Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00512/10.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/22/2024
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA;
QUESTÃO NOVA;
Sumário:
I. O Impugnante deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do acto de liquidação, no seu articulado inicial, ressalvadas as questões de caráter superveniente e de conhecimento oficioso;

II. As alegações escritas preceituadas no artigo 120.º do CPPT, destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, inviabilizando, nessa medida, a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual;

III. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (artigos 596º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do CPC) e consignar se a considera provada ou não provada (artigo 123º, nº.2, do CPPT)

IV. Do princípio constitucional da igualdade da tributação das empresas fundamentalmente pelo seu rendimento real (contido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP) não resulta que os contribuintes estão dispensados de cumprir obrigações acessórias que permitem à AT fiscalizar a verificação dos pressupostos materiais do reconhecimento de um gasto ou dedução fiscal nos termos em que o mesmo se apresenta.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes que constituem a Subsecção Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
1. RELATÓRIO
1.1. [SCom01...], S.A (Recorrente), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, datada de 28.06.2017, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra o acto de liquidação n.º ...38, referente a IRC do exercício de 2006 e respetivos juros compensatórios, no montante global de 186.969,59 €, inconformada vêm dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
« I. Vêm os presentes autos de Recurso aduzidos com vista à anulação da Sentença proferida pela Meritíssima Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, no Processo de Impugnação que correu termos com o n.º 512/10.8 BEVIS que julgou a "impugnação judicial improcedente, por não provada e, em consequência, [absolveu] a Fazenda Pública do pedido formulado pela Impugnante.
II. A ora Recorrente não se conforma com a mesma pois foi proferida com ilegalidade e erro de julgamento, erro sobre os factos e o direito, bem como com omissão de pronúncia. Vejamos:
III. A Sentença ora em crise, ao manter o ato liquidatário impugnado, consubstancia uma violação da disposição legal relativa aos gastos elegíveis nos termos do art. 23º do Código do IRC, bem como do princípio da tributação do rendimento real do art. 104º, n.º 2 da CRP.
IV. A omissão de pronúncia e o erro resulta, desde logo, do facto de o Tribunal a quo se limitar aos aspetos exclusivamente formais, omitindo na sua base instrutória aquilo que é o facto essencial para a decisão da causa: a demolição parcial do edifício designado "Edifício ..." concomitantemente e com vista à construção de pavilhões da fábrica para a fabricação de veículo automóveis que é, precisamente, o objeto da atividade da ora Recorrente, fabricação essa impossível sem instalações para cuja construção houve que efetuar a demolição das anteriores existentes no mesmo terreno.
V. Tais factos: (i) destruição parcial das edificações pre existentes (ii) concomitante com (iii) a construção de novos pavilhões (iv) destinados à fábrica dos automóveis (v) cuja venda constitui o objeto da actividade da ora Recorrente, encontram-se provados nos autos, constam do próprio relatório de inspeção e dos documentos juntos à p.i. da Impugnação, nas partes acima citadas nas presentes alegações e que aqui se dão por reproduzidas — Doc. 2 e 4 a 9, inclusive.
VI. Assim sendo, vem peticionada no presente Recurso a reapreciação da matéria de facto referida.
VII. A Sentença omite o facto de a demolição dos edifícios ter sido feita com vista à construção do edifício da fábrica e tal demolição ter ocorrido durante a construção, bem como a prova documental dos mesmos (factos). Em consequência, a sentença não subsume tal custo no respetivo enquadramento legal (art. 23º do Código do IRC), com claro erro jurídico. Erro jurídico esse que também resulta do facto de o Tribunal a quo considerar que se estaria perante um "abate" em consequência de uma "desvalorização excepcional" e não um custo de construção das instalações da fábrica, subsumível no art. 23º do Código do IRC.
VIII. Ao manter o ato liquidatário impugnado, a Sentença desreconhece o gasto e tributa os custos relacionados com a própria fábrica onde se produzem os bens de cuja venda depende a faturação da Recorrente. Ou seja: os custos da demolição necessária à construção das instalações da fábrica são custos diretos e necessários à produção, nos termos do art. 23.º do Código do IRC.
IX. A Sentença foi também proferida com erro sobre o direito por violar o princípio da substância sobre a forma, porquanto ao limitar-se a aspetos formais constantes do relatório de inspeção, das datas de entrega de requerimentos e do auto de abate, nunca se chega, sequer, a pronunciar sobre a natureza do custo que constituía o objeto essencial do ato que lhe foi submetido à apreciação: a natureza de um custo com a destruição de edificações com vista à construção do edifício da fábrica no mesmo terreno, como já referido.
