Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01773/07.5BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:12/20/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IRC;
CORRECÇÕES TÉCNICAS;
RESERVAS DE REAVALIAÇÃO;
Sumário:I – Ao lançar na conta de resultados transitados as reservas provenientes das reavaliações legais a impugnante não só utilizou efectivamente as reservas, pois alterou positivamente, para saldo zero, uma conta que documentava prejuízos transitados de anos anteriores, como introduziu, na contabilidade, uma vertente subjectiva que o legislador dos artigos 11º e 10º do DL nº 49/91 de 25/1 e 264/92 de 24/11, respectivamente, proscreveu ao limitar a utilização das reservas de reavaliação ao colmatar de prejuízos sofridos até à data de entrada em vigor dos diplomas e a aumentos de capital.

II - Não se tratou de uma mera operação de cosmética, fiscalmente inócua, desde logo porque com o saldo zero da conta de resultados transitados estavam criados pressupostos substanciais para se contabilizarem e distribuírem lucros, pressupostos sem os quais uma necessária deliberação da assembleia geral de distribuição dos mesmos não teria, sequer, objecto.

III - Como assim, temos por válida a conclusão de que a operação contabilística a que se refere o parágrafo I deste sumário violou os artigos 11º e 10º, respectivamente, do DL nº 49/91 de 25/1 e 264/92 de 24/11.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Maioria
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - Relatório

[SCom01...] SA, com sede na Estrada Nacional n.º ...09, ..., ..., a interpôs recurso de apelação relativamente à sentença proferida em 18 de Agosto de 2017 no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte em que foi julgada parcialmente improcedente, a impugnação judicial por si movida contra a liquidação adicional no montante de 326 980,38 € (de que não resultou imposto a pagar, dado o reporte de prejuízos) consequente a correcções técnicas da matéria colectável, do IRCs de 2004.

As alegações de recurso terminam com as seguintes conclusões:
«IV-CONCLUSOES:
A) Com base nos elementos de prova junto aos autos (novas contas aprovadas de 2003 a 2007) a douta sentença deveria ter dado como provado que o referido movimento na conta 5 (ocorrido em 2003) foi invertido com efeitos retroactivos a esse exercício, pelo que o facto sobre o qual se fundamenta a correcção deixou de existir para todos os efeitos legais, tornando a liquidação ilegal.
B) O legislador quer que os excedentes obtidos no processo de reavaliação aproveitem à empresa, sejam instrumento do seu auto-financiamento. O que permite concluir, com segurança, que não tendo sido distribuídos aos sócios ganhos resultantes dos processos de reavaliação, não houve uma utilização de tais reservas para fins diversos dos preconizados pelo legislador.
C) A transferência de saldos para a conta “resultados transitados” (facto referido em c) do ponto 1 da matéria de facto) não pode ser entendida como consubstanciando uma utilização ou aplicação, como o fez o douto tribunal recorrido.
D) A passagem duma reserva de reavaliação para a conta “resultados transitados” apenas indica que a mesma se encontra contabilisticamente realizada.
E) No caso, a douta sentença deve ser revista no sentido de que tal movimento (2003) não constituiu uma utilização indevida estatuída no art.° 11° do DL n° 49/91, de 25 de Janeiro e no art.° 10° do DL n° 264/92, de 24 de Novembro.
F) Assim, deve a sentença recorrida ser revista na parte: (i) em que omite a apreciação sobre as novas contas nas quais o movimento contabilístico (2003) surge desoculto, retirando-se uma nova conclusão que o facto sobre o qual se fundamenta a correcção deixou de existir para todos os efeitos legais, tornando a mesma ilegal; ou caso assim não se entenda, (ii) na parte em que indefere a pretensão da impugnante quanto à anulação da correcção em causa (amortizações) na medida em que o movimento ocorrido no ano anterior (2003) não deve ser considerado uma violação aos referidos regimes de reavaliação legal.
Junta: O citado parecer
Face ao exposto, formula-se e o seguinte PEDIDO:
Deverá conceder-se provimento ao presente Recurso, devendo a decisão de 1ª instância, na parte ora recorrida, ser revogada com as legais consequências

Notificada, a AT não respondeu à alegação.

O Digno Magistrada do Ministério Público neste Tribunal apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, de que se transcreve o essencial:
«(…) analisadas as conclusões formuladas pela ora Recorrente, na motivação do recurso jurisdicional em apreço, constata-se que a mesma ataca a sentença impugnada, imputando-lhe erro de julgamento da matéria de facto por errónea selecção e valoração da prova e erro de julgamento da matéria de direito, consubstanciado na violação dos artigos 11º do Decreto-Lei n° 49/91, de 25 de Janeiro e 10°, do Decreto-Lei n° 264/92, de 24 de Novembro.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
Afigura-se-nos que a pretensão da Recorrente deve proceder na totalidade, sendo válida toda a argumentação do Ex.°. Senhor Procurador da República do TAF do Porto, expendida no seu douto parecer de fls. 1429 e 430 do processo fiscal, com o qual concordamos e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os legais efeitos.
Com efeito, o mencionado parecer fez uma correcta apreciação e valoração da prova constante dos autos, bem como uma correcta análise dos preceitos legais que a fundamentam, não sendo passível de qualquer crítica ou reparo.
Nesta conformidade, deve ser concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogar- se a douta sentença recorrida, julgando-se procedente a impugnação.
O Parecer do MP na 1ª Instância é, todo ele, redutível ao seguinte:
“A correcção incidiu sobre os preços de transferência, alienação de partes de capital e amortizações de reservas de reavaliação legais.
A IRFP contestou pugnando pela legalidade da correcção do IRC.
A impugnante apresentou alegações.
Compete à AT fazer a prova dos factos que fundamentam a correcção da liquidação, visto que a impugnante cumpriu as obrigações previstas no artigo 58.°, n.°s 6 e 7 do CIRC (artigo 74.°, n.° 1 da LGT).
A AT fundamentou devidamente a correcção efectuada, conforme se verifica do relatório junto a fls. 19 e segs. do PA apenso.
Em sede de alegações, a impugnante lança dúvidas sobre o método utilizado pela AT, designadamente, porque não considerou o volume de vendas como um elemento a considerar, no respeitante aos preços de transferência, e porque em sede de reserva de reavaliação a mesma foi legal.
Ora, em face das dúvidas suscitadas pela impugnante em sede de instrução dos autos, nos termos do artigo 100.°, n.° 1 do CPPT, segundo o princípio de que as dúvidas sobre a quantificação do facto tributário são valoradas a favor do contribuinte, deverá o acto ser anulado.
Este é o nosso parecer.»

Dispensados os vistos, nos termos do artigo 657º nº 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir.
II
Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelo objecto das conclusões das alegações.
Neste pressuposto, as questões que a recorrente suscita são, por ordem lógica, as seguintes:

1ª Questão
A sentença recorrida incorre em erro no julgamento de facto e consequente erro de direito, por não ter seleccionado como facto relevante – e provado, com base nos elementos de prova junto aos autos (novas contas aprovadas de 2003 a 2007) – que o movimento na conta 5 (ocorrido em 2003), pelo qual a recorrente saldou as contas de reservas de avaliação por contrapartida do lançamento a crédito do saldo da conta 592- resultados transitados, foi invertido com efeitos retroactivos a esse exercício, pelo que o facto sobre o qual se fundamenta a correcção deixou de existir para todos os efeitos legais, tornando a liquidação ilegal?

2ª Questão
A sentença erra, de qualquer modo, no julgamento de direito, pois, em face dos factos já discriminados como provados, impunha-se concluir que não houve qualquer utilização das reservas de reavaliação em desconformidade com o disposto nos artigos 11º do DL n° 49/91, de 25 de Janeiro e 10° do DL n° 264/92, de 24 de Novembro)?

III – Apreciação do Recurso
Da decisão recorrida convém transcrever, antes de mais, a enunciação dos factos provados e não provados relevantes para objecto do recurso:
«DOS FACTOS:
Com relevância para a decisão a proferir consideram-se provados os seguintes factos [a numeração da paginação referida será efectuada por apelo ao processo físico]:
(…)
E) A Impugnante foi objecto de acção inspectiva, mediante a ordem de serviço n.º ...77 mediante a qual foi proposta a correcção de EUR 318.147,76 a acrescer à matéria colectável por esta declarada com referência ao ano de 2004 e a IRC.
[cfr. emerge da capa do relatório de fls. 16 a 18 do processo administrativo apenso aos autos].
F) As correcções referidas no facto antecedente tinham a seguinte fundamentação:
“(…) 1.1 EXERCÍCIO DE ACTIVIDADE
O sujeito passivo, à data de 2004, desenvolvia a sua actividade no sector da produção de alimentos
compostos para animais, ou seja, na produção de rações para bovinos, suínos, coelhos e outros animais destinados à alimentação humana. À data actual, para além da produção das rações acima referidas, também se dedica à comercialização de alimentos para cães e gatos.
(…)
III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
1. IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS (IRC)
No âmbito de análise interna à Declaração de Rendimentos, Modelo 22, enviada pelo sujeito passivo
(através da «Internet») em 20/05/2005 e relativa ao exercício de 2004 e ainda de acordo com os elementos constantes do respectivo «Processo de Documentação Fiscal», previsto no n.º 3, do Art.º 121.º, do CIRC (no Capítulo II referenciado), entre outros, foram verificados os factos seguintes:
1.1 PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA (ART.º 58.º, DO CIRC)
1.1.1 VENDAS PARA EMPRESAS RELACIONADAS
(…) Este parêntesis e a remoção do segmento da decisão recorrida e, mediatamente, do relatório de inspecção que ele representa são da iniciativa do relator, em função do objecto do recurso.
2. REINTEGRAÇÕES RESULTANTES DE RESERVAS FISCAIS DE REAVALIAÇÃO INDEVIDAMENTE UTILIZADAS
No âmbito do «Acompanhamento Permanente» à empresa [SCom01...], verificamos que a mesma, no exercício de 2003, entre outros da mesma natureza, efectuou registos contabilísticos em contas de Activo, de Ajustamentos de Activos e de Capital Próprio, os quais se encontram discriminados em Quadro anexo ao presente (Cfr. Anexo n. º 2, Folha 1/1, ao presente para dele fazer parte integrante).
A [SCom01...], no uso das disposições constantes dos Decretos-Lei n.º 111/88, de 02 de Abril, n.º 49/91, de 25 de Janeiro e n.º 264/92, de 24 de Novembro (adiante designados, respectivamente, por DL 111/88, DL 49/91 e DL 264/92), procedeu à reavaliação fiscal (nos anos de 1988, 1991 e 1992) de vários elementos do seu Activo Imobilizado Corpóreo, de cujos registos contabilísticos (registo a débito e a crédito, em contas de Capital Próprio, nomeadamente, 56 - Reservas de Reavaliação) resultaram os valores (excedentes de reavaliação) seguintes:
Conta 561 - Reservas de Reavaliação - Decreto-Lei n.º 111/88 - € 229.º47,16
Conta 562 - Reservas de Reavaliação - Decreto-Lei n.º 49/91 - € 358.407,36
Conta 563 - Reservas de Reavaliação - Decreto-Lei n.º 264/92 - € 300.724,89
Em Junho de 2003, por via de correcções e ajustamentos, relativos a exercícios anteriores (Cfr. Anexo n.º 2, Folha 1/1, ao presente para dele fazer parte integrante), o sujeito passivo registou vários valores, a débito, na Conta 592 - Resultados Transitados, dando cumprimento, desta forma, à “Directriz Contabilística n.º 8 - Clarificação da Expressão Regularizações não Frequentes e de Grande Significado relativamente à Conta 59 - Resultados Transitados”.
De uma forma resumida, deveremos dizer que aquelas correcções e ajustamentos são relativas a sobrevalorização, em 31/12/2002, de existências finais de Matérias-primas (€ 672.355.72), estimativa de insuficiência de Provisões p/ Créditos de Cobrança Duvidosa (€ 626. 904,00) e ainda de um ajustamento contabilístico ao valor de títulos negociáveis, registados na Conta «15 - Títulos Negociáveis» (€ 131.199,00) (Cfr. «Coluna de Observações» do Anexo n.º 2, Folha 1/1, ao presente para dele fazer parte integrante).
Refira-se, ainda, que a Conta 592 - Resultados Transitados revelava, em 01/01/2003, o saldo credor (positivo) de € 28.132,65, correspondente à reabertura do exercício.
2.1 COBERTURA DAS REGULARIZAÇÕES CONTABILISTICAS (CONTA 592)
Para a cobertura das regularizações contabilísticas, acima quantificadas, a [SCom01...] utilizou as Reservas de Reavaliação constituídas ao abrigo dos DL 111/88, DL 49/91 e DL 264/92, porquanto
contabilizou, em 31/07/2003, a débito das respectivas Contas de Reserva de Reavaliação (Contas 561, acima identificadas), os valores, ou seja, os excedentes de reavaliação que se encontravam a crédito daquelas contas de Reservas.
A contrapartida contabilística, para cada uma das Reservas de Reavaliação utilizadas, foi o registo a crédito na Conta 592 - Resultados Transitados, a qual continha os movimentos a débito, acima identificados (Cfr. Anexo n.º 2, Folha 1/1, ao presente para dele fazer parte integrante).
2.2 RESERVAS FISCAIS DE REAVALIAÇÃO
2.2.1 LIMITAÇÃO À UTILIZAÇÃO DAS RESERVAS FISCAIS DE REAVALIAÇÃO
De acordo com as disposições constantes dos DL 111/88, DL 49/91 e DL 264/92 as Reservas de Reavaliação constituídas ao abrigo dos mesmos, só podem ser utilizadas nas condições seguintes:
2.2.1.1 DECRETO-LEI N.º 111/88, DE 02 DE ABRIL
O n.º 2, do Art.º 6.º, do DL 111/88, dispõe que “Exceptuando o caso de dissolução da empresa, a reserva de reavaliação só pode ser utilizada para a cobertura de prejuízos acumulados até 31 de Dezembro de 1987 ... não podendo o remanescente dessa reserva ter outra aplicação que não seja a incorporação no capital social”.
2.2.1.2 DECRETO-LEI N.º 49/91, DE 25 DE JANEIRO
O n.º 2, do Art.º 6.º, do DL 49/91, dispõe que “A reserva de reavaliação só pode ser movimentada ... para cobertura de prejuízos acumulados até à data a que se reporta a reavaliação, inclusive, e para incorporação no capital social, na parte remanescente”.
2.2.1.3 DECRETO-LEI N.º 264/92, DE 24 DE NOVEMBRO
Seguindo o mesmo critério previsto no DL 49/91, o n.º 2, do Art.º 5.º, do DL 264/92, dispõe que “A reserva de reavaliação só pode ser movimentada… para cobertura de prejuízos acumulados até à data a que se reporte a reavaliação, inclusive, e para incorporação no capital social, na parte remanescente».
2.2.2 UTILIZAÇÃO INDEVIDA DAS RESERVAS FISCAIS DE REAVALIAÇÃO
Igualmente, de acordo com as disposições constantes dos DL 49/91 e DL 264/92, as implicações fiscais, por utilização indevida das Reservas de Reavaliação, reflectidas no exercício de 2004 [as implicações que terão reflexos no exercício de 2003 serão objecto de análise ao abrigo da Ordem de Serviço n.º ...46 («Procedimento Interno de Inspecção»), emitida com o âmbito «Parcial – IRC», abrangendo o ano de 2003] são as seguintes:
2.2.2.1 DECRETO-LEI N.º 49/91, DE 25 DE JANEIRO
A al. a), do Art.º 11.º, do DL 49/91, dispõe que "A utilização da reserva de reavaliação para fins diferentes dos previstos no n.º 2 do artigo 6.º tem como consequências: a) considerar-se como nula, para efeitos fiscais, a reavaliação efectuada".
2.2.2.2 DECRETO-LEI N.º 264/92, DE 24 DE NOVEMBRO
No mesmo sentido do Decreto-Lei anterior, a al. a), do Art.º 10.º, do DL 264/92, dispõe que "A utilização da reserva de reavaliação para fins diferentes dos previstos no n.º 2 do artigo 5.º tem como consequências: a) Considerar-se como nula, para efeitos fiscais, a reavaliação efectuada".
2.3 CORRECÇÕES FISCAIS A EFECTUAR NO EXERCÍCIO DE 2004
Face ao exposto anteriormente, nomeadamente nos pontos 2.1 e 2.2 do presente Capitulo, a [SCom01...] utilizou Reservas de Reavaliação constituídas ao abrigo de legislação fiscal, para fins diferentes dos previstos nos respectivos diplomas legais.
Ao considerar-se nulas, para efeitos fiscais, as reavaliações efectuadas as consequências, pela utilização indevida das respectivas Reservas de Reavaliação são as seguintes:
2.3.1 REINTEGRAÇÕES PRATICADAS SOBRE BENS REAVALIADOS
De acordo com o disposto no n.º 1, do Art.º 16.º, do Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12 de Janeiro, o qual refere que “O regime de aceitação como custos de reintegração de bens reavaliados ao abrigo de legislação de carácter fiscal é o mencionado na mesma ...” ou seja, a al. a), do n.º 1, do Art.º 8.º, do DL 49/91 e al. a), do n.º 1, do Art.º 7.º, do DL 264/92 referem que “Não são dedutíveis para efeitos fiscais os seguintes custos ou perdas: O produto de 0,4 pela importância do aumento das reintegrações anuais resultantes da reavaliação; ...”, pelo que será aceite fiscalmente o produto de 0,6 pela importância do aumento das reintegrações anuais resultantes da reavaliação fiscal.
Considerando, então, as penalidades previstas (nulas, para efeitos fiscais, as reavaliações efectuadas) nas disposições legais acima referidas, o produto de 0,6 pela importância do aumento das reintegrações anuais resultantes da reavaliação fiscal não é aceite fiscalmente, passando os excedentes de reavaliação a constituir-se como meras reservas (contabilísticas) livres que adquirem a natureza de "Reservas Extraordinárias de Reavaliação".
2.3.2 CORRECÇÕES FISCAIS A REINTEGRAÇÕES PRATICADAS
De acordo com o exposto anteriormente e no sentido de se apurarem as reintegrações e amortizações não aceites fiscalmente, relativas ao exercício de 2004, procedemos à construção do mapa em anexo (Cfr. Anexo n. º 3, Folha 1/1, ao presente para dele fazer parte integrante) de que resultaram os valores seguintes:
Reintegrações Fiscais Consideradas €15.629,23 [Linha 12, do Mapa]
Reintegrações Fiscais Aceites € 5. 763,31 [Linha 15, do Mapa]
Correcção Fiscal às Reintegrações € 9.865,92 [Linha 17, do Mapa]
(…) Parêntesis do relator
6. CONCLUSÃO
Face ao exposto nos pontos anteriores (do presente capítulo) as correcções a efectuar ao Prejuízo Fiscal declarado, relativas ao exercício de 2004, são as seguintes (Euros):
APURAMENTO DE LUCRO TRIBUTÁVEL {CAMPO OO QUADRO 07. MODELO 22, IRC, 2004]
CORREC.ÇÃO PREÇOS TRANSFERÊNCIA (ART." 50.")225+286.546,41
REINTEGRAÇÕES RESULTANTES REAVALIAÇÃO ACTIVOS225+9.865,62
ALIENAÇÃO DÊ PARTES DE CAPITAL (ACÇÕES)225+30.568,06
20% AJUDAS DE CUSTO E QUILÓMETROS (REGULARIZADOS)2238.832.63
VALOR DE CORRECÇÃO ACRESCIDO226+318 147,76
PREJUÍZO FISCAL DECLARADO239-37.006,95
LUCRO TRIBUTÁVEL CORRIGIDO240+281.140,81

(…)
VIII DIREITO DE AUDIÇÃO - FUNDAMENTAÇÃO
Foi a [SCom01...] notificada através de Via Postal [Ofícios de Saída n.ºs ....84/0506, de 06/03/2007 e ...02/0506, de 14/03/2007 (Projecto de Correcções Complementar), das conclusões do “Projecto de Relatório”, previsto no n.º 1, do Art.º 60.º, do RCIPT, e para no prazo de 10 (dez) dias, exercer o direito de audição, nos termos do n.º 2, do Art.º 60.º, da LGT e RCPIT, tendo a [SCom01...] exercido o direito de audição relativamente ao Projecto de Correcções Complementar, notificado em 16/03/2007.
Relativamente ao Projecto de Conclusões de Relatório, notificado em 07/03/2007, exerceu a [SCom01...] aquele direito, em 19/03/2007 (Registo de Entrada n.º ...11, nos Serviços de Inspecção Tributária), na forma escrita, sendo que, e após a sua análise, resultaram os factos seguintes, os quais consideramos mais significativos e de acordo com os pontos e articulado referidos naquele «Exercício de Direito de Audição» (doravante designado de PETIÇÃO):
(…)
3. «5. AMORTIZAÇÃO DE RESERVAS DE REAVALIAÇÃO LEGAIS»
O texto constante do ponto «5.2», da PETIÇÃO, refere que «Os movimentos a débito efectuados pela [SCom01...] no ano de 2003, nas contas de "561 - Reserva de reavaliação DL 111/88", 229 047 Euros, "562 - Reserva de reavaliação DL 49/91': 358 407 Euros e "562 - Reserva de reavaliação DL 264/92", 300 725 Euros, reflectem única e exclusivamente a transferência para a conta "59 - Resultados transitados': da componente realizada das reservas de reavaliação, tal como impõe a Directriz Contabilística, n.º 16».
Refere, ainda, o ponto "5.3", da PETIÇÃO, que «Esta Directriz Contabilística n.º 16, publicada em 1995, ou seja, após os referidos Diplomas de reavaliação legal, é de aplicação obrigatória pelo Decreto Lei n.º 367/99, de 18 de Setembro, impondo a transferência para a rubrica de 59 - Resultados transitados de Reserva de reavaliação realizadas (pelo uso ou pelo venda dos bens).
O Decreto-Lei n.º 367/99, de 18 de Setembro vem estabelecer as regras relativas à / organização e funcionamento da Comissão de Normalização Contabilística (CNC).
A al. c), do Art.º 2.º, daquele diploma legal, refere que é atribuição da Comissão de Normalização Contabilística (CNC), "Emitir directrizes contabilísticas, de efeito obrigatório, ... ", sendo que estas directrizes, como é obvio e em termos de hierarquia de disposições legais, nunca poderão conter normativos que se possam sobrepor a disposições constantes de Decretos-Lei (normas especiais fiscais) que, no caso, regulam, entre outros, a constituição e utilização de reservas de reavaliação, para efeitos fiscais, de activos imobilizados corpóreos.
E, a Directriz Contabilística n.º 16 ("Reavaliação de Activos Imobilizados Tangíveis" e doravante designada por Directriz 16), em todo o seu conteúdo, relativamente à utilização a dar às reservas constituídas nos termos constantes da mesma, vem, claramente, excepcionar as reservas criadas com suporte em diploma legal fiscal. Entre vários exemplos, destacamos os abaixo referidos que incluem os procedimentos a adoptar, previstos no n. º 3, da Directriz 16.
Assim:
• O ponto 1.2, daquela Directriz, diz que "Ao nível fiscal, os efeitos da inflação nas demonstrações financeiras têm sido parcialmente tratados, como regra, através de ajustamentos monetários ocasionais do imobilizado corpóreo efectuados nos termos autorizados pela lei. Os diplomas que têm permitido as denominadas reavaliações fiscais extravasam o âmbito fiscal e intrometeram-se na área societária, ao estabelecerem o destino a dar à reserva de reavaliação - a saber, cobertura de prejuízos acumulados até à data a que se reporta a reavaliação, inclusive, e a incorporação no capital social da parte remanescente.";
• O ponto 2.5 refere que "No Plano Oficial de Contabilidade o excedente ... é considerado como uma "reserva", na esteira de diplomas fiscais. Daí que venha sendo prática corrente a utilização daquele excedente, mesmo sem se verificar a sua realização para cobrir prejuízos ou para aumentar o capital, o que de modo algum se considera admissível, face aos princípios contabilísticos geralmente aceites.";
• O ponto 3.2, daquela Directriz 16, refere que "No caso de haver activos imobilizados tangíveis que sejam reavaliados sem suporte em diploma legal específico, dando lugar às denominadas "reavaliações livres", deve movimentar-se uma subconta especifica no âmbito da conta "56 - Reservas de reavaliação", que poderá designar-se "Outros excedentes", ... ";
• Em consequência do ponto anterior, o ponto 3.3 da Directriz 16, vem explicitar como poderão ser
utilizados os excedentes obtidos no processo de reavaliação previsto no Ponto 3.2, ou seja, os excedentes obtidos na sequência de processo de / actualização sem suporte em diploma legal.
Tendo a Directriz 16 sido emitida com o objectivo de obter uma imagem verdadeira e apropriada do activo, passivo e dos resultados das operações da empresa, vem a mesma recomendar a reavaliação de activos imobilizados tangíveis bem como a utilização dos respectivos excedentes de reavaliação, sendo que em todo o seu conteúdo, relativamente à utilização a dar às reservas constituídas nos termos constantes da mesma, vem, claramente, excepcionar as reservas constituídas com suporte em diploma legal.
A Directriz referida procura, ainda, através da qualificação das reservas de reavaliação, não fiscais, fruto de processos de reavaliação livre, como resultados potenciais, colocar um travão na utilização abusiva deste expediente cujo objectivo era, em muitos casos, aumentar contabilisticamente o nível dos capitais próprios, sem que nada de substancial o justificasse.
O Ponto «5.4», da PETIÇÃO, refere que "Por outro lado, entende a Administração Fiscal, que o valor transferido para a conta "59 - Resultados transitados" configura uma operação de cobertura de prejuízos... ", referindo, ainda, o Ponto «5.5», da mesma PETIÇÃO que "A transferência no referido contexto para a rubrica de Resultados transitados não configura qualquer cobertura de perdas, pelo que não se pode concluir (abusivamente) da violação do disposto nos Decretos Lei 111/88, 49/91 e 264/92".
A Conta "592 - Resultados Transitados", em 01/01/2003 (saldo de reabertura), apresentava o saldo credor de € 28.132,65. ou seja, inexistência de prejuízos anteriores acumulados.
Em Junho de 2003, por via de correcções e ajustamentos, relativos a exercícios anteriores (Cfr. Anexo n.º 2, Folha 1/1, ao presente RELATÓRIO para dele fazer parte integrante), o sujeito passivo registou vários valores, a débito, na Conta 592 - Resultados Transitados, dando cumprimento, desta forma, à Directriz Contabilística n·.º 8 - "Clarificação da Expressão Regularizações não Frequentes e de Grande Significado relativamente à Conta 59 - Resultados Transitados".
De uma forma resumida, deveremos dizer que aquelas correcções e ajustamentos são relativas a sobrevalorização, em 31/12/2002, de existências finais de Matérias Primas (€ 672.355, 72), estimativa de insuficiência de Provisões p/ Créditos de Cobrança Duvidosa (€ 626.904,00) e ainda de um ajustamento contabilístico ao valor de títulos negociáveis, registados na Conta "15-Títulos Negociáveis" (€ 131. 199, 00) (Cfr. "Coluna de Observações" do Anexo n.º 2, Folha 1/1, ao presente RELATÓRIO para dele fazer parte integrante).
Igualmente, em Junho de 2003, procedeu à reavaliação "livre" de elementos do seu activo imobilizado corpóreo (Terrenos e Recursos Naturais), originando um excedente de reavaliação no valor de € 1.273.103,27 (Cfr. Anexo n.º 2, Folha 1/1, ao presente RELATÓRIO para dele fazer parte integrante).
Para a cobertura das regularizações contabilísticas, acima quantificadas, a [SCom01...] utilizou as Reservas de Reavaliação constituídas ao abrigo dos DL 111/88, DL 49/91 e DL 264/92 e, ainda, uma parte de Reserva Especial (Conta 5741) porquanto contabilizou, em 31/07/2003, a débito das respectivas Contas de Reserva de Reavaliação (Contas 561, 562 e 563 acima identificadas) e da Reserva Especial, os valores, ou seja, os excedentes de reavaliação que se encontravam a crédito daquelas contas de Reservas.
A contrapartida contabilística, para cada uma das Reservas de Reavaliação utilizadas, foi o registo a crédito na Conta 592 - Resultados Transitados, a qual continha os movimentos a débito, acima identificados (Cfr. Anexo n.º 2, Folha 1/1, ao presente RELATÓRIO para dele fazer parte integrante).
Em 31/07/2003, a Conta "592 - Resultados Transitados" apresenta um saldo nulo, ou seja, igual a zero, o qual resulta dos movimentos efectuados a crédito por contrapartida dos movimentos efectuados a débito nas Contas 561, 562 e 563 (acima identificadas) e "5741 - Reserva Especial", sendo que, face à reavaliação "livre", no valor de € 1.273.103,27 (acima referida), a variação nos capitais próprios foi pouco significativa.
A utilização da reserva de reavaliação constituída ao abrigo de legislação própria especial, sem consequências fiscais, só é permitida para incorporação no Capital Social na medida em que não for necessário cobrir prejuízos acusados à data a que se reporta a reavaliação.
O quadro de movimentação da conta (Reserva de Reavaliação) é o seguinte:
• Debita-se, por crédito da Conta "48 - Amortizações Acumuladas", pela actualização das amortizações;
• Credita-se, por débito das Contas de Activo Imobilizado (41, 42, 43) cujos valores históricos foram objecto de ajustamentos monetários;
• Debita-se, em caso de aumento de Capital por incorporação da reserva de reavaliação ou cobertura de prejuízos, por contrapartida das Contas "51 - Capital" ou "59 - Resultados Transitados".
Tendo a [SCom01...] debitado as Contas 561, 562 e 563, por contrapartida da Conta "592 -Resultados Transitados", mais não faz do que cobrir as regularizações efectuadas nos capitais próprios (movimentos efectuados na Conta "592 - Resultados Transitados", em Junho de 2003, por isso posteriores à constituição das referidas reservas, acima quantificados) pelo que utilizou indevidamente as reservas de reavaliação constituídas ao abrigo do DL 111/88, DL 49/91 e 264/92, ou seja, para fins diversos dos previstos nas disposições constantes daqueles diplomas legais.
(…) Parêntesis do Relator
Em face do exposto anteriormente, e considerando que, no «Exercício do Direito de Audição» não foram apresentados quaisquer factos novos, sendo que o sujeito passivo não suporta aquele com outros elementos de prova que possam influenciar as conclusões constantes do «Projecto de Conclusões de Relatório» (notificado ao mesmo), as quais se mantêm inalteradas (com a excepção prevista no Ponto 1, do presente Capítulo), procedeu-se à elaboração, nos termos do Art.º 62.º, do RCPIT, do presente RELATÓRIO.
IX OUTROS DADOS RELEVANTES
(…)”
[cfr. emerge do relatório de fls. 16 a 47 do processo administrativo apenso aos presentes autos].
G) Em 29 de Março de 2009 foi proferido despacho concordante com a proposta de correcções.
[cfr. emerge da capa do relatório de fls. 16 a 18 do processo administrativo apenso aos autos].
H) Com base nas referidas correcções foi emitida a liquidação de IRC n.º ...60 com valor zero.
[cfr. emerge de fls. 131 do processo administrativo apenso aos presentes autos].
I) A Impugnante praticou no ano de 2004 nas suas operações «intra-grupo» descontos sobre o «preço-tabela» correlacionados com o volume de vendas para a sociedade em causa para além de outros factores que influenciavam o preço como a circunstância da venda ser a granel ou produto ensacado.
[cfr. emerge da prova testemunhal produzida e da análise critica do parecer do revisor de contas («AA»)].
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão.
Motivação da matéria de facto:
(…)»


Voltemos às questões já enunciadas.
1ª Questão
A sentença recorrida incorre em erro no julgamento de facto e consequente erro de direito, por não ter seleccionado como facto relevante – e provado, com base nos elementos de prova junto aos autos (novas contas aprovadas de 2003 a 2007) – que o movimento na conta 5 (ocorrido em 2003), pelo qual a recorrente saldou as contas de reservas de avaliação por contrapartida do lançamento a crédito do saldo da conta 592- resultados transitados, foi invertido com efeitos retroactivos a esse exercício, pelo que o facto sobre o qual se fundamenta a correcção deixou de existir para todos os efeitos legais, tornando a liquidação ilegal?

Dispõe o artigo 123º nº 2 do CPPT que a sentença discriminará, na sentença, a matéria de facto provada e a não provada.
O que é e não é a matéria de facto que tem de ser discriminada como provada ou não provada diz-no-lo o artigo 5º nº 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT: o Juiz deve atender, na sentença, aos factos alegados nos articulados, aos instrumentais desses, que resultem da instrução da causa e aos que sejam complemento ou concretização dos alegados e resultem da instrução da causa, desde que as partes tenham tido a possibilita de se pronunciar sobre os mesmos.
Resulta, ainda, dos nº 2 e 3 do artigo 607º do CPC, aplicável no processo tributário, nos termos do artigo 2º do CPPT, porque o artigo 123º do CPPT não regula exaustivamente a estrutura da sentença, que a discriminação dos factos provados e não provados (atendíveis) integra a fundamentação da sentença em matéria de facto.
Assim sendo, a omissão de pronuncia sobre factos alegados ou atendíveis para a discussão da causa, em alguma das perspectivas em confronto, viola a conjugação dos artigos 123º nº 2 do CCPT e 5º nº 2 e 607º nºs 2 e 3 do CPC ex vi artigo 2º do CPPT.
Qual é sanção do direito para esta violação?
Não ignoramos o entendimento aparentemente pressuposto pela recorrente, de que se trataria de um erro de julgamento de facto, por não se terem seleccionado todos os factos necessários, mas não nos revemos nessa qualificação, em suma, porque a quem omite o acto de julgar não se pode apontar erro no julgamento.
Dir-se-ia tratar-se, então, de uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia sobre uma ou mais questões de facto sobre que se imporia pronúncia, nulidade prevista no próprio CPPT (artigo 125º nº 1). Com efeito trata-se do silêncio do juiz sobre alegadas questões de facto colocadas pelas partes ou, ainda que não alegados, atendíveis conforme o citado artigo 5º. Porém, o conceito de “questão” instalado na jurisprudência e na doutrina mais secundada prejudica este entendimento, pois entende-se por questão não qualquer facto individual a julgar provado ou assente, mas apenas um complexo fáctico-jurídico de que possa depender a decisão da causa ou parte dela.
Uma vez que a discriminação de todos os facto atendíveis nos termos do nº 2 do artigo 5º do CPC integra, conforme artigo 607º nº 4 do CPC e 123º nº 2 do CPPT, a fundamentação da sentença, então, a omissão sobre a prova ou não prova de facto atendíveis, mormente esses que indubitavelmente o eram porque alegados pelas partes e relevantes para uma eventual decisão da causa a seu contento, resulta numa violação do dever de fundamentar a sentença em matéria de facto e é sancionada como nulidade da sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125º do CPPT segundo o qual é “causa de nulidade da sentença a não especificação doa fundamentos de facto e de direito da decisão”. Com efeito, omitir a pronúncia sobre facos relevantes, isto é, de cuja prova e não prova pode depender, ao menos num entendimento plausível, a decisão da causa resulta numa falta de especificação de ao menos parte dos fundamentos de facto da decisão.
Assim, temos vindo a entender que a falta de especificação, como provados ou não provados, com a respectiva fundamentação, de factos atendíveis para a discussão da causa em alguma solução plausível desta constitui nulidade da sentença, nos termos do nº 1 do artigo 125º do CPPT, por falta parcial da fundamentação de facto da decisão. Cf. anotação ao artigo 125º do CPPT, no CPPT anotado, 6ª edição, II volume, pág. 360:
“8 - Omissão ou deficiência parcial na indicação da matéria de facto.
Como se deduz do que ficou referido, quanto à falta de indicação da matéria de facto provada ou deficiência, obscuridade ou contradição, a nulidade existirá mesmo que se trate de uma omissão ou deficiência parcial.”
Esta nulidade da sentença pode ser parcial, se não afectar o sentido do dispositivo e suprível nos termos dos artigos 662º nº 1 e ou 665º nº 1 do CPC.
Duas notas, ainda, sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto:
Quando da prova ou da não prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste outro, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º do CPPT, uma expressa referência à sua não prova.
Por fim, tudo o que forem considerações gerais e abstractas ou juízos de valor, mesmo em matéria de facto, não é logicamente passível da decisão probatória, pois esta refere-se a factos concretos, mas apenas de um juízo de validade ou invalidade.
É nestes pressupostos que nos propomos apreciar a questão acima enunciada.
O facto alegadamente desconsiderado consiste em que o lançamento contabilístico que deu origem à correcção feita pela AT ainda sub juditio teria sido revertido nos exercícios seguintes.
Cumpre antes de mais apreciar se tal facto foi de algum modo alegado na PI.
Revista a Petição, constata-se que tal facto não foi alegado. Todo o articulado releva da sustentação de que o movimento feito em Junho de 2003 não violou o disposto nos artigos 11º e 10º dos DLs 49/91 de25/1 e 264/92 de 24/11. Na verdade este facto e a questão que sobre ele assenta – a alegação de que em face dessa reversão posterior, mas anterior à liquidação, consequente à correcção, aquela tinha de ser ilegal, por inexistência de facto tributário – só vem a ser arguida nas alegações escritas finais. Ora, o objecto do processo, pedido e causa de pedir, foi fixado com o articulado da Petição (artigo 260º do CPC). As alegações finais destinam-se a discutir esse objecto, não a modifica-lo (sem prejuízo da cognoscibilidade das questões que o forem ex officio).
Também não foi alegada qualquer fundamentação para a consideração desta factualidade com fundamento no nº 2 do citado artigo 5º do CPC, nem vemos que o pudesse ser, pois não se trata de facto instrumental, ou tão pouco complementar dos factos alegados, pelo contrário, é um facto que assume total independência relativamente aos alegados, como nova e a se stante causa de pedir da anulação da liquidação.
Como assim, a sua não discriminação como facto provado e relevante para a decisão da causa não era devida ou sequer permitida, sob pena de excesso de pronúncia, pelo que a resposta a esta questão é negativa.

2ª Questão
A sentença erra de qualquer modo no julgamento de direito pois, em face dos factos já discriminados como provados, impunha-se concluir que não houve qualquer utilização das reservas de reavaliação em desconformidade com o disposto nos artigos 11º do DL n° 49/91, de 25 de Janeiro e 10° do DL n° 264/92, de 24 de Novembro?

A sentença recorrida, no que a esta questão diz respeito, é redutível aos seguintes excertos:
«No que concerne às correcções relativas às reservas de reavaliação entende a Impugnante que o seu procedimento foi o correcto à luz do disposto na directriz contabilística n.º 16 tendo-se limitado a transferir para a conta 59 – resultados transitados as reservas de reavaliação constantes das contas 561 – reserva de reavaliação DL 111/88 (EUR 229 047,00) e 562 – Reserva de reavaliação DL 49/91 (EUR 358 407,00) e 562 – Reserva de reavaliação DL 264/92 (EUR 300 725,00).
Citada, a Fazenda Pública apresentou contestação, pugnando pela regularidade daquelas correcções (…).
No que tange à remanescente correição pugna a Fazenda Pública pela sua manutenção sustentando que a Impugnante transferiu o saldo das contas relativas a reservas de reavaliação, cujos diplomas legais exigiam que apenas podiam ser utilizadas para aumentos de capital ou cobertura de prejuízos, para uma conta de resultados transitados que não reflecte qualquer prejuízo de períodos precedentes, o que deu lugar à desconsideração do valor de EUR 9.865,92 de reintegrações.
(…)
III - No que tange às correcções respeitantes às reservas de reavaliação.
Como dimana do probatório estas reservas de reavaliação foram constituídas pela Impugnante ao abrigo do Decreto-Lei n.º 111/88, de 02 de Abril, do Decreto-Lei n.º 49/91, de 25 de Janeiro e do Decreto Lei n.º 264/92, de 24 de Novembro.
O primeiro daqueles diplomas autorizou as empresas “a reavaliar, até 31 de Dezembro de 1988, os elementos do seu activo imobilizado corpóreo nos termos do presente diploma, independentemente de o terem ou não já reavaliado ao abrigo de outros diplomas legais, com excepção dos bens completamente reintegrados em 31 de Dezembro de 1987, já reavaliados ao abrigo dos n.ºs 3 dos artigos 2ºs dos Decretos-Leis 219/82, de 2 de Junho, 399-G/84, de 28 de Dezembro e 118-B/86, de 27 de Maio, ou do n.º 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei 126/77, de 2 de Abril, devendo a reavaliação reportar-se a 31 de Dezembro de 1987 e constar do balanço de 31 de Dezembro de 1988”.
Previu, também, aquele Diploma que a valorização do activo imobilizado seria actualizada mediante a aplicação de coeficientes de desvalorização monetária, aplicando-se idêntico procedimento às amortizações e reintegrações, registando-se aquela valorização por contrapartida de uma subconta de capitais próprios especifica para o efeito a conta «Reserva de reavaliação - Decreto-Lei 111/88».
Estabelecia-se, também, no n.º 2 do art.º 6.º que “exceptuando o caso de dissolução da empresa, a reserva de reavaliação só pode ser utilizada para a cobertura de prejuízos acumulados até 31 de Dezembro de 1987, deduzidos dos lucros obtidos até àquela data e não aplicados, não podendo o remanescente dessa reserva ter outra aplicação que não seja a incorporação no capital social”.
No que tange ao seu regime fiscal, dispunha o seu art.º 7.º que apenas seria considerado como custo 60% do acréscimo de amortizações gerado pela reavaliação.
No campo das penalidades previstas pela utilização indevida da reserva previa-se a aplicação de “multa igual a 40% do valor da reserva de reavaliação indevidamente utilizada, a aplicar nos termos do Código de Processo das Contribuições e Impostos, na qual incorrerão, solidariamente entre si, o contribuinte, directores, administradores, gerentes e membros dos órgãos de fiscalização em exercício ao tempo em que foi cometida a infracção” [cfr. art.º 11.º].
O segundo daqueles Diplomas, o Decreto-Lei n.º 49/91, de 25 de Janeiro, é em tudo idêntico ao primeiro, estabelecendo regras similares para a constituição e aplicação de reserva de reavaliação fundada em coeficientes de desvalorização monetária, contudo, inovou ao prever, ao contrário do anterior, que caso fosse dado destino diverso do legalmente estabelecido para a reserva de reavaliação [constante do n.º 2 do art.º 6.º], dever-se-ia considerar-se como nula, para efeitos fiscais, a reavaliação efectuada e adicionar-se ao valor do IRC ou do IRS, liquidado do exercício em que tal utilização se verifique, o IRC ou o IRS que em resultado da reavaliação deixou de ser liquidado nos exercícios anteriores, acrescido dos juros compensatórios correspondentes.
O último daqueles diplomas, o Decreto-Lei n.º 264/92, de 24 de Novembro, estabeleceu um regime idêntico ao previsto no diploma anterior, inclusive quanto ao destino da reserva [cfr. art.º 5.º n. 2] e às penalidades pela sua utilização desconforme a previsão legal [cfr. art.º 10.º].
Dimana do probatório que a Impugnante reavaliou o seu imobilizado ao abrigo daqueles diplomas legais, constituindo por contrapartida da reavaliação reservas legais e que se encontravam contabilizadas nas contas previstas nos respectivos Decretos-Lei, a saber:
 Conta 561 - Reservas de Reavaliação - Decreto-Lei n.º 111/88 - € 229.047, 16
 Conta 562 - Reservas de Reavaliação - Decreto-Lei n.º 49/91 - € 358.407,36
 Conta 563 - Reservas de Reavaliação - Decreto-Lei n.º 264/92 - € 300.724,89
Emerge, também, que naquele exercício foram registados em conta de resultados transitados (conta 592 – Resultados Transitados) diminuições da valorização do seu património ocorridas em exercícios anteriores, nomeadamente pela sobrevalorização, em 31/12/2002, de existências finais de matérias primas (€ 672.355, 72), estimativa de insuficiência de provisões p/ créditos de cobrança duvidosa (€ 626.904.00) e ainda de um ajustamento contabilístico ao valor de títulos negociáveis, registados na Conta "15-Títulos Negociáveis" (€ 131.199,00) e que a conta, no início do exercício, apresentava um saldo credor de EUR 28.132,65.
Emerge, também, e é incontroverso nos presentes autos, que no mesmo exercício fiscal a Impugnante saldou as contas de reservas de reavaliação por contrapartida do lançamento a crédito do respectivo saldo na conta 592.
Motivo que levou a Administração Fiscal a considerar nulas as reavaliações operadas e, consequentemente, a corrigir a matéria tributável do exercício de 2004 na medida do excesso de amortizações aceites em virtude daqueles diplomas (60% do aumento da amortização daqueles bens), corrigindo a matéria tributável em EUR 9.865,92.
Considera a Impugnante que o seu procedimento está consentâneo com o previsto na Directriz Contabilística n.º 16, não provocou qualquer alteração na valorização patrimonial (apenas na sua composição), que não ocorreu qualquer distribuição de lucros e, consequentemente, tal correcção é indevida e o seu resultado é desproporcionado.
Cumpre apreciar.
Estabelece a Directriz Contabilística n.º 16, sob a epígrafe de “reavaliação de activos imobilizados tangíveis”, invocada pela Impugnante, o seguinte:
“1 Com o objectivo de obter uma imagem verdadeira e apropriada do activo, do passivo e dos resultados das operações da empresa, os registos devem basear-se em princípios contabilísticos geralmente aceites, designadamente o do custo histórico, quer a escudos nominais, quer a escudos constantes.
O fenómeno inflacionista e o crescimento económico provocam e evidenciam, entre outros efeitos, a subquantificação dos activos não monetários, levando muitas empresas a ajustar ocasionalmente algumas rubricas do balanço.
Tais ajustamentos têm expressão no capital próprio das empresas através das denominadas "reservas de reavaliação", que representam, em rigor, resultados potenciais, isto é, resultados não realizados.
1.2 — Ao nível fiscal, os efeitos da inflação nas demonstrações financeiras têm sido parcialmente tratados, como regra, através de ajustamentos monetários ocasionais do imobilizado corpóreo efectuados nos termos autorizados pela lei.
Os diplomas que tem permitido as denominadas reavaliações fiscais extravasaram o âmbito fiscal e intrometeram-se na área societária, ao estabelecerem o destino a dar à reserva de reavaliação, a saber, a cobertura de prejuízos acumulados até à data a que se reporta a reavaliação, inclusive, e a incorporação no capital social da parte remanescente.
1.3 — Em face, designadamente, da degradação da situação financeira, do insucesso das políticas creditícias empresariais e das limitações ditadas pela lei fiscal quanto aos bens susceptíveis de reavaliar, algumas empresas procedem à revalorização contabilística de determinados elementos do activo, nomeadamente imóveis, constituindo as denominadas "reavaliações livres" (também chamadas reavaliações extraordinárias ou económicas), utilizando de seguida a 'reserva' assim criada quer na cobertura de prejuízos acumulados quer no reforço do capital social.
Esta prática por parte das empresas está em contínuo crescimento e é caracterizada por um vazio informativo que facilita a subjectividade e necessariamente colide com a adopção de procedimentos objectivos e verificáveis.
Com efeito, a inexistência de um sistema de controlo das avaliações casuísticas tem contribuído para facilitar a discricionariedade dos avaliadores e o escamoteamento de situações dúbias, ao mesmo tempo que omite uma questão de primordial importância, que é a de saber se a reavaliação é revista por forma a acompanhar o comportamento dos preços dos bens no mercado, designadamente no caso de se verificar um abaixamento significativo dos preços posteriormente à reavaliação.
(…)
2 - Tratamento contabilístico:
2.1 - Reavaliar um activo significa ajustar, geralmente por acréscimo, a quantia assentada do mesmo; este acréscimo, depois de ajustadas as correspondentes amortizações acumuladas, se for caso disso, dá origem a um excedente, ainda não realizado, a inscrever no capital próprio.
2.2 - Quando um elemento integrante de um agrupamento de activos, de natureza e uso semelhante for reavaliado, todo o agrupamento o deve ser.
2.3 - A reavaliação dos activos imobilizados tangíveis pode ser efectuada com base na avaliação do poder aquisitivo da moeda. Adoptando este procedimento, a quantia excedente é objectiva e verificável; objectiva, porque se apoia normalmente em índices de preços que traduzem variações gerais nos preços ou, por motivos fiscais, nos "coeficientes de desvalorização monetária" publicados anualmente pelo Ministério das Finanças; verificável, porque quando se procede à sua comprovação, obtém-se sempre a mesma quantia. A reavaliação dos activos imobilizados tangíveis também pode ser efectuada com base no justo valor (vide directriz contabilística n.º 13). Neste caso, os avaliadores procederão de acordo com parâmetros próprios de cada um; a quantia atingida será naturalmente subjectiva e dificilmente verificável (no sentido em que cada um obterá outra quantia, dado o uso de parâmetros pessoais) e só por excepção coincidirá com a do avaliador inicial.
2.4 - O excedente obtido do processo de reavaliação só se considera realizado, de acordo com os princípios contabilísticos geralmente aceites, pelo uso ou alienação dos bens a que respeita.
2.5 - No Plano Oficial de Contabilidade o excedente, referido no número anterior, é considerado como uma "reserva", na esteira de diplomas fiscais. Daí que venha sendo prática corrente a utilização daquele excedente, mesmo sem se verificar a sua realização, para cobrir prejuízos ou para aumentar o capital, o que de modo algum se considera admissível, face aos princípios contabilísticos geralmente aceites.”
Brota da referida directriz contabilística que esta se destina a harmonizar os valores e a respectiva contabilização nos casos em que ocorre a reavaliação de activos de forma a permitir que a contabilidade mantenha as suas características de demonstração da realidade, comparabilidade, fiabilidade, etc.
Por outro lado, e como se refere no ponto 2.5 daquela, esta não visa habilitar a utilização da reserva para outros destinos que não sejam a cobertura de prejuízos ou o aumento de capital.
É consabido, também, que as directrizes contabilísticas, enquanto orientações emanadas por um “regulador”, no caso vertente, a Comissão de Normalização Contabilística, nunca teriam a virtualidade de se poderem sobrepor a uma norma legal expressa em sentido contrário.
Mesmo admitindo algum grau de vinculação dos técnicos de contabilidade e revisão oficial de contas a tais instruções, estas apenas são susceptíveis de serem eficazes no âmbito da mera contabilidade, isto é, no domínio da apresentação de contas por parte das entidades com contabilidade organizada, sendo certo que havendo divergência entre os procedimentos estabelecidos contabilisticamente e a lei fiscal, prevalece esta última como, aliás, decorre expresso do Código do IRC ao estabelecer que o lucro tributável tem por base o apuramento feito na contabilidade com as correcções previstas naquele.
É o que dimana, nomeadamente, do disposto no art.º 17.º do CIRC que previa que “1 - O lucro tributável das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do nº 1 do artigo 3º é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código”.
Sendo incontroverso que os valores inscritos naquelas contas de reserva foi levado a resultados transitados (isto é, resultados obtidos em período anterior) de forma a compensarem perdas ocorridas em anos anteriores e não relevadas contabilisticamente até àquela data, emerge a conclusão de que a tais reservas foi dado destino não admitido pelos Diplomas que as habilitaram.
Efectivamente, e como dimana daqueles Diplomas, a reserva resultante da reavaliação apenas podia ser utilizada para compensar prejuízos pré-existentes à data da sua constituição ou, inexistindo aqueles, no aumento do capital social.
Consequentemente, impunha-se à Administração Fiscal que, constatando o incumprimento do previsto naqueles Decretos-Lei, procedesse às correcções à matéria tributável neles previstas, independentemente da operação contabilística em causa ser cosmética (no sentido da mera alteração da composição patrimonial mas não do valor dos capitais próprios da sociedade), não permitir a distribuição de lucros, ou qualquer outra razão, porquanto tais motivações não constituem qualquer causa legalmente atendível.
O resultado não pode considerar-se, também, desproporcionado porquanto, atentas as correcções efectuadas pela Administração Fiscal, da indevida afectação daquelas no valor de mais de EUR 800.000,00 resultaram correcções à matéria tributável de aproximadamente EUR 10.000,00.
Não obstante, e como emerge da resenha efectuada daqueles Diplomas, brota que o primeiro destes não previa as correcções à matéria tributável efectuadas pela Administração Fiscal, em resultado da indevida afectação daquelas reservas mas apenas a aplicação de uma multa.
Emerge, assim, a evidência de que, ao contrário do que sucede quanto às reservas de reavaliação efectuadas ao abrigo dos dois restantes diplomas legais, inexiste fundamento legal para a correcção à matéria tributável decorrente da utilização da reserva de reavaliação com origem no disposto no Decreto-Lei n.º 111/88 e, consequentemente, deve tal correcção ser anulada por erro quanto aos pressupostos de direito.
(..)
Nestes termos, com os fundamentos expostos:
i) Julga-se parcialmente procedente a presente Impugnação e, consequentemente, anula-se parcialmente a liquidação impugnada, no que tange às correcções à matéria tributável declarada pela Impugnante com fundamento no incumprimento do disposto no art.º 58.º do CIRC (correcções relativas a preços de transferência) e à violação do destino das reservas legais previsto art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 111/88;
ii) Julga-se improcedente o pedido anulatório da liquidação no que tange às demais correcções, absolvendo-se a Fazenda Pública do mesmo;
Pode resumir-se o julgamento do Mº Juiz a quo em que, apesar de ele mesmo reconhecer que se tratou de uma mera operação de cosmética, isto é, de uma mera alteração da composição patrimonial, não ficam dúvidas de que a Recorrente utilizou efectivamente as reservas de reavaliação contabilizadas ao abrigo dos DLs 49/91 de 25 de Janeiro e 264/92 de 24 de Novembro, ao lançar os valores das reservas de avaliação ainda sub juditio a crédito da conta de resultados transitados, já que os artigos 11º e 10º daqueles diplomas, têm de prevalecer, para efeitos fiscais, sobre a invocada directriz contabilística, a qual, aliás, sob pena de ilegalidade, não podia pretender referir-se às reservas contabilizadas conforme legislação fiscal específica.
Pelo contrário a recorrente sustentaque não se pode falar em qualquer utilização, precisamente porque se tratou de mera alteração da composição patrimonial, não tendo, na prática, sido dado qualquer destino indevido ao valor das reservas em causa, pelo que não se pode de modo nenhum afirmar que se deu às reservas uma aplicação diversa da prevista nos sobreditos artigos 11º e 10º.
Como se relatou, junta o parecer de um académico de nomeada, da área disciplinar do Direito Fiscal, segundo o qual “só depois de ser tomada em assembleia geral da sociedade uma decisão sobre o destino a dar aos resultados reserva) é que se pode dizer que a mesma foi aplicada ou utilizada.”
Foi também este o entendimento que vingou no ac. deste TCAN de 16/2/2023, proferido no processo 2182/07.3BEVIS, no qual também fora junto, pela ali e aqui recorrente, o sobredito parecer.
Em suma, julgou-se que não houvera utilização nem aplicação dos resultados da reserva de avaliação, por não se ter passado de uma operação contabilística.
Não podemos anuir a tal entendimento.
Se a contabilidade não se destina a especular, mas sim a traduzir a realidade da empresa o mais fielmente possível, quer para fins fiscais quer para fins comercias, quer para fins financeiros, não se concebe como pode a alteração do saldo de uma conta de resultados ser inócua, isto é, inútil. Aliás, se era inócua e inútil, por que foi praticada?
Na verdade, a utilidade – isto é, o resultado da utilização - da operação contabilística em causa começa, desde logo, por fazer com que a contabilidade passe a traduzir um estado de coisas, na realidade da Recorrente, diferente, para melhor, do que o que transpareceria sem esse lançamento, na conta de resultados transitados, das reservas de reavaliação legais.
Desde logo, com base no saldo zero da conta de resultados transitados estavam criados pressupostos substanciais para se contabilizarem e distribuírem lucros (apesar de haver resultados negativos transitados), pressupostos sem os quais uma necessária deliberação da assembleia geral, no sentido da distribuição dos mesmos, não teria, sequer, objecto.
Parece-nos que a ratio legis das limitações à utilização das reservas legais de reavaliação impostas pelos próprios diplomas que as autorizam reside na natureza meramente potencial dos resultados das reavaliações – pois enquanto não forem vendidos os bens reavaliados não se pode ter a certeza da efectividade do aumento patrimonial produto da reavaliação, em oposição com a natureza actual (hoc sensu) dos resultados transitados.
Os diplomas que autorizam as reavaliações para efeitos fiscais permitem a excepção que sempre é a utilização de um incremento patrimonial apenas potencial para saldar prejuízos actuais, no sentido de já acontecidos, ou para aumentar o capital. A razão por que tanto limitam a aplicação contabilística das reservas correspondentes às reavaliações por eles autorizadas reside precisamente na incerteza relativa dessas reavaliações, por ser tratar da mera potencialidade, por não se tratar de valores efectivamente realizados no mercado, enfim, ante a inflação e o crescimento económico, o legislador transige em permitir as reavaliações e sua utilização naqueles apertados limites mas previne uma espiral de especulação em que a contabilidade deixe de espelhar a situação real a tributar, ao ponto de permitir, eventualmente, a distribuição de lucros realmente não obtidos.
Ora, ao lançar na conta de resultados transitados (reais) as reservas provenientes das reavaliações legais, o que a impugnante fez foi tratar como actuais, isto é, proveitos realizados, reavaliações que eram meras potencialidades, não para suprir prejuízos anteriores à aprovação daqueles diplomas “habilitantes”, como eles permitiam, mas para suprir prejuízos transitados de anos posteriores à entrada em vigor dos mesmos diplomas. Deste modo não só utilizou efectivamente as reservas, pois alterou positivamente, para saldo zero, uma conta que documentava prejuízos transitados de anos anteriores, como introduziu, na contabilidade, uma vertente de incerteza que o legislador dos sobreditos artigos 11º e 10º, ao limitar a utilização das reservas ao colmatar de prejuízos sofridos até à data de entrada em vigor dos diplomas e a aumentos de capital, quis limitar.
Como assim, temos por válida a conclusão de que a operação contabilística a que se refere a conclusão C) da motivação do recurso violou os artigos 11º e 10º, respectivamente, do DL nº 49/91 de 25/1 e 264/92 de 24/11 pelo que bem andou ao AT em aplicar a sanção prevista nesses diplomas.

III – Conclusão:
Do exposto decorre a improcedência do recurso.


IV – Custas
As custas do recurso ficarão a cargo da Recorrente, atento o total decaimento (artigo 527º do CPC).

V- Dispositivo
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao recurso.
Custas do recurso Pela Recorrente.

Porto, 20 de Dezembro de 2023

Tiago Afonso Lopes de Miranda

Paula Maria Dias de Moura Teixeira

Ana Paula Rodrigues Coelho dos Santos (vencida, conforme voto que segue):
Não acompanho a decisão por entender que a operação contabilística traduzida na mera transferência de saldos da conta "reservas de reavaliação" para a conta “resultados transitados” não traduz uma qualquer aplicação ou utilização daquelas reservas. Só após a deliberação da Assembleia Geral que determina o modus de aplicação dos resultados a quantia previamente inscrita na conta “resultados transitados” é saldada por contrapartida das contas correspondentes à aplicação de lucros ou à cobertura de prejuízos deliberada, só então, se consubstanciando a efectiva utilização (aplicação) dos valores inscritos na referida conta.