenção da sentença recorrida.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II - Âmbito do recurso e questão a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, extraída dos artigos 608º, 635º nº 4 e 639º do CPC, aqui aplicáveis ex vi 281º do CPPT, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Então, as questões a resolver por este tribunal de apelação consistem no seguinte;
1ª Questão
O Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto e de direito, violando os artigos 85º a 88º da LGT, ao julgar bastantes, para o recurso aos métodos indirectos, a discrepância entre a realidade e o valor das remunerações do Recorrente, enquanto técnico de contas, objecto de recibo, cujo total anual, inferior a 10 000 €, lhe valia a isenção de IVA, quando afinal era possível efectuar a correcção técnica, com recurso aos valores apurados junto dos clientes, quer pessoas individuais quer pessoas colectivas, quer com contabilidade organizada quer sem esta?

2ª Questão
De qualquer modo, errou, a sentença recorrida, em matéria de facto e de direito, ao sancionar uma quantificação feita pela AT claramente em desconformidade com a realidade concretamente apurada pela própria inspecção, designadamente ao partir de valores de avenças simplesmente convencionados, em função de três categorias de clientes, para depois, em concreto os abandonar, fixando, em alguns casos, valores frontalmente opostos aos declarados pelos clientes, com o que violou o artigo 90º nº 1 alª i) da LGT?