X. Nestes termos, e nos de direito que forem aplicáveis, e porque a Recorrente não se conforma com a sentença recorrida, requerendo-se a sua reapreciação e conclui-se solicitando a respetiva anulação por este Tribunal de Recurso, em virtude dos vícios de ilegalidade por violação, entre outras disposições legais, das contidas nos arts. 23º do Código do IRC e 104º, n.º 2 da CRP, bem como dos princípios da tributação o rendimento real e do primado da substância sob a forma, bem como com fundamento nos demonstrados vícios de erro de julgamento, erro de facto e de direito e omissão de pronúncia, solicitando ainda a reapreciação da matéria de facto por este Tribunal de Recurso.
Nestes termos e nos demais de Direito, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogar-se a sentença recorrida, por omissão de pronúncia, ilegalidade e erro de facto e de direito, e proferir-se decisão que aprecie a matéria de facto e de direito e considere a ilegalidade do acto tributário sub judice e os demais vícios suficientemente demonstrados, como o que se fará a esperada Justiça!»
1.2. A Recorrida Fazenda Pública, notificada da apresentação do presente recurso, não contra alegou.
1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 357 e ss. do SITAF, pugnando pela improcedência do recurso.
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cf. artigo 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia e de erro de julgamento, de facto e de direito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
« A) Na reunião realizada em 08/04/2002, a impugnante decidiu proceder à demolição parcial do “Edifício ...”, e à construção de novos pavilhões a serem afetos à sua atividade - cfr. fls. 180 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Em 08/06/2006, deu entrada no Serviço de Finanças ... um requerimento apresentado pela impugnante, com o seguinte teor:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

- cfr. fls. 47 do processo administrativo apenso aos autos.
C) Do auto de abate, datado de 07/06/2006, consta o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 57 do processo administrativo apenso aos autos.
do) A impugnante foi objeto de uma ação de inspeção, levada a cabo pelos serviços de inspeção tributária da Direção de Finanças ..., com base na ordem de serviço n.º OI.....28 e OI200800027, de 17/01/2008, de âmbito geral, a qual incidiu sobre os exercícios económicos de 2005 e 2006. – cfr. fls. 6/7 do processo administrativo apenso aos autos.
E) No âmbito da referida ação de inspeção, em 12/08/2008, foi elaborado o relatório de inspeção tributária constante de fls. 1/25 do processo administrativo apenso aos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, destacando-se o seguinte:
[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]
F) As correções propostas no relatório de inspeção tributária foram sancionadas superiormente – cfr. fls. 1 do processo administrativo apenso aos autos.
G) A impugnante foi notificada do relatório de inspeção tributária pelo ofício n.º 2250, de 21/08/2008 – cfr. fls. 23 dos autos.
H) Na sequência da ação inspetiva foi emitido o ato de liquidação n.º ...38, referente a IRC e correspondentes juros compensatórios, referente ao exercício de 2006, no montante global de 186.969,59 € - cfr. fls. 184 dos autos e fls. 63 do processo administrativo apenso
I) Da declaração datada de 12/01/2009, consta o seguinte:

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
- cfr. fls. 198 dos autos.
Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, designadamente que o abate do edifício em referência nos autos ocorreu em 07/07/2006, e não em 07/06/2006.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto provada resultou do exame crítico dos documentos e informações constantes dos autos e processo administrativo apenso, os quais não foram impugnados, tudo conforme se encontra especificado em cada um dos pontos do probatório.
Os factos considerados não provados resultam de não ter sido produzida sobre os mesmos, prova documental suscetível de criar no tribunal a convicção sobre a sua ocorrência. De facto, a prova documental oferecida pela impugnante, denotando inconsistências e incongruências, revela-se insuficiente para se dar como provado que o abate do edifício em questão nos autos ocorreu em 07/07/2006.»
3. De direito
In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, do exercício de 2006, mais concretamente contra a correcção decorrente do Relatório de Inspeção que não aceitou o abate contabilístico do denominado edifício ..., registado na conta “Amortizações Excepcionais” no valor de € 647.943.33 (resultado da diferença entre o valor da aquisição e as amortizações acumuladas), por falta de verificação dos requisitos exigidos.
Para julgar improcedente a impugnação, a sentença considerou que a Impugnante ao ter procedido à comunicação prevista na alínea c), do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto Regulamentar 2/90, não o fez com a antecedência determinada na mesma.
Contextualizando, está em causa a aceitação como custos do exercício de amortizações extraordinárias do imobilizado, ocorridas em virtude de abate do edifício denominado “...”. As reintegrações e amortizações consideram-se custos ou perdas desde que comprovadamente tenham sidos indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (artigo 23.º/1/g), do CIRC). “São aceites como custos as reintegrações e amortizações de elementos do activo sujeitos a deperecimento, considerando-se como tais os elementos do activo imobilizado que, com carácter repetitivo, sofrerem perdas de valor resultantes da sua utilização, do decurso do tempo, do progresso técnico ou de quaisquer outras causas” (artigo 28.º, n.º 1, do CIRC – versão vigente).
