Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00294/04 - Viseu
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:11/10/2016
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IVA
MÉTODOS INDIRETOS
PRESSUPOSTOS DO RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Sumário:I. Da conjugação dos artigos 78.º e 81.° do CPT resulta que quando na contabilidade do sujeito passivo, se verifique erros inexatidões ou outros que indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva, podia a Administração Fiscal recorrer a decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, no entanto, estava obrigada a especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.
II. Os pressupostos da tributação por métodos indiciários têm de integrar realidades diretamente constatáveis, não podendo consistir em meras suposições ou juízos presuntivos extraídos de factos que nem sequer se reportam ao período de tributação considerado;
III. Os indicadores de omissão de proveitos à contabilidade têm de se apoiar em factos e não em conclusões extraídas de factos, que no caso dos autos, o sujeito passivo até demonstrou não corresponderem à realidade.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:C..., Lda.
Decisão:Negado provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, Fazenda Pública não se conformou com a sentença emitida em 17.10.2014 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente a pretensão deduzida na IMPUGNAÇÃO pela sociedade “C…, Lda., NIPC 5..., com sede no Parque Industrial…, S. Pedro do Sul, relacionada com as liquidações de IVA dos anos de 1994 e 1995 e respetivos juros compensatórios.

A Recorrente interpôs o presente recurso, formulou nas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(…)a) Incide o presente recurso sobre, a aliás douta sentença, que julgou procedente a presente impugnação por não estarem verificados os pressupostos que determinaram o recurso à aplicação de métodos indiretos;
b) Do relatório consta “Não existe uma organização dos documentos que permitam controlar a sua devida contabilização”, facto que foi explicitado pela inspetor em sede de inquirição de testemunhas, no sentido de que a contabilidade da impugnante não permitia um controlo direto das operações tributáveis efetivas;
c) Após análise contabilística, concluiu a inspeção que a contabilidade da impugnante não merece crédito nos exercícios fiscalizados, atendendo à existência de diversas irregularidades verificadas nos elementos de escrita, enumerados de forma resumida: Saldos de Caixa exageradamente elevados e, ao mesmo tempo, saldos de Caixa credores; Omissão à contabilidade de custos com pessoal não declarado e Omissão de serviços prestados;
d) Na verdade, a escrita da impugnante revela pagamentos extra-contabilísticos (“saco azul”), nomeadamente custos com o pessoal que têm que ter a sua contrapartida de fluxos financeiros, além de que a conta Caixa revela saldo credor em 1995, situação esta que revela meios monetários para pagamentos extra-contabilísticos (à margem da contabilidade);
e) Acresce que o número de horas contabilizadas nos exercícios em questão, fica muito aquém da realidade, porquanto, pelo menos no setor da eletricidade no exercício de 1995 houve um aumento de pessoal, o que contraria a tese da impugnante de que existiriam tempos mortos, os quais também não foram comprovados pela impugnante;
f) Atente-se na omissão de custos com pagamentos a trabalhadores, o que indicia ter havido pessoal a trabalhar ao serviço da impugnante e, por consequência, proveitos não registados (em 1994 só 54% do tempo útil do pessoal do setor elétrico foi faturado e, no ano de 1995, 78%);
g) Note-se que as irregularidades evidenciadas no relatório e que impediram o apuramento da matéria coletável pelo método direto, devem ser analisadas de forma conjugada e interligada e não isoladamente e de per si, como vertido na decisão judicial;
h) Ao nível das contas de disponibilidades, o inspetor, para além de detetar situações de documentos (em especial de Caixa) que não foi possível localizar, só se pode concluir que não foram lançados, o que desde logo gera a dúvida sobre se, para além daqueles documentos detetados em procedimento de conciliação, quantos mais não foram inseridos na contabilidade;
i) Depois, verificou-se que muitos documentos (nomeadamente recibos de pessoal), não obstante o respetivo pagamento ser feito através de cheque, este provinha de uma conta particular do gerente da impugnante, sendo que o procedimento descrito apenas é possível com a existência de um fluxo financeiro exterior à contabilidade, situação que é particularmente grave, se atentarmos que se comprovou a existência de pagamentos não refletidos na contabilidade, cujo montante não é possível apurar (Veja-se Anexo 5, em cujos documentos consta a aposição “Estorno saco azul”);
j) Ora, o procedimento em questão não pode ser desvalorizado, da forma como o fez o julgador, por se nos afigurar de particular gravidade, pois que, em função disso não é possível apurar a real dimensão das omissões à contabilidade e que impossibilitam um apuramento direto da matéria tributável;
k) Quanto à omissão de custos com pessoal, refere a douta sentença que, não obstante a AT tenha apurado a existência de 3 funcionários da impugnante que não se encontra refletida na respetiva contabilidade, bem como a contabilização indevida de despesas pagas a título de ajudas de custo “ao gerente e ao engenheiro”, decorre do relatório que dispunha a inspeção de dados suficientes para proceder a correções técnicas, não sendo necessário recorrer a métodos indiciários;