III – Apreciação do Recurso
A decisão recorrida em matéria de facto é redutível à transcrição seguinte:
«Para apreciar as questões suscitadas, importa assentar a seguinte matéria de facto:
1 – O impugnante foi objecto de uma inspecção tributária e que deu lugar a correcções em sede IVA nos anos de anos de 2003 a 2005 conforme relatório elaborado pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Aveiro e constante do PA de fls. 47 a 80 e que aqui se dão por reproduzidas.
2 – Os fundamentos para as correcções acima enunciadas são em resumo os seguintes:
“(…)O contribuinte C. encontra-se colectado em nome individual no exercício da actividade de “Contabilistas”(…)Em IVA encontrava-se enquadrado desde 27 de Outubro de 1994(inicio de actividade) no Regime de Isenção – Artigo 53º (…)do CIVA, (…)MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS, (…)Da análise efectuada ao ano de 2002, aquando da acção inspectiva externa realizada em Maio de 2006, constatou-se que o contribuinte havia subfacturado significativamente os honorários cobrados aos seus clientes no exercício da sua actividade [de] prestação de serviços como TOC.(…)Os montantes totais omitidos para o ano de 2002 haviam ascendido a:(…)14.606,11, (…)Com o elevado grau de omissão (60%) ao nível dos rendimentos declarados pelo contribuinte C., para o ano de 2002, e, face aos valores apresentados para o triénio seguinte; era pois perceptível que aquele nível de omissão (evasão) estaria igualmente presente nos anos seguintes:(…) O cuidado que o contribuinte tinha em não ultrapassar o limite do volume de negócios anual de € 10.000 é notório ao longo dos últimos anos, conforme se poderá constatar dos valores apresentados e que se encontram discriminados no quadro seguinte: (…)Com os valores recolhidos junto dos clientes anteriormente identificados (representativos de aproximadamente 25% do universo dos clientes afectos àquele gabinete de contabilidade) apurou-se um grau de omissão significativo ao nível dos honorários sujeitos a tributação, designadamente de 73%, 58% e 64%, respectivamente para os anos de 2003, 2004 e 2005, conforme discriminação efectuada no quadro seguinte: (…) O nível de omissão apurado (com referência aos valores recolhidos junto dos clientes e não com os valores que o contribuinte pretendia regularizar, estes significativamente inferiores aqueles) é em tudo semelhante ao apresentado para o ano de 2002 (i.e. 60%), para o qual o contribuinte havia efectuado a respectiva regularização voluntária com o respectivo acréscimo dos honorários omitidos aos valores inicialmente declarados. (…) Nestes termos, face aos elementos anteriormente descritos, nomeadamente: (…) apresentação ao longo do triénio 2003-2005 de rendimentos profissionais ilíquidos sempre abaixo de € 10.000,00, de modo, a que o enquadramento para efeitos de IVA se mantivesse no regime de isenção, nos termos do artº 53º do CIVA, (…)um volume de negócios declarado (honorários cobrados) bastante diminuto, comparativamente com o número de clientes pessoas colectivas e singulares; (…) apresentação por parte do contribuinte de relações manuscritas com os valores que deveriam ser imputáveis aos diversos clientes no referido triénio (corrigindo os montantes inicialmente averbados nas respectivas declarações de rendimentos Modelo 3 de IRS) tendo-se constatado, porém, junto dos clientes visitados, representativo de aproximadamente 25% do universo, que os mesmos ainda se encontravam bastantes subvalorizados;
(…) omissão parcial aos rendimentos dos honorários cobrados aos clientes pessoas colectivas com contabilidade organizada; (…)omissão parcial aos rendimentos dos honorários cobrados aos clientes pessoas singulares com contabilidade organizada e no regime simplificado de tributação; (…) a diversificação do universo dos clientes daquele gabinete de contabilidade reportados ao triénio 2003-2005 inviabilizar qualquer tentativa na concretização de uma exacta valorização dos honorários cobrados nesse mesmo período, pela dificuldade que adviria em contactar pessoalmente os diversos intervenientes, nomeadamente par com contribuintes singulares ou colectivos actualmente cessados, ou que exerçam actividades sem que tenham um estabelecimento estável; estão reunidos os pressupostos estabelecidos na alínea b) do artigo 87º da Lei Geral Tributária(LGT), para que a determinação da matéria tributável possa ser realizada através da avaliação indirecta.(…). A impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável é resultado da supressão de proveitos aos rendimentos empresariais e profissionais do contribuinte, sendo evidentes, nomeadamente os “erros e inexactidões na contabilidade das operações (…). Deste modo, as declarações apresentadas pelo contribuinte não se presumem verdadeiras e de boa fé, nos termos da alínea a) do nº 2 do artigo 75º da LGT. (…) propõe-se a liquidação do IVA com base em presunções ou métodos indirectos, nos termos do nº 1 do artº 84º do CIVA, (…) CRITÉRIOS E CALCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS (…). As evidências relatadas no ponto anterior, comprovaram a existência de omissão de rendimentos na actividade desenvolvida pelo Técnico Oficial de Contas C. e a impossibilidade de apuramento da matéria tributável de forma directa e exacta. Após a exposição dos motivos que implicam o recurso a métodos indirectos, impõe-se a explanação dos critérios e cálculos das respectivas correcções, em sede IRS e IVA, descritos nos pontos seguintes. O apuramento da matéria tributável irá consubstanciar-se no somatórios das referidas correcções aos valores declarados pelo contribuinte, sobre o qual irá incidir o coeficiente de 65% da aplicação do regime simplificado de tributação.(…)EM SEDE DE IVA(…)Exercícios de 2003, 2004 e 2005(…)Perante s valores de omissão dos rendimentos(prestações de serviços) evidenciados no ponto V.1.1.1., ao nível dos honorários das escritas dos clientes Pessoas Colectivas com contabilidade organizada, impõe-se a determinação do IVA não liquidado à taxa de 19% relativamente ao período compreendido entre 03/03T e 05/06T, e à taxa de 21% para os períodos de 05/09T e 05/12T, nos termos da alínea c) do nº 1 do artº 18º do CIVA, conforme se determina na parte final dos mapas já apensos, em Anexos 9 a 11.(…)O valor do IVA será de acrescer ao valor dos honorários apurados, pois o contribuinte ao se enquadrar “premeditadamente” no regime de isenção(artigo 53º do CIVA), os montantes cobrados aos seus clientes eram simplesmente relevados como rendimento líquido, pois nem de outra forma se compreendia que, encontrando-se aquele contribuinte num regime de isenção, procedesse à cobrança de um imposto que já previa não entregar nos cofres do Estado.(…)Os montantes do IVA em falta repartido pelos diversos períodos trimestrais do triénio 2003-2005 ascenderá, (…). Pessoas Singulares com contabilidade organizada ou no regime simplificado de tributação (…). Perante os valores de omissão de proveitos evidenciados no ponto V.1.1.2, ao nível dos honorários das escritas dos clientes Pessoas Singulares com contabilidade organizada ou no regime simplificado de tributação, impõe-se a determinação do IVA não liquidado à taxa de 19%, relativamente ao período compreendido entre 03/03T e 05/06T, e à taxa de 21% para os períodos 05/09T e 05/12T, nos termos da alínea c) do nº 1 d artº 18º do CIVA, (…). Resumo do IVA em falta apurado por aplicação métodos indirectos (…). Os valores do IVA em falta por períodos de imposto encontram-se resumidos nos quadros seguintes: (…)”.
3 – O impugnante apresentou pedido de revisão da fixação da matéria tributável nos termos constantes de fls. 33 a 36 do PA e que aqui se dão reproduzidas.
4 – O pedido de revisão identificado em 3), não foi atendido, conforme fls. 1 a 31 do PA e que aqui se dão por reproduzidas.
5 – A presente impugnação judicial foi apresentada em 30.01.2008, cfr. fls. 2 destes autos.
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração da matéria dada como assente, no teor dos documentos identificados e não impugnados.
FACTOS NÃO PROVADOS:
Inexistem, com interesse para a presente decisão.»


