Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00729/08.5BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/08/2024
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Tiago Miranda
Descritores:COMPENSAÇÃO URBANÍSTICA;
ERRO NA FORMA DE PROCESSO;
NÃO CONVOLAÇÃO POR EXTEMPORANEIDADE DA FORMA DEVIDA;
Sumário:
I - Uma vez que está assente nos autos a natureza de tributo da exigência da prestação pecuniária aqui impugnada – cf. o acórdão proferido nestes autos em 13/6/2011, que neles fez caso julgado – e uma vez que a prestação exigida é concreta e determinada, isto é, líquida, temos de convir em que estamos perante um acto tributário que envolve a liquidação de um tributo, pelo que o meio processual adequado é a impugnação judicial, cuja tramitação vem gizada nos artigos 99º e sgs d CPPT.

II – Os direitos liberdades e garantias constitucionais, tal como os direitos fundamentais da carta de direitos fundamentais da EU, não são absolutos, têm que se contrair em função uns dos outros, segundo as ponderações de interesses que o Legislador ordinário tenha de fazer em função das realidades a regular e dos objectivos políticos (lato sensu) prosseguidos, no limite do respeito pelo seu núcleo essencial e do princípio de proporcionalidade, bem como da hierarquia da sua importância no quadro do principio basilar do Estado de direito democrático português, bem como da União Europeia, que é a dignidade do ser humano [cf. artigos 1º e 18º da Constituição e artigos 1º e 52º da Carta dos Direitos Fundamentais da EU.

III – É o que acontece quando o legislador ordinário fixa um prazo peremptório para o exercício da tutela jurisdicional dos direitos subjectivos fundados na anulabilidade de um acto administrativo ou tributário.

IV - Portanto não viola o direito liberdade e garantia constitucional e direito fundamental da CDFUE à tutela jurisdicional efectiva, a sentença que absolveu o demandado da instância da acção administrativa especial, com fundamento na extemporaneidade do meio processual a convolar.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I - Relatório
[SCom01...], LDA., NIF ...19. com sede na Rua ..., ..., ..., ..., interpôs o presente recurso de apelação relativamente ao despacho saneador/sentença proferida em 18 de Novembro de 2009 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que absolveu da instância o Réu Município ... na acção administrativa especial que a recorrente instaurou contra o mesmo município, na qual, referindo-se ao ofício de 22/01/2008, em que lhe foi comunicado que, além das taxas urbanísticas e imposto de selo já pagos, teria que pagar 37 772 € a título de compensação urbanística, pediu que fosse “declarada a nulidade/anulabilidade do acto impugnado” e a condenação do “Réu a devolver a quantia de € 37.772,00, ao abrigo do artigo 117º n°4 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo DL 555/99, de 16 de Dezembro com a redacção do DL 177/2001, de 4 de Junho,” bem como à “adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados do Autor e à adopção das operações necessárias a reconstituir a situação que existiria se o acto nulo/ anulado não tivesse sido praticado”.

Rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:
«CONCLUSÕES
1. A forma de processo própria e adequada para a presente acção é a acção administrativa especial dos artigos 46° e segs. do CPTA.
COM EFEITO
2. O critério de aferição da propriedade ou impropriedade da forma de processo reside em apurar se o pedido formulado se harmoniza com o fim para que foi estabelecida a forma processual empregue pelo Autor, só havendo erro na forma de processo quando este não se coaduna com o pedido formulado na acção, ou seja, é pelo pedido formulado que se aquilata do acerto ou do erro da forma de processo escolhida pelo Autor, é aliás jurisprudência corrente - cfr. Acs. da Relação de Lisboa de 29.04.2004, proc. 2821/2004-2; de 13.07.2005, proc. 6322/2005-6; e do Supremo Tribunal de Justiça de 14.12.2006, proc. 06B3684; todos in www.dgsi.pt

3. Como corolário do princípio da legalidade das formas processuais temos a regra de que a cada pedido deve corresponder a forma processual adequada segundo a natureza daquele, não tendo as partes, nem o juiz, a liberdade de optar por qualquer outra (neste sentido, cfr. Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, págs. 386 e 387).

4. No caso em apreço, a Autora, com fundamento na ilegalidade, na falta de audiência prévia dos interessados e na falta de fundamentação, veio peticionar:
a. A declaração de nulidade/anulabilidade do acto impugnado ao abrigo do artigo 133° e seguintes do Código do Procedimento Administrativo;
b. A condenação do Réu a devolver a quantia de € 37.772,00 ao abrigo do artigo 117° n° 4 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo DL 555/99, de 16 de Dezembro com a redacção do DL 177/2001, de 4 de Junho;
c. A condenação do Réu à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados da Autora e à adopção das operações necessárias a reconstituir a situação que existiria se o acto nulo/anulado não tivesse sido praticado.
5. Lidos os artigos 96° e 97° do Código de Procedimento e Processo Tributário, em nenhum lado se estabelece que o Processo Tributário pode ter como objecto a impugnação de um acto administrativo como o que aqui está em causa ou a impugnação do poder vinculado conferido a uma autarquia local em matéria de licenciamentos ou ainda a reconstituição de uma situação anterior.

6. O CPPT não prevê sequer a possibilidade de cumulação dos pedidos, nem dispõe de uma forma de processo adequada e própria ao que foi peticionado pela Autora.

7. Não restam, assim, dúvidas que ao pedido deduzido pela Autora corresponde a forma de processo da acção administrativa especial com pretensão conexa a que se referem os artigos 46° e 47° do CPTA,

8. Pelo que a Autora utilizou a forma de processo que corresponde ao pedido formulado e não havendo qualquer erro na forma de processo ou qualquer impropriedade do meio processual empregue.

9. Neste sentido, vide, entre outros, in www.dgsi.pt o Acórdão do TCA Norte de 14.02.2007, proc. 00414/04.7BEPNF, Ia Secção - Contencioso Administrativo e o Acórdão do TCA Norte de 11.10.2007, proc. 01109/05.0BEBRG, Iª Secção - Contencioso Administrativo
ACRESCE QUE,
10. Todas as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visam produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta e sejam lesivos, são actos administrativos (cfr. Acórdão do TCA Norte de 05.02.2009, proc. 01688/08.0BEPRT, Ia Secção - Contencioso Administrativo),
11. O que é, aliás, consagrado na Constituição da República Portuguesa ao garantir aos administrados o direito a impugnar junto dos tribunais quaisquer actos administrativos que os lesem independentemente, da sua forma (artigo 264° n° 4 CRP).

