Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00232/08.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/20/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:DISTRIBUIÇÃO DE RESERVAS, EMPRÉSTIMO, PEDIDO DE REEMBOLSO DE IRC RETIDO NA FONTE, ERRO NA ENTREGA DO IMPOSTO,
ÓNUS DA PROVA
Sumário:Em caso de impugnação judicial de indeferimento expresso de reclamação graciosa, nos termos do artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cabe ao impugnante demonstrar que se verificou erro na entrega de imposto retido na fonte, tendo em vista o cumprimento do ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de reembolso – cfr. o artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que reflecte o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:O., LDA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 23/10/2019, que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida, nos termos do disposto no artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, por O., LDA, com sede na Rua (…), com o NIPC (...), na sequência de indeferimento de reclamação graciosa, visando o reembolso da quantia de € 176.294,84, entregue ao Estado a título de retenção na fonte de IRC.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

“A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º 3360200604000250, onde se peticionava o reembolso do IRC (retenções na fonte sobre rendimentos de capitais) no valor de €176 294,84, mencionado na declaração de retenções na fonte, n.º 80080073697 entregue nos cofres do Estado em 31.01.2006, pela impugnante.
B. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, porquanto considera existir erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.
C. A questão que cumpre apreciar e decidir nesta sede é apenas e só a de saber se a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, quando considerou a factualidade provada suficiente para considerar “(...) que não podemos concluir pela ocorrência de uma distribuição de reservas justificativa da tributação em causa. (...)”.
D. Deu como provado o tribunal “a quo” os pontos N, O, P, Q e R.
E. Com excepção, do ponto O do probatório, todos os elencados factos do probatório se encontram relevados nos registos contabilísticos da impugnante, disponibilizados para a elaboração da informação subscrita pelos Serviços de inspecção no âmbito da apreciação do procedimento de reclamação graciosa.
F. Tal como referido na contestação apresentada, a contabilidade consiste num conjunto de processos atinentes ao registo, classificação e controle dos factos patrimoniais inerentes à actividade, que permite conhecer o que foi feito e proporciona uma visão retrospectiva da gestão.
G. Os factos relevados contabilisticamente têm que estar suportados em documentos, sem os quais não se poderá proceder ao seu processamento e,
H. O lógico é que, os lançamentos sejam feitos na sequência do atestado pelos documentos que lhes servem de sustentação, dando-lhes expressão contabilística.
I. Foi através dos elementos da contabilidade (documentos arquivados e extractos de contas de conta corrente que relevam os registos contabilísticos) que os serviços de inspecção verificaram que:
-foram efectuadas através de contas bancárias, domiciliadas no Banco Santander cuja titular é a ora recorrida, transferências bancárias datadas de 11/11/2005 e de 14/11/2005, a favor das empresas associadas espanholas;
- com data reportada a 26.01.2006, a recorrida, procedeu à transferência daqueles valores, inicialmente contabilizados na conta “Credores de outras Operações”, para uma conta de sócios “Distribuição Resultados”, realçando o facto de a transferência entre as identificadas contas contabilísticas, ter sido efectuada por valores individualizados e proporcionais às percentagens correspondentes às participações sociais de cada uma das sociedades espanholas no capital da O., aqui recorrida.
J. Através da “Declaração de Retenções na Fonte” n.º 80080073697, a recorrida procedeu em 31.01.2006, à entrega nos cofres do Estado do valor de €176.294,84, correspondente ao imposto referente à retenção na fonte de IRC, sobre rendimentos de capitais pagos a pessoas colectivas não residentes.
K. Em 31.01.2006, a recorrida procedeu a regularizações contabilísticas, as quais assumem a natureza de anulações de movimentos contabilísticos, porquanto efectuou na sua contabilidade movimentos inversos aos realizados em 26.01.2006.
L. Não obstante, cfr. informação dos Serviços de Inspecção, datada de 14 de Junho de 2007, os movimentos efectuados nas contas das “Disponibilidades”, concretizados em 11.11.2005 e 14.11.2005, mantiveram-se inalterados, ou seja, as transferências bancárias foram efectivadas/concretizadas tal como se encontra espelhado na contabilidade.
M. Conforme é referido na referida informação, por força dos movimentos inversos (anulações) efectuados com data reportada a 31.01.2006, a contabilidade da recorrida, passou a relevar saldos devedores nas contas “Empréstimos de Associadas”, no valor total de € 14 000 000,00.
N. Com base nos pressupostos de facto, traduzidos pelos elementos probatórios identificados, a FP, entende que os mesmos reflectem a ocorrência efectiva de uma distribuição de reservas, contrária e erradamente ao defendido pela Mma Juíz do tribunal “a quo”.
O. Exigia-se ao Tribunal a quo, por um lado, a análise crítica dos meios de prova produzidos e, por outro, a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, expressa na resposta positiva ou negativa dada à matéria de facto controvertida. “Não se trata, por conseguinte, de um mero juízo arbitrário ou de intuição sobre a realidade ou não de um facto, mas de uma convicção adquirida através de um processo racional, alicerçado - e, de certa maneira, objectivado e transparente - na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da Justiça” – cfr. J. Pereira Baptista, in Reforma do Processo Civil, 1997, pags 90 e ss.
P. Considera o Tribunal a quo que relativamente aos factos não provados, que a impugnante não juntou quaisquer documentos reveladores da correspondente realidade, sendo certo que, no âmbito da actividade empresarial da dimensão em causa, o mais verosímil é que houvesse registo documental daquela factualidade.
Q. Mais referindo “No que concerne, em especial, ao alegado desconhecimento da técnica oficial de contas da impugnante relativamente ao teor da acta n.º 18 e ao empréstimo, importa referir que tal situação não se mostra verosímil num contexto empresarial com considerável dimensão e estando em causa uma elevada Importância (€14 000 000,00).(...)”.
R. Ainda assim, o tribunal a quo concluiu pela prevalência dos documentos societários sobre os registos contabilísticos.
S. Contrariamente ao doutamente decidido entende a Fazenda Pública, que deve manter-se a decisão de indeferimento proferida no procedimento de reclamação graciosa, não havendo lugar ao reembolso do montante pago a título de retenção na fonte de IRC.
T. A existência de fluxos financeiros para a conta da O. SA, face à análise efectuada aos elementos contabilísticos da recorrida, não poderão por si só sustentar a tese da restituição das reservas distribuídas.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida, por verificação de erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.”

