Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03013/13.9BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Margarida Reis
Descritores:RECURSO DE CONTRAORDENAÇÃO; RECLAMAÇÃO; REFORMA; NULIDADES PROCESSUAIS; LAPSO MANIFESTO; ART. 616.º DO CPC E ART. 666.º DO CPC;
ART. 6.º-B DA LEI N.º 1-A/2020, DE 19/03; MANIFESTO LAPSO DO JUIZ
Sumário:I. Como resulta com meridiana clareza do disposto na primeira parte da alínea a) do n.º 1 do art. 6.º-B da citada Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, esta última entrada em vigor “no dia seguinte ao da sua publicação” (cf. respetivo art. 5.º), o disposto no n.º 1 do art. 6.º B não obsta à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, como é aqui o caso, tanto mais que em causa não estava a realização de qualquer ato presencial, pelo que a tramitação do presente recurso não se encontrava suspensa.

II. O reenvio prejudicial, nos termos do disposto no art. 267.º do TFUE, pressupõe a existência de uma verdadeira questão prejudicial (“uma questão desta natureza”, como dispõe a letra do art. 267.º TFUE), isto é, uma dúvida pertinente de interpretação ou validade sobre norma jurídica eurocomunitária (dúvida razoável).

III. A reforma destina-se a solucionar situações em que, por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, e/ou constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida, e não eventuais erros de julgamento.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:R.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Ineferir o pedido de reforma.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de se indeferir o pedido de reforma.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*
I. RElatório

R., melhor identificado nos autos, tendo sido notificado do teor do acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte em 11 de fevereiro de 2021, vem, ao abrigo do disposto no art. 379.º n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), aplicável ex vi artigo 41.º n.º 1 Regime Geral das Contraordenações (RGIMOS), bem como do disposto no artigo 616.º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi art. 4.º do CPP, ex vi art. 41.º n.º 1 RGCO, apresentar reclamação, e, subsidiariamente, pedido de reforma.
O Recorrente encerra a sua reclamação formulando os seguintes pedidos:

Nestes termos, requer-se a V.ª Ex.ª, respeitosamente, se digne declarar procedente a presente reclamação e, consequentemente:
I) declare a nulidade do Acórdão reclamado, com fundamento no incumprimento do dever de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE e na consequente omissão de uma diligência essencial para a justa decisão do pleito, nos termos do disposto no artigo 120.º n.º 1, alínea d), do CPP, aplicável ex vi do artigo 41.º do RGCO; ainda que assim não se entenda, o que se admite por mera hipótese,
I.a) declare a nulidade do Acórdão reclamado, em virtude do incumprimento do referido dever de reenvio prejudicial, fundada na omissão de uma diligência essencial para a boa decisão do pleito ou, em qualquer dos casos,
I.b) declare a irregularidade do mesmo, nos termos do artigo 123.º n.º 2 do CPP;
Ou, admitindo por hipótese, sem conceder, que assim não se entenda,
II) declare a nulidade do Acórdão reclamado, com fundamento na indevida condenação por factos diversos dos descritos na acusação, nos termos do disposto no artigo 379.º n.º 1, alínea b), do CPP (aplicável nos termos conjugados do artigo 425.º n.º 4 do CPP e artigo 41.º do RGCO); ou, caso assim não se entenda, o que se concebe por mera hipótese,
II.a) declare a nulidade do mesmo Acórdão, por falta de fundamentação, ao abrigo do artigo 379.º n.º 1, alínea a), do CPP (aplicável nos termos conjugados do artigo 425.º n.º 4 do CPP e artigo 41.º do RGCO);
Ou, admitindo por mera hipótese que assim não se entenda,
III) declare a nulidade do Acórdão reclamado, com fundamento em violação ao disposto no artigo 424.º n.º 3 do CPP, e no consequente excesso de pronúncia, nos termos do mesmo artigo 379.º n.º 1, alínea b), do CPP (aplicável nos termos conjugados do artigo 425.º n.º 4 do CPP e artigo 41.º do RGCO); ou, admitindo por mera cautela, sem conceder, que tal não proceda,
II.a) declare a nulidade do Acórdão reclamado, com fundamento omissão de pronúncia, nos termos do mesmo artigo 379.º n.º 1, alínea c), do CPP (aplicável nos termos conjugados do artigo 425.º n.º 4 do CPP e artigo 41.º do RGCO); u, ainda que assim não se entenda, o que se concebe sem conceder,
III.b) declare a nulidade do acórdão reclamado, com fundamento em violação do princípio do contraditório e do direito fundamental de defesa do Recorrente, nos termos do artigo 379.º n.º 1, alínea c) do CPP ou, em qualquer dos casos, nos termos do artigo 119.º, alínea c), do CPP.

O Recorrente encerra o seu pedido de reforma formulando os seguintes pedidos:

Admitindo, por mera hipótese de raciocínio, que a reclamação antecedente venha a improceder, sempre se requer a V.ª Ex.ª que proceda à reforma do Acórdão, revogando-o e substituindo-o por outro que determine a inaplicabilidade de qualquer sanção acessória, ou outra, ao Recorrente, ordenando a devolução ao mesmo do seu dinheiro apreendido nos autos, nos termos do disposto no artigo 616.º n.º 2, alínea b), do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 4.º do CPP conjugado com o artigo 41.º do RGCO, nomeadamente, com fundamento:
I) no manifesto e clamoroso erro de julgamento, assente na condenação em contraordenação com fundamento na presunção de verificação de supostos factos incriminadores, em desrespeito ao princípio da presunção de inocência e do in dubio pro reo, previstos no artigo 32.º n.º 2 da CRP;
II) no manifesto erro de qualificação, emergente do recurso à extensão analógica do artigo 18.º n.º 2 do RGCO com vista à aplicação da sanção acessória em dissídio, e da consequente violação do princípio fundamental da legalidade, previsto no artigo 29.º n.º 1 da CRP e consagrado no artigo 1.º do Código Penal e no artigo 2.º do RGCO;
III) no manifesto erro de apreciação da matéria de Direito e da matéria de facto, decorrente da qualificação de supostos “benefícios económicos”, para os efeitos do disposto no artigo 18.º n.º 2 RGCO, em total alheamento das conclusões impostas pelos meios de prova e pelas conclusões de facto extraíveis dos autos, na sua necessária subsunção àquele preceito legal.
***
O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal, notificado para se pronunciar sobre o requerido pelo Recorrente, veio fazê-lo nos seguintes termos:

O Ministério Público notificado que foi do requerimento apresentado pelo arguido de reforma do acórdão, pronunciando-se sobre o mesmo, vem expor e requerer a V. Excia o seguinte:
(…)
Vejamos:
III - Como é de todos consabido, uma coisa é a nulidade da sentença, a arguir perante o tribunal que proferiu a decisão, se não for admissível recurso, outra coisa é, erro de julgamento a atacar perante instância recursória. E não devem confundir-se os distintos meios processuais. Sem embargo, como escreve, mutatis mutandis, Abrantes Geraldes et alii, in “CPC Anotado”, em nota ao artigo 616, o correspondente em processo civil ao 379 do CPP, em processo penal, “É verdadeiramente impressionante a frequência com que, em sede de recurso, são invocadas nulidades de sentença ou de acórdãos, denotando um número significativo de situações em que o verdadeiro interesse da parte não é propriamente o de obter uma correcta apreciação do mérito da causa, mas de “anular” a toda a força a sentença com que foi confrontada.”
No caso, manifesto é que o arguido, sem se prevalecer de meio recursivo, (se admissível fosse), não mais pretende que a revogação do acórdão, que aliás, confessa, por outro que lhe seja favorável, esquecendo-se que, proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto á matéria da causa. Com que a peticionada prolação de acórdão substitutivo está fora de causa, desde logo por falta de competência para tanto por parte do TCAN.
IV - A questão do reenvio prejudicial é uma questão que nem sequer foi apresentada no recurso a decidir pelo TCAN. Por isso, dela não tinha de conhecer o TCAN.
E, destarte, nulidade não se verifica.
Objectar-se-á, mas o tribunal deveria tê-lo feito ex officio. A resposta à adversativa é negativa. O tribunal só o terá de fazer oficiosamente quando os pressupostos do reenvio estiverem preenchidos. E, in casu, óbvio é, não o estavam.
A prática ou não da contraordenação é, aliás, de uma simplicidade analítica exuberante. Porque se consuma com a mera falta de cumprimento da declaração do montante monetário transportado à entrada do território nacional. E ou se declarou ou não se declarou. No caso, não se declarou com evidente propósito de não o declarar.
E o referido Reg. CE nº 1889/2005 e DL 61/2007 para o aqui pertinente não são menos claros.
Qual é o acto adotado pelas instituições, órgãos ou organismos da União que justifique a intervenção do TJUE para apreciar a sua validade e interpretação? Nenhum acto de instituição, órgão ou organismo da União está aqui em causa.
Não se olvide que, como se disse no ac. RE de 02/07/2013, rec. 4/08, “I-O reenvio prejudicial apenas tem em vista levar ao TJUE qualquer questão relativa à interpretação ou à apreciação da realidade de um acto de direito comunitário. II – Nessa medida, não estão aí em causa questões relativas à interpretação ou apreciação de normas legislativas ou regulamentares de direito interno, nem matérias relacionadas com a compatibilidade dessas normas ou regulamentos com o direito comunitário e, muito menos, as respeitantes à validade ou interpretação das decisões dos tribunais nacionais.
E mesmo tribunal acrescentou no ac. de 16/04/2013, rec. 43/12, em processo de contraordenação que “IV- Estão excluídas do reenvio prejudicial, previsto no art. 267.º do TFUE, as questões relativas à interpretação ou à apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno, bem como as de compatibilidade delas com o direito comunitário. V – Mesmo no domínio do reenvio obrigatório, se entende que, não se suscitando dúvida razoável, será caso de dispensa dessa obrigação de reenvio.”
V - A falta de fundamentação não se verifica, já que o acórdão é exaustivo na fundamentação e em alinhavar o porquê da condenação. E debruçou-se sobre todas as questões suscitadas. Questões que não se confundem com argumentos. Sendo que o tribunal só é obrigado a pronunciar-se sobre as questões suscitadas e não sobre todos os argumentos utilizados.
Destarte, por aqui, nulidade inexiste.
VI - As irregularidades processuais previstas no artigo 123 do CPP são irregularidades de actos processuais que não da sentença, donde não pode o arguido invocá-las contra esta.
VII - Não se vislumbra que tenha havido condenação por factos diversos dos da acusação. Desde o princípio ao fim do processo o que tem estado em causa e provocou a condenação foi sempre a falta de declaração do dinheiro líquido transportado. Nem mais nem menos.
VIII - Donde também não se vislumbra qualquer excesso de pronúncia.
IX - No mais, o que o arguido pretende é arguir erro de julgamento cuja arguição só pode ter lugar em recurso, se tal admissível for. E aqui nem a questão da admissibilidade chegou a colocar-se porque nem sequer foi interposto.
Com o que, em nosso parecer, se deve indeferir a pedida reforma do acórdão.
***
Os vistos foram dispensados, com a prévia anuência dos Juízes-Adjuntos.
***
Questões a decidir no recurso

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente na reclamação e pedido de reforma do julgado por este Tribunal Central Administrativo Norte no acórdão proferido nos presentes autos em 11 de fevereiro de 2021.


II. Fundamentação

O Recorrente inicia o seu requerimento suscitando a questão prévia da respetiva tempestividade, atento o disposto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro.

O requerimento em apreciação deu entrada neste Tribunal em 2021-03-04 (cf. fls. 600 dos autos, na numeração do SITAF), facto que o Recorrente não disputa, tendo o mesmo sido notificado eletronicamente do acórdão objeto da reclamação/pedido de reforma em causa em 2021-02-15 (cf. fls. 585 dos autos, na numeração do SITAF).

Foi liquidada, e paga pelo Recorrente, multa (cf., respetivamente, fls. 642 e 643 e s dos autos, na numeração do SITAF), nos termos do “nos termos do disposto no artigo 107.º-A, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 41.º n.º 1 RGCO”, tal como requerido pelo Recorrente no art. 13.º do seu requerimento de reclamação/pedido de reforma.

Alega o Recorrente a propósito da tempestividade do seu requerimento, o seguinte:
“(…)
A) QUESTÃO PRÉVIA
1. A título de nota prévia, aponte-se que o prazo aplicável, nos termos do artigo 638.º n.º 1 e n.º 7 do CPC encontra-se suspenso, nos termos do artigo 6.º-B n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
2. Esclareça-se ainda que o disposto no n.º 5, alínea d), do mesmo artigo não tem aplicação ao caso vertente.
3. Esse preceito estatui que “[o] disposto no n.º 1 não obsta: (…) [a] que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão”.
4. A interpretação mais curial deste preceito postula que o mesmo só poderá ter aplicação após o Tribunal dar cumprimento ao disposto na alínea c) do mesmo n.º 5, que estabelece que “[o] disposto no n.º 1 não obsta: (…) [à] prática de atos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via eletrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente”.
5. Só após sondadas as partes ao abrigo da disposição citada, e em caso de as mesmas revelarem não dispor das “condições” a que a Lei se refere, poderá o Tribunal proferir decisão final sem que fiquem suspensos os prazos de recurso, reclamação ou reforma, desde que entenda, fundamentadamente, “não ser necessária a realização de novas diligências”.
6. Esse mesmo entendimento foi propugnado por José Joaquim Fernandes Oliveira Martins, em artigo intitulado “A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e a terceira vaga da pandemia COVID-19”, exclusivamente dedicado à interpretação da alteração legislativa provocada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, publicado na edição electrónica da Revista Julgar, disponível para consulta em http://julgar.pt/a-lei-n-o-1-a2020-de-19-de-marco-e-a-terceira-vaga-da-pandemia-covid-19/.
7. Cite-se o seguinte trecho do artigo em questão, por ser ilustrativo do entendimento aqui defendido:
“Relativamente à alínea d), outras dúvidas se levantam. Pode ser proferida decisão final mesmo que ainda estivesse em curso um prazo processual que seria suspenso nos termos do n.º 1? E como se conjuga esta alínea d) com a c)? Podem ser aplicadas cumulativamente ou em alternativa?
De novo, procurando dar, na medida do possível, algum nexo lógico e prático a esta alínea, dir-se-á o seguinte.
Se num processo já tiverem sido realizadas diligências probatórias e se o julgador entender que pode já, sem necessidade de qualquer diligência adicional, proferir decisão final, deve ouvir os diversos sujeitos processuais, nos termos da alínea c) e como já referido supra, sobre a possibilidade de se manter a tramitação do processo nos termos aí previstos e, mesmo que tal não suceda, a possibilidade de ser já proferida a respetiva decisão final. Caso haja esse acordo das partes, poderá ser proferida decisão final e os prazos processuais reiniciar-se-ão, mas não existindo esse acordo, sempre poderá ser proferida decisão final, nos termos da alínea d), após o que se manterão suspensos todos os prazos processuais com exceção dos “prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.
Quanto a esta adição final à atual alínea d), o legislador parece querer evitar que, sendo proferida decisão final ao abrigo do disposto na alínea d), a mesma fique num “limbo”, tendo de aguardar, para o seu trânsito ou modificação (pelo juiz da primeira instância ou pelo tribunal de recurso), que se reinicie o decorrer dos prazos processuais.”
8. Ora, no caso sub judice, o Acórdão reclamado foi proferida sem que houvessem sido questionadas as partes ao abrigo do disposto no artigo 6.º-B n.º 5, alínea c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março;
9. E sem que o douto Tribunal tenha feito qualquer consideração sobre a eventual desnecessidade de realização de novas diligências, nos termos do preceituado no artigo 6.º-B n.º 5, alínea d), da mesma Lei.
10. Aponte-se desde já que, ainda que este Tribunal tivesse tomado por desnecessária a realização de novas diligências, sempre estaria, no mesmo passo, a incorrer nula nulidade processual por preterição do contraditório prévio do Recorrente quanto a questões suscitada, ex novo, no Acórdão reclamado – o que adiante se exporá com maior detalhe.
11. Por conseguinte, o Acórdão reclamado não cumpre os requisitos previstos no artigo 6.º-B n.º 5, alínea d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, para que se possa considerar não-suspenso o prazo de reclamação e de reforma do mesmo.
12. Não obstante o entendimento supra defendido, impõe-se, por mera cautela de patrocínio, admitir a hipótese de o mesmo não vir a proceder.
13. Por conseguinte, considerando que, na ausência de qualquer suspensão de prazo, a presenta data (4/3/2021) corresponderia ao 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo para reclamação e pedido de reforma do mesmo, liquidar-se-á a competente multa, nos termos do disposto no artigo 107.º-A, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 41.º n.º 1 RGCO.
14. Requerendo-se desde já que o correspondente valor seja restituído se, como se propugna, o prazo de recurso for considerado suspenso.
(…)”

Vejamos.
O ora Recorrente reclama do acórdão proferido por este Tribunal Central Administrativo Norte, proferido nos presentes autos em 2021-02-11, requerendo, subsidiariamente, a respetiva reforma.

O acórdão foi proferido em sede de recurso da decisão proferida pelo TAF do Porto no âmbito de um recurso de contraordenação.

Assim sendo, a arguição de nulidades rege-se pelo disposto no n.º 1 do art. 379.º do CPP, ex vi n.º 1 do art. 41.º do RGIMOS, ex vi art. 3.º, alínea b) do RGIT, devendo ser efetuada no prazo de 10 dias previsto no n.º 1 do art. 105.º CPP, uma vez que do acórdão em questão não cabe recurso ordinário (cf. neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. 4.ª edição atualizada. Lisboa: Universidade Católica, 2011, pág. 985), aplicando-se à respetiva contagem “as disposições da lei do processo civil”, tal como resulta do disposto no n.º 1 do art. 104.º do CPP.

Por sua vez, à reforma do acórdão aplica-se o disposto no n.º 2 do art. 616.º, atenta a remissão constante no n.º 1 do art. 666.º, do CPC, aplicáveis ex vi art. 4.º CPP, ex vi art. 41.º RGCO, ex vi art. 3.º, alínea b) do RGIT, sendo o prazo para a respetiva interposição o de 10 (dez) dias, previsto no art. 149.º do CPC – e atendendo a que não existe norma expressa noutro sentido - contando-se o mesmo da notificação da decisão, tal como resulta do disposto no n.º 1 do art. 638.º do CPC, presumindo-se a notificação efetuada “terceiro dia posterior ao do seu envio” (cf. n.º 1 do art. 248.º CPC), sendo o computo do prazo regulado, à semelhança do que sucede para o prazo de arguição da nulidade, pelo disposto no art. 138.º do CPC.

Alega o Recorrente, nos termos que acabámos de citar, e em síntese, que em face da suspensão do processo “nos termos do artigo 6.º-B n.º 1 da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na redacção dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro”, e não sendo de aplicar ao caso “o disposto no n.º 5, alínea d), do mesmo artigo”, que o seu requerimento se encontrava em prazo, pelo que lhe deverá ser devolvida a quantia que pagou a titulo de multa pela entrega do requerimento no “3.º dia útil subsequente ao termo do prazo para reclamação e pedido de reforma do mesmo (…) nos termos do disposto no artigo 107.º-A, alínea c), do CPP, aplicável ex vi do disposto no artigo 41.º n.º 1 RGCO”.

Não tem, no entanto, razão.
De facto, e como resulta com meridiana clareza do disposto na primeira parte da alínea a) do n.º 1 do art. 6.º-B da citada Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, esta última entrada em vigor “no dia seguinte ao da sua publicação” (cf. respetivo art. 5.º), o disposto no n.º 1 do art. 6.º B não obsta à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, como é aqui o caso, tanto mais que em causa não estava a realização de qualquer ato presencial, pelo que a tramitação do presente recurso não se encontrava suspensa, ao contrário do que defende o Recorrente.

Assim sendo, indefere-se o pedido que formula no art. 14.º do seu requerimento, no sentido de lhe ser restituído o montante referente à supracitada multa pela entrega do requerimento no 3.º dia útil subsequente ao termo do prazo para reclamação e pedido de reforma do mesmo.

Começa o Recorrente por pedir que seja declarada a nulidade do Acórdão reclamado, com fundamento no incumprimento do dever de reenvio prejudicial previsto no artigo 267.º do TFUE e na consequente omissão de uma diligência essencial para a justa decisão do pleito.

Pretende o Recorrente, e em síntese, que este Tribunal deveria ter, ex officio, acionado o disposto no art. 267.º do TFUE para esclarecimento da interpretação do normativo europeu aplicável.

Não tem, no entanto, razão.

Vejamos.
Resulta do disposto no art. 267.º do TFUE que o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial, sobre a a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União, sendo o reenvio prejudicial obrigatório sempre que a questão relativa à interpretação seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno.

Sucede que o reenvio prejudicial, nos termos do disposto no art. 267.º do TFUE, pressupõe “a existência de uma verdadeira questão prejudicial (“uma questão desta natureza”, como dispõe a letra do art. 267.º TFUE), isto é, uma dúvida pertinente de interpretação ou validade sobre norma jurídica eurocomunitária (dúvida razoável)” (cf. neste sentido, Duarte, Maria Luísa – Direito do Contencioso da União Europeia. Lisboa: AAFDL Editora, 2017, pág. 130).

Ora, a interpretação que o Recorrente pretende extrair do Regulamento europeu em questão, e a que alude no art. 21.º do seu requerimento, não encontra qualquer sustento no respetivo texto, que se afigura, aliás, de meridiana clareza, não suscitando qualquer dúvida interpretativa a este Tribunal.

Falha, por esse motivo, o pressuposto da existência de uma verdadeira questão prejudicial, pelo que não era de acionar - ex officio, uma vez que o reenvio não foi requerido -, o disposto no art. 267.º do TFUE.

Assim sendo, não se verifica, como pretende o Recorrente, “o incumprimento por este Tribunal do dever de reenvio prejudicial, nos termos do artigo 267.º do TFUE” (cf. art. 28.º do seu requerimento), ou a nulidade por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379.º n.º 1, alínea c), do CPP (cf. art. 31.º do seu requerimento), ou a omissão de uma diligência essencial para a descoberta da verdade, geradora de nulidade da decisão, nos termos do disposto no artigo 120.º n.º 1, alínea d), do CPP (cf. art. 32.º do seu requerimento), ou “irregularidade, nos termos do artigo 123.º do CPP” (cf. art. 33.º do seu requerimento), improcedendo assim, na sua totalidade, as questões que suscita no ponto “B.1) Do incumprimento do dever de reenvio para o TJUE” do seu requerimento.

No ponto B.2 da respetiva reclamação, alega o Recorrente, em síntese, que o acórdão em questão, ao aplicar ao caso o disposto no n.º 2 do art. 18.º do RGIMO, o condenou por factos diversos dos descritos na acusação, uma vez que não retirou qualquer benefício económico da prática da infração, nem tal resulta da decisão administrativa condenatória da Alfândega do Aeroporto do Porto, ao descrever a matéria de facto dada como provada, e, em suma, que não retirou qualquer benefício económico da prática da infração.

Não tem o Recorrente razão, pois da decisão condenatória resultou provado à saciedade que introduziu no território nacional um elevado montante de dinheiro líquido – um milhão de dólares americanos, correspondendo à quantia de EUR 761.788,68 - com a clara intenção de não o declarar, subtraindo o mesmo ao controlo das autoridades aduaneiras.

Donde é manifesto que a sua conduta, dolosa e ilícita, se encontra associada a um benefício económico, em nada relevando, neste aspeto, o facto de a sua atuação ter sido detetada, ou a circunstância de ter sido punido pela mesma.

Por outro lado, os factos provados na decisão condenatória não foram postos em causa por este Tribunal, pelo que nada mais, a este respeito, havia que fazer constar do elenco de factos provados, como pretende o Recorrente, encontrando-se o acórdão reclamado devidamente fundamentado, de facto e de direito.

Pelo que o acórdão reclamado não padece da alegada “nulidade prevista no artigo 379.º n.º 1, alínea b), do CPP (aplicável nos termos conjugados do artigo 425.º n.º 4 do CPP e artigo 41.º do RGCO), que sanciona especificamente a decisão que “condenar por factos diversos dos descritos na acusação”, ou da nulidade prevista no artigo 379.º n.º 1, alínea a), do CPP.

Assim sendo, improcedem na sua totalidade, as questões que suscitadas pelo Recorrente no ponto “B.2) Da condenação por factos diversos dos descritos na acusação” do seu requerimento.

Prossegue o Recorrente, alegando que foi violado o seu direito ao contraditório e de defesa, tendo o acórdão procedido a uma alteração dos factos descritos na decisão recorrida e da sua qualificação jurídica, sem que lhe tenha dado oportunidade de se pronunciar sobre a mesma.

Não tem razão.
O Tribunal não procedeu a qualquer alteração da factualidade ou da qualificação jurídica da mesma, tendo-se limitado a interpretar e aplicar o direito aos factos, aliás, de forma favorável ao Recorrente, ao contrário do que alega.

Quanto à questão da alegada inexistência de benefício económico, a mesma foi já supra dilucidada.

Por outro lado, no acórdão foi amplamente explicitado o respaldo doutrinal da interpretação efetuada, assim como os respetivos fundamentos.

Não se verifica por isso, também quanto a esta questão, qualquer violação do princípio do contraditório ou da defesa, ou qualquer nulidade, improcedendo na totalidade as questões suscitadas pelo Recorrente no ponto “B.3) Da preterição inadmissível do contraditório e do direito de defesa” da sua reclamação.

Em face da total improcedência das questões suscitadas pelo Recorrente na sua reclamação, há que apreciar o pedido de reforma do acórdão.

Alega o Recorrente que no acórdão em questão o Tribunal manifesta, por um lado, um estado de dúvida quanto à veracidade ou não das declarações prestadas pelo Recorrente nos autos, no que diz respeito à origem do dinheiro que lhe foi apreendido, e, por outro lado, soluciona essa dúvida decidindo contra o Recorrente, pressupondo que é a este que compete provar – mais ainda – a proveniência do referido dinheiro, no que constitui “uma gritante e inquestionável violação, pelo Tribunal, do princípio da presunção de inocência do Recorrente”, tendo presumido os factos que, em abstrato, fundamentariam a verificação da contraordenação de descaminho.

Entende, por isso, que está em causa “um manifesto e irredutível erro de qualificação, nos termos do disposto no artigo 616.º n.º 2, alínea b), do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 4.º do CPP conjugado com o artigo 41.º do RGCO, o que desde já se invoca a título de fundamento de reforma da decisão”.

Por outro lado, alega que o Tribunal errou ao aplicar ao caso o disposto no art. 18.º n.º 2 do RGIMOS, entendendo que o fez recorrendo à analogia, o que lhe estava vedado, e o que, na sua tese, foi feito sem qualquer justificação, e que a analogia empregue foi, inquestionavelmente, em desfavor do Recorrente, pois a constatação de que o disposto no art. 28.º n.º 2 do RGIT padecia de inconstitucionalidade deveria ter tido por consequência a ineficácia da norma, pelo que a aplicação analógica do disposto no supracitado n.º 2 do art. 18.º teve por consequência a criação, ex novo, de uma sanção acessória inexistente.

Pelo que, na sua tese, o “Acórdão reformando surge, assim, inquinado por um manifesto erro de julgamento, decorrente da frontal violação do princípio fundamental da legalidade, o que desde já se invoca nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 616.º n.º 2, alínea b), do CPC, aplicável ex vi do disposto no artigo 4.º do CPP conjugado com o artigo 41.º do RGCO” (cf. art. 207 do requerimento).

Não tem razão.
O que resulta da fundamentação do Acórdão é que – e citando o próprio Recorrente, a fls. 45 do mesmo - a consumação da prática da infração prevista no n.º 6 do art. 108.º do RGIT corresponde à falta de preenchimento, ou ao preenchimento incorreto/incompleto da declaração relativa ao transporte do dinheiro, pelo que cabia ao Recorrente provar a correção do preenchimento da declaração, o que não logrou fazer, não obstante a oportunidade que lhe foi dada para tanto.

Por outro lado, no mesmo são explicitados os motivos pelos quais se entendeu ser de efetuar uma interpretação extensiva – e não a invocada aplicação analógica – do disposto no n.º 2 do art. 18.º do RGIMOS ao caso.

Por último, no acórdão em questão são ainda explicitados os motivos pelos quais se entende ser de efetuar uma interpretação conforme à constituição do preceituado no art. 28.º, n.º 2 do RGIT.

Não tem, por isso, qualquer sustento a tese do Recorrente de que terá sido “criada” por este Tribunal uma sanção acessória onde ela não existia.

Não está, este modo, em causa, qualquer manifesto lapso deste Tribunal resultando num erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, nem constam do processo documentos ou outros meios de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida, nos termos do disposto no art. 616.º do CPC, no qual sustenta o seu pedido de reforma, motivo pelo qual se julga o mesmo improcedente neste segmento.

Prossegue o Recorrente, regressando à questão, já invocada em sede de reclamação, da inexistência de qualquer benefício económico com a prática do ilícito pelo qual vem condenado.

Entende assim, que também por este motivo, o Acórdão padece de um erro clamoroso.

Não tem razão, como foi já explicitado supra.
Com efeito, e como foi já referido em resposta à sua reclamação, da decisão condenatória resulta provado que introduziu no território nacional, um elevado montante de dinheiro líquido – um milhão de dólares americanos, correspondendo ao montante de EUR 761.788,68 - com a clara intenção de não o declarar, subtraindo o mesmo ao controlo das autoridades aduaneiras.

Não se verifica, assim, também quanto a esta matéria, qualquer manifesto lapso deste Tribunal resultando num erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, nem constam do processo documentos ou outros meios de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida, nos termos do disposto no art. 616.º do CPC, no qual sustenta o seu pedido de reforma, motivo pelo qual se julga o mesmo improcedente, também neste segmento.

Assim sendo, e em face do exposto, improcede totalmente o pedido de reforma do Recorrente.

Em face do seu total decaimento, deve o Recorrente ser condenado em custas pelo presente pedido de reclamação e reforma, arbitrando-se em 1 (uma) UC a taxa de justiça devida, nos termos da Tabela II A do Regulamento das Custas Processuais.

***
Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:

I. Como resulta com meridiana clareza do disposto na primeira parte da alínea a) do n.º 1 do art. 6.º-B da citada Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, esta última entrada em vigor “no dia seguinte ao da sua publicação” (cf. respetivo art. 5.º), o disposto no n.º 1 do art. 6.º B não obsta à tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, como é aqui o caso, tanto mais que em causa não estava a realização de qualquer ato presencial, pelo que a tramitação do presente recurso não se encontrava suspensa.

II. O reenvio prejudicial, nos termos do disposto no art. 267.º do TFUE, pressupõe a existência de uma verdadeira questão prejudicial (“uma questão desta natureza”, como dispõe a letra do art. 267.º TFUE), isto é, uma dúvida pertinente de interpretação ou validade sobre norma jurídica eurocomunitária (dúvida razoável).

III. A reforma destina-se a solucionar situações em que, por manifesto lapso do juiz, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, e/ou constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida, e não eventuais erros de julgamento.

III. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em indeferir a reclamação e o pedido de reforma do acórdão proferido nos presentes autos.
Porto, 29 de abril de 2021 - Margarida Reis (relatora) – Maria do Rosário Pais – Paulo Moura