12. Desta feita, à luz do disposto no artigo 120° do CPA, 20° e 268° n° 4 da CRP e 51° e segs. do CPTA, a decisão autárquica que determinou o pagamento de uma “compensação urbanística” à Autora configura um acto administrativo impugnável (em sentido idêntico, vide Acórdão do TCA Norte de 12.03.2009, proc. 00163/08.7BEPNF, Ia Secção - Contencioso Administrativo e Acórdão do STA, proc. 312/07, 1ª Secção, 2ª Subsecção).

13. Neste sentido, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue que a forma de processo própria e adequada é a acção administrativa especial.
AINDA QUE ASSIM NÃO SE ENTENDA,
O QUE NÃO SE CONCEDE,
14. Caso se considere que a acção administrativa especial não era a própria nem a adequada, porquanto a Autora deveria ter lançado mão do processo de impugnação tributário, sempre se dirá que, em bom rigor, essa circunstância se consubstancia como uma mera nulidade processual principal por erro na forma de processo, consagrada no artigo 199° do CPC, aplicável ex vi artigo 1º do CPTA.
15. Porque nos termos do n° 1 do artigo 1º da Portaria 1418/2003, de 30 de Dezembro, que procedeu à instalação e à agregação dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Tribunal Administrativo de Círculo de Penafiel e o Tribunal Tributário de Penafiel funcionam agregados, nunca se poderá verdadeiramente falar aqui numa incompetência absoluta do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em razão da matéria - até porque a incompetência absoluta do Tribunal nunca poderá ser sanada, salvo nos casos do n° 2 do artigo 14° do CPTA, e ainda assim nunca oficiosamente (cfr. artigos 101°, 105°, 108°, 11 Io n° 3, 288° n° 1 al. a) e n° 2 e 493° n° 2, todos do CPC e, ainda, artigo 14° do CPTA).
16. Por outro lado, a impropriedade do meio processual, atenta a redacção do artigo 199° do CPC, aplicável ex vi o artigo 1o do CPTA, nunca se poderá qualificar como uma excepção dilatória dado que não obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa (cfr. art. 493° n° 2 do CPC), além de que nem sequer consta do elenco (ainda que exemplificativo) do artigo 494° do CPC,
17. Assim, segundo o n° 1 do artigo 199° do CPC, “O erro na forma de processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.", sendo que, na eventual convolação da acção administrativa especial em processo impugnatório tributário, pelo menos, a petição inicial será sempre de aproveitar.
18. A relevância desta precisão é que, com base na alegada “impropriedade do meio processual", nunca o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” poderia ter absolvido o Réu da instância.
POR OUTRO LADO,

19. Salvo o devido respeito, não é verdade que a Autora tenha somente apontado vícios geradores de anulabilidade.
20. Relativamente ao vício da ilegalidade do acto administrativo impugnado, a Autora conclui, nos artigos 31° e 32° da petição inicial, que a sanção jurídica para a mesma, nos termos do artigo 133° do CPA e do artigo 117° n° 4 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, é a nulidade.
21. Acresce que o Meritíssimo Juiz do Tribunal do Tribunal “a quo” não faz qualquer apreciação, ainda que sumária, da susceptibilidade de o apontado vício gerar outra sanção jurídica que não a apontada pela Autora, o que sempre levará à nulidade da sentença por não especificar os fundamentos de direito que justificam aquela decisão (alínea b) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, aplicável ex vi o artigo Io do CPTA).
22. Ora, nos termos do n° 1 do artigo 58° do CPTA, “A impugnação de actos nulos ou inexistentes não está sujeita a prazo.”.
23. Por outro lado, relativamente aos restantes vícios imputados ao acto administrativo impugnado, sendo certo que a Autora aponta como sanção jurídica a mera anulabilidade, sempre se diga que o vício da falta de audiência prévia da interessada poderá ter como consequência jurídica a nulidade do acto administrativo sempre que, concretamente, ela for configurada como uma ofensa ao conteúdo essencial de um direito fundamental, nos termos da alínea d) do n° 2 do artigo 133° do CPA.
24. Atenta a falta de clareza da sanção jurídica correspondente ao vício em causa e que, de acordo com o disposto no artigo 664° do CPC, aplicável ex vi o artigo 1º do CPTA, “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito...’’, o Meritíssimo Juiz deveria apresentar uma fundamentação de direito que justificasse a afirmação constante da sentença de que “... a A. apenas lançou contra o acto impugnado vícios meramente geradores da forma de invalidade regra, ou seja, a anulabilidade...".
25. A omissão deste dever é, de acordo com a alínea b) do n° 1 do artigo 668° do CPC, aplicável ex vi o artigo Io do CPTA, causa de nulidade da sentença,
26. Pelo que a sentença recorrida deve ser revogada e ser a presente acção considerada tempestiva ou, subsidiariamente, deve a sentença ser considerada nula por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificaram a decisão, ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 668° do CPC, aplicável ex vi o artigo 1º do CPTA.
27. O mesmo se poderá dizer caso a acção se tivesse convolado na impugnação judicial tributária.
28. Tendo a Autora invocado, efectivamente, vícios geradores de nulidade, a impugnação judicial tributária, à semelhança da acção administrativa especial, pode ser deduzida a todo o tempo. É o que dispõe o n° 3 do artigo 102° do CPPT.
29. Por tudo o que acabou de se dizer, a sentença recorrida viola os artigos 2°, 46°, 47°, 51° e 58° e seguintes do CPTA, os artigos 120° e 133° do CPA, os artigos 96°, 97° e 102° do CPPT, o artigo 117° n° 4 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, o artigo 199°, 288° n° 1 e) e 493° n° 3 do CPC, aplicável ex vi o artigo Io do CPTA, o artigo 20° e 268° n° 4 da CRP e ainda o princípio da tutela jurisdicional efectiva e os princípios antiformalista, “pro actione" e “in dubio pro habilitate instantiae".
30. Com aquela decisão, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo" privou ainda a Autora de aceder ao Direito e de obter uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a sua pretensão.
31. A inobservância deste princípio importa para a Recorrente a desconsideração de um dos direitos mais elementares de um Estado Democrático e de Direito, desconsideração essa que não é aceitável em face do artigo 2° do CPTA e dos artigos 20° e 268° n° 4 da CRP e, ainda, do princípio da tutela jurisdicional efectiva.
32. O procedimento por excelência que permite ao Tribunal de Justiça garantir a unidade do direito comunitário é o mecanismo das decisões a título prejudicial previsto no artigo 234° do Tratado CE.
33. A decisão em causa viola ainda o artigo 6° n° 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem o artigo 6° n° 2 e 3 do Tratado da União Europeia, na redacção que lhe foi dada pelo Tratado de Lisboa, o artigo 47°, parágrafo segundo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (cujo valor jurídico vinculativo é reconhecido no artigo 6° n° 1 do Tratado da União Europeia, versão Tratado de Lisboa) e a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia, sendo que os Estados-Membros estão sujeitos a um princípio de lealdade ao Direito da União Europeia, devendo assegurar o cumprimento das obrigações decorrentes dos Tratados (cfr. artigo 10° do Tratado das Comunidades Europeias), sob pena de responsabilidade civil do Estado-Membro por danos causados aos particulares.
34. A jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo a afirmar, desde a década de 60, o princípio da tutela jurisdicional efectiva, no seu sentido mais amplo. A título de exemplo, na década de 80, no caso Johnston, o Tribunal de Justiça qualifica explicitamente o princípio da tutela jurisdicional efectiva como um direito fundamental que se baseia nas tradições constitucionais dos Estados-Membros e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Esta jurisprudência foi reafirmada em vários acórdãos, dos quais se destacam os casos Heylens, Bozetti, Comissão c. Grécia e Hansen . No caso SPA Salgoil, o Tribunal de Justiça afirmou que os órgãos jurisdicionais nacionais deviam assegurar os interesses das pessoas sujeitas à sua jurisdição, que poderiam ser afectados por qualquer possível violação do Tratado (incluindo os princípios em que assentam), mediante a garantia de uma tutela directa e imediata (cfr., ainda, caso Rewe Zentrale; caso Comet). No Acórdão Traghetti dei Mediterrâneo, o Tribunal de Justiça chega mesmo a afirmar a responsabilidade dos Estados- Membros por danos causados aos particulares, em virtude de uma violação do direito comunitário imputável a um órgão jurisdicional pelo facto de essa violação resultar de uma interpretação de normas jurídicas ou de uma apreciação dos factos e das provas efectuadas por esse órgão jurisdicional.
35. O princípio da tutela jurisdicional efectiva faz parte dos princípios gerais do direito comunitário, sendo um dos direitos fundamentais constitutivos da própria noção de Estado de direito. Sendo que cabe aos Estados Membros prever um sistema completo de vias de recurso e de processos que permita assegurar o respeito do direito a uma tutela jurisdicional efectiva.