A Recorrida contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
“A) Na sentença recorrida, o Douto Tribunal a quo julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida, condenando a Fazenda Pública a proceder ao reembolso do montante de EUR 176.294,84 entregue a título de retenção na fonte, dado que dos movimentos financeiros efectivamente ocorridos e, bem assim, da falta de apresentação de qualquer prova em sentido contrário pela Administração Tributária, resultou demonstrado que a operação em causa não configurou uma distribuição de reservas mas sim um empréstimo efectuado a uma empresa associada (O. D., S.A.);
B) O Representante da Fazenda Pública não cumpre o ónus que sobre si impende à luz do artigo 640.º do CPC para efeitos de impugnação da matéria de facto: não especifica quais os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados nem sequer os concretos meios probatórios constantes do processo, que, na sua opinião, imporiam decisão diversa sobre tais pontos, muito menos expressa a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto (pretensamente) impugnadas;
C) Cominando o artigo 640.º, n.º 1, do CPC a rejeição do recurso quando esse ónus se não mostre cumprido, dá-se por votada ao insucesso qualquer impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
D) Subsidiariamente, caso esse Douto Tribunal ad quem entenda de forma diversa (no que não se concede), a Recorrida requer então o aditamento à matéria de facto provada dos seguintes factos:
i) O GRUPO O., S.A. tinha uma dívida para com a Recorrida, decorrente directa e imediatamente da cessão da posição contratual entre a O.D., S.A. e o GRUPO O., S.A. no empréstimo obtido pela primeira junto da Recorrida a 10 de Novembro de 2005 – alínea M) da matéria de facto dada por provada na sentença recorrida;
ii) Tal empréstimo foi totalmente liquidado pelo GRUPO O., S.A., a 30 de Abril de 2007, através de compensação com um crédito que detinha sobre a Recorrida – cfr. documento n.º 1 junto ao requerimento apresentado a 7 de Junho de 2019;
iii) O referido crédito do GRUPO O., S.A. sobre a Recorrida resultou de um reembolso de capital (por redução do mesmo) e de distribuição de dividendos, deliberados em Assembleia Geral, a 18 de Janeiro de 2007 e 27 de Abril de 2007 – cfr. documentos n.os 2 e 3 juntos ao requerimento apresentado a 7 de Junho de 2019.
E) Muito embora não fosse sobre si que recaía o ónus da respectiva prova, como bem decidiu o Douto Tribunal a quo, a Recorrida provou cabal e adequadamente nos presentes autos que (i) o GRUPO O., S.A. tinha uma dívida para com a Recorrida; (ii) que foi totalmente liquidada através de compensação com um crédito que o GRUPO O., S.A. tinha sobre a Recorrida e que resultava de um reembolso de capital (por redução do mesmo) e de distribuição de dividendos, deliberados em Assembleia Geral, a 18 de Janeiro de 2007 e 27 de Abril de 2007;
F) Assim, admitindo (por mera hipótese de raciocínio e sem conceder) que esse Douto Tribunal ad quem possa considerar, ao contrário do Douto Tribunal a quo, que era sobre a Recorrida que recaía o ónus de provar que não existiu qualquer distribuição de reservas, impõe-se a esse Douto Tribunal ad quem o aditamento à matéria de facto provada dos factos acima referidos;
G) Através da aplicação das regras gerais de distribuição do ónus da prova, o Douto Tribunal a quo decidiu que, recaindo o ónus da prova sobre a Administração Tributária e não tendo este sido satisfeito, necessariamente a decisão teria de lhe ser desfavorável;
H) Neste contexto, cumpre desde logo destacar que em momento algum a Recorrente invocou nas suas alegações de recurso ou nas respectivas conclusões – as quais delimitam o respectivo objecto, nos termos das normas conjugadas dos artigos 635.º, n.os 3 a 5 e 639.º, n.os 1 e 2, do CPC –, que não recaía sobre si o ónus de provar a ocorrência (ou não) de uma distribuição de reservas;
I) Ou seja, a Recorrente negligencia por completo o (real) julgamento de Direito efectuado pelo Douto Tribunal a quo, não atacando, de forma alguma, a fundamentação de direito da sentença de que recorre;
J) Ora, não tendo a Recorrente (directa ou indirectamente) invocado qualquer erro de julgamento do Douto Tribunal a quo na aplicação das regras do ónus da prova e sendo este o único fundamento de direito em que assenta a pronúncia jurisdicional recorrida, necessariamente se conclui que a referida decisão não pode vir a ser alterada por esse Douto Tribunal ad quem, motivo pelo qual o recurso da Fazenda Pública está, desde logo, votado ao insucesso;
K) Com efeito, caso esse Douto Tribunal ad quem decidisse (por mera hipótese de raciocínio) alterar a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo quanto à questão de saber sobre quem recaía o ónus da prova, entende a Recorrida que tal pronúncia jurisdicional estaria ferida de nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC;
L) Sem prejuízo do acima referido, sempre se dirá que o ónus da prova se traduz na imposição pela lei da necessidade de provar determinados factos para que a respectiva ocorrência seja considerada em juízo, sendo certo que uma situação de non liquet determinará uma decisão em matéria de facto que não incluirá os factos compreendidos no âmbito do ónus não satisfeito;
M) Na situação em causa nos presentes autos é manifesto que, como bem referiu o Douto Tribunal a quo, a Administração Tributária em momento algum conseguiu demonstrar (e muito menos provar) a ocorrência da distribuição de reservas que invoca ter sucedido;
N) Ou seja, não tendo a Administração Tributária feito mais do que aproveitar um lapso da ora Recorrida no registo contabilístico de um empréstimo (prontamente corrigido logo que detectado) para tentar sustentar uma liquidação que não tem qualquer tipo de suporte legal, necessariamente se conclui que não poderia o Douto Tribunal a quo ter proferido uma decisão diferente da que tomou;
O) Uma deliberação social é uma decisão tomada na realidade e exprime a vontade de uma sociedade – in casu a decisão votada e aprovada em Assembleia Geral da Recorrida de conceder um empréstimo à O.D, S.A. –, enquanto que um documento contabilístico deve simples e funcionalmente reflectir aquela realidade (in casu o movimento contabilístico que reflicta a deliberação votada), pelo que ocorrendo um lapso (manifesto diga-se) no lançamento contabilístico efectuado, e para mais tendo este sido prontamente corrigido, não poderá em circunstância alguma defender-se razoavelmente que um documento contabilístico prevalece sobre um documento societário;
P) Andou bem o Douto Tribunal a quo quando julgou procedente a impugnação judicial apresentada, devendo por isso o presente recurso ser julgado improcedente por esse Douto Tribunal ad quem;
Q) Não obstante tudo o que foi exposto, sempre se dirá que, ainda que o ónus da prova em questão recaísse sobre a Recorrida (o que manifestamente não sucede) da prova efectuada nos presentes autos resulta demonstrado que não ocorreu qualquer distribuição de reservas, sendo por isso a retenção na fonte efectuada ilegal;
R) Resulta cabalmente demonstrado nos autos que não ocorreu qualquer distribuição de reservas pela Recorrida, mas sim um empréstimo, o qual não poderia ser, de forma alguma, sujeito a tributação;
S) Não existe, pois, ao contrário do sustentado pelo Representante da Fazenda Pública, qualquer erro de julgamento na pronúncia jurisdicional do Douto Tribunal a quo, com o que o recurso interposto não pode deixar de ser julgado totalmente improcedente.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, não pode a pretensão do Representante da Fazenda Pública deixar de ser desatendida, negando-se provimento ao recurso nos termos e com os fundamentos supra expostos, o que com as demais consequências legais se requer.”
****
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
****
Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
****