Nos termos do artigo 29.º, n.º 4 e 5 do CIRC, “(...) em relação a cada elemento do activo imobilizado deve ser usado o mesmo método de reintegração e amortização desde a sua entrada em funcionamento até à sua reintegração ou amortização total, transmissão ou inutilização. // O disposto no número anterior não prejudica: (…) // b) A consideração como custos de quotas de reintegração ou amortização superiores devido à superveniência de desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, aceites pela Direcção-Geral dos Impostos”.
Quando à data do balanço, os elementos do activo imobilizado corpóreo e incorpóreo, seja ou não limitada a sua vida útil, tiverem um valor inferior ao registado na contabilidade, devem ser objecto de amortização correspondente à diferença se for de prever que a redução desse valor seja permanente” (5.4.4. do POC, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 410/89, de 21 de novembro).
A propósito da desvalorização excepcional de elementos do activo imobilizado, o artigo 10.º (n.º 1) do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12.01, determinava que, “(...) no caso de se verificarem em elementos do activo imobilizado desvalorizações excepcionais provenientes de causas anormais devidamente comprovadas, poderá ser aceite como custo ou perda do exercício em que aquelas ocorrem uma quota de reintegração ou amortização superior à que resulta da aplicação dos métodos referidos no artigo 4.º.”.
Nos termos do n.º 4 do preceito, “(...) quando os factos que determinaram as desvalorizações excepcionais dos bens e o abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização ocorram no mesmo período de tributação, o valor líquido fiscal dos bens, corrigido de eventuais valores recuperáveis, pode ser aceite como custo ou perda do exercício desde que: // a) Seja comprovado o abate físico, desmantelamento, abandono ou inutilização dos bens, através do respectivo auto, assinado por duas testemunhas e identificados e comprovados os factos que originaram as desvalorizações excepcionais; // b) O auto seja acompanhado de relação discriminativa dos elementos do imobilizado corpóreo em causa, contendo, relativamente a cada bem, a descrição, o ano e o valor de aquisição, bem como o valor contabilístico e o valor líquido fiscal; // c) Seja comunicado ao serviço de finanças da área do local onde aqueles se encontrem, com a antecedência mínima de 15 dias, o local, a data e a hora do abate, desmantelamento ou inutilização e o total do valor líquido fiscal dos bens”.
Importa começar por referir que, em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objecto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.
Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre começar por aferir se a sentença enferma de nulidade por omissão de pronúncia, munidos de alguma destreza no silogismo das conclusões e alegações de recurso e se bem as interpretamos, a omissão evocada assume dois vectores, a saber, na não recondução à matéria de facto de determinados factos, por um lado, e, no não conhecimento do abate realizado como um custo de construção das instalações da fábrica, subsumível ao artigo 23º do Código do IRC.
E, porque a nulidade por omissão de pronúncia assenta na causa de pedir, seus fundamentos e pedido formulado na acção, mormente no seu articulado inicial, invertendo apresentação da Recorrente vamos iniciar a nossa apreciação sobre este prisma.
Atendendo que a petição inicial é o articulado onde cumpre à Impugnante expôr os fundamentos da acção e formular o pedido correspondente (cf. artigo 147º e 260º do CPC e artigo 108º do CPPT), é na petição inicial que o autor deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação da Liquidação de IRC, regra que só conhece as excepções previstas nos artigos 264º e 265º do CPC (alteração e ampliação da causa de pedir), bem como o artigo 588º do CPC (articulados supervenientes), aplicáveis por força do preceituado na alínea e) do artigo 2º do CPPT.
Importa evidenciar que o CPPT não tem norma própria sobre a ampliação e alteração da causa de pedir, dispondo apenas no artigo 108.º do CPPT relativamente aos requisitos da petição inicial que:
“1 - A impugnação será formulada em petição articulada, dirigida ao juiz do tribunal competente, em que se identifiquem o ato impugnado e a entidade que o praticou e se exponham os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido.
2 - Na petição indicar-se-á o valor do processo ou a forma como se pretende a sua determinação a efetuar pelos serviços competentes da administração tributária.
3 - Com a petição, elaborada em triplicado, sendo uma cópia para arquivo e outra para o representante da Fazenda Pública, o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.”
O CPTA [regime subsidiário prevalente atenta a enumeração do artigo 2.º do CPPT], regulamenta formas específicas de modificação objectiva da instância, as quais têm em vista assegurar a extensão do objeto do processo impugnatório a outros actos administrativos ou contratos que tenham sido praticados na pendência do processo e que se encontrem envolvidos na mesma relação jurídica administrativa ou de alguma forma se conexionem com o acto impugnado (artigo 63.º do CPTA), e bem assim a permitir que o autor prossiga o processo contra o novo acto, com a faculdade de alegação de novos fundamentos e do oferecimento de diferentes meios de prova sempre tenha sido proferido acto revogatório com efeitos retroactivos do acto impugnado acompanhado de nova regulação da situação (artigo 64.º, nº1 do CPTA) [vide Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilhe-Comentário ao CPTA, Almedina: 3ª edição revista, 2010, p. 427].