Por outro lado,
36. Afigura-se-nos que a impossibilidade de participação do Recorrente e respectiva ausência de audiência prévia viola o princípio comunitário da participação pública efectiva e da transparência e as compensações urbanísticas exigidas são igualmente violadoras do Tratado da UE e do direito comunitário incluindo as regras de concorrência do Tratado (artigos 82° CE, 86° CE, 87° CE e 88° CE) e da livre prestação de serviços (artigo 49.° CE), matéria que importa ser interpretada pelo Tribunal da UE.
37. Importa pois, para a boa decisão da causa que o Tribunal da União Europeia responda em sede de reenvio às questões que este Tribunal lhe coloque respeitantes à interpretação do direito comunitário relevante para a boa decisão do presente pleito, o que se requer.
Finalmente,

38. A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que julgue a acção administrativa especial a acção própria e adequada e, ainda, tempestiva. Subsidiariamente, deve a sentença ser revogada e substituída por outra que convole a acção administrativa especial no processo impugnatório tributário. Ainda que assim não se entenda, deve a sentença ser considerada nula por falta de especificação dos fundamentos de direito que justificaram a decisão, ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigo 668° do CPC, aplicável ex vi o artigo 1° do CPTA.
Termos em que deve o presente recurso ser provido e, em consequência, ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que julgue própria e adequada a acção administrativa especial e que julgue improcedente a excepção dilatória da caducidade do direito de acção, conforme é de inteira Justiça».

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação.

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II- Delimitação do objecto do recurso
A - Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações, interpretadas em função daquilo que se pretende sintetizar, isto é, o corpo das alegações
Posto isto, as questões que a recorrente pretende ver apreciadas em apelação são as seguintes:

1ª Questão
É nula, a sentença recorrida, nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, aplicável (o de 1995) ex vi o artigo 1º do CPTA – não especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão – porque não faz qualquer apreciação, ainda que sumária, da susceptibilidade de o vício de violação de lei apontado pela Autora ao acto impugnado gerar outra sanção jurídica que não a de nulidade, por ela apontada?

2ª questão
A sentença recorrida enferma de erro no julgamento de direito, violando o princípio jurídico processual de que a cada acção corresponde uma determinada forma de processo e os artigos 96º e 97º do CPPT e 46º e sgs do CPTA porque a forma da acção devida era precisamente a da acção administrativa especial, empregue pela recorrente, atento o pedido feito, já que do que se trata é de impugnar um acto administrativo, além de que o processo de impugnação é incompatível com qualquer cumulação de pedidos, designadamente com a cumulação feita in casu?

3ª Questão
Mesmo que se considere que a Impugnação judicial era o meio próprio, nem por isso a sentença deixou de errar de direito, pois se impunha suprir a nulidade do erro na forma de processo mediante a convolação para este outro meio processual, nos termos do artigo 199º do CPC, ao que não obstava qualquer questão de competência material, atenta a agregação das jurisdições administrativa e tributária no tribunal a quo, nem a inutilidade da convolação, por extemporaneidade da impugnação judicial, já que o vício material de violação de lei alegado pela Autora era sancionado com nulidade (cf. nº 3 do artigo 102º do CPPT?

4ª Questão
A sentença recorrida, em qualquer caso, não pode ser sufragada porque viola o direito liberdade e garantia constitucional e comunitário europeu à tutela jurisdicionam efectiva?

5ª Questão
Por sua vez, o acto impugnado, ao preterir a audiência prévia da ora impugnante, violou o direito fundamental da mesma – constitucional e comunitário europeu – à “participação pública efectiva” na formação do acto impugnado.

Se tal não ficar prejudicado pela resposta dada a qualquer das sobreditas questões haverá ainda que ponderar admissibilidade e a necessidade do reenvio prejudicial ao TJUE, a que alude a conclusão 37.