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa analisar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que a AT não cumpriu com o seu ónus de demonstrar que estava em causa uma distribuição de reservas, que era irrelevante apurar se estaríamos, afinal, perante um empréstimo, e ao concluir ter a impugnante, aqui Recorrida, direito ao reembolso da quantia que havia retido na fonte e pago a título de IRC.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“É a seguinte a matéria de facto provada com relevância para a decisão da causa, por ordem lógica e cronológica:
A. Em 11.04.2006, a impugnante deduziu reclamação graciosa com vista ao reembolso da quantia de € 176.294,84, relativa a retenções na fonte de IRC – cfr. fls. 2 e ss. do processo de reclamação graciosa.
B. Em 14.06.2007, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, pela Divisão de Inspecção Tributária III da Direcção de Finanças do Porto foi emitida “Informação” com o seguinte teor – cfr. fls. 14 e ss. do processo de reclamação graciosa:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

C. Em 17.07.2007, foi elaborada proposta de decisão da reclamação graciosa com o teor da informação que antecede – cfr. fls. 33 e ss. do processo de reclamação graciosa.
D. Com data de 28.12.2007, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa deduzida pela impugnante com o seguinte teor – cfr. doc. 1 junto com a pi.
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


E. Até Outubro de 2005, a impugnante desenvolvia a sua actividade no sector da produção e comercialização de vinho do Porto – cfr. fls. 15 do processo de reclamação graciosa.
F. Em Novembro de 2005, a impugnante alienou ao Grupo T. todos os seus activos (instalações, equipamentos, maquinarias, mobiliários, materiais e todos os demais bens e produtos afectos à produção) relativos ao negócio do vinho do Porto – cfr. fls. 15 do processo de reclamação graciosa.
G. Com data de 09.11.2005, foi elaborada a acta n.º 18 relativa à reunião da assembleia geral, nos termos da qual a assembleia geral foi realizada com a presença de uma só representante (I.), a qual possuía os respectivos instrumentos de representação comuns para representar as sociedades que detinham o capital social da impugnante, contendo uma proposta de concessão à O.D., SA, um empréstimo de curto prazo pelo montante de € 14.000.000,00, com menção de votação e aprovação por unanimidade – cfr. fls. 21 do processo de reclamação graciosa.
H. A acta n.º 18 encontra-se assinada somente por aquela representante – cfr. fls. 21 do processo de reclamação graciosa.
I. Com data de 10.11.2005, entre a impugnante e a O.D., SA, foi celebrado um “contrato de empréstimo”, nos termos da qual a impugnante concede àquela um empréstimo de curto prazo pelo valor de € 14.000.000,00, devendo o mesmo ser integralmente reembolsado até 31.10.2006 e podendo a impugnante ceder a sua posição contratual a qualquer terceiro – cfr. fls. 22 do processo de reclamação graciosa.
J. Entre 11.11.2005 e 31.01.2006, o capital social da impugnante era detido pelas seguintes sociedades, todas residentes em Espanha para efeitos fiscais, nas seguintes percentagens de participação: B. O., SA – 48,38%, Grupo O., SA – 21,67%, O. D., SA – 20,66%, B.E., SA – 9,29% – cfr. fls. 16 do processo de reclamação graciosa.
K. Com data de 16.08.2006, entre a impugnante e a O.D , SA, foi celebrado um “aditamento ao contrato de empréstimo”, nos termos da qual as partes acordam em prorrogar por doze meses a data de reembolso do empréstimo, devendo o mesmo ser integralmente reembolsado até 31.10.2007 – cfr. fls. 22 do processo de reclamação graciosa.
L. Por escritura pública datada de 30.08.2006, a sociedade Grupo O., SA, adquiriu às demais sociedades referidas as participações sociais que as mesmas detinham no capital social da impugnante – cfr. fls. 16 do processo de reclamação graciosa.
M. Com data de 30.09.2006, entre a O.D., SA, e a Grupo O., S.A., foi celebrado um “contrato de cessão de posição contratual”, nos termos do qual a primeira cede à segunda a sua posição naquele contrato de empréstimo - cfr. fls. 22 do processo de reclamação graciosa.
N. Em 11 e 14 de Novembro de 2005, foram efectuadas as seguintes transferências bancárias no total de € 14.000.000,00 da conta da impugnante para: Grupo O., SA - € 1.105.170,00, € 1.921.397,64 e € 7.232,36, B. O. - € 2.458.127,32, € 9.252,68 e € 4.305.820,00, O.D., S.A - € 1.053.660,00 e € 1.838.740,00, B. E.,SA- € 473.790,00 e € 826.810,00 – acordo e docs. 7, 8 e 9 juntos com a p.i..
O. Nos mesmos dias em que receberam tais valores da impugnante, aquelas sociedades procederam à sua transferência para conta da O.D, S.A. – cfr. docs. 7, 8 e 9 juntos com a p.i..
P. Com data reportada a 26.01.2006, a impugnante transferiu aquele valor, anteriormente contabilizado na conta “credores por outras operações”, para uma conta de sócios, “distribuição resultados” – cfr. fls. 18 do processo de reclamação graciosa.
Q. Em 31.01.2006, através de declaração de retenções na fonte, a impugnante procedeu à entrega, nos cofres do Estado, do valor de € 176.294,84, relativo à retenção na fonte de IRC sobre rendimentos de capitais pagos a pessoas colectivas não residentes – cfr. fls. 20 do processo de reclamação graciosa.
R. Com data reportada a 31.10.2006, a impugnante procedeu a regularizações contabilísticas com movimentos inversos aos efectuados em 26.01.2006, passando a relevar saldos devedores nas contas “empréstimos de associadas” no valor total de € 14.000.000,00 – cfr. fls. 20 e 21 do processo de reclamação graciosa.
S. Com data de 18.01.2007, foi elaborada a acta n.º 24 relativa à reunião da assembleia geral da impugnante, nos termos da qual a mesma se mostra representada por A.R, sócia da sociedade Grupo O., S.A., titular das quatro quotas representativas do capital social, com o seguinte teor – cfr. doc. 2 junto com o requerimento de 11.06.2019:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


T. A acta n.º 24 encontra-se assinada somente por aquela representante – cfr. doc. 2 junto com o requerimento de 11.06.2019.
U. Com data de 27.04.2007, foi elaborada a acta n.º 25 relativa à reunião da assembleia geral da impugnante, nos termos da qual a mesma se mostra representada por A.R., sócia da sociedade Grupo O., S.A., com o seguinte teor – cfr. doc. 3 junto com o requerimento de 11.06.2019:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

V. A acta n.º 25 encontra-se assinada somente por aquela representante – cfr. doc. 3 junto com o requerimento de 11.06.2019.

Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa, designadamente os seguintes:
1. A distribuição antecipada de reservas não estava prevista no pacto social.
2. O gerente que se encontrava em Portugal e que acompanhava diariamente os assuntos da impugnante renunciou ao exercício do cargo em 03.11.2005, tendo sido nomeado um novo gerente.
3. Aquando da alienação dos activos relacionados com a produção de vinho do Porto, havia a necessidade premente de financiamento por parte de uma sociedade do grupo (a O. D., S.A.).
4. A ordem que antecede ficou a dever-se à assunção, errada, por parte daqueles representantes, de que as sócias da impugnante haviam optado pela imediata distribuição de reservas.
5. Nem aquela acta nem o contrato de empréstimo nem as transferências ocorridas entre as sociedades espanholas foram comunicadas à técnica oficial de contas da impugnante antes da efectivação dos movimentos contabilísticos correspondentes às transferências em causa.
6. A venda de activos efectuada implicou a saída dos funcionários que habitualmente tratavam dos assuntos administrativos, a venda de equipamentos e das próprias instalações e sede social da impugnante.
7. Só aquando da preparação da aprovação de contas do exercício (30.04.2006), o responsável espanhol pela impugnante constatou que os movimentos lançados na contabilidade não estavam de acordo com o que tinha sido deliberado pela assembleia geral da O., na referida acta n.º 18.
8. A Grupo O., S.A., detinha junto da impugnante um crédito no valor de €14.000.000,00 resultante de um reembolso de capital, por redução do mesmo, e de distribuição de dividendos.
9. O crédito que antecede foi objecto de compensação com o crédito do mesmo montante que a impugnante detinha sobre o Grupo O., S.A.

Motivação
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, e no acordo das partes. A este propósito, relevou ainda a factualidade constante do processo de reclamação graciosa e que não foi posta em causa pela impugnante.
A prova testemunhal não foi relevante para a formação da convicção do Tribunal na medida em que as testemunhas, ligadas à impugnante e ao grupo no qual a mesma se insere, não se mostraram isentas, tendo os seus depoimentos revelado uma adesão completa à versão dos factos apresentada pela impugnante que não se mostrou credível na medida em que as testemunhas manifestaram uma preocupação em corroborar uma actuação que não se mostra plausível.
Quanto aos factos não provados, cumpre referir que a impugnante não juntou quaisquer documentos reveladores da correspondente realidade, sendo certo que, no âmbito da actividade empresarial da dimensão em causa, o mais verosímil é que houvesse registo documental daquela factualidade. No que concerne, em especial, ao alegado desconhecimento da técnica oficial de contas da impugnante relativamente ao teor da acta n.º 18 e ao empréstimo, importa referir que tal situação não se mostra verosímil num contexto empresarial com considerável dimensão e estando em causa uma elevada importância (€ 14.000.000,00). Finalmente, quanto ao crédito no valor de € 14.000.000,00, que a Grupo O., S.A., detinha junto da impugnante, nem a sua existência nem a respectiva compensação com a alegada dívida daquela ficaram provadas na medida em que, não obstante a impugnante ter sido notificada para juntar aos autos documentos contabilísticos comprovativos do reflexo de tal compensação na sua contabilidade, a mesma limitou-se a juntar uma declaração da contabilística, naturalmente inapta para o efeito dado que não prova que tais realidades (a existência do crédito e a sua compensação) ficaram registadas na contabilidade.”