l) Discordamos da perspetiva do decisor, pois que, da leitura do ponto 5.1.3 do relatório verifica-se que apenas em relação às despesas com ajudas de custo pagas ao gerente e ao engenheiro, foi possível apurar de forma direta e exata o montante em questão, conforme quadro de fls. 5 do relatório;
m) Mas já o mesmo não sucede quanto às restantes omissões com pessoal, porquanto, se detetou que, para além dos funcionários que constam nas folhas de Caixa, existem outros (pelo menos 3, o que não quer dizer que não sejam mais), que não estão representados na contabilidade;
n) Das faturas emitidas pela impugnante aos seus clientes retira-se que são debitados serviços realizados por pessoas que a contabilidade não identifica, configurando omissão de custos com pessoal, o que mais uma vez, constitui um indício sério de que na contabilidade não estão registados todos os factos fiscalmente relevantes;
o) Sobre o afirmado no relatório de que os livros selados satisfazem as formalidades previstas na lei, tal diz respeito, apenas e tão só, ao aspeto formal da execução da contabilidade, mas daí não se pode extrair que a contabilidade reflita todas as operações ocorridas, até porque, o relatório é bem claro no sentido de que houve omissões praticadas na contabilidade, a vários níveis;
p) A propósito da omissão de proveitos (serviços prestados), a AT fez um levantamento, através das faturas emitidas, dos serviços prestados e do respetivo tempo de execução em relação aos exercícios de 1994 (Anexo 20) e 1995 (Anexo 21), concluindo-se pela omissão de serviços prestados, partindo do pressuposto de que a impugnante obteve, nos anos em causa, determinada produtividade, em função do confronto do número mínimo de peças produzidas num dia com 8 horas de trabalho (ponto 5.1.4 do relatório);
q) Atente-se, conforme referido no relatório, que o inspetor considerou uma quebra ou tempos mortos correspondente ao tempo das 3 pessoas que no ano anterior foram encontradas sem constarem na contabilidade;
r) O julgador considerou que a factualidade vertida no probatório (alíneas K), L), M), N), O) e P)), evidencia que a avaliação levada a efeito sobre esta matéria assenta em pressupostos errados por desconsideração dessas circunstâncias, razão porque conclui que nem todas as horas despendidas pelos trabalhadores eram utilizadas no processo produtivo da empresa, pelo que era impossível à impugnante atingir a produtividade presumida pela Administração Tributária;
s) Contudo, salvo melhor posição, descurou o julgador diversas outras circunstâncias que colocam em crise o sentido decisório na matéria relativa à omissão de proveitos, porquanto, da prova produzida nos autos resulta que: Nem todos os funcionários da impugnante se deslocavam à Alemanha, mas um universo muito limitado desses trabalhadores; O inspetor esclareceu que, para além de não resultar da contabilidade, não lhe foi comprovada a existência de pessoal produtivo e não produtivo (em formação), e qual era o pessoal produtivo e não produtivo, acrescentando que os recibos de vencimento de todos os funcionários ao serviço da impugnante, que lhe foram exibidos e que, por isso, analisou eram em tudo similares, não fazendo qualquer menção diferenciadora, até porque as diferenças salariais entre funcionários da impugnante são insignificantes (Cfr. Anexo 6 ao relatório);
t) Não obstante os trabalhos realizados pela impugnante exigirem conhecimentos técnicos específicos, a verdade é que os funcionários ao seu serviço eram previamente contratados com qualificações no setor elétrico ou de mecânica, além de que a inspeção comprovou que a impugnante tinha mais trabalhadores ao seu serviço do que aqueles que constavam inscritos na contabilidade;
u) Clarifica-se ainda que a produtividade da impugnante era medida, não só pelas peças produzidas, mas pela capacidade para as produzir (tempo de estudo para execução da peça), sendo que o dispêndio de tempo para aprendizagem na montagem não pode ser encarado como tempo não útil;
v) Tanto assim é que, o tempo disponibilizado para estudo de determinada linha de montagem (ou, conforme designa a impugnante “tempo de formação”), era, a par do tempo de execução da mesma peça, debitado aos clientes, logo, em nada interfere com a produtividade da empresa;
w) Depois, nem todas as peças produzidas pela impugnante eram diferentes, sucedendo as mais das vezes que, apreendido o processo de execução de uma determinada linha de montagem (estudo), a impugnante produzia várias outras iguais, apenas sendo necessário tempo de estudo para execução da primeira dessas linhas de montagem;
x) Atentas todas as situações anteriormente elencadas, outra conclusão não podemos retirar de que a inspeção comprovou a efetiva omissão de proveitos (serviços prestados);
y) Contrariando o defendido na douta decisão judicial, em função de todas as irregularidades apuradas (nomeadamente, ao nível das contas de disponibilidades, omissão à contabilidade de custos com pessoal não declarado e omissão de serviços prestados), confirma-se que os indícios apurados pela Autoridade Tributária são decisivos para concluir, de forma sustentada e convincente, pela impossibilidade no caso concreto de determinar a matéria coletável de forma direta, antes se revelando imprescindível o recurso à tributação indiciária;
z) Em suma, o Meritíssimo Juiz incorreu em erro de julgamento, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos art.° 81° do CPT e art.° 51° do CIRC.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se, em consequência, a substituição da douta sentença recorrida, por outra em que se julgue improcedente, por não provado, o vício de erro nos pressupostos para a aplicação dos métodos indiretos imputado às liquidações impugnadas, com as legais consequências. (…)”