III - Apreciação do objecto do recurso
A sentença recorrida é a seguinte:
«Despacho Saneador - Sentença (cf. artigo 87.°, n.° 1, alínea a), do CPTA)
I - Saneamento processual.
. O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
Da alegada ineptidão da petição inicial.
Em sede de contestação, o R. Município ... suscitou a excepção acima enunciada, dizendo que a Autora (A.) “[SCom01...], Lda.”, com sede na ..., impugna o acto administrativo sem que este esteja identificado no pedido.
É verdade que olhando para os pedidos finais não se depreende com facilidade qual o acto administrativo que a A. concretamente pretende colocar em crise.
Contudo, deve o Tribunal realizar um esforço de interpretação do articulado inicial, sempre na perspectiva de poder alcançar uma decisão de mérito. Tendo presente este desiderato, resulta da conjugação dos artigos 10.°, 24.°, 27.°, 31.° e 32.° da petição inicial que o acto administrativo impugnado é a decisão da Câmara Municipal do ora R. que concretamente determinou o valor a pagar pela A. a título de “compensação urbanística” (€37.772,00) e que lhe foi notificada pelo ofício n.° ...82, de 2008.01.22 (cf. fl. 19 dos autos).
Ademais, foi contra aquela decisão que a A. lançou os vícios identificados na petição inicial: vícios de forma por alegadas falta de fundamentação e de audiência prévia e o vício de violação de lei por suposta falta de fundamento legal para a sua prolação.
Assim sendo, considera-se perceptível qual o acto administrativo impugnado pela A., improcedendo, com efeito, a excepção referida em epígrafe.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e mostram-se regularmente representadas.

Da alegada impropriedade da acção administrativa especial.
a) O R. referiu que os factos articulados pela A., a causa de pedir e o pedido constituem matéria tributária, sendo a acção administrativa especial o meio impróprio para o R. ser demandado.
A A. respondeu, pugnando pela adequação do presente meio processual.
Desde já se diz que o R. tem razão. Senão vejamos.
A A. vem pôr em crise uma decisão do R. que, no âmbito de um procedimento de licenciamento para a construção de habitação multifamiliar e comércio, lhe determinou o pagamento de uma determinada quantia em dinheiro, a título de “compensação urbanística”, conforme prevê o art. 44.°, n.º 4, do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação (RJUE), aprovado pelo DL n.º 555/99, de 16/12, na redacção que lhe foi conferida pelo DL n.° 177/2001, de 04/06, e o regulamento de taxas devidas pela realização de operações urbanísticas do Município ....
Ora, é por demais evidente que a A. vem apontar vícios contra uma decisão administrativa que se louvou num regulamento municipal de aplicação de taxas, portanto, assente em pressupostos de facto e valores já previamente aprovados ao abrigo da competência regulamentar autárquica, vislumbrando-se, assim, que o acto impugnado tem em vista a liquidação de um tributo.
Tratando-se de um tributo, a sua impugnação deve seguir o processo judicial tributário, atento o previsto no artigo 97.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e não a acção administrativa especial no âmbito do contencioso administrativo. Consequentemente, é um Juiz da área fiscal o competente para conhecer da presente matéria e não um Juiz da área administrativa.
Por conseguinte, julga-se procedente a excepção de impropriedade do meio processual utilizado pela Autora.
b) Face ao tipo de excepção que acima julgámos procedente poder-se-á dizer, em tese, que a mesma é susceptível de suprimento.
Acontece que o Tribunal se deve abster de produzir actos inúteis, obstando à eventual convolação da presente acção administrativa especial para um processo judicial tributário se isso esbarrar num pressuposto processual. É o que acontece no caso vertente.
Não olvidando que a A. apenas lançou contra o acto impugnado vícios meramente geradores da forma de invalidade regra, ou seja, a anulabilidade, importa ter em conta que, caso a presente acção pudesse seguir no segmento do contencioso administrativo, a mesma ter-se-ia por apresentada fora do prazo de três meses estipulado para a impugnação de actos anuláveis (cf. art. 58.°, n.° 2, alínea b), do CPTA), já que, pelo menos desde o dia 08 de Fevereiro de 2008 que a A. tinha conhecimento da decisão (cf. fls. 19 e 20 dos autos), vindo-a a impugnar somente em 04 de Dezembro do mesmo ano (cf. fl. 2 dos autos), isto é, muito para além do prazo de impugnação previsto no CPTA.
O mesmo se diga relativamente ao prazo de 90 dias para a impugnação judicial tributária, previsto no art. 102.°, n.° 1, alíneas a) a f), do CPPT, que também se mostra ultrapassado, visto que, terminando o prazo de pagamento voluntário da “compensação urbanística” ainda no mês de Fevereiro de 2008, intentada a respectiva impugnação judicial somente em 04 de Dezembro de 2008, na mesma, considerar-se-ia a petição inicial apresentada fora de prazo.
Ora, de nada vale à A. o suprimento oficioso da impropriedade do meio processual ou a convolação processual, posto que, por um caminho ou por outro, a presente acção esbarra sempre no incumprimento do pressuposto processual da tempestividade.
II - Decisão.
Ante o exposto, julgo procedentes as excepções acima elencadas (impropriedade do meio processual e caducidade do direito de acção, quer na vertente administrativa quer na tributária), absolvendo o R. da presente instância, nos termos dos artigos 89.°, n.° 1, do CPTA, incluindo a alínea h), 288.°, n.° 1, alínea e), e 493.°, n.° 2, do CPC, aplicáveis “ex vi” art. 1.° do CPTA.»

A ocorrência processual documentada nos autos, portanto, de conhecimento oficioso e relevante para a discussão das sobreditas questões são as seguintes:
1
No dia 3 de Dezembro de 2008 deu entrada no TAF do Penafiel a petição inicial que deu origem à presenta acção administrativa especial, cujo teor aqui se dá por reproduzido, destacando os seguintes segmentos:
« EXMº. SENHOR JUIZ DE DIREITO DO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL "[SCom01...], LDA.", NIF ...19. com sede na Rua ..., ..., ..., ...
vem intentar
ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL contra
Município .... Rua ..., apartado ...5, ..., ...
nos termos e com os seguintes fundamentos:
I - DOS FACTOS

A 26.07.2007 o processo ...79/06 foi a despacho superior da Divisão de Obras Particulares e mereceu deferimento, podendo ser emitido alvará de construção, (does. 1 e 2)

Por ofício datado de 10/08/2007, com a epígrafe "Demolição e Construção de Uma Habitação Multifamiliar e Comércio", o Presidente em exercício da Câmara Municipal ... informou que o processo ...79/06 mereceu despacho de deferimento, (doc. 1)

Por esse mesmo ofício foi dado conhecimento que para a emissão do alvará de licenciamento de construção é necessário "...efectuar o pagamento das taxas no valor de € 34.600,05..." (doc. 1)
(…)

O referido alvará foi emitido em nome da aqui autora, (does. 1, 2 e 3)
(…)