2. O Direito

A Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, considerando existir erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito, apresentando o presente recurso dessa decisão, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida, nos termos do disposto no artigo 132.º do CPPT, por, alegadamente, se verificar erro na entrega do imposto retido na fonte, contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa n.º 3360200604000250, onde se peticionava o reembolso do IRC (retenções na fonte sobre rendimentos de capitais), no valor de €176.294,84, mencionado na declaração de retenções na fonte, n.º 80080073697, entregue nos cofres do Estado, em 31/01/2006, pela impugnante, ora Recorrida.
A Recorrente, Fazenda Pública, insurge-se contra a conclusão extraída da factualidade apurada pelo tribunal recorrido, por se bastar com a circunstância de as quantias recebidas pelas empresas associadas terem saído com destino à O.D, S.A., afirmando a sentença que a AT não demonstrou que tais quantias tivessem sido recebidas e permanecido na esfera daquelas empresas, pois somente assim seria possível concluir pela ocorrência de uma distribuição de reservas. A Recorrente pugna pela manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, ou seja, que não deverá haver lugar ao reembolso do montante pago a título de retenção na fonte de IRC, uma vez que a existência de fluxos financeiros das empresas associadas para a conta da O.D. , S.A., não sustenta, por si só, a verificação da restituição das reservas distribuídas. O recurso incide, portanto, essencialmente, sobre a valoração dos factos apurados, retirando a Fazenda Pública diferentes ilações, com a consequente diversa subsunção ao direito.
Vejamos o julgamento realizado em primeira instância:
A. Do direito ao reembolso por estar em causa empréstimo
Pretende a impugnante o reembolso da quantia de € 176.294,84, que entregou nos cofres do Estado através de retenção na fonte de IRC, invocando que tal entrega consubstanciou um erro na qualificação dos pagamentos a entidades detentoras do seu capital social ocorridos em 2005, por tais pagamentos terem sido efectuados a título de empréstimo a empresa associada, e não de distribuição de reservas.
Entende a Administração Tributária que o que ocorreu foi uma distribuição de reservas, não sendo credível a alegação do empréstimo pelas seguintes razões:
a) A acta n.º 18 foi lavrada:
a. em 09.11.2005,
b. sem convocação da Assembleia e
c. por uma única representante de todas as sociedades que detêm a totalidade do capital social da O. P e que têm assento na Assembleia Geral;
b) O contrato particular de empréstimo data do dia seguinte ao da acta (10.11.2005);
c) As declarações emitidas no sentido da transferência de valores a título de empréstimo foram todas assinadas pela mesma pessoa;
d) O pagamento do IRC retido foi efectuado em 31.01.2006, após a data limite para o efeito (20.12.2005) e na data assumida para a relevação contabilística de todos os lançamentos de regularização/anulação.
Vejamos.
A questão central está em saber se a impugnante efectuou, no ano de 2005, pagamentos a entidades detentoras do seu capital social a título de distribuição de reservas, no valor global de € 14.000.000,00, ou se, diferentemente, efectuou um empréstimo de tal valor a uma empresa associada (a O.D. , S.A.). Na primeira hipótese, a retenção na fonte efectuada estaria correcta na medida em que a distribuição de reservas (enquanto bens sociais) implica o pagamento de imposto; na segunda, não deveria ter tido lugar e, nessa medida, implica a restituição/o reembolso da quantia paga a esse título.
Do probatório resulta, por um lado, a existência de registos contabilísticos da impugnante que reflectem a ocorrência de uma distribuição de reservas; por outro lado, a impugnante apresentou documentos societários reveladores da ocorrência de um empréstimo.
Efectivamente, nos termos dos registos contabilísticos da impugnante, com data reportada a 26.01.2006, a impugnante transferiu aquele valor, anteriormente contabilizado na conta “credores por outras operações”, para uma conta de sócios, “distribuição resultados”. Por outra banda, como documentos societários temos (i) a acta n.º 18, datada de 09.11.2005, relativa à reunião da assembleia geral, nos termos da qual foi aprovada a concessão à O.D. , SA, de um empréstimo de curto prazo pelo montante de € 14.000.000,00; e (ii) o “contrato de empréstimo”, datado de 10.11.2005, celebrado entre a impugnante e a O.D. , SA, nos termos da qual a impugnante concede àquela um empréstimo de curto prazo pelo valor de € 14.000.000,00.
Perante tal divergência ao nível da documentação – demonstrativa de duas realidades diferentes relativamente ao destinado dado pela impugnante à quantia em causa, de € 14.000.000,00 -, nada determina a prevalência dos documentos societários sobre os registos contabilísticos nem vice-versa. Assim, o que importa é apurar a realidade dos movimentos financeiros ocorridos de modo a alcançar a verdadeira operação financeira e, desse modo, aferir o acerto da tributação na medida em que são os fluxos financeiros que determinam a tributação.
Ora, no que concerne aos concretos movimentos financeiros ocorridos, o que resultou provado foi que, em 11 e 14 de Novembro de 2005, foram efectuadas as seguintes transferências bancárias no total de € 14.000.000,00 da conta da impugnante para: Grupo O. - € 1.105.170,00, € 1.921.397,64 e € 7.232,36, B. O. - € 2.458.127,32, € 9.252,68 e € 4.305.820,00, O. - € 1.053.660,00 e € 1.838.740,00,B.E. - € 473.790,00 e € 826.810,00. E nos mesmos dias em que receberam tais valores da impugnante, aquelas sociedades procederam à sua transferência para conta da O.D., S.A.. Deste modo, e na falta de evidência de fluxos financeiros posteriores de retorno daquelas quantias àquelas sociedades, temos de concluir que os montantes que a impugnante transferiu para aquelas sociedades naquelas datas não ficaram nas mesmas, tendo sido, de imediato, transferidos para a sociedade a quem a impugnante alega ter feito o empréstimo. Esta situação, é, em abstracto, compatível com a alegada existência de um lapso na transferência inicial daqueles montantes para as diversas sociedades do grupo.
Se ocorreu efectivamente um empréstimo, ou não, é matéria que acaba, afinal, por não relevar para a decisão da questão em apreço. O que importa é saber se aquelas sociedades receberam aquela quantia global de € 14.000.000,00, a título de distribuição de reservas – facto tributário subjacente à tributação em causa -, caso em que se impunha a tributação e não assistiria o direito da impugnante ao reembolso.
Ora, como se referiu, o que se conclui é que tais quantias, nos mesmos dias em que foram recebidas pelas sociedades do grupo, saíram das respectivas contas, com o que não podemos concluir pela ocorrência de uma distribuição de reservas justificativa da tributação em causa. Na verdade, a manutenção da tributação implicava uma demonstração da parte da Administração Tributária – que não ocorreu - no sentido em que aquelas quantias haviam sido recebidas (e permanecido) na esfera daquelas empresas. Não tendo tal acontecido, não podemos concluir pela ocorrência de uma distribuição de reservas.
Atento o exposto, assiste à impugnante o direito ao reembolso da quantia de € 176.294,84, entregue ao Estado a título de retenção na fonte de IRC, impondo-se a anulação do respectivo indeferimento e a condenação da Fazenda Pública a efectuar o seu pagamento à impugnante. (…)”
Portanto, o direito ao reembolso que, em primeira instância, se reconheceu resultou da evidenciação dos movimentos financeiros, sendo que o tribunal recorrido veio a considerar, fazendo accionar as regras de distribuição do ónus da prova, que a AT não teria demonstrado a existência de distribuição de reservas, decidindo prevalecerem os fluxos financeiros apurados, enquanto realidade, sobre a documentação societária e contabilística constante dos autos.