Discussão do recurso:

1ª Questão
Pretende, o Recorrente, que este Tribunal de apelação julgue que o Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto e de direito, violando os artigos 85º a 88º da LGT, ao julgar bastantes, para o recurso aos métodos indirectos, a discrepância entre, por um lado, a realidade; e por outro o total anual dos honorários, de técnico oficial de contas, do recorrente, objecto de recibo e de registo na sua contabilidade, anual, o qual total, por inferior a 10 000 €, lhe valia a isenção de IVA, porque afinal era possível efectuar a correcção técnica, com recurso aos valores apurados junto dos clientes, quer pessoas individuais quer pessoas colectivas.
Cumpre começar por dizer que a decisão cuja legalidade aqui releva para a validade das liquidações adicionais impugnada não é a que directamente decorreu do RIT, mas sim a que pôs termo ao incidente de revisão da matéria tributável movido em devido tempo pela Recorrida (cf. artigos 91º e 92º da LGT e 117º do CPPT). O Tribunal a quo deu primazia, no esforço de transcrição, ao RIT, limitando-se, no que respeita ao procedimento de revisão, inclusive quanto à decisão que lhe pôs termo, a remeter o leitor para o P.A.
Certo é, porém, que o parecer, no qual se louva aquela decisão final, em nada inova relativamente ao RIT, no qual, por sua vez, se louva, pelo que poderemos continuar a discutir o acerto de direito da sentença, como se a mesma se tivesse pronunciado directamente sobre a decisão efectivamente determinante das liquidações impugnadas.

O Juízo da sentença recorrida, quanto à matéria da primeira questão é redutível aos seus seguintes excertos:
(…)
Alega o impugnante a ilegalidade do recurso aos métodos indirectos (…).
Vejamos.
(…)
Por sua vez rege o artº 85º do mesmo diploma legal o seguinte: “A avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa. (…)”.
(…)
Assim, só se pode recorrer à avaliação indirecta para fixação da matéria tributável quando não for possível proceder a tal fixação através da avaliação directa e, mesmo nestes casos, utilizar-se-ão na avaliação indirecta e na medida do possível, as regras da avaliação directa.
Por outro lado regem os artºs 87º e 88º da LGT, com a redacção aplicável à data, o seguinte:
“(…) A avaliação indirecta só pode efectuar-se em caso de: a) Regime simplificado de tributação, nos casos e condições previstos na lei; b) Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto; (…).”
Diz-se no artº 88º o seguinte: “(…) A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: (…) a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais; b) Recusa de exibição da contabilidade e demais documentos legalmente exigidos, bem como a sua ocultação, destruição, inutilização, falsificação ou viciação; c) Existência de diversas contabilidades ou grupos de livros com o propósito de simulação da realidade perante a administração tributária e erros e inexactidões na contabilidade das operações não supridos no prazo legal. d) Existência de manifesta discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços, bem como de factos concretamente identificados através dos quais seja patenteada uma capacidade contributiva significativamente maior do que a declarada.” (sublinhado nosso)
Assim, decorre dos preceitos legais enunciados, concretamente do artº 85º da LGT, que a avaliação indirecta é subsidiária da avaliação directa.
Esta, é uma regra fundamental. Com efeito, a subsidiariedade da avaliação indirecta e a preferência pelos elementos objectivos de quantificação em detrimento dos subjectivos radica, afinal, no princípio constitucional da tributação das empresas pelo seu rendimento real, cfr. artº 104º nº 2 da CRP.
Ora, decorre dos elementos apurados pela inspecção tributária e exarados no relatório identificado no ponto 2 da matéria de facto dada como assente, que as correcções efectuadas, foram sustentadas essencialmente por se ter concluído pela impossibilidade de apurar o montante total dos valores auferidos pelo impugnante no desenvolvimento da sua actividade de TOC, atentas as diversas irregularidades ocorridas nos registos contabilísticos.
O impugnante alega que teria sido possível a determinação directa da matéria colectável, designadamente através do contacto de todos os seus clientes, ao invés de se ter contactado apenas uma percentagem dos mesmos, calculando o restante por via indirecta.
Ora, tal argumento não procede, na medida em que não é esse o ponto fulcral da decisão de determinação da matéria colectável por métodos indirectos.
Se assim fosse, tal metodologia (métodos indirectos) nem sequer seria necessária nos casos de meras omissões ou irregularidades, bastando à inspecção tributária recolher, no terreno, mesmo que tal tarefa ultrapassasse largamente o prazo de duração da inspecção previsto na lei, todos os elementos factuais que permitissem calcular, com mais ou menos rigor, o rendimento colectável.
Não é esse o espírito, nem o fim da tributação por métodos indirectos.
Como supra referido, nesta espécie de tributação, a Inspecção Tributária terá apenas de recolher elementos factuais que permitam concluir que o rendimento colectável declarado pelo contribuinte não corresponde à realidade, por existência de insuficiências na execução da contabilidade e de discrepância entre o valor declarado e o valor de mercado de bens ou serviços e de factos através dos quais seja manifestada capacidade contributiva superior à declarada, e daí partir para o uso de métodos indirectos Destaque nosso..
Importa deixar aqui assente, que em sede de procedimento de revisão e que no que se refere à aplicação dos métodos indirectos, ocorreu acordo entre os peritos nomeados pelas partes, discordando-se apenas, quanto ao método de quantificação utilizado.
Atento o descrito, conclui-se, pois, não ter ocorrido qualquer ilegalidade no que concerne à aplicação dos métodos indirectos para determinação da matéria colectável quanto ao exercício económico de 2004.»
Não podemos acompanhar a Mª Juiz recorrida quando, ao que parece, entende que a mera manifesta discrepância entre, digamos, brevitatis causae, a realidade e o declarado fiscalmente pelo Recorrente (cf. alª d) do artigo 88º da LGT) gera como que uma presunção inilidível da impossibilidade de determinação directa do valor dos honorários efectivamente recebidos, bastando esta discrepância para desonerar a AT de determinar directamente a matéria tributável, mesmo que isso lhe seja possível.
Na verdade, a alínea 2 do artigo 88º da LGT não faz mais do que enunciar exemplificativamente realidades que “podem” (cf. corpo do artigo) em concreto implicar a impossibilidade da determinação exacta e directa da matéria tributável, chegando o legislador ao ponto de, quase redundantemente, dizer, no segmento final do corpo do artigo que essas irregularidades, para tanto, têm de inviabilizar o apuramento da matéria tributável.
Outra coisa não poderia dispor este artigo 88º, sob pena de insuprível contradição com os artigos 85º (subsidiariedade da avaliação indirecta) e 87º alª b) da LGT.
Assim, em tese geral, sempre que seja possível determinar a matéria tributável directamente, isto é, com certeza sobre o valor real da mesma, ainda que esse valor seja diverso do que decorre da contabilidade do sujeito passivo, é dever da AT fazê-lo, por muito discrepantes com a realidade que sejam os valores declarados pelo Sujeito passivo e até os documentos encontrados na contabilidade do sujeito passivo.

Deste modo, a Mª Juiz a qua não tem razão quando sustenta que à AT bastava, in casu, provar a sobredita discrepância, para logo e sem mais recorrer aos métodos indirectos. Era exigível à AT demonstrar que essa discrepância, pelo modo concreto com que se manifestava e pelas suas circunstâncias concretas, impossibilitava a determinação do valor real dos emolumentos pagos pelos clientes do Recorrente.
Contudo, não é por isso o recurso haverá de proceder, pois a AT, de facto, descreve no relatório, ainda que em parte não transcrita pela sentença recorrida, todo um circunstancionalismo de facto que implica a impossibilidade de identificar todos, exactamente todos, os clientes que pagaram honorários ao Recorrente entre 2003 e 2005 e muito menos o quantum dos honorários efectivamente pagos (em 2004): desde a inexistência de recibos até à contradição entre o declarado pelos clientes contactados individualmente e o Recorrente, quer quanto ao valor dos honorários quer quanto à gratuidade dos serviços prestados (cf. capítulos IV e IX do RIT).
Neste contexto não se pode dizer que fosse possível determinar com certeza e exactidão, quer dizer, directamente, a matéria tributável.
Por isso é que julgamos que, embora com este outro fundamento, sempre se impunha julgar que o acto impugnado não padecia de falta de pressupostos legais para o recurso aos métodos indirectos de determinação da matéria tributável, pelo que o recurso, por esta via, não procede.
Prossigamos, então, para a apreciação da 2ª questão.

2ª Questão
De qualquer modo, errou, a sentença recorrida, em matéria de facto e de direito, ao sancionar uma quantificação feita pela AT claramente em desconformidade com a realidade concretamente apurada pela própria inspecção, designadamente ao partir de valores de avenças simplesmente convencionados, em função de três categorias de volumes de negócios dos clientes, para depois, em concreto, os abandonar, fixando, em alguns casos, valores frontalmente opostos aos declarados pelos clientes, com o que violou o artigo 90º nº 1 alª i) da LGT?

Quanto a esta questão a sentença recorrida fundamentou-se, também, de algum modo e indirectamente, nos excertos que já se transcreveu e, especifica e directamente, num discurso redutível aos seguintes segmentos:
«ii. Da desadequação dos critérios:
Ora, no que se refere a esta matéria cumpre referir e tendo por base os elementos exarados no relatório da inspecção e seus anexos (9 a 12) que não ocorre qualquer desadequação porquanto a lista dos clientes se encontra devidamente identificada, estruturada, sendo facilmente perceptível que face aos proveitos registados dos ditos clientes, se atribui um maior ou menor valor de honorários presumidos».
Vejamos.
Ao invés do que supõe o Recorrente, a alínea i) do artigo 90º da LGT não dispõe sobre a proibição de quaisquer vícios na quantificação da matéria tributável por métodos indirectos.
Trata-se, com efeito, de apenas mais um de uma pluralidade de elementos de que a AT pode lançar mão, isoladamente ou com o concurso de quaisquer outros que em concreto se mostrem adequados à realidade e àquele objectivo, e isto quer estejam especificados nas demais alíneas do artigo, quer não, como tem sido jurisprudência uniforme dos tribunais superiores.
Que todos e quaisquer elementos a considerar têm de concorrer para a maior aproximação possível à realidade, isso resulta do disposto nos artigos 83º nº 2 e 85º nº 2 da LGT, de onde decorre sem margem para dúvidas que o objecto da avaliação indirecta consiste na melhor aproximação possível à realidade.
Portanto, está fora de causa uma violação do artigo 90º nº 1 alª i) da LGT pela sentença recorrida por via de ter sancionado a escolha dos critérios de quantificação feita pela AT.
Porém, por isso que jura novit curia, remanesce-nos julgar se, por via da alegada inadequação, à realidade, dos elementos utilizados, terão sido violadas outrossim aquelas outras normas, ma medida em que consagram aquele indisponível objecto para a avaliação indirecta.
A não ser em caso de manifesta desadequação à realidade e ao objectivo prosseguido (da maior aproximação possível à realidade quantitativa tributável), não cumpre ao tribunal sindicar a escolha técnica feita, pela AT, dos elementos a coligir e métodos a aplicar com vista à avaliação indirecta da matéria tributável.
É de notar, neste sentido, quo o nº 4 do artigo 77º da LGT, a propósito da fundamentação da decisão de tributação com recursos a métodos indirectos, exige apenas a “indicação” dos “critérios utilizados na avaliação da matéria tributável” e não, explicitamente, a fundamentação dessa escolha, sendo certo que a indicação, se devidamente expostos os critérios, já constitui, de per se, uma fundamentação a permitir um juízo sobre uma manifesta inadequação, se for o caso.
Ao Tribunal cabe, isso sim, em ordem à detecção de um excesso na quantificação da matéria tributável, apreciar a correição, no modus, da utilização, desses elementos e critérios escolhidos.
Assim, podemos dizer que a inadequação, em concreto, dos critérios utlizados pela AT para a avaliação indirecta da matéria tributável, a não ser manifesta, só pode ser sindicada por via de, em concreto, eles terem resultado num excesso de quantificação em relação à realidade possível ou comprovada.
Porém, a alegação e a prova dos factos que imponham a conclusão de ter havido excesso na quantificação é ónus do Contribuinte, conforme dispõe o nº 3 do artigo 74º da LGT, pelo que um non liquet na questão de saber se ocorreu esse excesso e, portanto, a inadequação ou o erro na aplicação dos critérios escolhidos e elementos considerados, tem de resolver-se em desfavor daquele onerado.
No caso concreto:
Atenta a dificuldade, revelada pelo RIT, que a IT teve em apurar a realidade quantitativa e qualitativa dos honorários efectivamente recebidos pelo Recorrente, não nos parece que sejam manifestamente inadequados à realidade a quantificar, os critérios de quantificação expostos no item 2.1 do capítulo V do RIT, inclusive as presunções dos valores anuais das avenças e a derrogação casuística das mesmas.
O Recorrente, por sua vez, alega a inadequação, face à realidade conhecida, de diversos aspectos dos elementos e critérios escolhidos pela AT para estimar a sua matéria tributável enquanto sujeito passivo de IVA. Porém, não demostrou na acção, ainda que tão só qualitativamente, que do emprego desses elementos, nos termos em que o foram, tenha resultado forçosamente um excesso de quantificação da matéria tributável fixada para 2004.
Tanto basta para a resposta à questão ora sub judices ter de ser negativa e para, em consequência, o recurso tão pouco por esta via poder proceder.

IV – Custas
As custas ficam a cargo da Recorrente conforme decorre do artigo 527º do CPC.

V- Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar o recurso improcedente e em manter o dispositivo da sentença recorrida, de improcedência da Impugnação, com esta fundamentação.
Custas pela Recorrente.

Porto, 7/12/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina da Nova
Cristina Travassos Bento