E a receita relativa ao alvará em causa foi cobrada pelo Réu, guia n° 234, de 2008/01/15, no total de € 34.600,05. (does. 1 e 3)

Deste valor, €25.405,17 correspondiam à taxa municipal de urbanização, €9.191,88 correspondiam à concessão da licença e €3,00 correspondiam ao imposto de selo. (does. 1, 2 e 3)
9o
Cumprindo com o notificado, a aqui Autora pagou o montante devido, na sua totalidade, em 15.01.2008. (doc. 3)
10°
Não obstante, por ofício de 22.01.2008, a Câmara Municipal ... veio informar a Autora que para além do montante reclamado e já pago a Autora teria ainda que pagar compensações urbanísticas, (doc. 4)
11°
A Câmara Municipal ... vinha, desta forma, exigir à Autora o pagamento, no prazo de 20 dias, de mais €37.772,00 a título de compensações urbanísticas, sob pena de proceder à cobrança coerciva deste valor nos termos do Regulamento relativo ao lançamento e liquidação de taxas devidas pela realização de operações urbanísticas do Município .... (doc. 4)
(…)
18°
Em face da ameaça de cobrança coerciva e com a possibilidade de paragem da obra, retirada de alvará e indeferimento do seu pedido, a Autora, embora contrariada, não tinha alternativa senão providenciar pelo pagamento das aludidas compensações urbanísticas.
19°
E, a 19.05.2008 o Réu recebeu a quantia de €37.772,00 a título de compensações urbanísticas, (doc. 8)
II - DA IMPUGNAÇÃO DO ACTO
Ilegalidade Na transcrição dos excertos da petição, os destaques a negro são do relator.
23°
Diz o número 4 do artigo 44° do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação aprovado pelo DL 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção do DL 177/2001, que "Se o prédio o lotear já estiver servido peias infra-estruturas a que se refere a alínea h) do artigo 2° ou não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde públicos no referido prédio, ou ainda nos casos referidos no n°4 do artigo anterior, não há lugar a qualquer cedência para esses fins, ficando, no entanto, o proprietário obrigado ao pagamento de uma compensação ao município, em numerário ou em espécie, nos termos definidos em regulamento municipal." (sublinhado nosso).
24°
As compensações urbanísticas aqui em causa, previstas no artigo 35° do Regulamento relativo ao lançamento e liquidação de taxas devidas pela realização de operações urbanísticas do Município ..., correspondem precisamente “às compensações devidas pela realização de determinadas operações urbanísticas, quando o prédio onde se localizem já se encontre servido pelas infra-estruturas necessárias, designadamente arruamentos viários e pedonais, redes de esgotos e de abastecimento de água, electricidade, gás e telecomunicações e ainda espaços verdes e outros de utilização colectiva, ou ainda se não se justificar a localização de qualquer equipamento ou espaço verde públicos.".
25°
Porém, de acordo com o artigo 36° do supracitado regulamento, e em conformidade com o que diz o artigo 44° do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (que restringe este tipo de cedências às operações de loteamento), as compensações urbanísticas só se aplicam a "operações de loteamento ou suas alterações" ou sobre "operações de edificação ou suas alterações em área não abrangida por operação de loteamento, quando respeitem a edifícios contíguos e funcionalmente ligados entre si que determinem, em termos urbanísticos, impactes semelhantes a uma operação de loteamento" (sublinhado nosso).
26°
Ora, a operação urbanística para a qual foi requerido licenciamento, à luz das noções apresentadas no artigo 2o do Regime jurídico da Urbanização e da Edificação, não pode ser qualificada como operação de loteamento (ou sua alteração), nem tão pouco se pode considerar que seja uma operação de edificação (ou sua alteração) que determine, em termos urbanísticos, um impacto semelhante a uma operação de loteamento.
27°
Por conseguinte, a compensação urbanística que a Câmara Municipal ... impôs à ora Autora é indevida e não tem qualquer fundamento legal.
Sendo violadora do princípio da legalidade, previsto no artigo 3º do Código de Procedimento Administrativo, que deve pautar a actuação de todos os órgãos da Administração Pública.
Posto isto.
29°
Diz o número 4 do artigo 117° do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei número 555/99, de 16 de Dezembro com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 177/2001, de 4 de Junho que "A exigência, pela câmara municipal ou por qualquer dos seus membros, (...) de quaisquer contrapartidas, compensações ou donativos confere ao titular da licença ou autorização para a realização de operação urbanística, quando dê cumprimento àquelas exigências, o direito de reaver as quantias indevidamente pagas (...).".
30°
Tal prática “não é compaginável com o Estado de Direito e com os princípios em que o mesmo assenta, nomeadamente em matéria de legalidade e transparência da actuação da Administração. (...) as Câmaras Municipais não podem impor aos particulares (requerentes) sacrifícios pecuniários não previstos na lei. condicionando o licenciamento ou autorização de operações urbanísticas ao pagamento de contrapartidas, compensações ou donativos." (cfr. João Pereira Reis e Margarida Loureiro, in Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação Anotado, Janeiro 2002, anotação ao artigo 117o, p.264).
31°
É, assim, nulo o acto da Câmara Municipal ... de exigir ao ora Autor, no âmbito do alvará de licença de construção em causa, o pagamento de compensações urbanísticas de €37.772,00, nos termos do artigo 123° do Código de Procedimento Administrativo.
Neste sentido, ao abrigo do número 4 do artigo 117º do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei número 555/99, de 16 de Dezembro com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei 177/2001, de 4 de Junho deve aquela decisão da Câmara Municipal ... ser considerada nula e deve o Réu restituir à Autora o montante por ela pago a título de compensações urbanísticas em 19.05.2008, reconstituindo a situação que existiria se o acto nulo não tivesse sido praticado.

Falta de audiência da interessada
33°
A Autora tinha o direito de ser ouvida no procedimento antes de ser tomada a decisão final de indeferimento.
34°
Todavia a sua audiência foi omitida em violação do artigo 100° do CPA, o que torna a deliberação anulável por vício de forma.