Assim sendo, temos que as aludidas situações têm sempre subjacente a prolação de um novo acto administrativo na pendência do processo, sendo que quando exista uma alteração da causa de pedir por existir uma modificação do facto genético do direito que o autor se arroga na ação, mediante a invocação de outros factos concretos que, em substituição dos inicialmente alegados poderão fundamentar o mesmo pedido ou uma ampliação da causa de pedir traduzida no alargamento ou desenvolvimento dos factos integradores da causa de pedir inicialmente apresentada ou na invocação de uma nova causa de pedir que possa igualmente conduzir à procedência do pedido, teremos de convocar o CPC supletivamente aplicável em face do disposto no artigo 2.º, alínea e), do CPPT.
Feito este introito, vejamos como o CPC regulamenta, em concreto, a alteração e ampliação da causa de pedir convocando, para o efeito, os artigos 264.º e 265.º do CPC.
Preceitua o referido artigo 264.º, sob a epígrafe de “Alteração do pedido e da causa de pedir por acordo” que: “Havendo acordo das partes, o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito.
Por seu turno, preceitua o artigo 265.º do CPC relativamente à alteração do pedido e da causa de pedir na falta de acordo que:
“1 - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação.
2 - O autor pode, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1.ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.
3 - Se a modificação do pedido for feita na audiência final, fica a constar da ata respetiva.
4 - O pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do n.º 1 do artigo 829.º-A do Código Civil, pode ser deduzido nos termos do n.º 2.
5 - Nas ações de indemnização fundadas em responsabilidade civil, pode o autor requerer, até ao encerramento da audiência final em 1.ª instância, a condenação do réu nos termos previstos no artigo 567.º do Código Civil, mesmo que inicialmente tenha pedido a condenação daquele em quantia certa.
6 - É permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.”
De convocar, outrossim, o normativo 588.º do CPC a propósito da superveniência, o qual estatui:
“1-Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
2 - Dizem-se supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes como os factos anteriores de que a parte só tenha conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência.”
Como doutrina Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, Lisboa, p.209, a “(…) indicação do pedido ou pedidos e dos factos em que se fundamentam, bem como a indicação dos vícios que o impugnante imputa ao acto impugnado deve ser feita na petição, não podendo posteriormente, em regra, formular-se novos pedidos ou invocados novos factos ou imputados outros vícios, designadamente nas alegações previstas no art. 120° do CPPT.
Este entendimento, que tem vindo a ser adoptado quase generalizadamente pelo STA, baseia-se no princípio da estabilidade da instância (art. 268.° do CPC), e no ónus imposto ao impugnante de expor na petição de impugnação os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido (n.°1 deste art. 108.º do CPPT).
Por outro lado, os vícios geradores de mera anulabilidade, só podem ser arguidos no prazo previsto na lei (art. 136.º, n.º 2, do CPA), pelo que se não forem imputados ao acto nesse prazo, o interessado perderá o direito de os arguir.
Assim, só em casos excepcionais, quando se esteja perante questões de conhecimento oficioso ou quando factos subjectivamente supervenientes para o impugnante lhe proporcionem a tomada de conhecimento de vícios de que não podia ter conhecimento no momento da apresentação da petição, será permitido ao impugnante invocar novos factos ou imputar novos vícios ao acto impugnado, o que está em sintonia com o preceituado nos art. 86.º e 91.º, n.º 5, do CPTA (e, para os processos anteriores a este diploma, no art. 506.° do CPC), sobre a admissibilidade de articulados supervenientes, que deve ser subsidiariamente aplicável, com adaptações, ao processo de impugnação judicial, por força do disposto na alínea c) do art. 2.º do CPPT.”
Visto o direito que releva para os autos, importa transpor o mesmo para a presente lide, cumprindo, assim, aquilatar se as referidas omissões apontadas ao julgamento de facto e de direito efectuado pelo Tribunal a quo, tinham que ser objecto de conhecimento pelo mesmo.
Vejamos, então.
Comecemos por atentar no teor da petição inicial.
Compulsado o seu teor verifica-se que a Impugnante invocou, o seguinte:
▪ Em sede de IRC, está demonstrado que o abate do edifício “...” teve lugar em 07.07.2006, e não em 07.06.2006, conforme erroneamente referido pela impugnante, devido a um mero erro de escrita que, nos termos do artigo 249.º do Código Civil, dá lugar à rectificação do mesmo;
▪ O abate foi regularmente comunicado 15 dias antes da sua ocorrência, sendo que a data e a hora do abate na comunicação de 08/06/2006 não constituem elementos essenciais do acto.