A Recorrida não apresentou contra alegações.

O Exmo. Procurador- Geral Adjunto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, uma vez que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento de facto nem de direito.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à Conferência para julgamento.

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, sendo a de saber se há erro de julgamento de facto e de direito, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos art.° 81.° do CPT e art.° 51° do CIRC.

3. JULGAMENTO DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“(…)A Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, para além dos supra descritos, consideram-se provados os seguintes factos:
A) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Viseu, com base nas ordens de serviço n.°s 18415, de 09/01/1997 e 18494, de 20/02/1997, a qual incidiu sobre os exercícios económicos de 1994 e 1995, em sede de IRC e IVA.
B) No âmbito da ação de inspeção referida em A), em 24/01/1997, foi elaborado o relatório de inspeção tributária constante de fls. 210/241 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
Remete-se para os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida, nos termos do artigo 663.º n.º 6 CPC.

C) Do ato referido em C) a impugnante reclamação para a Comissão Distrital de Revisão.
E) Da reunião da Comissão Distrital realizada em 25/06/1997, na sequência da reclamação a que se alude em D) foi lavrada a ata n.° 145, da qual, para além do mais, consta:
Remete-se para os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida, nos termos do artigo 663.º n.º 6 CPC.

F) Do laudo do vogal da Fazenda Pública consta,
Remete-se para os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida, nos termos do artigo 663.º n.º 6 CPC.

G) Do laudo do vogal do contribuinte, ora impugnante, consta,
Remete-se para os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida, nos termos do artigo 663.º n.º 6 CPC.

H) Em 25/06/1 997, foi proferido pelo Sr. Presidente da Comissão despacho com o seguinte teor:
Remete-se para os documentos constantes dos Factos Provados da decisão Recorrida, nos termos do artigo 663.º n.º 6 CPC.
1) Na sequência da ação inspetiva referida em A) foram emitidos os seguintes atos de liquidação:

Nº de liquidação
Período
Valor
98342872-IVA1994
1.448.463$00
98342868-JC 9403T
180.970$00
98342869-JC 9406T
165.283$00
98342870 - JC 9409T
136.706$00
98342871 - JC 9412T
122.559$00
98342890-IVA 1995
751.491$00
98342886 - JC 9503T
56.485$00
98342887 - JC 9506T
49.065$00
98342888-JC 9509T
39.108$00
98342889-JC 9512T
30.575$00
- cfr. fls. 28/29 e 55/57 dos autos.
J) Em 03/08/1999, a impugnante procedeu ao pagamento das liquidações mencionadas em A) - cfr. informação de fls. 58 dos autos.
Mais resultou provado que:
K) A impugnante é uma fábrica industrial que produz componentes e conjuntos de peças para o fabrico de máquinas e áreas de fabrico [linhas de montagem] - cfr. depoimentos das testemunhas E… e J….
L) Nos anos de 1994 e 1995, a produção da impugnante destinava-se ao mercado alemão, essencialmente, a dois clientes - cfr. depoimentos das testemunhas E… e J…, o que é corroborado pelo teor do relatório de inspeção tributária.
M) A atividade desenvolvida pela impugnante exige conhecimentos técnicos muito específicos - cfr. depoimentos das testemunhas E… e J….
N) Durante a sua laboração, era frequente os trabalhadores do setor eletrónico da impugnante estarem inseridos num processo de formação, não integrando o processo produtivo - cfr. depoimentos das testemunhas E… e J….
O) A formação era ministrada nas instalações da empresa e na Alemanha, onde os trabalhadores se deslocavam pelo menos uma vez por ano, aí permanecendo por períodos de dois a três meses - cfr. depoimentos das testemunhas E… e J….
P) A impugnante produzia algumas peças a título de experiencia, que não eram vendidas, apenas com o intuito de formar os seus trabalhadores - cfr. depoimentos das testemunhas E… e J….
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente á matéria de facto provada resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados e aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais, bem como dos depoimentos das testemunhas E… e J…, os quais se revelaram consistentes e coerentes.
A prova dos factos constantes das alíneas K), L), M), N), O) e P) resultou dos depoimentos das testemunhas E… e J…, funcionários da impugnante á data dos factos, os quais, depuseram de forma assertiva, revelando um elevado grau de conhecimento sobre as questões que lhe foram colocadas, sem hesitações que fizessem o Tribunal duvidar da consistência das suas declarações.
Com efeito, ambas as testemunhas referiram que a impugnante dedicava-se á produção de peças e componentes para linhas de montagens, destinando-se a sua produção, essencialmente, ao mercado alemão.
Mais referiram, descrevendo com rigor e detalhe o processo produtivo da empresa, que a atividade desenvolvida pela impugnante requeria conhecimentos técnicos muito específicos, pelo que os trabalhadores eram submetidos a um processo de formação contínua. Revelaram que o processo formativo decorria na própria empresa, em Portugal, e ainda na Alemanha, onde se deslocavam pelo menos uma vez por ano, aí permanecendo por períodos de dois a três meses.
É de salientar que ambas as testemunhas que ao tempo dos factos trabalhavam no setor eletrónico da sociedade impugnante, confirmaram que participaram nessas formações e que efetuaram essas viagens.
A coerência e assertividade dos depoimentos prestados levou o Tribunal a formar a sua convicção assente nos mesmos.(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
A questão fundamental dos autos reduz em saber se há erro de julgamento de direito, por errada aplicação da lei, mormente o disposto nos art.° 81.° do CPT e art.° 51° do CIRC.
Vejamos:
O artigo 81.° do CPT, em vigor à data dos factos, preceituava que “[a] decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, nos casos e com os fundamentos expressamente previstos em leis tributárias, especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação”.
E o art.º 82.º do mesmo diploma referia ainda que: “A fundamentação dos atos tributários conterá, ainda que de forma sucinta, as disposições legais aplicadas, bem como a qualificação e quantificação dos factos e as operações de apuramento da matéria tributável e do imposto.”
Por sua vez, o art.º 82.° do CIVA permite que ao Chefe da Repartição de Finanças proceder à retificação das declarações quando fundamentadamente considere que nelas figura um imposto inferior ou uma dedução superior aos devidos, embora só lhe seja autorizado proceder à tributação com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efetuou se demonstrar, sem margem para dúvidas, que a contabilidade do sujeito passivo não é merecedora de credibilidade (n.° 4 do art.º 82°).
O apuramento alternativo deve ser feito, sempre que possível, com recurso a métodos diretos ou correções aritméticas, isto é, pela determinação da matéria coletável através dos elementos da própria contabilidade ou livros de registo do sujeito passivo.
No entanto, quando aquele apuramento direto se mostrasse inviável, os artigos 84.°, n.° 1 do CIVA, 84.°, n.° 1 do CIVA, 78.° e 81.° do CPT admitem o recurso a métodos presuntivos ou indiciários.
Da conjugação dos artigos 78.º e 81.° do CPT resulta que quando na contabilidade do sujeito passivo, se verifique erros inexatidões ou outros que indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva, podia a Administração Fiscal recorrer a decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, no entanto, estava obrigada a especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicar os critérios utilizados na sua determinação.
No caso de a Administração Fiscal demonstrar, sem margem para dúvidas, através do controle efetuado, que a contabilidade do sujeito passivo não é merecedora de credibilidade, por conter omissões, erros, inexatidões ou outros fundados indícios de que ela não reflete a matéria tributável efetiva do contribuinte, lhe é permitido proceder à tributação com base nas operações que o sujeito passivo presumivelmente efetuou.
No entanto, não são quaisquer omissões, erros ou inexatidões que determinam a tributação por cálculos e estimativas torna-se necessário que essas irregularidades afetem a credibilidade da contabilidade do sujeito passivo por, em seu resultado, esta não exprimir a exata situação patrimonial, inviabilizando a confirmação dos factos e valores declarados.
Assim, as omissões, erros ou inexatidões devem ser impeditivas do conhecimento das reais operações efetuadas e da exata matéria tributável do sujeito passivo.
Quanto às questões aqui suscitadas, já sobre elas se debruçou o acórdão deste TCAN de 12.11.2015, in processo n.º 04889/04-Viseu pelo que, não ocorrendo justificação para dessa jurisprudência nos afastarmos, passarão a transcrever, na parte aqui relevante, aderindo a todo o seu discurso fundamentador.
A jurisprudência expendida no citado acórdão inteiramente transponível para o caso sub judice, sendo as alegações iguais às produzidas neste recurso, a sentença recorrida idêntica, bem com a matéria de facto assente, variando apenas o montante e o período imposto, sendo que o objeto do acórdão estavam em causa o IRC de 1995 e no caso em apreço está em questão IVA de 1994 e 1995.
Assim, remetemos com a devida vénia, para a argumentação jurídica aí aduzida, por economia de meios e tendo em vista uma interpretação e aplicação uniforme do direito (cfr. artigo 8.º n.º 3 do CC).
Do referido acórdão consta que “(…)Importa pois descer aos autos. Desde logo, impõe-se constatar que a acção de fiscalização abrangeu os exercícios de 1994 e 1995. No entanto, e contrariamente ao que entende a Recorrente, as irregularidades detectadas e relatadas com relação a um exercício não podem ser transpostas para o exercício seguinte e formar um corpo consolidado de irregularidades susceptíveis de fundar a decisão de tributação por métodos indiciários com relação a qualquer um daqueles anos.