Falta de Fundamentação
35°
O dever de fundamentação consagrado nos artigos 124° do CPA e 268°, n° 3 da CRP e que se traduz na “necessária expressão formal dos motivos do acto, tanto os que são de direito e que configuram a base legal, como os motivos de facto que provocam a actuação administrativa" não foi cumprido.
Na verdade, não consta qualquer fundamentação de direito na decisão do Réu de exigir aquele montante a título de compensações urbanísticas,
37°
Da mesma forma que o Réu não explicitou as razões de facto para exigir da Autora aquele valor em concreto.
38°
E, com efeito, não é possível percorrer o iter cognoscitivo da entidade administrativa por forma a compreender as razões de facto e de direito que estão na base da decisão em causa.
39°
Desta feita, há falta de fundamentação o que torna anulável o acto por vício de forma.
Nestes termos, e nos mais de Direito, deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência:
a) ser declarada a nulidade/anulabilidade do acto impugnado, ao abrigo do artigo 133° e seguintes do Código de Procedimento Administrativo;
b) condenado o Réu a devolver a quantia de € 37.772,00, ao abrigo do artigo 117º n°4 do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, aprovado pelo DL 555/99, de 16 de Dezembro com a redacção do DL 177/2001, de 4 de Junho;
c) condenar o Réu à adopção das condutas necessárias ao restabelecimento de direitos ou interesses violados do Autor e à adopção das operações necessárias a reconstituir a situação que existiria se o acto nulo/anulado não tivesse sido praticado»

Posto isto, enfrentemos as questões acima expostas.

1ª Questão
É nula, a sentença recorrida, nos termos da alínea b) do n° 1 do artigo 668° do Código de Processo Civil, aplicável (o de 1995) ex vi o artigo 1º do CPTA – não especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão – porque não faz qualquer apreciação, ainda que sumária, da susceptibilidade de o vício de violação de lei apontado pela Autora ao acto impugnado gerar outra sanção jurídica que não a de nulidade, por ela apontada?
Nos termos do artigo 668º nº 1 alª b) do CPC (antigo) aqui aplicável ex vi artigo 2º do CPTA, a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Apenas a falta, não a insuficiência ou deficiência de fundamentação, integra a sobredita nulidade, como o próprio teor literal da norma revela.
Por outro lado, falta de fundamentação, para este efeito, não tem de ser falta absoluta ou total da mesma.
A fundamentação da sentença é obrigatoriamente integrada, além do mais, no dizer dos nº 2 do artigo 659º do CPC, pela discriminação dos factos que o juiz considere provados e a indicação interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes. Mais, segundo o nº 3 do mesmo artigo, a discriminação desses factos deve ser acompanhada de um exame crítico das provas (obviamente, se houver matéria de facto controvertida).
Assim, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, para os efeitos da cominação de nulidade da sentença feita na alª b) do nº 1 do artigo 668º do CPC (antigo) não significa propriamente a falta absoluta de qualquer fundamentação de facto e de direito, mas a falta de especificação de fundamentos de facto e direito necessários ao cumprimento do nº 2 do artigo 659º do CPC (antigo).
Designadamente, a insuficiência (quer quanto a fundamentos de facto quer de direito) ou a deficiência da fundamentação não são causa de nulidade de toda a sentença.
Desçamos in casu:
Nitidamente, na alegação que suscita esta questão, o Recorrente confunde, ou trata deliberadamente como uma mesma categoria, a fundamentação deficiente e a inexistência de fundamentação.
Vejamos:
A decisão que cumpria fundamentar foi a de absolver o Réu da instância.
Lida a sentença, compreendemos que os fundamentos lógicos e jurídicos da decisão são, em suma, os seguintes:
A forma de processo adequada ao pedido formulado era a impugnação judicial, porque o acto impugnado “tem em vista a liquidação de um tributo”. A convolação na forma de processo adequada seria inútil porque a Petição Inicial foi apresentada extemporaneamente, isto é, depois dos 90 dias, contados desde o termo do prazo para pagamento voluntário do tributo, legalmente notificado ao contribuinte, previstos no artigo 102º alª a) do CPPT, e os vícios assacados ao acto não são sancionados com nulidade, sendo certo que só nesse caso a Impugnação judicial poderia ser apresentada a todo o tempo, conforme o nº 3 do mesmo artigo 102º. Assim nada mais há a determinar se não a absolvição da instância.
Por aqui se vê que o discurso da sentença contem a menção de factos incontroversos e a eles aplica as normas jurídicas supracitadas, que se encontram em consonância com a decisão da absolvição da instância. Assim, falta absoluta de fundamentação é algo que, seguramente, não ocorre.
Se bem entendemos, a Recorrente sustenta que há autêntica falta de fundamentação quanto a um aspecto decisivo da decisão, que é o da inutilidade da convolação, uma vez que a sentença recorrida não expressou qualquer fundamento para a exclusão da nulidade como sanção dos vícios apontados ao acto impugnando.
Julgamos que não tem razão.
A luz do que supra e em geral expusemos, tal silêncio, a ser indevido, não integraria uma falta de fundamentação da sentença quando a esta questão de direito, mas apenas, uma deficiência, já que o mais que se pode alegar é que o Mº juiz apenas não desenvolveu um discurso expositor dos motivos de direito por que entendia que os vícios imputados ao acto impugnado não eram sancionados como nulidade do mesmo.
Contudo, nem mesmo uma mera deficiência julgamos encontrar neste segmento da fundamentação da sentença recorrida. Vejamos:
Na sua petição, o próprio Autor omite qualquer indicação inteligível de um fundamento normativo para que a sanção da ilegalidade substancial assacada ao acto seja a sua nulidade, pois limita-se a invocar o nº 4 do artigo 117º do RJUE, que não dispõe directa nem indirectamente sobre o sancionamento do acto administrativo tributário ilegal. - A exigência, pela câmara municipal ou por qualquer dos seus membros, de mais-valias não previstas na lei ou de quaisquer contrapartidas, compensações ou donativos confere ao titular da licença ou comunicação prévia para a realização de operação urbanística, quando dê cumprimento àquelas exigências, o direito a reaver as quantias indevidamente pagas ou, nos casos em que as contrapartidas, compensações ou donativos sejam realizados em espécie, o direito à respectiva devolução e à indemnização a que houver lugar.
Por sua vez, o pedido consiste na declaração da “nulidade/anulabilidade” do acto, indiscriminada e concomitantemente.
Não esqueçamos que o destinatário da fundamentação da sentença não é, ao invés do que sucede no acto administrativo ou no acto tributário, um qualquer interessado, mas sim um advogado, ou seja, um profissional especialmente habilitado para apreender o sentido e os fundamentos das decisões judiciais.
Ora, é consabido, entre os operadores judiciários, que a nulidade, enquanto sanção do acto administrativo ilegal, necessita de ser expressamente prevista e cominada como tal em Lei (cf. artigo 133º do CPA de 1991 (o aplicável in casu). Consabido é, também entre profissionais forenses, que, não havendo previsão específica da nulidade, a sanção regra para a violação de lei por acto administrativo é a anulabilidade (cf. artigo 135º do CPA de 1991).
Neste pressuposto de direito, dizer a um advogado que nenhum dos vícios apontados é causa de nulidade do acto significa dizer que não há norma legal sancionando os mesmos com nulidade, donde se segue que o acto impugnado apenas pode ser anulável.
Tanto basta para concluirmos que não ficou por apreciar, na sentença recorrida, a susceptibilidade de o vício de violação de lei apontado pela Autora ao acto impugnado gerar outra sanção jurídica que não a de nulidade, por ela apontada, pelo que é, em qualquer caso, negativa a resposta a esta questão.