Para melhor compreensão da situação, não podemos deixar de recuperar a argumentação vertida na impugnação judicial, com vista ao reembolso da importância paga a título de imposto retido na fonte, apesar de alguma factualidade invocada ter acabado por ser julgada não provada pelo tribunal recorrido: (i) Em Novembro de 2005, a impugnante alienou todos os seus activos relacionados com a produção de vinho do Porto, com o que ficou numa situação financeira de excesso de liquidez, situação que levou os sócios a ponderar uma distribuição antecipada de reservas, o que não chegou a acontecer porquanto a mesma não estava prevista no pacto social e havia a necessidade premente de financiamento por parte de uma sociedade do grupo (a O.D , S.A.), pelo que os sócios da impugnante, na acta n.º 18 de 09.11.2005, deliberaram e aprovaram conceder a essa sociedade um empréstimo remunerado no montante de 14 milhões de euros, contrato esse que foi celebrado em 10.11.2005; (ii) Não obstante, os representantes espanhóis da impugnante com poderes para movimentar as suas contas bancárias, assumiram, erradamente, que as sócias da impugnante haviam optado pela imediata distribuição de reservas e ordenaram, em 11 e 14 de Novembro de 2005, as seguintes transferências bancárias da conta da impugnante para: Grupo O. - € 1.105.170,00 e € 1.928.630,00, B. O. - € 2.467.380,00 e € 4.305.820,00, O.D. - € 1.053.660,00 e € 1.838.740,00, BE. - € 473.790,00 e € 826.810,00; (iii) Ao receberem tais valores da impugnante, aquelas sociedades aperceberam-se do lapso e procederam, de imediato, à sua transferência para a O.D, S.A., nos termos estipulados naquela acta; (iv) Nem aquela acta nem o contrato de empréstimo nem as transferências ocorridas entre as sociedades espanholas foram comunicadas à técnica oficial de contas da impugnante, pelo que a mesma, induzida em erro pelas transferências bancárias efectuadas para todas as sócias da impugnante, assumiu que a impugnante tinha procedido a uma distribuição de reservas, tendo, posteriormente, procedido aos movimentos contabilísticos inerentes e subjacentes a uma distribuição de reservas e à saída dos referidos fundos; (v) Os últimos meses do exercício de 2005 tiveram grandes alterações ao normal funcionamento da impugnante, as quais foram tratadas por uma só pessoa e em pouco mais de 2 meses: a) A venda de activos efectuada implicou uma transformação total na respectiva actividade, a saída dos funcionários que habitualmente tratavam dos assuntos administrativos, a venda de todos os equipamentos, maquinarias, mobiliários, materiais e demais bens e produtos afectos a essa actividade de produção de vinho, assim como a venda das próprias instalações e sede social da impugnante; b) O gerente que se encontrava em Portugal e que acompanhava diariamente os assuntos da impugnante renunciou ao exercício do cargo em 03.11.2005, tendo sido nomeado um novo gerente; c) A subsequente mudança das instalações e de todos os documentos (pastas, documentos da contabilidade) foi efectuada durante as três semanas posteriores à venda; d) Durante o mês de Novembro de 2005, foi necessário avisar todos os clientes, fornecedores e outras entidades que mantinham alguma relação com a empresa, da nova gerência da impugnante e da nova localização da sua sede social, e cancelar todos os contratos referentes às instalações de Gaia; e) Teve de continuar a responder-se aos pedidos efectuados pelos clientes relativamente à comercialização de vinho; f) Foi necessário cumprir todos os aspectos fiscais e contabilísticos decorrentes da venda de activos e da actividade de comercialização bem como das outras actividades que continuou a desenvolver (madeira e agro-pecuária); (vi) Deste modo, aquando dos lançamentos contabilísticos subjacentes às saídas de fundos das contas bancárias da impugnante, a TOC, que não tinha recebido qualquer outra informação dos representantes espanhóis da impugnante – tendo apenas conhecimento das transferências bancárias e de um formulário 9-RFI, autenticado pela administração espanhola, enviado pela B E. – efectuou os movimentos contabilísticos de uma distribuição de reservas e, assim que teve disponibilidade (31.01.2006), entregou ao Estado os valores de retenção na fonte que seriam devidos por essa hipotética distribuição de reservas; (vii) Aquando da preparação da aprovação de contas do exercício (30.04.2006), o responsável espanhol pela impugnante veio a Portugal, em 21.02.2006, para uma reunião com a TOC de análise das contas a serem apresentadas para aprovação, tendo, então, começado a ser analisados os movimentos mais significativos efectuados no exercício em causa e os registos contabilísticos correspondentes, para confirmar o seu correcto enquadramento e, para grande surpresa da TOC e do responsável espanhol da O., os movimentos lançados na contabilidade, nomeadamente aqueles que se referiam ao empréstimo efectuado à O.D., S.A., não estavam de acordo com o que tinha sido deliberado pela assembleia geral da O., na referida acta n.º 18, pelo que foi apenas nesse momento que a TOC e aquele responsável se aperceberam que não tinha sido transmitido à TOC que os sócios da O. não só tinham decidido adiar a distribuição de reservas para um momento posterior, como também tinha decidido efectuar um empréstimo à O.D. , nem tinham sido comunicados à TOC a acta e o contrato de empréstimo; (viii) Foi neste contexto que foram executados os movimentos contabilísticos a corrigir os movimentos anteriormente efectuados, anulando os movimentos correspondentes a uma distribuição de reservas (que nunca tinha existido) e efectuando os lançamentos de suporte do empréstimo efectivamente realizado à O.D ; (ix) A assembleia geral de onde resultou a acta n.º 18 foi realizada no estrito respeito do artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais e a representação das sócias resultante daquela acta é uma possibilidade permitida pelo artigo 12.º do pacto social da O. e pelo artigo 249.º daquele Código, pelo que a falta de credibilidade da acta alegada pela Administração Tributária carece de fundamento; (x) A circunstância de o contrato de empréstimo ter sido assinado no dia seguinte ao da acta não afecta a sua credibilidade pois que o empréstimo era urgente, atentos os motivos que o determinaram, e a O. tinha fundos para o efeito; (xi) O atraso nos registos é previsível na prática empresarial, sendo considerado no n.º 4 do artigo 115.º do Código do IRC; (xii) Os movimentos bancários não foram anulados por não ser necessário fazer isso uma vez que as quantias anteriormente transferidas, embora erradamente contabilizadas, eram, de facto, para a conta da O.D., S.A. e as sociedades espanholas já tinham procedido às transferências necessárias para repor a situação correcta; (xiii) A data contabilística das correcções efectuadas, reportada a 31.01.2006, impôs-se por as correcções a efectuar terem de ser reportadas ao exercício de 2005, embora o erro só tenha sido reconhecido em 23.02.2006; (xiv) A decisão da reclamação graciosa padece de fundamentação pois não faz referência a qualquer normativo legal nem demonstra existir uma ligação entre os factos descritos e a decisão tomada.
Importa, ainda, referir que, em face da invocação pela impugnante, aqui Recorrida, de estarmos, afinal, perante um empréstimo, não sujeito a tributação, o tribunal recorrido solicitou prova reveladora de que esse empréstimo estava liquidado, tendo sido apresentados alguns documentos em 11/06/2019 – cfr. pontos S a U da decisão da matéria de facto.
O tribunal recorrido acabou por desvalorizar a importância da existência de um empréstimo, afirmando que se ocorreu efectivamente um empréstimo, ou não, é matéria que acaba, afinal, por não relevar para a decisão da questão em apreço. O que importa é saber se aquelas sociedades receberam aquela quantia global de €14.000.000,00, a título de distribuição de reservas – facto tributário subjacente à tributação em causa -, caso em que se impunha a tributação e não assistiria o direito da impugnante ao reembolso.