Concretizando, refere-se no ponto 5.1.3 do relatório a existência de pessoal não representado na contabilidade, pelo menos três, mas os elementos que suportam essa afirmação reportam-se única e exclusivamente ao exercício de 1994. Tanto assim é que, mais adiante no ponto 5.1.4 do relatório se diz, com relação ao ano de 1995, que «Neste ano não foi tão evidente a existência de pessoas ao serviço da empresa e que não se encontravam representadas na contabilidade. Por isso, vamos ter em conta uma quebra ou tempos mortos correspondente o tempo das três pessoas que no ano anterior foram encontradas sem constarem da contabilidade».

Ora, o que a Administração fiscal está a fazer é presumir que factualidade indiciária constatada com relação a 1994 se verificou no seguinte ano de 1995, que está causa nos autos.


Os pressupostos da tributação por métodos indiciários têm de integrar factos, realidades directamente constatáveis e não consistir em meras suposições ou juízos presuntivos extraídos de factos que nem sequer se reportam ao período considerado. Nestes, não pode legitimar-se qualquer decisão e recurso à utilização dos métodos indiciários.


Pois bem, tal como refere a sentença, a decisão de tributação por métodos indiciários estribou-se, tal como decorre da fundamentação externada no relatório, nos seguintes indicadores: saldos de caixa exageradamente elevados e saldos de caixa credores; omissão à contabilidade de custos com pessoal não declarado; omissão de serviços prestados e, não entrega da declaração mod.22 do exercício de 1995.