Termina, pedindo a anulação do acto de liquidação impugnado.
Ora, como é bom de ver, a Recorrente no seu articulado inicial não invocou qualquer vício consubstanciado no erro em que incorreu a AT ao ter subsumido os factos, abate do edifício, a uma “desvalorização excepcional “, e não a um custo de construção das instalações da fábrica, subsumível no artigo 23º do Código do IRC [que ora imputa em sede recursiva e que qualifica quer como omissão, quer como erro de julgamento].
Aduza-se, em abono da verdade, que a Recorrida em qualquer momento da sua p.i. questiona aquela subsunção do abate do edifício, qualificando a mesma como errónea. Aliás, tal decorre da leitura das próprias conclusões que elabora a final no seu articulado inicial e que aqui se reproduzem, sem qualquer alusão expressa ou mesmo implícita a qualquer erro de enquadramento:
«79. No âmbito da ordem de serviço n.º ...........28 foi efectuada uma acção inspectiva externa de âmbito geral às demonstrações financeiras da Impugnante, relativa ao exercício de 2006, em resultado da qual foram efectuadas correcções em sede de IRC, e emitidas as correspondentes liquidações, das quais se contesta.
80. Em sede de IRC, os serviços da Administração Fiscal consideram que o abate contabilístico efectuado pela Impugnante do edifício “...” não cumpre os requisitos legais porquanto (i) não foi efectuada uma comunicação prévia, 15 dias antes da realização do abate e (ii) a comunicação apresentada em 8 de junho de 2006 no Serviço de Finanças ... não cumpre os requisitos legalmente estabelecidos, a saber não indica a data e hora do abate.
81. Porém, conforme ficou demonstrado, o abate em apreço teve lugar em 7 de julho de 2006 e não em 7 de junho de 2006 conforme erroneamente referido pela Impugnante, devido a um mero erro de escrita o qual à luz do artigo 249º do Código Civil, dá lugar à rectificação do mesmo.
82. Assim, o abate foi regularmente comunicado 15 dias antes da sua ocorrência.
83. Acresce que, a data e a hora do abate na comunicação de 8 de junho de 2006 não constituem elementos essenciais do acto, podendo o abate de um edifício ser facilmente confirmado pelas autoridades tributárias, não existindo assim uma invalidade dessa comunicação.»
De facto, perscrutados os autos, verificamos que pela Recorrente tal questão (subsunção dos factos à luz do artigo 23º do CIRC, bem como o princípio da tributação do rendimento real do artigo 104º, n.º 2 da CRP) só foi trazida à lide em sede de alegações escritas apresentadas ao abrigo do artigo 120º do CPPT, nas quais a Recorrente efectivamente sustenta e alude que “Está, pois, demonstrada a necessidade do gasto objecto de correcção, para os efeitos do art. 23º do Código do IRC” (conclusão IV, pág. 292-306 do processo SITAF), que o edifício demolido é propriedade da Impugnante, sem esse acto de demolição não podia prosseguir a sua actividade nas instalações construídas, sendo o custo da demolição um custo necessário, essencial e indispensável.
Concretizando, para o efeito, que o tratamento fiscal dos custo de demolição encontra-se definido pela própria AT no parecer 121/93 de 16.08.1993 do CEF, onde se conclui “As despesas de demolição do edifício antigo devem constituir um elemento do custo de entrada no activo da empresa do novo edifício porque são suportadas para permitir o início das obras de construção e, por isso, lhe estão inequivocamente associadas”, e aderindo à jurisprudência e doutrina que emerge do acórdão do STA de 03.07.2013, proferido no âmbito do processo n.º 1148/11.
Portanto, dúvidas não subsistem que em momento algum, a errónea subsunção dos factos ao regime previsto no artigo 10º do DR n.º 2/90 fundamento da correcção de custos pela AT, foi alegada na petição inicial, tendo o sido apenas e só nas alegações escritas, sucedendo que tal vício não reveste superveniência que legitime a sua arguição em momento ulterior à entrada da petição inicial.
Pese embora o artigo 588.º, números 1 e 2, do CPC abranja um núcleo de factos supervenientes capazes de legitimarem o oferecimento de novo articulado - factos ocorridos posteriormente (superveniência objetiva) e factos verificados antes, mas cuja ocorrência só mais tarde veio ao conhecimento da parte (superveniência subjetiva) – a verdade é que, in casu, não pode aceitar-se a existência de uma superveniência, seja ela objetiva ou subjetiva, devidamente justificada.
E isto porque, não obstante a Recorrente considerar constarem todos os elementos dos autos, apenas juntando com as alegações escritas, que precederam o julgamento em sindicância, o parecer 121/93 a que alude, verdade é que o alegado erro imputado às correcções, conforme se atesta até do teor das alegações escritas da mesma, permitiam que quer em sede de audiência prévia no âmbito da inspecção, quer em sede de declaração de substituição e, por último em sede de petição, tal erro fosse aduzido.
Destarte, sendo na petição inicial que o Impugnante deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do acto de liquidação, regra que só conhece as excepções previstas nos citados normativos, aplicáveis por força do preceituado na alínea e) do artigo 2º do CPPT, e não se subsumindo a questão dos autos em questão superveniente, ou de conhecimento oficioso, a invocação de novos vícios e/ou factos susceptíveis de integrar fundamento de impugnação em sede das alegações previstas no artigo 120.º do CPPT, envolvendo alteração da causa de pedir, não pode ser objeto de conhecimento, por violar, o princípio da estabilidade da instância consagrado no artigo 260º do CPC. Isto sem prejuízo, naturalmente, do poder/dever acometido à Administração Tributária de revisão dos atos tributários.
Conforme doutrinado no aresto do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo nº 0895/13, de 25 de setembro de 2013, a questão relativa à indicação de todos os vícios em sede de petição inicial, está relacionada com o princípio da estabilidade da instância consagrado no artigo 260.º do CPC, referindo, na parte que para os autos releva, que: “Alegações destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, o que torna, em princípio, inadmissível a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual.”.
No mesmo sentido foi decidido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo nº 07573/14, com data de 29 de maio de 2014 que: “A ampliação da causa de pedir, consubstanciando a invocação de novos vícios do acto de liquidação impugnado, a lei não o permite em sede de alegações consagradas no artº.120, do C.P.P.T., desde logo devido ao princípio da estabilidade da instância consagrado no artº.260, do C.P.Civil. Por outro lado, tal ampliação da causa de pedir somente poderia ter suporte no artº.265, do C.P.Civil, preceito que faz depender essa possibilidade de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor. Por último, tal factualidade não reveste carácter superveniente para a recorrente, assim lhe proporcionando a tomada de conhecimento de vícios de que não podia conhecer no momento da apresentação da petição inicial, porquanto somente nesta circunstância poderia haver legitimidade para a alteração da causa de pedir “.
E, mais recentemente, no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 30 de setembro de 2019 no processo nº 1383/06.4BESNT ao afirmar-se que “I - O Impugnante deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do ato de liquidação, no seu articulado inicial, ressalvadas as questões de caráter superveniente e de conhecimento oficioso;
II - As alegações escritas preceituadas no artigo 120.º do CPPT, destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objeto do processo, inviabilizando, nessa medida, a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual”.
Assim se conclui que a sentença recorrida não padece de nulidade por omissão de pronúncia, tendo a sentença recorrida assegurado o princípio da estabilidade da instância legalmente consagrado, improcedendo assim a alegada nulidade.
Sendo que tal desfecho é transponível para a omissão assacada de que de o Tribunal a quo se limitar no seu julgamento aos aspectos exclusivamente formais, omitindo na sua base instrutória aquilo que é o facto essencial para a decisão da causa: “a demolição parcial do edifício designado "Edifício ..." concomitantemente e com vista à construção de pavilhões da fábrica para a fabricação de veículo automóveis que é, precisamente, o objeto da atividade da ora Recorrente, fabricação essa impossível sem instalações para cuja construção houve que efetuar a demolição das anteriores existentes no mesmo terreno.”.
Propugnando pelo aditamento dos seguintes factos que elenca: (i) destruição parcial das edificações pré-existentes; (ii) concomitante com (iii) a construção de novos pavilhões (iv) destinados à fábrica dos automóveis (v) cuja venda constitui o objeto da actividade da ora Recorrente (doc. 2 e 4 a 9 juntos com a petição).
Ora, tais factos não foram nem tinha que ser levados ao probatório, pois relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cf. artigos 596º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do CPC) e consignar se a considera provada ou não provada (cf. artigo 123º, nº.2, do CPPT).
E, foi precisamente isso que aconteceu in casu, o juiz de 1ª instância atenta a causa de pedir fixou todos os factos necessários ao julgamento, a saber, de a Impugnante ter procedido à comunicação prevista na alínea c), do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto Regulamentar 2/90, com antecedência ali exigida. Aliás o que decorre, do facto de a Recorrente não por em causa a matéria de facto apurada no texto decisório, mormente o facto não provado sobre a data do abate que proclamava, o que diz é que, deveria ter sido melhor considerado e valorado o consignado no acervo probatório documental e mais factos deveriam ter sido reconduzidos ao probatório, factos estes que contendem com o novo vício alegado em sede de alegações escritas.
Razão, pela qual, a tentativa de invocar omissão de factos tendentes a configurar como custo a destruição de edificações com vista à construção do edifício da fábrica no mesmo terreno, os quais, atesta como fundamentais para o julgamento da “questão nova”, como vimos, falece igualmente.
No mais, perscrutadas as conclusões de recurso defende a Recorrente que incorre a sentença em claro erro jurídico ao considerar que se estaria perante um "abate" em consequência de uma "desvalorização excepcional" e não um custo de construção das instalações da fábrica, subsumível no artigo 23º do Código do IRC, afastada que se mostra a omissão de tal apreciação, a argumentação tende a consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Repisando no supra exposto, temos que a questão sob apreciação não foi invocada na petição inicial. Na verdade, não se alcança da p.i. que tal matéria haja sido alegada em 1ª. Instância no momento próprio, pelo que não poderia ser objecto de conhecimento e apreciação pelo Tribunal a quo, sob pena de excesso de pronúncia. E, o mesmo se diga nesta sede de recurso, em que igualmente configura questão nova e matéria que não é de conhecimento oficioso.
É que o direito português segue o modelo do recurso de revisão ou reponderação (modelo que tem as suas raízes no Código Austríaco de 1895). Daí que o Tribunal ad quem deva produzir um novo julgamento sobre o já decidido pelo Tribunal a quo, baseado nos factos alegados e nas provas produzidas perante este. Os juízes do Tribunal de 2ª. Instância, ao proferirem a sua decisão, encontram-se numa situação idêntica à do juiz da 1ª. Instância no momento de editar a sua sentença, assim valendo para o Tribunal ad quem as preclusões ocorridas no Tribunal a quo. Nesta linha, vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios de obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos Tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do Tribunal de que se recorre, visto implicar a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição [cf. neste sentido acórdãos do STA, de 22.01.1992, rec.13331; STJ, de 25.02.1993, proc.83552].
Não vale, contudo, também entre nós, em toda a sua pureza, o modelo de recurso de reponderação. Além de outras excepções (v.g. as partes podem acordar, em 2ª. Instância, a alteração ou ampliação do pedido - cf. artigo 264º, do CPC), o Tribunal ad quem pode conhecer de questões novas, ou seja, não suscitadas no Tribunal recorrido, desde que de conhecimento oficioso e ainda não decididas com trânsito em julgado. E essas questões podem referir-se, quer à relação processual (v.g. excepções dilatórias, atento o disposto no artigo 578º, do CPC), quer à relação material controvertida (v.g. prescrição e duplicação de colecta - cf. artigo 175º, do CPPT). No que respeita à matéria de direito, são os Tribunais de recurso inteiramente livres quanto à determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso ajuizado, devendo, mesmo, tomar em consideração as modificações da lei sobrevindas após o julgamento ocorrido na instância inferior, caso elas abranjam a relação jurídica litigiosa (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, 2008, Almedina, pág.92 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.153 e seg.; Armindo Ribeiro Mendes, Direito Processual Civil III, Recursos, AAFDL, 1982, pág.174).
Concluindo, a recorrente pretende a emissão de pronúncia sobre questão nova, o que o mesmo é dizer que o tema suscitado na conclusão apelatória em análise excede o objecto do recurso, implicando a sua apreciação a preterição de um grau de jurisdição, pelo que dele se não conhece.
Mais aduz a recorrente que se verifica o vício de violação do disposto no artigo 104º, nº.2, do CRP, ao não ser a Impugnante tributado com base no lucro real (cf. conclusão X. do recurso). Com base em tal argumentação pretendendo, supõe-se, consubstanciar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Vejamos se a decisão recorrida comporta tal vício.
No exame destas conclusões recursivas se dirá que o princípio da tributação pelo lucro real, como opção de tributação relativa aos entes empresariais, encontra consagração no artigo 104º, nº.2, da CRP.
Porém, tal princípio, não é absoluto, como desde logo a redacção da sua norma o pressupõe, ao dispor que a tributação das empresas incide "fundamentalmente" sobre o seu rendimento real, e não em todo e qualquer caso, antes tendo de ser concatenado com outros princípios constitucionais e normas constantes em outros diplomas legais infra-constitucionais, como seja, por exemplo, o da satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas (artigo 103º, nº.1, da CRP), tal como os artigos 18º e 23º, do CIRC (cf. acórdão do TCA Sul, 16.04.2013, in processo n.º 5721/12; acórdão do TCA Sul de 15.05.2014, proferido no âmbito do processo n.º 6694/13; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.1100).
No caso sub judice, não apreende o Tribunal ad quem no que possa ter violado o mesmo princípio constitucional a correcção à matéria colectável e consequente liquidação de IRC objecto do presente processo (a Recorrente também nada concretiza neste domínio, salvo o pugnado de que a correcção teria que respeitar a natureza de custo do “abate” e sua integração à luz do artigo 23º do CIRC).