É fulcral que se esclareça, desde já, não estar em causa, pelo menos ab initio, qualquer actuação da AT - esta não alterou, não corrigiu, não reformou, não liquidou adicionalmente um tributo. Como ficou claro, o IRC em discussão foi retido na fonte e entregue ao Estado, invocando a impugnante nesta acção, na sequência de indeferimento de reclamação graciosa, que ocorreu um erro na entrega do imposto retido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 132.º do CPPT. Ora, se a impugnante invocou ter-se verificado um erro, porque, de facto, se operou um empréstimo e não uma distribuição de reservas, a ela lhe cabe realizar essa demonstração, à impugnante se impõe provar o erro, tendo em vista obter o solicitado reembolso da importância paga a título de retenção na fonte – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT e artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, a fim de comprovar os factos constitutivos do seu direito à restituição de tal montante.
A AT verteu na decisão da reclamação graciosa os fundamentos para indeferir o pedido de reembolso da importância retida e paga. Logo, não olvidando que nos presentes autos estamos perante um contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de impugnação judicial, onde o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto de indeferimento da reclamação graciosa, partiremos dessa motivação.
No entanto, antes de apreciarmos se a AT, fundadamente, recusou este reembolso solicitado pela aqui Recorrida, dado que o conhecimento do vício de falta de fundamentação, também invocado e imputado pela impugnante à decisão da reclamação graciosa, ficou prejudicado em face da procedência do erro sobre os pressupostos; debruçar-nos-emos sobre este vício de violação de lei apreciado na sentença recorrida.
Por outro lado, o tribunal recorrido partiu do elenco dos fundamentos aventados para o indeferimento (cfr. transcrição supra), o que revela, desde logo, existir matéria de base para tal análise, dado que se ocorresse falta de fundamentação formal, o mais certo seria mostrar-se inviabilizada a apreciação do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos.
Sufragamos a ideia de que o ponto de partida para a interpretação das regras de repartição do ónus da prova deve ser feita por reporte à previsão da norma que consagra o direito invocado pela impugnante, aqui Recorrida, consubstanciado na restituição das quantias entregues erradamente ao Estado. Situando-se o problema ao nível da subsunção dos factos à norma jurídica invocada, pois que as regras de repartição do ónus da prova devem ser interpretadas e aplicadas à luz do direito substantivo, onde cada litigante tem de provar todos os pressupostos, positivos e negativos, das normas favoráveis à sua pretensão – cfr. Miguel Teixeira de Sousa in “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, (1995), página 222.
In casu, a impugnante deverá ter demonstrado que entregou indevidamente ao Estado o montante de €176.294,84 – cfr. artigo 132.º do CPPT.
Portanto, antes de mais, importa analisar se a impugnante cumpriu o ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito, isto é, do seu direito de reembolso – cfr., reiteramos, o artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que reflecte o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. Pois que na correcta aplicação das regras do ónus da prova estão em causa juízos de direito, sendo de apreciar por recurso à interpretação de regras legais.
Queremos com isto significar que jamais seria possível apreciar devidamente o recurso interposto pela Fazenda Pública sem ter por base a correcta repartição do ónus da prova na situação em análise, pois que tal necessidade decorre da interpretação de regras de direito, pelo que o julgador, neste âmbito, não está sujeito ou condicionado ao alegado pelas partes. Logo, ao contrário do afirmado nas contra-alegações do recurso, não existirá excesso de pronúncia por parte deste tribunal ao realizar o devido enquadramento legal do pedido de reembolso formulado pela impugnante, com as inerentes consequências na aplicação das regras do ónus da prova.
Entendemos, pois, sindicar o recurso da Fazenda Pública, sob a perspectiva do erro nas ilações a retirar da factualidade apurada.
Ora, assim sendo, a Recorrida requereu, subsidiariamente, para esta eventualidade, o aditamento à matéria de facto provada dos seguintes factos:
i) O GRUPO O., S.A. tinha uma dívida para com a Recorrida, decorrente directa e imediatamente da cessão da posição contratual entre a O.D., S.A. e o GRUPO O., S.A. no empréstimo obtido pela primeira junto da Recorrida a 10 de Novembro de 2005 – alínea M) da matéria de facto dada por provada na sentença recorrida;
ii) Tal empréstimo foi totalmente liquidado pelo GRUPO O., S.A., a 30 de Abril de 2007, através de compensação com um crédito que detinha sobre a Recorrida – cfr. documento n.º 1 junto ao requerimento apresentado a 7 de Junho de 2019;
iii) O referido crédito do GRUPO O., S.A. sobre a Recorrida resultou de um reembolso de capital (por redução do mesmo) e de distribuição de dividendos, deliberados em Assembleia Geral, a 18 de Janeiro de 2007 e 27 de Abril de 2007 – cfr. documentos n.os 2 e 3 juntos ao requerimento apresentado a 7 de Junho de 2019.
Quanto ao ponto i), tal factualidade já está vertida na alínea M) da decisão da matéria de facto. Introduzir a menção à existência de uma dívida e ao nexo de causalidade peticionado corresponde a levar ao probatório uma conclusão, sendo que tais ilações devem ser realizadas posteriormente pelo julgador.
No que tange ao solicitado no ponto ii), o meio probatório indicado para considerar tal matéria, relativa à liquidação total de empréstimo pelo Grupo O., S.A., em 30/04/2007, por compensação, trata-se de uma declaração de liquidação de empréstimo; contudo, entendemos que tal não corresponde a documento idóneo para, com a segurança e certeza exigíveis, concluir pela liquidação de empréstimo, na medida em que não é revelador de movimentos bancários referentes ao reembolso da quantia de €14.000.000,00, inexistindo, igualmente, quaisquer outros documentos que espelhem fluxos monetários nesse sentido, designadamente contabilísticos. Bem compreendemos que a forma invocada é a “compensação” e que, por isso, falha a existência real de fluxo do montante em causa. No entanto, tudo parece assentar na cessão de posição contratual referida na alínea M) do probatório, e, sem querer colocar em causa a veracidade do documento n.º 1 junto em 11/06/2019 (declaração de liquidação), a verdade é que o mesmo não permite formar convicção firme neste tribunal, apontando para eventuais manobras financeiras.
No que concerne ao ponto iii), o teor dos documentos n.º 2 e n.º 3 mencionados já está vertido nas alíneas S e U do probatório. Por outro lado, o nexo que se pretende demonstrar é uma ilação. Note-se, porém, que tal matéria consta dos pontos 8 e 9 da factualidade não provada, sendo que a motivação para julgar tais factos não provados não se mostra aqui devida e cabalmente impugnada. Com efeito, quanto ao crédito no valor de €14.000.000,00, que a Grupo O., S.A., deteria junto da impugnante, nem a sua existência nem a respectiva compensação com a alegada dívida daquela ficaram provadas, na medida em que, não obstante a impugnante ter sido notificada para juntar aos autos documentos contabilísticos comprovativos do reflexo de tal compensação na sua contabilidade, a mesma limitou-se a juntar uma declaração (cfr. documento n.º 1 junto aos autos em 11/06/2019), naturalmente inapta para o efeito, dado que não prova que tais realidades (a existência do crédito e a sua compensação) ficaram registadas na contabilidade.
Nesta conformidade, indefere-se o aditamento solicitado pela Recorrida, mostrando-se, portanto, estabilizada a decisão da matéria de facto.