Como bem se salienta na sentença, no que concerne às oscilações verificadas nos saldos de caixa nos anos em causa, nos exercícios de 1994 e 1995, bem como a falta de lançamento de alguns documentos, designadamente recibos de pessoal, os quais eram pagos por cheque de uma conta particular do gerente, embora constitua um indício da existência de irregularidades ou inexactidões na contabilidade da impugnante, tal facto, por si só, não é suficiente para determinar o recurso a métodos indiciários. Resta ainda acrescentar que dos recibos de pessoal que constam dos anexos ao relatório como não lançados na contabilidade todos se referem ao ano de 1994 (que não está em causa nestes autos).(…)”


Nos presentes autos, não só está em causa IVA de 1995 mas também de 1994 relativamente a esse ano sempre se dirá que constando dos anexos a identificação dos recibos de pessoal não eram impeditivos de avaliação direta da matéria tributável, pois bastaria reintegrar os valores representados por tais documentos na contabilidade.
E prossegue o citado acórdão”(…) Por outro lado, deixou-se consignado no ponto 5.1 do relatório o seguinte: «Dada a dificuldade que existe na localização dos lançamentos dos diversos documentos, verifica-se que existem alguns documentos, em especial de caixa, que não foi possível localizar tal lançamento. Daí se depreende que não estejam lançados».

Ora, se tais documentos existiam e não foram lançados na contabilidade, não se alcança – à falta de melhor explicação que o relatório não fornece – onde radica a impossibilidade de avaliação directa da matéria tributável, pois bastaria reintegrar os valores representados por tais documentos na contabilidade dos custos, não sendo motivo de recurso à avaliação indirecta a mera dificuldade acrescida que sempre resultará para os serviços tributários na tarefa de reconstituir uma contabilidade desorganizada, ou, dito de outro modo, não organizada de conformidade com as obrigações contabilísticas decorrentes do disposto no art.º98.º do Código do IRC, em especial do seu n.º3, que determina:

«Na execução da contabilidade deverá observar-se em especial o seguinte:
a) Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de ser apresentados sempre que necessário;
b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos».

No que respeita ao indicador da “omissão à contabilidade de custos com pessoal não declarado” já acima deixamos referido que esse indicador apenas se pode validar com relação ao ano de 1994 e não ao ano aqui em causa de 1995, em que pura e simplesmente a Administração fiscal se limitou a extrapolar factualidade indiciária recolhida com relação a 1994.

No que respeita à relatada omissão de proveitos por serviços prestados, em que no fundo radica o ponto essencial de controvérsia, vejamos.


A Administração fiscal concluiu pela omissão de proveitos partindo do pressuposto de que impugnante obteve, no ano em causa, determinada produtividade.


Como ressalta do ponto 5.1.4 do relatório, partiu do número mínimo de peças produzidas num dia com 8 horas de trabalho, segundo uma tabela que constitui o anexo 22; apurou diferenças entre os tempos facturados e os tempos disponíveis, tendo calculado estes últimos com base no número de horas que cada trabalhador efectua por mês, assumindo na falta de elementos para 1995, as mesmas 192 horas que a contabilidade de 1994 revelava.


Como está bem de ver, o procedimento da Administração fiscal não traduz a recolha de qualquer indicador factual de omissão de proveitos à contabilidade, consistindo antes na enunciação do critério de quantificação que utilizou na determinação da matéria tributável. (…)”

No caso em apreço a sentença recorrida refere lapidarmente que
: “…De resto, a Administração Tributária opera uma inversão do raciocínio, já que procura demonstrar a existência de irregularidades e inexatidões na contabilidade da impugnante a partir de uma presunção, quando o que lhe era exigido era que demonstrasse, precisamente, a ocorrência de indícios que justificassem a aplicação da métodos indiciários ou presuntivos.
Ou seja, a Administração Tributária parte da conclusão para chegar ao indício, pois o critério utilizado para quantificar a matéria tributável por métodos indiciários constitui em si mesmo um [o] indício da existência de irregularidades na contabilidade do contribuinte. (…)”.

E prossegue o citado acórdão que
“ (…) De qualquer modo, mesmo acolhendo a tese contrária de que estaríamos em presença de um verdadeiro “indício”, sempre o mesmo estaria comprometido face à prova produzida. Na verdade, a factualidade constante das alíneas K) a P) probatório, suporta objectivamente a conclusão extraída na sentença de que nem todas as horas despendidas pelos trabalhadores eram utilizadas no processo produtivo da empresa – mas também consumidas na formação profissional, na produção de peças experimentais e em deslocações – pelo que era impossível à impugnante atingir a produtividade presumida pela Administração fiscal.

Por último, quanto à falta de entrega da declaração de rendimentos, tal não constitui de per si um indicador seguro de que esteja comprometida a avaliação directa; para isso era necessário constatar em acção de fiscalização que o contribuinte não se limitou a incumprir a obrigação declarativa, como não dispõe de elementos de contabilidade com base nos quais se possa proceder à determinação da matéria tributável.


De resto, o que a lei prevê para as situações de incumprimento da obrigação declarativa não é a tributação por métodos indiciários, mas sim o apuramento da matéria colectável com base naquela do exercício mais próximo que se encontre determinada – cf. art.º71.º, do Código do IRC.
A Administração Tributária não logrou pois demonstrar, como era seu ónus, em que medida as apontadas anomalias e irregularidades inviabilizaram a comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, limitando-se a referir de forma conclusiva no ponto 6.1 do relatório, que “face à impossibilidade de apurar clara e inequivocamente o lucro tributável através dos documentos contabilísticos apresentados pelo contribuinte aquele deverá ser de novo determinado de harmonia com o disposto no artigo 51.º do CIRC, recorrendo aos métodos indiciários”.

Em conclusão, a decisão da Administração fiscal de recorrer a métodos indiciários ou presuntivos sem para tanto estar legitimada está inquinada de ilegalidade por erro nos pressuposto, vício determinante da anulação da consequente liquidação impugnada, razão pela qual improcede o apontado erro de julgamento da sentença, que merece ser inteiramente confirmada, negando-se provimento ao recurso.(…)”

Sintetizando, os fundamentos sustentados para os anos de 1994 e 1995 foram: Saldos de caixa exageradamente elevados e saldos de caixa credores; Omissão de custos com pessoal; Omissão de serviços prestados; e falta de entrega da declaração de IRC modelo 22, respeitante ao ano de 1995.
Os saldos de caixa exageradamente elevados e saldos de caixa credores podem ser indícios de que a contabilidade não retrata a realidade no entanto, não comprovam a sua impossibilidade.
A omissão de custos com pessoal, demonstram irregularidades no entanto, com base na investigação efetuada pela Administração Fiscal são suscetíveis de proceder a correções técnicas e consequente apuramento da matéria coletável.
E por fim, a falta de entrega da declaração de IRC modelo 22, respeitante ao ano de 1995, é uma obrigação declarativa, e a sua falta não indicia a impossibilidade de apuramento da matéria tributável.
Face ao supra exposto teremos de concluir tal como o acórdão citado pela improcedência das conclusões da alegação da Recorrente, impondo-se, confirmar a decisão recorrida, com todas as legais consequências.

4.3. Em conformidade com o acórdão supra citado, com a devida vénia nos apropriámos parcialmente das conclusões do mesmo, sendo:

I. Da conjugação dos artigos 78.º e 81.° do CPT resulta que quando na contabilidade do sujeito passivo, se verifique erros inexatidões ou outros que indícios fundados de que ela não reflete a matéria tributável efetiva, podia a Administração Fiscal recorrer a decisão da tributação por métodos indiciários ou por presunções, no entanto, estava obrigada a especificar os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável e indicará os critérios utilizados na sua determinação.
II. Os pressupostos da tributação por métodos indiciários têm de integrar realidades diretamente constatáveis, não podendo consistir em meras suposições ou juízos presuntivos extraídos de factos que nem sequer se reportam ao período de tributação considerado;
III. Os indicadores de omissão de proveitos à contabilidade têm de se apoiar em factos e não em conclusões extraídas de factos, que no caso dos autos, o sujeito passivo até demonstrou não corresponderem à realidade.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em negar provimento ao recurso manter a sentença recorrida.
Sem custas pela Recorrente uma vez delas se encontra isenta.

Porto, 10 de novembro de 2016
Ass. Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Ass. Mário Rebelo
Ass. Cristina Travassos Bento