2ª questão
A sentença recorrida enferma de erro no julgamento de direito, violando o princípio jurídico processual de que a cada acção corresponde uma determinada forma de processo e os artigos 96º e 97º do CPPT e 46º e sgs do CPTA porque a forma da acção devida era precisamente a da acção administrativa especial, empregue pela recorrente, atento o pedido feito, já que do que se trata é de impugnar um acto administrativo, além de que o processo de impugnação é incompatível com qualquer cumulação de pedidos, designadamente com a cumulação feita in casu?

Cumpre antes de mais frisar que a invocação que se faz de jurisprudência dos tribunais superiores nas conclusões 8ª e 12ª, supostamente no sentido de o acto impugnado ser um acto administrativo tout court, impugnável mediante acção administrativa especial, revela-se inconsistente, se não enganosa.
Com efeito, o acórdão deste TCAN de 14/02/2007 no processo 001414/04.7BEPNF refere se à alternativa entre acção comum e acção especial, sendo o pedido a condenação do município a emitir um licenciamento; e o proc. 01109/05.0BEBRG, refere-se à mesma questão, sendo o pedido a condenação do Réu a reconhecer o direito do autor a receber subsídio de refeição durante determinado período. O Acórdão deste TCA Norte de 12.03.2009, proc. 00163/08.7BEPNF, 1ª Secção - Contencioso Administrativo, não se refere em concreto a qualquer acto de fixação da compensação urbanística (mas sim à distinção entre actos administrativos lesivos e actos de execução) e quanto ao Acórdão do STA, proc. 312/07, 1ª Secção, 2ª Subsecção, apenas com estas referências não lográmos aceder à publicação do mesmo, se é que existe.
Prossigamos.
Na alegação que suscita esta questão, a Recorrente parte de um equívoco pressuposto, que é o de cuidar que, tratando-se de impugnar um acto administrativo, a forma de processo era sempre e em qualquer caso a acção administrativa especial.
Foi assim em direito processual administrativo, enquanto esta forma de processo existiu. Mas não é assim em matéria de direito processual tributário. Neste, e tendo em conta a redacção do artigo 97º do CPPT que vigorava ao tempo da apresentação da Petição (a originária), a acção administrativa especial destinava-se a impugnar apenas “os actos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do acto de liquidação, da autoria da administração tributária,” (nº 2 do citado artigo) e os actos administrativos de indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como (.) outros actos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do acto de liquidação (alínea p) do nº 1).
Para impugnar os actos administrativos tributários que envolvam ou concorram para a liquidação de quaisquer tributos, preconizou, o Legislador processual tributário, o Processo de Impugnação judicial, conforme se pode ver no teor do artigo 97º nº 1 alªs a) a f) do CPPT na redacção inicial.
Ora, uma vez que está assente nos autos a natureza de tributo da exigência da prestação pecuniária aqui impugnada – cf. o acórdão proferido nestes autos em 13/6/2011, que neles fez caso julgado – e uma vez que a prestação exigida é concreta e determinada, isto é, líquida, temos de convir em que estamos perante um acto tributário que envolve a liquidação de um tributo, pelo que o meio processual adequado é a impugnação judicial, cuja tramitação vem gizada nos artigos 99º e sgs do CPPT.
A tanto não obsta, em princípio, a cumulação de pedidos. O próprio regime da impugnação a admite expressamente (artigo 104º do CPPT na redacção inicial) “nos termos legais”.
Quanto ao que se quer significar em concreto com os “termos legais,” diremos sumariamente que são os decorrentes da conjugação dos artigos 470º nº 1, 30º e 31º do CPC ex vi artigo 2º do CPPT.
De todo o modo, a cumulação de pedidos é in casu apenas aparente, pois as alíneas b) e c) mais não expressam do que matéria de execução do julgado de uma eventual procedência do pedido formulado na alª a).
Com efeito, o processo tributário de impugnação consiste, em princípio, num contencioso de mera anulação, isto é, o seu objecto consiste apenas na erradicação, por invalidade, do acto tributário; e tudo o mais que daí decorrer como vinculação para a AT é matéria de execução dessa erradicação.
estamos (…) em presença de um contencioso anulatório, no âmbito do qual, ao contrário do contencioso de plena jurisdição, a tutela é indirecta, ou seja, não se opera pela restauração directa da situação individual do lesado, mas apenas mediante a actuação da Administração, que deve tomar as providências adequadas para que a decisão produza os seus efeitos.” Rocha, Joaquim Freitas da, Manual de Proced. e Proc. Fiscal, 2ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 254.
Na execução das sentenças de processos tributários de anulação rege, ex vi artigo 102º nºs 1 e 2 da LGT, o disposto nos artigos 173º e sgs do CPTA, de que se destaca o nº 1, pela síntese que é do mais disposto:
- “Sem prejuízo do eventual poder de praticar novo acto administrativo, no respeito pelos limites ditados pela autoridade do caso julgado, a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento naquele acto, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.
Enfim, embora não seja necessário, não está vedado ao Impugnante pedir, na Petição Inicial do processo de Impugnação de um tributo que pagou, a condenação da AT a quaisquer prestação e ou comportamento, posto que se sustente serem devidos enquanto execução da decisão anulatória do acto impugnando, mas isso não é mais do que explicitar pretensões já implicadas ex vi legis no pedido impugnatório.
Face ao exposto, fica claro que à forma de processo achada devida – a impugnação judicial – tão pouco obstava a alegada – mas substancialmente inexistente - cumulação de pedidos.
Com assim, é negativa a resposta a esta 2ª questão.


3ª Questão
Mesmo que se considere que a Impugnação judicial era o meio próprio, nem por isso a sentença deixou de errar de direito, pois se impunha suprir a nulidade do erro na forma de processo mediante a convolação para este outro meio processual, nos termos do artigo 199º do CPC, ao que não obstava qualquer questão de competência material, atenta a agregação das jurisdições administrativa e tributária no tribunal a quo, nem a inutilidade da convolação, por extemporaneidade da impugnação judicial, já que o vício material de violação de lei alegado pela Autora era sancionado com nulidade (cf. nº 3 do artigo 102º do CPPT?

Na verdade, atento o teor da decisão recorrida, esta questão só tem sentido na parte atinente à extemporaneidade da acção resultante da convolação, pois a competência material para conhecer do pedido, na forma de processo de impugnação judicial, nem mesmo o Mº Juiz a quo a discute.
A recorrente não contesta a extemporaneidade da apresentação da petição, quer para efeitos de uma acção administrativa especial, quer para efeito de uma impugnação judicial em vista da anulação do acto.
Sustenta, porém, que invocou, na Petição, a nulidade do acto impugnado, por tal ser a sanção do vício de violação de lei que apontou ao mesmo, vicio que vem alegado e qualificado nos artigos 23º a 32º da PI acima transcrita.
Sucede que, aqui, como na Petição inicial, a Recorrente nada aduz no sentido de um fundamento jurídico-normativo de a sanção devida ser a de nulidade do acto e não a regra da anulabilidade, que decorre do já citado artigo 135º do CPA (de 1991).
Já o Tribunal recorrido, esse, constatou e deixou perceber, ao menos tacitamente, como vimos, que a sanção legalmente prevista para a ilegalidade invocada não era a nulidade, mas a mera anulabilidade.
Este colectivo não logra cogitar qual possa ser a previsão legal que a Recorrente teve em mente ao alegar a nulidade do acto impugnando por via do vício de violação de lei que lhe vem assacado na Petição Inicial.
A verdade é que inexiste tal previsão, quer quanto ao vício material, quer mesmo quanto aos demais indigitados vícios do procedimento e de forma.
Dir-se-ia que, de qualquer modo, posto que sem menção de qualquer fundamentação normativa, a nulidade foi invocada, o que bastaria para, quer a acção administrativa especial – se fosse o meio processual devido – quer o objecto da convolação preconizada (a impugnação judicial) terem de ser admitidas por temporãs, independentemente do que quanto ao mérito da causa se viesse a decidir.
Não julgamos assim. Quando por mais não seja por via da proibição processual da prática de actos inúteis (artigo 137º do CPC (antigo) sempre se impõe abster-se, o julgador, da convolação na forma de processo devida se à instância respectiva algo obstar desde logo.
Pelo exposto, também é negativa a resposta a esta terceira questão.

4ª Questão
A sentença recorrida, em qualquer caso, não pode ser sufragada porque viola o direito liberdade e garantia constitucional e o direito fundamental comunitário europeu à tutela jurisdicionam efectiva?

Os direitos liberdades e garantias constitucionais, tal como os direitos fundamentais da carta de direitos fundamentais da UE, não são absolutos, têm que se contrair em função uns dos outros, segundo as ponderações de interesses que o Legislador ordinário tenha de fazer em função das realidades a regular e dos objectivos políticos (lato sensu) prosseguidos, no limite do respeito pelo seu núcleo essencial e do princípio de proporcionalidade, bem como da hierarquia da sua importância no quadro do principio basilar do Estado de direito democrático português, bem como da União Europeia, que é a dignidade do ser humano [cf. artigos 1º e 18º da Constituição e artigos 1º e 52º da Carta dos Direitos Fundamentais da EU (CDFUE), proclamada em Nice, em Dezembro de 2000 e, desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em Dezembro de 2009, juridicamente vinculativa (cfr. artigo 6.º do Tratado da União Europeia).
O direito liberdade e garantia à tutela judicial efectiva vem consagrado no artigo 20º da Constituição e no artigo 47º da CDFDUE. Porém, na sua mediação pelo Legislador ordinário, tal direito tem de se compatibilizar com o princípio constitucional e da segurança jurídica e da confiança, emergente, também ele, da consagração da Republica Portuguesa como um Estado de direito democrático.
Manifestação inevitável dessa compatibilização, no quadro das sobreditas ponderação e hierarquia, é, em geral a previsão, por Lei, de um prazo peremptório para o exercício da tutela judicial de direitos subjectivos considerados mais ou menos disponíveis, e em concreto, a norma do artigo 102º nº 1 alª a) do CPPT, que fixa tal prazo, para os casos de mera anulabilidade, em 90 dias contados do termo do prazo para o pagamento voluntário do tributo, um prazo que nada sugere que seja irrazoável ou desproporcionadamente diminuto.
Como assim, não procede a alegação da violação, pela sentença recorrida, do direito liberdade e garantia constitucional e direito fundamental da União Europeia à tutela jurisdicional efectiva.
É negativa, portanto, a resposta à 4ª questão.

5ª Questão
Por sua vez, o acto impugnado, ao preterir a audiência prévia da ora impugnante, violou o direito fundamental da mesma – constitucional e comunitário europeu – à “participação pública efectiva” na formação do acto impugnado.

Esta questão versa directa e exclusivamente sobre o acto administrativo tributário impugnado, não envolve qualquer crítica directa ou indirecta à sentença, o que, aliás, seria uma impossibilidade lógica, pois a sentença não apreciou o mérito da causa.
Conforme decorre do artigo 676º nº 1 do CPC (antigo), o recurso só tem e só pode ter por objecto a sentença nos autos proferida.
Assim a presente questão não pode ser objecto da presente de apelação, motivo por que tribunal não apreciará a mesma de meritis.


Conclusão
Do exposto quanto às questões 4ª e 5ª resulta que não é caso de proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE e que o recurso não merece provimento.

Custas
As custas do recurso ficarão a cargo da Recorrente, atento o seu total decaimento (artigo 446º do CPC).

VI – valor da acção e do recurso
Na sentença recorrida não foi fixado o valor da causa.
Embora o CPC (antigo) não preveja esta situação (que não se identifica com a prevista no nº 3 do artigo 315º), sempre o valor da acção terá de ser fixado posteriormente, desde logo, em sede de recurso, pois só deste modo não ficará por cumprir o artigo 306º do mesmo diploma e se disporá, no processo, de um factor indispensável para a liquidação da taxa de justiça.
Como assim, considerando o objecto da Petição, fixa-se o valor da acção em 37.772,00 €.
Não foi indicado valor para o recurso. Como assim, vale a regra do valor da acção, também para o recurso, pelo que o valor do recurso, para efeito da taxa de justiça, é o mesmo da acção.

Dispositivo
Assim, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em julgar improcedente o recurso.
Custas pela Recorrente.
Porto, 8/2/2024

Tiago Afonso Lopes de Miranda
José António Oliveira Coelho
Irene Isabel Gomes das Neves