Mas sempre diremos, por reporte ao julgado em 1ª instância, que do princípio constitucional da igualdade e da tributação das empresas fundamentalmente pelo seu rendimento real (contido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP) não resulta que os contribuintes não têm de cumprir obrigações acessórias que permitem à AT fiscalizar a verificação dos pressupostos materiais do reconhecimento de um gasto ou dedução fiscal.
Tal como referido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 517/2015, de 14.10.2015, “a prevalência do princípio da tributação das empresas segundo o seu lucro real acarreta um aumento da intensidade da cooperação exigida ao contribuinte, que se traduz numa acrescida exigência dos seus deveres declarativos. Esta exigência poderá, porém, determinar a restrição ou condicionamento de direitos, imposta pela necessidade de fiscalizar o cumprimento de tais deveres”.
À luz do princípio constitucional da tributação das empresas fundamentalmente pelo seu rendimento real, a questão que se coloca é a de saber se, não obstante o incumprimento das obrigações acessórias referidas no artigo 10.º, n.º 4, do Decreto-Regulamentar n.º 2/90, de 12.01 por parte do sujeito passivo, deve o valor líquido fiscal do activo em causa ser aceite como gasto fiscal, por os pressupostos materiais de aceitação desse gasto fiscal se verificarem na realidade.
Ora, tal como resulta da matéria de facto assente e decisão sob recurso, a Recorrente não logrou provar, os pressupostos materiais de aplicação do artigo 10º do DR n.º 2/90, nomeadamente, por a Recorrente não ter comunicado o abate do edifício no prazo previsto.
Cumpre ainda, que não está em causa uma interpretação e aplicação dos requisitos formais intransponíveis que vedam à Recorrente a dedução de um gasto fiscal nos termos do artigo 10º do DR n.º 2/90, mas a mera constatação de que não ficou provado que a Recorrente tem efetivamente direito a deduzir um gasto fiscal no montante de € 647.943,33 ao seu lucro tributável do exercício de 2006, nos termos do artigo 10º, n.º 4 do DR n.º 2/90.
Por este motivo, conclui-se que a interpretação e aplicação do artigo 10º do DR n.º 2/90, realizada pela AT no caso em apreço, não viola o princípio da tributação das empresas fundamentalmente pelo seu rendimento real, contido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.
Assim sendo a sentença que considerou que:
«(...), a comunicação com a antecedência de 15 dias, a que alude a alínea c) do n.º 4 do artigo 10.º do Decreto Regulamentar n.º 2/90, bem como a indicação do local, data e hora do abate, visam controlar a legalidade, para efeitos fiscais, do abate e a sua efetiva realização.
Assim, contrariamente ao entendimento da impugnante, a data e a hora da realização do abate não constituem requisitos meramente formais irrelevantes, revelando-se essenciais para o controlo da legalidade do abate.
Ao proceder da forma descrita, a impugnante impossibilitou a verificação in loco do abate do edifício e dos termos em que o mesmo foi efetuado, por parte dos serviços da Administração Tributária, que constitui a ratio do disposto no artigo 10.º, n.º 4 do Decreto Regulamentar n.º 2/90.
Em suma, da prova produzida nos autos resulta que a demolição do edifício foi concluída em 07/06/2006, tendo a comunicação efetuada ao Serviço de Finanças ... ocorrido apenas em 08/06/2006, portanto, em data posterior à conclusão do abate, pelo que se impõe concluir que a impugnante não demonstrou o preenchimento dos pressupostos de que a lei faz depender a aceitação como custo do abate.».
Não nos merece qualquer censura a sentença sob recurso, não enfermando de omissões que a invalidem, nem incorrendo em erro ou vício, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
3.2. Conclusões
I. O Impugnante deve invocar os factos e as razões de direito que suportam a pretensão deduzida em juízo, de anulação do acto de liquidação, no seu articulado inicial, ressalvadas as questões de caráter superveniente e de conhecimento oficioso;
II. As alegações escritas preceituadas no artigo 120.º do CPPT, destinam-se a discutir a matéria de facto e as questões jurídicas que são já objecto do processo, inviabilizando, nessa medida, a invocação superveniente de novos vícios nessa peça processual;
III. Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (artigos 596º, nº.1 e 607º, nºs.2 a 4, do CPC) e consignar se a considera provada ou não provada (artigo 123º, nº.2, do CPPT)
IV. Do princípio constitucional da igualdade da tributação das empresas fundamentalmente pelo seu rendimento real (contido no artigo 104.º, n.º 2, da CRP) não resulta que os contribuintes estão dispensados de cumprir obrigações acessórias que permitem à AT fiscalizar a verificação dos pressupostos materiais do reconhecimento de um gasto ou dedução fiscal nos termos em que o mesmo se apresenta.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Subsecção Comum da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso.
Custas a cargo da Recorrente.

Porto, 22 de fevereiro de 2024

Irene Isabel das Neves
Margarida Reis
Paula Moura Teixeira