Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00261/12.2BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/04/2017
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Vital Lopes
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS
EXCLUSÃO DA TRIBUTAÇÃO
Sumário:1. Os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar encontram-se excluídos da tributação em sede de IRS (mais valias) no caso da aquisição de novo imóvel com a mesma destinação ter ocorrido nos 12 meses anteriores à data da realização do produto daquela alienação (alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS).
2. Todavia, essa exclusão não acontece se o contribuinte para a aquisição do novo imóvel recorreu a crédito bancário.
3. A posterior utilização do produto da alienação do imóvel antigo na amortização, por valor correspondente, do empréstimo contraído para a nova aquisição, não preenche a condição legal de que a aquisição seja efectuada nos doze meses anteriores sem recurso a crédito bancário.*
* Sumário elaborado pelo Relator.
Recorrente:Autoridade Tributária e Aduaneira
Recorrido 1:M...
Decisão:Concedido provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE

1 – RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por M... contra a liquidação adicional de IRS n.º20115004976257, relativa ao ano de 2008, no montante de 6.393,13€.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.117).

Na sequência do despacho de admissão, o Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes «Conclusões:
A. São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo, nos termos da alínea b) do n,° 5 do artigo 10.° do CIRS (redação à data em vigor) “Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior desde que efetuada nos doze meses anteriores”.
B. Da leitura da alínea b) do n° 5, do artigo 10° do CIRS, resulta claro que há um requisito fundamental para que tenha lugar o benefício do reinvestimento [exclusão de tributação],
C. a necessidade do valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel (do antigo, que alienamos), ser utilizado no pagamento da aquisição de imóvel (do novo, que adquirimos) destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.
D. O conceito fixado pelo legislador “Utilizado no pagamento da aquisição”, impõe não só a aquisição (do novo), mas também o pagamento (do novo) utilizando o valor do imóvel alienado (do antigo).
E. A Fazenda Pública entende que in casu não foi cumprido o prazo de 12 meses a que se reporta a alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS por facto imputável à impugnante na medida em que a mesma solicitou que a amortização fosse efetuada apenas em 02.10.2008, ou seja, já após o decurso dos 12 meses.
F. Atendendo aos factos do probatório dados como provados de a) a h), com especial relevância ao facto dado como provado em h), a decisão do processo não poderia ser outra, que não a sua improcedência na medida que se mostra violado o prazo de 12 meses a que se reporta a alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS por facto imputável à impugnante.
G. A amortização ocorreu apenas em outubro de 2008, ou seja 13 meses após a aquisição do novo imóvel.
H. E deste facto, sempre a impugnante teve conhecimento, pois foi por ordem sua, que apenas em 02.10.2008, o Banco procedeu à amortização do empréstimo contraído.
I. Pelo que, a impugnante não cumpriu, por sua livre vontade, com uma das condições indispensáveis para beneficiar da exclusão de tributação,
J. a condição de no prazo de 12 meses [após aquisição do imóvel onde pretendia reinvestir] utilizar o valor de realização deduzido da amortização de eventual empréstimo (neste caso €100.000,00) na amortização do empréstimo que
K. Entende a Fazenda Pública que não pode deixar de se dar relevância à concreta data da afetação do dinheiro da venda do prédio antigo à aquisição do novo – na medida em que esta data foi pela impugnante requerida ao banco e é esta a data com relevância para efeitos da exclusão tributária e que o incumprimento do prazo dos 12 meses só á impugnante é imputável.
L. Consta dos autos a prova da concreta data da afetação do dinheiro da venda à aquisição do novo prédio em 02.10.2008, devendo ser adicionado à fundamentação de facto, aos factos dados como provados da sentença recorrida, o seguinte facto:
“A afetação concreta do dinheiro da venda à aquisição do novo prédio, no montante de €100.000,00, ocorreu em 02.10.2008 (data valor 02-10), cfr. página 2 do extrato bancário n.º 356 respeitante à conta n.º 000.02795024001 do Santander Totta, documento n.º 5 junto à Reclamação Graciosa pela impugnante, a fls. 37 do PRG.”
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão judicial, por se considerar, salvo devido respeito por opinião diversa, que a M.ma Juíza do Tribunal a quo, tendo feito errada interpretação da prova e dos factos, incorreu em erro de julgamento de facto e de direito violando a alínea a) do n,° 1 do artigo 10.º do CIRS por não se verificar a exclusão de tributação prevista na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, com as legais consequências».

Contra-alegações não houve.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu mui douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, cumpre decidir.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações apresentadas pelo Recorrente (artigos 635.º, n.º4 e 639.º, n.º1, do CPC), a questão central que importa resolver é a seguinte: se para efeitos de exclusão da tributação das mais-valias provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, prevista na alínea b) do n.º5 do art.º10.º do CIRS, a aquisição do novo imóvel pode fazer-se com recurso a crédito bancário.

3 – DA MATÉRIA DE FACTO

Em 1ª instância deixou-se consignado factualmente:

«É a seguinte a matéria de facto assente com relevância para a decisão da causa, por ordem lógica e cronológica:
A. Em 16.07.1999, a impugnante outorgou escritura de partilha nos termos da qual adquiriu a fracção autónoma G do prédio sito na Rua…, freguesia de Paranhos, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1… – cfr. doc. 3 junto com a p.i.
B. Até Setembro de 2007, o prédio identificado acima foi utilizada pela impugnante como sua habitação própria permanente – facto alegado em 11º da p.i. e não impugnado.
C. Em 28.09.2007, a impugnante celebrou com o Banco Santander Totta um contrato de empréstimo para aquisição de habitação própria permanente, no valor de € 170.000,00, com o seguinte teor – cfr. doc. 5 junto com a p.i.:
a. Cláusula 6.ª, ponto 2: “Durante o período de carência os juros sobre o capital mutuado serão pagos em prestações mensais, constantes e sucessivas, sendo a primeira prestação ajustada e vencendo-se no dia dois após o último dia do mês subsequente ao da assinatura deste contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes.”
b. Cláusula 6.ª, ponto 3: “Findo o período de carência pelo decurso do seu prazo, o capital mutuado e em dívida será pago em prestações mensais, constantes e sucessivas, de capital e juros, vencendo-se a primeira na mesma data do vencimento da primeira prestação de juros que se vencer após o termo do período de carência.”
c. Cláusula 7.ª, ponto 3: “O Mutuário poderá efectuar o reembolso antecipado parcial em data coincidente com os vencimentos das prestações e mediante comunicação escrita do Mutuário recebida pela IC com a antecedência mínima de sete dias úteis.”
D. Em 28.09.2007, a impugnante outorgou, na qualidade de compradora, escritura de compra e venda da fracção autónoma X2 do prédio sito na Rua…, freguesia de Ramalde, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 5…, pelo valor de € 200.000,00 – cfr. doc. 4 junto com a p.i.
E. Após a aquisição do prédio descrito, o mesmo passou a ser usado pela habitação como sua habitação própria permanente – facto alegado em 14º da p.i. e não impugnado.
F. Em 28.08.2008, a impugnante outorgou, na qualidade de vendedora, escritura de compra e venda da fracção autónoma G do prédio sito na Rua…, freguesia de Paranhos, concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1…, pelo preço de € 100.000,00 – cfr. doc. 6 junto com a p.i.
G. Em 28.08.2008, a impugnante autorizou o depósito da quantia de € 100.000,00 em conta do Banco Santander Totta por si titulada – cfr. doc. 7 e 8 juntos com a p.i.
H. Em 02.09.2008, a impugnante deu entrada nos serviços do Banco Santander Totta de pedido de reembolso parcial antecipado pelo valor de € 100.000,00 a efectuar em 02.10.2008 – cfr. doc. 9 junto com a p.i.
I. Em 01.08.2011, nome da impugnante foi emitida a liquidação de IRS n.º 2011 5004976257, relativa a 2008, no montante global de € 6.393,13 – cfr. doc. 1 junto com a p.i..
J. Em 23.08.2011, a impugnante foi notificada da liquidação que antecede – facto alegado em 1º da p.i. e não impugnado.
K. Em 09.09.2011, deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 4 reclamação graciosa deduzida pela impugnante contra a liquidação ora impugnada – cfr. fls. 2 do PA apenso.
L. Em 30.12.2011, foi proferido despacho de indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 96 do PA apenso.
M. Em 12.01.2012, foi assinado aviso de recepção de carta de notificação da impugnante do indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 98 e ss. do PA apenso.
N. Em 24.01.2012, deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 4 a p.i. que deu origem aos presentes autos – cfr. fls. 5 do processo físico.

Motivação
O Tribunal formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos dados como assentes tendo por base os documentos juntos aos autos, os quais não foram objecto de impugnação, bem como o posicionamento das partes, assumido nos respectivos articulados».

4 – APRECIAÇÃO JURÍDICA

Nos termos do n.º1 do art.º10.º do CIRS, «Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...».

No entanto, o legislador, entendendo ser de reconhecer protecção fiscal ao património afecto à aquisição ou melhoramento de imóveis destinados a habitação própria e permanente do contribuinte ou do seu agregado familiar, veio contemplar situações de exclusão da tributação.

Assim, dispõe o n.º5 do art.º10.º do CIRS: «São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:
a) Se, no prazo de 24 meses contados da realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino situado em território português ou no território de outro Estado membro da União Europeia ou do espaço económico europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal;
b) Se o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores;
c) (…)».

Fazendo uma breve sinopse da problemática factual dos autos e como decorre do probatório, a impugnante, aqui Recorrida, adquiriu em 27/09/2007 um prédio urbano para sua habitação própria e permanente, pelo preço de 200.000,00€ (ponto D) do probatório);

Recorreu para o efeito a empréstimo bancário no montante de 170.000,00€ (ponto C) do probatório);

Em 28/08/2008, a impugnante vendeu pelo preço de 100.000,00€ o prédio que tinha, adquirido em 16/07/1999 e utilizado para sua habitação própria e permanente até Setembro de 2007 (pontos A), B) e F) do probatório);

Nessa mesma data de 28/08/2008 depositou os 100.000,00€ correspondentes ao valor da venda em conta bancária por si titulada no Banco Santander Totta (ponto G) do probatório);

Em 02/09/2008, a impugnante solicitou ao Banco Santander Totta o reembolso parcial antecipado, pelo montante de 100.000,00€, do empréstimo de 170.000,00€ contraído para aquisição do novo imóvel, a efectuar em 02/10/2008 (ponto H) do probatório).

No entender da Administração tributária, releva como data do pagamento da aquisição do novo imóvel o dia 02/10/2008 e, nessa altura, já tinha expirado o prazo de doze meses previsto na alínea b) do n.º5 do art.º10.º do CIRS como requisito da exclusão da tributação.

Diferente entendimento, concordante com o da impugnante, teve a sentença recorrida para quem a data relevante na aferição do prazo de doze meses para proceder ao reinvestimento é a do pedido de reembolso parcial antecipado do empréstimo contraído para aquisição do novo imóvel, isto é, 02/09/2008, data anterior à expiração daquele prazo de doze meses.

Em suma, ponderou a sentença o seguinte:

«Retornando ao caso em apreço e subsumindo a factualidade em causa ao direito aplicável, constata-se que assiste razão à impugnante, como se passa a explicar.
Ao apresentar um pedido de reembolso parcial antecipado do empréstimo que lhe fora concedido em 02.09.2008, fê-lo dentro dos doze meses seguintes à aquisição do novo imóvel (ocorrida em 28.09.2007). Ora, não pode deixar-se de dar relevância ao pedido - fazendo prevalecer sobre o mesmo a concreta afectação do dinheiro da venda do prédio antigo à aquisição do novo – na medida em que é esse pedido que constitui o impulso da beneficiária da exclusão tributária. Na verdade, após o pedido da impugnante, a concreta afectação do dinheiro deixa de estar na disponibilidade da impugnante, dependendo apenas de operação por parte da instituição bancária, pelo que o atraso na mesma não lhe pode ser imputável a ponto de a fazer perder o benefício que a lei lhe concede.
A tal não obsta a circunstância de o pedido de reembolso parcial antecipado do empréstimo referir que o débito da quantia a utilizar ocorrerá a 02.10.2008, ou seja, após o decurso daquele prazo de 12 meses. Efectivamente, como explica a impugnante e surge claro da cláusula contratual do contrato de empréstimo referido, o reembolso depende de comunicação escrita recebida pelo banco com a antecedência mínima de 7 dias úteis, não estando ao alcance da impugnante contornar a situação, fazendo operar o reembolso antes de cumprida a antecedência.
Acresce que, embora a Administração Tributária invoque que a afectação concreta do dinheiro da venda à aquisição do novo prédio ocorreu em 02.10.2008, fá-lo apenas com base na menção constante do pedido de reembolso, da qual não se pode retirar – como a mesma o faz – que aquela afectação ocorreu naquela data.
E, ainda que se provasse a ocorrência da afectação naquela data, a mesma também surge justificada em virtude de o vencimento das prestações, nos termos do contrato de empréstimo, ocorrer no dia 2 de cada mês.
Ademais, tendo a venda do prédio ocorrido em 28.08.2008 e tendo a impugnante diligenciado de imediato pela afectação do produto da venda à aquisição do novo prédio – tudo dentro do prazo de 12 meses, note-se -, não pode o benefício da exclusão da tributação ser-lhe negado por falta de cumprimento daquele prazo pois que o mesmo foi cumprido.
Pelo exposto, mal andou a Administração Tributária ao desconsiderar a exclusão da tributação no caso em apreço, com o que foi violado o disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, impondo-se, por isso, a anulação da liquidação impugnada».

Contra este modo de ver se insurge o Recorrente para quem, em suma, não pode deixar de relevar a data concreta de afectação do dinheiro da venda do prédio antigo à aquisição do novo e, na medida em que tal afectação teve lugar em 02/10/2008 conforme solicitação expressa da impugnante à instituição bancária, verifica-se incumprimento do prazo de doze meses previsto na lei para o reinvestimento, só à impugnante imputável, não se verificando este requisito da exclusão da tributação.

Que dizer?
Salvo o devido respeito, a problemática dos autos tal como vem colocada pelas partes e a sentença a resolveu assenta num erro interpretativo do disposto na alínea b) do n.º5 do art.º10.º do CIRS.

Decorre daquele preceito, recorda-se, que são excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, “se o valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior (imóvel para habitação ou terreno para construção), desde que efectuada nos doze meses anteriores”.

Tendo o valor de realização sido obtido pela impugnante em 28/08/2008 com a venda do imóvel antigo (art.º10.º, n.º1 alínea a) e n.º3, do CIRS), a aquisição do novo imóvel feita em 28/09/2007 considera-se efectuada dentro dos doze meses anteriores àquela primeira data, de realização da mais-valia, estando preenchida uma primeira condição legal de que a lei faz depender a exclusão da tributação.

A segunda condição legal, tal como a interpreta a jurisprudência do STA, é que a aquisição do novo imóvel se faça sem recurso a crédito bancário.

Como se deixou consignado no Ac. do STA de 11/02/2009, tirado no proc.º0892/08, «A questão que vem suscitada no presente recurso prende-se em saber se os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar se encontram excluídos da tributação de IRS (mais valias), no caso da aquisição de novo imóvel com a mesma destinação ter ocorrido nos 12 meses anteriores à data da realização do produto daquela alienação com recurso a crédito bancário (alínea b) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS).
No caso dessa aquisição, com recurso a crédito bancário, ter ocorrido no prazo de 24 meses a contar da data da realização do produto da alienação (alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS), a jurisprudência deste STA tem sido firme e reiterada no sentido da não exclusão dessa tributação, como o próprio recorrente reconhece - vide, entre outros, acórdãos de 12/03/03, 14/01/04, 07/12/04, 02/02/05 e 28/09/06, nos recursos n.ºs 1721/03, 1357/03, 938/04, 1252/04 e 125/06, respectivamente.
No entanto, defende este último que a hipótese contemplada na aludida alínea b) (“ Se o produto da alienação for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos 12 meses anteriores”), dada a impossibilidade objectiva de ser reinvestido o produto de algo que ainda se não alienou (conclusão F), se compatibiliza para efeitos de exclusão de tributação com o recurso a crédito bancário para custear tal aquisição.
Não se crê que assista razão ao recorrente, mau grado o seu esforço argumentativo centrado na explicitação dos fluxos financeiros que tiveram lugar na sua esfera de sujeito passivo (conclusões J. a M.), uma vez que, quer na situação configurada na alínea a), quer na alínea b), o decisivo é que se faça prova do produto da alienação ter sido utilizado na aquisição do novo imóvel destinado a habitação.
De facto, a lei não deixa dúvidas ao exigir que é o produto da alienação que tem de ser reinvestido e não quaisquer outras quantias ainda que obtidas por intermédio de crédito bancário.
Compreende-se, aliás, que assim seja pois de outro modo o contribuinte não pagaria mais-valias pela alienação do imóvel e beneficiaria também de deduções e abatimentos aplicáveis aos empréstimos para aquisição de casa própria (artigo 55.º, n.º 1, al. e) e l) do CIRS)».

Um dos efeitos essenciais da compra e venda é justamente a obrigação de pagar o preço, ou seja, a previsão da entrega de uma quantia em dinheiro ao vendedor como contrapartida da entrega da coisa por parte deste – art.º879.º, do Código Civil.

Como assinalam Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil – Anotado”, vol.II, Coimbra Ed., 3.ª ed., a pág.174, «A obrigação de pagamento do preço (que consiste no valor da coisa ou direito expresso em moeda corrente) é outro dos elementos essenciais da venda. Se em lugar de dinheiro, se promete em troca da propriedade da coisa ou do direito uma prestação de facto (um serviço por exemplo), ou uma prestação de dar ou entregar coisa diferente de dinheiro, não há venda…».

No caso dos autos e tal como ressalta do probatório, a aquisição do novo imóvel pelo preço de 200.000,00€ fez-se com recurso a crédito bancário no montante de 170.000,00€, ou seja, foi através do recurso a crédito bancário que a impugnante pagou parte substancial da aquisição, tendo aplicado na operação como reinvestimento do produto da alienação do imóvel antigo apenas o montante de 30.000,00€.

Ora, como também se diz no acórdão do STA que vimos acompanhando, «em boa verdade, não se pode afirmar que exista um reinvestimento, mas antes um diferente investimento no caso da aquisição de uma segunda habitação com recurso a crédito bancário, ainda que essa aquisição tenha ocorrido antes da alienação da primeira».

Ou seja, no pagamento da aquisição do imóvel novo efectuada nos doze meses anteriores à data de alienação do imóvel antigo (art.º10.º, n.º1 alínea a) e n.º3, do CIRS) a impugnante apenas utilizou 30.000,00€ do valor de realização da mais-valia, tendo pago o remanescente com recurso a crédito bancário.

É certo que após a realização da mais-valia de 100.000,00€ com a alienação do imóvel antigo em 28/08/2008, a impugnante solicitou em 02/09/2008 à competente entidade bancária a amortização parcial, por aquele montante, do empréstimo contraído para a aquisição do imóvel novo, o que se veio a concretizar em 02/10/2008.

Mas isso não preenche a condição legal da aquisição efectuada nos doze meses anteriores à data de alienação do imóvel antigo, sem recurso a crédito bancário, a não ser na parte correspondente a 30.000,00€, a única quantia elegível para efeitos de exclusão da tributação, o que aliás, nem resulta controvertido nos autos, nem constitui objecto do presente recurso.
Contar doze meses posteriores à aquisição do novo imóvel como prazo limite para utilizar o valor de realização no seu pagamento, a tal utilização se fazendo equivaler a amortização parcial do empréstimo contraído, não tem respaldo na lei como condição de exclusão da tributação, não se alcançando a base interpretativa que sustenta tal metodologia.

É pois de conceder provimento ao recurso, com a fundamentação aduzida.

5 - DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar improcedente a impugnação judicial.

Custas a cargo da Recorrida em 1.ª instância (não contra-alegou neste).

Porto, 04 de Maio de 2017
Ass. Vital Lopes
Ass. Cristina da Nova
Ass. Pedro Vergueiro