Acompanhamos a Recorrente no raciocínio de que não basta a existência de fluxos financeiros das empresas associadas para a conta da O.D., S.A., para se retirar a ilação de que se verificou a restituição das reservas distribuídas. Efectivamente, para se comprovar a existência de um lapso, seria necessário observar-se a rectificação desse erro detectado, em concreto no movimento inverso dos fluxos financeiros, através da devolução à impugnante, ora Recorrida, das quantias recebidas por cada empresa associada; tal deveria ser visível nos movimentos das contas bancárias. A verdade é que essas empresas encaminharam os montantes proporcionalmente distribuídos para a O.D., S.A. em vez de restituírem os valores à impugnante. Assim, não pode dizer-se ter sido esta a mobilizar qualquer quantia para efeitos de empréstimo, pois as quantias partiram das empresas associadas para a O.D., S.A. e não da aqui Recorrida.
Perante todos os elementos dos autos e a matéria de facto apurada, não é credível que não tenha havido distribuição de resultados, atentas as operações contabilísticas e de apuramento realizadas pela impugnante e concretizadas através da liquidação do imposto retido e respectiva entrega. Além disso, os documentos, que a Recorrida pretende que demonstrem uma operação de empréstimo, são anteriores a todos os movimentos que configuram contabilisticamente distribuição de reservas, ficando por explicar por que motivo se fizeram registos contabilísticos que reflectem uma operação diferente.
A Recorrente afirma que o tribunal a quo concluiu pela prevalência dos documentos societários sobre os registos contabilísticos. Porém, como ficou reproduzido supra, o tribunal recorrido viu-se confrontado, perante o probatório apurado, por um lado, com a existência de registos contabilísticos da impugnante que reflectiriam a ocorrência de uma distribuição de reservas; por outro lado, a impugnante apresentou documentos societários que revelariam a ocorrência de um empréstimo. Perante tal dualidade ao nível da documentação – demonstrativa de duas realidades diferentes relativamente ao destino dado pela impugnante à quantia de €14.000.000,00, apesar de a contabilidade dever reflectir o registo de operações suportadas em documentos, perante divergência nada determina a prevalência dos documentos societários sobre os registos contabilísticos nem vice-versa. Assim, o tribunal recorrido, nesta parte com acerto, diremos nós, concluiu que o importante seria apurar a realidade dos movimentos financeiros ocorridos de modo a alcançar a verdadeira operação financeira, na medida em que será a natureza dos fluxos financeiros que determinará ou não a tributação.
Efectivamente, nos termos dos registos contabilísticos da impugnante, com data reportada a 26/01/2006, esta transferiu aquele valor, anteriormente contabilizado na conta “credores por outras operações”, para uma conta de sócios, “distribuição resultados”. Por outra banda, como documentos societários, temos a acta n.º 18, datada de 09/11/2005, relativa à reunião da assembleia geral, nos termos da qual foi aprovada a concessão à O.D., S.A., de um empréstimo de curto prazo pelo montante de €14.000.000,00; e o “contrato de empréstimo”, datado de 10/11/2005, celebrado entre a impugnante e a O.D., SA, nos termos do qual a impugnante concede àquela um empréstimo de curto prazo pelo valor de €14.000.000,00.
Ora, no que concerne aos concretos movimentos financeiros ocorridos, o que resultou provado foi que, em 11 e 14 de Novembro de 2005, foram efectuadas as seguintes transferências bancárias, no total de €14.000.000,00, da conta da impugnante para: Grupo O. - € 1.105.170,00, € 1.921.397,64 e € 7.232,36, BO. - € 2.458.127,32, € 9.252,68 e € 4.305.820,00, O.D. - € 1.053.660,00 e € 1.838.740,00, B.E. - € 473.790,00 e € 826.810,00. E nos mesmos dias em que receberam tais valores da impugnante, aquelas sociedades procederam à sua transferência para conta da O.D., S.A..
De facto, não podemos entender, reiteramos, que estes concretos fluxos financeiros reflictam o “contrato de empréstimo”, datado de 10/11/2005, formalizado entre a impugnante e a O.D., S.A., nos termos do qual a impugnante teria concedido àquela um empréstimo de curto prazo pelo valor de €14.000.000,00, dado que foram as várias empresas associadas que procederam à transferência de valores para a conta da O.D., S.A. e não a impugnante.
Refira-se que, na informação emitida, em 14/06/2007, pela Divisão de Inspecção Tributária III da Direcção de Finanças do Porto, cujos factos e fundamentos sustentaram a decisão a proferir no âmbito do procedimento de reclamação graciosa – cfr. alíneas B) e C) do probatório – tendo por base a ideia de erro e de rectificação desse lapso, se analisaram as regularizações (anulações) contabilísticas realizadas pela impugnante, tendo-se constatado que, com data reportada a 31/01/2006, a impugnante procedeu a regularizações contabilísticas, assumindo a natureza de anulações dos movimentos contabilísticos “distribuição de resultados”, porquanto efectuou na sua contabilidade movimentos inversos aos efectuados em 26/01/2006 [cfr. alíneas P) e R) da decisão da matéria de facto]. Todavia, os movimentos efectuados nas contas de “Disponibilidades (12100 e 12108), efectuados em 11/11/2005 e em 14/11/2005, mantiveram-se inalterados, ou seja, as transferências bancárias foram, efectivamente, realizadas – cfr. alínea N) do probatório.
Efectivamente, a rectificação do erro não se revela completa, dado que não só não foram registados movimentos inversos nas contas de “Disponibilidades”, como resultou provado que foram as empresas associadas a transferir os montantes proporcionalmente recebidos para a O.D., S.A. – cfr. alínea O) da decisão da matéria de facto.
Por outro lado, o Tribunal a quo considerou que, relativamente aos factos não provados, a impugnante não juntou quaisquer documentos reveladores da correspondente realidade, sendo certo que, no âmbito da actividade empresarial da dimensão em causa, o mais verosímil seria que houvesse registo documental daquela factualidade. Mais referindo “No que concerne, em especial, ao alegado desconhecimento da técnica oficial de contas da impugnante relativamente ao teor da acta n.º 18 e ao empréstimo, importa referir que tal situação não se mostra verosímil num contexto empresarial com considerável dimensão e estando em causa uma elevada importância (€14.000.000,00).(...)”.
Nesta conformidade, verifica-se que a regularização (anulação) contabilística não corresponde integralmente ao fluxo financeiro que ocorreu. Isto é, a explicação de que operou um erro não tem respaldo nem nos movimentos financeiros reais, nem nas correcções contabilísticas, dado não se observarem movimentos das quantias em sentido contrário das empresas associadas para a impugnante e, depois, também não se vislumbra a concretização do empréstimo por parte da impugnante para a O.D., S.A., uma vez que não existem transferências bancárias que revelem a saída de tal montante da impugnante com destino à O.D., S.A.
A Recorrida, na presente impugnação judicial, esclarece que não procedeu a qualquer anulação dos movimentos bancários, uma vez que não havia necessidade de tal procedimento, porquanto as quantias anteriormente transferidas, embora erradamente contabilizadas, eram de facto para a conta da O.D.,S.A.. E as sociedades espanholas tinham já procedido às transferências necessárias para repor a situação correcta – cfr. 88.º e 89.º da petição inicial.
No entanto, esquece a impugnante que, perante as divergências documentais e a avultada quantia em discussão (€14.000.000,00), se lhe impunha provar que existiu erro e que o mesmo foi corrigido, em termos práticos, de forma credível, designadamente, com transferências do valor de movimento inverso, pois somente assim seria possível concluir ter sido rectificado o lapso.
Ora, assim sendo, consideramos que a impugnante não demonstrou, com a segurança e certeza exigíveis, ter, de facto, realizado um empréstimo à O.D. , S.A., não tendo, portanto, comprovado verificar-se o erro que subjaz à aplicabilidade do disposto no artigo 132.º do CPPT – cfr. artigo 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do Código Civil; logo, não poderá obter o reembolso de imposto alegadamente entregue e retido na fonte de forma indevida.
Aqui chegados, forçoso será conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida. Contudo, a impugnante ainda havia invocado a falta de fundamentação do acto de indeferimento da reclamação graciosa, por não conter a indicação dos seus fundamentos de direito; tendo a sentença recorrida, como julgou assistir à aqui Recorrida o direito ao peticionado reembolso por procedência do erro nos pressupostos, decidido ficar prejudicado o conhecimento desse vício de falta de fundamentação, imputado à decisão da reclamação graciosa na petição de impugnação.
A Fazenda Pública defendeu que a decisão da reclamação graciosa se encontra devidamente fundamentada, não sendo para o efeito necessária a enunciação das normas jurídicas em que assentou.
Realçamos, porém, que, entretanto, já o tribunal se pronunciou judicialmente, como vimos, de forma definitiva e final sobre a mesma questão nestes autos, por isso, será totalmente inútil equacionar, sequer, uma retoma do procedimento gracioso ou a renovação do acto expurgado do eventual vício de falta de fundamentação, na medida em que o processo de contencioso administrativo e tributário tem prevalência sobre o procedimento gracioso, conforme decorre do previsto no artigo 111.º, n.º 3, n.º 4 e n.º 5 do CPPT.

Por este motivo, abster-nos-emos de conhecer esta questão, cuja apreciação o tribunal recorrido julgou prejudicada.

Conclusão/sumário

Em caso de impugnação judicial de indeferimento expresso de reclamação graciosa, nos termos do artigo 132.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, cabe ao impugnante demonstrar que se verificou erro na entrega de imposto retido na fonte, tendo em vista o cumprimento do ónus da prova quanto aos factos constitutivos do seu direito de reembolso – cfr. o artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que reflecte o artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação judicial totalmente improcedente.

Custas, em ambas as instâncias, a cargo da Recorrida.

Porto, 20 de Janeiro de 2022

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares