Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01307/12.0BEBRG
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:04/23/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Rogério Paulo da Costa Martins
Descritores:NULIDADE PROCESSUAL; CONTRADITÓRIO; QUESTÃO MANIFESTAMENTE SIMPLES; PRIMEIRA PARTE DO N.º 3 DO ARTIGO 3º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL; FALTA DE CONSTITUIÇÃO DE MANDATÁRIO PELO AUTOR;
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA; NEGLIGÊNCIA PROCESSUAL; N.º 2 DO ARTIGO 487º DO CÓDIGO CIVIL; DESERÇÃO DA INSTÂNCIA; N.º1 DO ARTIGO 281º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.
Sumário:1. A notória simplicidade do ponto de vista jurídico e factual da questão a decidir é fundamento para dispensar o contraditório, face à excepção contida na expressão “salvo caso de manifesta desnecessidade” da primeira parte do n.º 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil.

2. Ainda que não fosse simples a questão decidida não se justifica declarar a nulidade processual em sede de recurso jurisdicional se as partes se pronunciaram sobre essa questão e o tribunal de recurso já tem condições de decidir, pois declarar a nulidade processual nesse caso, e obrigar a tribunal recorrido a nova pronúncia, seria praticar actos inúteis.

3. Se o autor foi notificado da renúncia de mandato que conferiu ao seu mandatário e para no prazo de 20 dias constituir novo mandatário, sob a cominação de ser “ordenada a suspensão da instância, se a falta for do autor …” e, não obstante , não constituiu novo mandatário nem requereu nada, é de concluir que o processo ficou parado por culpa sua, pois qualquer mediano destinatário perceberia pelo conteúdo desta notificação que sendo autor na acção e não constituindo mandatário no prazo de 20 dias o processo iria ficar parado.

4. A negligência - que é a falta da diligência devida - “é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” – n.º 2 do artigo 487º do Código Civil – e não de acordo com a (falta de) diligência em concreto demonstrada pelo autor.

5. Se o processo ficou parado nestas circunstâncias por mais de seis meses, é de declarar a deserção da instância por determinação automática do disposto no n.º1 do artigo 281º do Código de Processo Civil.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:J.
Recorrido 1:Município (...)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Condenação à Prática Acto Devido (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

J. veio interpor RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 08.01.2021, pela qual foi julgada extinta a instância, por deserção, na acção administrativa especial intentada contra o Município (...), para condenação da Entidade Demandada à prática do acto legalmente devido, de deferimento da sua pretensão urbanística no processo 180/2007, a reconstrução da edificação pré-existente, com conformidade com o pedido de informação prévia favorável.

Invocou para tanto, em síntese, que: deve ser revogada a decisão recorrida dado que o Autor não agiu com negligência, nem a mesma ficou cabalmente demonstrada e, uma vez que que já tem Mandatário constituído, deve ser ordenado o prosseguimento dos autos; caso se assim não entenda, deve ser revogada a decisão que julgou a extinção da instância, pela sua deserção, em virtude de mesma não ser precedida da audição do Autor, a fim de se avaliar, em concreto, se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de sua parte.

O Município Recorrido contra-alegou defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público não emitiu parecer.
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Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) - As presentes alegações de recurso são motivadas pela não concordância com a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que determinou a extinção da instância por deserção.

B- Estipula o artigo 281º do CPC, no seu número 1, que para que a instância se considere deserta, será necessário que estejam preenchidos dois requisitos cumulativos, um requisito objectivo, decurso de mais de seis meses sem que haja impulso processual e um requisito subjectivo, que a falta desse impulso processual se deva a “negligência das partes”.

C- No caso em apreço, conforme amplamente explanado supra, não se verifica o segundo critério, isto é, o Autor não agiu de forma negligente nem essa negligência foi cabalmente demonstrada na douta Sentença promovida pelo Tribunal a quo.

D- Salientando-se, pela sua pertinência, além dos demais argumentos vertidos supra, que aquando do recebimento da notificação que o informa da renúncia do seu anterior mandatário, não compreendeu o real alcance da mesma, nem as consequências que daí poderiam advir, visto que, na mesma, não se faz qualquer referência à possível deserção da instância, nem se esclarece, cabalmente que é obrigatória a constituição de mandatário, tão só se dizendo “Sendo obrigatória a constituição de mandatário, deverá, no prazo de 20 dias, finda a dilação de 5 dias, constituir novo mandatário”.

E- Além disso, o Autor não recebeu a notificação onde se informa a suspensão da instância e onde se faz, pela primeira vez, referência à possível deserção notificação, com data de elaboração de 09/07/2020, nem dela teve conhecimento por qualquer forma, antes de o mandatário ora subscritor juntar a procuração aos Autos.

F- Mesmo após receber a sentença que determinava a extinção da instância pela sua deserção, o Autor não conseguiu compreender integralmente que o que estava em causa era uma decisão que punha fim ao processo por si proposto no longínquo ano de 2012, conforme revela o requerimento por si apresentado a 21/01/2021, junto com o documento 1, sendo demonstrativo de tal situação, além do mais, o pedido de que a instância se mantenha “provisoriamente” suspensa para poder consultar o processo e “contratar um novo Mandatário”.

G- Razões aduzidas que, no nosso modesto entendimento justificam que seja revogada a decisão que julgou a extinção da instância, pela sua deserção, visto que nem o Autor agiu com negligência, nem a mesma ficou cabalmente demonstrada na Sentença que antecede, e, uma vez que o Autor já se encontra com Mandatário constituído, seja ordenado o prosseguimento dos Autos.

Sem prescindir e caso se assim não entenda

H- O tribunal, antes de exarar o despacho a julgar extinta a instância por deserção, deverá, num juízo prudencial, ouvir as partes de forma a melhor avaliar se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de alguma delas, ou de ambas.

I- Quer isto dizer que, antes de ser promovida a Sentença que determinou a extinção da instância, pela sua deserção, deveria o Tribunal ter ouvir as partes, a fim de ponderar, em concreto, a negligência que lhes seja imputável pela falta de impulso processual.

J- O que, no caso vertente, não sucedeu.

K- Dando causa a uma nulidade processual, a qual se argui.

L- Assim, atendendo a que, a decisão a quo, que determina extinção a instância, por deserção, não é precedida da audição do Autor, a fim de se avaliar, em concreto, se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de sua parte, deve a mesma ser revogada e uma vez que o Autor já se encontra com Mandatário constituído, ser ordenado o prosseguimento dos Autos.

Nestes termos e nos melhores de direito que V/Exas. doutamente suprirão:

- Deve ser revogada a decisão que julgou a extinção da instância, pela sua deserção, visto que nem o Autor agiu com negligência, nem a mesma ficou cabalmente demonstrada na Sentença que antecede, e, uma vez que o Autor já se encontra com Mandatário constituído, ser ordenado o prosseguimento dos Autos.

Sem prescindir e caso se assim não entenda,

- Deve ser revogada a decisão que julgou a extinção da instância, pela sua deserção, em virtude de mesma não ser precedida da audição do Autor, a fim de se avaliar, em concreto, se a falta de impulso processual é imputável ao comportamento negligente de sua parte, e uma vez que o Autor já se encontra com Mandatário constituído, ser ordenado o prosseguimento dos Autos.
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II –Matéria de facto.

1. Por requerimento de 13.05.2020, os Mandatários do Autor comunicaram a sua renúncia ao mandato – documento de folhas 193 do SITAF.

2. Em 14.05.2020, o Autor foi notificado da renúncia de mandato que conferiu aos seus Mandatário e para no prazo de 20 dias constituir novo Mandatário, sob a cominação de ser “ordenada a suspensão da instância, se a falta for do autor …” – folhas 194 e 200 do SITAF.

3. Com a data de 08.07.2020, foi proferido o seguinte despacho, a folhas 202 do SITAF:

“Por requerimento de fls. 193 do SITAF, vieram os mandatários do Autor J., renunciar ao respetivo mandato, nos termos legais.

Da renúncia ao mandato foram notificados, o Autor, J. [cfr. notificação e aviso de receção a fls. 194 e 200 do SITAF], bem como a parte contrária [cfr. notificação a fls. 195 do SITAF].

Mostrando-se decorrido o prazo previsto no artigo 47.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação aplicável aos autos (anterior ao 214-G/2015, de 02/10, por força do artigo 15.º, n.º 2 daquele decreto-lei), e sendo obrigatória a constituição de mandatário, nos presentes autos, por força do artigo 11.º, n.º 1 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação aplicável, e 40.º do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, na redação aplicável, e não tendo o Autor constituído mandatário, nos presentes autos, declaro suspensa a presente instância, nos termos do artigo 47.º, n.º 3, al. a) do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, sem prejuízo da sua deserção nos termos do disposto no artigo 281º, n.ºs 1 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”.

4. Despacho este que foi notificado ao Autor por ofício registado de 09.07.2020 - folhas 206 do SITAF.

5. Ofício enviado por carta registada em 13.07.2020 e recebido pelo próprio Autor em 14-07-202, de acordo com a informação disponibilizada no sítio dos CTT (www.ctt.pt), com o código RG105865647PT - documento junto a folhas 319 do SITAF.

6. A decisão ora recorrida, pela qual foi julgada extinta a instância, por deserção, foi proferida em 08.01.2021 – folhas 211 do SITAF.

7. O Autor apresentou em 21.01.2021 o requerimento que consta de folhas 219-220 do SITAF.
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III - Enquadramento jurídico.

1. A nulidade processual por falta de audição das partes sobre o projecto de decisão de extinção da instância, por deserção.

Dispõe o n.º 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos:

“O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.

O caso presente é um caso de evidente de manifesta desnecessidade de assegurar o contraditório.

A questão reveste notória simplicidade do ponto de vista jurídico e os factos necessários e suficientes para decidir estão todos documentados, permitindo tirar as ilacções que o Tribunal recorrido tirou.

Ainda que assim não se entendesse, as partes pronunciaram-se sobre a matéria no presente recurso jurisdicional, sendo o Autor contra a decisão recorrida e o Réu a favor.

Declarar a nulidade processual e obrigar a Tribunal recorrido a nova pronúncia seria praticar actos inúteis porque nesta sede de recurso, depois de ouvidas as partes, este Tribunal de recurso tem já condições para decidir.

Precisamente no mesmo sentido em que decidiu o Tribunal recorrido.

Termos em que se julga improcedente esta arguida nulidade processual.

2. O acerto da decisão de extinção da instância por deserção.

Estipula o artigo 281.º, n.º1, do Código de Processo Civil que “considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses”.

Quanto ao teor do requerimento apresentado pelo próprio Autor em 21.01.2021 importa dizer, antes de tudo o mais, que não tem qualquer relevo, dado ser posterior à sentença recorrida e também porque o presente processo exige a constituição de mandatário e, por isso, apenas tem relevo para apreciar o acerto da decisão, único objecto do recurso jurisdicional, o que lhe é anterior e, assim, podia ser tido em conta, bem como, apenas, o que é articulado pelo respectivo Mandatário, o que não é o caso.

De todo o modo, o requisito da negligência afere-se não pelo grau de diligência ou conhecimento do Autor, em concreto, mas pelo grau de diligência ou conhecimento de um destinatário medianamente diligente e instruído.

A negligência - que é a falta da diligência devida - “é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso” – n.º2 do artigo 487º do Código Civil.

Reportando-nos de novo ao caso concreto, o Autor foi notificado da renúncia de mandato que conferiu ao seu Mandatário e para no prazo de 20 dias constituir novo Mandatário, sob a cominação de ser “ordenada a suspensão da instância, se a falta for do autor …”.

Qualquer mediano destinatário perceberia pelo conteúdo desta notificação que sendo autor na acção e não constituindo mandatário no prazo de 20 dias o processo iria ficar parado.

Iria ficar parado por culpa sua, por não constituir mandatário.

Como efectivamente ficou parado, por mais de seis meses, entre 14.05.2020, data em que foi notificado para constituir novo mandatário, e a data da sentença ora recorrida, 08.01.2021.

Sem que o Autor tivesse justificado a sua inércia nesse período.

Pelo que se impunha declarar a deserção da instância, por determinação automática do disposto no n.º1 do artigo 281º do Código de Processo Civil.

Termos em que se impõe confirmar o julgado.
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IV - Pelo exposto, os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte, acordam em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional pelo que mantém a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.
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Porto, 23.04.2021


Rogério Martins
Luís Garcia
Frederico Branco