Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02133/20.8BEBRG-S1
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/29/2021
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Manuel Escudeiro dos Santos
Descritores:MEIOS DE PROVA; INDEFERIMENTO.
Sumário:I – O indeferimento do pedido de concessão de um prazo para junção aos autos de declarações da AT a esclarecer o valor em débito e certidões emitidas pelos Tribunais a atestar a extinção das instâncias executivas e, consequentemente, a inexistência de dívidas, configura a rejeição de meio de prova suscetível de apelação autónoma nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

II – Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.

III - A prova que a Recorrente pretende efetuar criaria uma situação de divergência entre a inscrição registal desatualizada e a situação atualizada demonstrada pelos documentos cuja junção foi requerida.
IV - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Registo Predial).*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

M., com sinais nos autos, veio ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC, interpor recurso do despacho do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 02/02/2021, que indeferiu a prova requerida com fundamento na sua irrelevância, por considerar que o “registo é constitutivo tanto da hipoteca como da penhora, sendo irrelevantes as circunstâncias não registadas em relação a estas”.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:

“1. Vem o presente recurso interposto do Douto Despacho proferido, no passado dia 02/02/2021, pelo Meritíssimo Tribunal “a quo”, o qual indeferiu os meios de prova requeridos pela aqui Recorrente.
2. A questão que se coloca à douta apreciação deste Tribunal de recurso contende, e por ora, exclusivamente, com o supramencionado segmento decisório, isto é, a inadmissibilidade dos meios de prova requeridos pela aqui Recorrente.
3. A Recorrente apresentou, no passado dia 11/01/2021, o requerimento de resposta aposto na presente motivação, o qual, e por questões de economia processual se dá aqui por integralmente reproduzido, para os devidos efeitos legais.
4. A presente reclamação contende com um manifesto excesso de penhora efetuado pela “AUTORIDADE TRIBUTÁRIA” sobre dois imóveis da propriedade da sociedade “V., S.A.”.
5. Entende a Reclamante que o imóvel penhorado e sobre o qual foi designada data para a sua venda, não deverá ter tal destino, e uma vez que, previamente, a “AUTORIDADE TRIBUTÁRIA” já havia procedido à penhora de outro imóvel da “V.” (melhor identificado nos autos), o qual se afigura, manifestamente, suficiente, e atento o seu valor base de venda e os reais ónus que impendem sobre este, para satisfazer o crédito da credora A.T..
6. Assim, e por forma a comprovar as dívidas que tais bens respondem e a suficiência do primitivo bem penhorado, requereu a Reclamante os meios de prova melhor descritos no já identificado requerimento, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
7. Porém, entende o Tribunal “a quo” que tais meios de prova em nada vão alterar a situação jurídica registada na Conservatória do Registo Predial, e uma vez que tais ónus têm efeito constitutivo do direito substantivo registado.
8. Assim, e salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, entende a Recorrente que o referido despacho, enferma de erro de julgamento, uma vez que indeferiu a produção dos meios de prova requeridos pela Reclamante, e não obstante a mesma se afigurar essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa.
ISTO POSTO:
9. De harmonia com o disposto no artigo 13.º CPPT, aos juízes dos Tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.
10. O processo judicial tributário é, pelo menos desde a Lei Geral tributária, um processo de partes, pautado pelo princípio da legalidade, do contraditório e da igualdade de partes, devendo o Tribunal decidir conforme os factos e as provas que lhe são apresentadas dentro das regras processuais.
11. E é factual que com a referida prova a Reclamante pretendia provar o por si alegado nos artigos 42.º, 43.º e 44.º da Petição de Reclamação apresentada, e fazer a respetiva contraprova do alegado pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA nos artigos 28.º a 29º da oposição apresentada.
12. Não obstante, no caso vertente, o julgador, no despacho interlocutório, apreciou a desnecessidade da produção de prova peticionada, antecipando, e salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, um juízo que só após aquela produção poderia e deveria ter realizado.
VEJAMOS:
13. Antes de mais cumpre salientar que a função básica do registo (dar publicidade aos atos neles inscritos) pode ser perturbada por variadas vicissitudes, que afetem os próprios atos de registo ou as situações materiais subjacentes, criando-se então dilemas cuja solução importa “conferir” ao registo efeitos que se situam para além do seu caráter declarativo.
14. No caso em concreto, a Reclamante pretende ao requerer os meios de prova em causa, “conferir” ao registo, e aos factos no mesmo apostos um caráter manifestamente declarativo, e atentas as provas irrefutáveis de que os ónus que sobre os mesmos impendem não refletem a verdade do direito substantivo.
ORA,
15. É factual que a hipoteca constitui uma garantia especial das obrigações e possibilita que o credor seja pago pelo valor de certos bens/coisas imóveis ou equiparados que pertençam ao devedor ou a terceiros.
16. Assim, a hipoteca apresenta-se como um direito que o credor possui até ao cumprimento total e definitivo do devedor, isto é, o credor pode fazer garantir um crédito futuro por hipoteca (até se mostrar futuramente o crédito cumprido).
17. Deste modo, uma vez extinta a obrigação que deu causa ao registo da hipoteca, a mesma deixa de garantir o que quer que seja, pois o produto da venda do imóvel apenas poderá ser repartido por aqueles credores que, primeiro reclamarem os seus créditos e segundo possam comprovar a sua existência.
18. Motivo pelo qual, e independentemente da eficácia constitutiva que o registo da hipoteca possa ter, o Tribunal “a quo” deveria atentar na verdade material e na boa decisão da causa, que é o que a Reclamante pretende demonstrar com a prova requerida.
ACRESCE,
19. Dispôs o douto Tribunal “a quo” que o registo relativamente às hipotecas tem eficácia constitutiva, porém, e salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, as hipotecas voluntárias, e que incidem sobre os prédios em crise nos presentes autos não produzem tal eficácia, e uma vez que o seu registo traduz-se apenas num requisito de eficácia.
20. Neste sentido, ISABEL PEREIRA MENDES, Código do Registo Predial, Almedina, 17.ª ed., 2009 (nota ao art. 4.º), p. 155, considerando que:
“o registo da hipoteca apenas é constitutivo quando se trate de hipotecas legais e judiciais, enquanto o registo da hipoteca voluntária seria apenas um requisito de eficácia.”
21. Pelo que e neste segmento também importaria a produção da prova requerida.
22. O que se requer.
POR OUTRO LADO,
23. Igual raciocínio se fará relativamente às penhoras registadas, as quais desde já não se aceita a posição defendida pelo Tribunal “a quo” de que o seu registo tem eficácia constitutiva, sendo este, e de igual forma um mero requisito de eficácia do direito que se quer ver reconhecido.
ACRESCE,
24. De acordo com o disposto no art 58.º n.º 1 do Cód. Reg. Predial o cancelamento do registo de penhora, nos casos em que as ações executivas já não estejam pendentes (o que é o caso), faz-se com base na certidão passada pelo Tribunal competente que comprove essa circunstância e a causa.
25. E caso se trate de cancelamento do registo de penhora nos processos de execução fiscal, como é o caso, é, ainda, necessário comprovar a extinção ou a não existência da dívida à Fazenda Nacional.
26. Deste modo, a Reclamante ao requerer os respetivos meios de prova (- declarações da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA a esclarecer o valor em débito e certidões emitidas pelos Tribunais a atestar a extinção das instâncias executivas e, consequentemente, a inexistência de dívidas por parte da “V., S.A.” às referidas entidades), pretendia a Recorrente que o Tribunal “a quo” apreciasse livremente tal documentação, e por forma, a ser efetuada prova cabal dos factos alegados nos supra referidos arts. 42.º, 43.º e 44.º da Petição de Reclamação apresentada, e contraprova do alegado pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA nos arts. 28.º a 29º da oposição apresentada.
27. Não obstante o registo das penhoras se encontrarem pendentes, com a prova que a Reclamante pretende ver produzida, este douto Tribunal “a quo”, e em prol da segurança jurídica e da verdade material, poderá livremente concluir pela inexistência de dívida proveniente das penhoras registadas, por parte da Reclamante, perante aqueles concretos credores, e que apenas falta proceder ao cancelamento das mesmas na Conservatória do Registo Predial.
28. Pois é inelutável que os referidos ónus de hipoteca e penhora se extinguem mediante o cumprimento das obrigações que lhes deram origem, e o bem só responderá pelas reais e válidas obrigações da “V., S.A.”, perante terceiros.
29. E saliente-se que do que se trata na presente reclamação é de aferir se a penhora efetuada no Prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art. (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 878 registado em nome da “V.” se afigura ou não excessiva e ilegal, em face das penhoras e da hipoteca legal registada a favor da Reclamada no Prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art. 3218 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 309, e inscritas nas apresentações n.ºs 2308 de 23/08/2016 (hipoteca legal) e n.º 2170 de 09/06/2017 (penhora).
30. Sendo que se fazendo prova de que as obrigações inerentes aos ónus registados já se encontram pagas, o produto da venda do Prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o art. 3218 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o n.º 309 será mais do que suficiente para pagar o crédito da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA e, independentemente, da eficácia constitutiva que o registo de hipoteca e penhora possa eventualmente ter.
31. Pelo exposto, e salvo o devido respeito por melhor entendimento em contrário o douto Tribunal “a quo” ao indeferir os meios de prova requeridos pela Recorrente fez uma desadequada interpretação dos factos e consequente aplicação do direito, tendo em consequência violado o disposto no art. 13.º do CPPT, n.º 4, do art. 20º da CRP, por desrespeito do direito a um processo equitativo e bem assim, do princípio do contraditório, plasmado no n.º 3, do art. 3.º do Cód. Proc. Civil.
32. Motivo pelo qual deverá ser revogado e substituído por outro que defira os meios de produção de prova requeridos pela Reclamante.
TERMOS EM QUE
DEVERÁ SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO, E REVOGADO O DOUTO DESPACHO PROFERIDO, SUBSTITUINDO-SE POR OUTRO QUE DECIDA NOS MOLDES SUPRA PROPUGNADOS.”
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Digno Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal apôs o seu “visto” nos autos.
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Atendendo à existência do processo em suporte informático e à conjuntura atual de pandemia, dispensa-se os vistos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO ─ Questões a apreciar:

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas as questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer [cfr. artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, ex vi artigo 2.º, alínea e) e artigo 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT)].

Cumpre apreciar e decidir se o despacho recorrido enferma de erro de julgamento ao indeferir a prova requerida com fundamento na sua irrelevância.
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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. MATÉRIA DE FACTO

Com interesse para a decisão a proferir, importa considerar as seguintes ocorrências processuais:
A) A Recorrente, inconformada com o despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo, que designou o dia 30/11/2020 para proceder à venda por meio de leilão eletrónico do imóvel inscrito na matriz da União de Freguesia (…) sob o art.º (...), proferido no âmbito do processo de execução fiscal n.º 234820140117 e apensos, apresentou reclamação para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que foi registada sob o n.º 2133/20.8BEBRG (conforme resulta do SITAF).
B) Por despacho de 20/12/2020, foi determinado a notificação da Reclamante /Recorrente da junção da resposta e dos documentos apresentados com a mesma e para se pronunciar sobre a matéria da exceção invocada na resposta (conforme resulta do SITAF, 007327530, 26-03-2021, 00:26:53)
C) A Recorrente / Reclamante respondeu à matéria de exceção e requereu:
“I – Requer-se a V. Exa. que se digne conceder à Reclamada o prazo de 30 dias para apresentar nos presentes autos as certidões dos processos executivos supra referenciados, e relativas ao crédito do “BANCO (...), S.A.” e posteriores cessões, assim como o relativo ao processo de R. e por forma a fazer prova de que o imóvel não responde pelos mesmos.
II – Requer que V. Exa. se digne conceder o prazo de 30 dias para a Reclamante apresentar certidão de dívida à SEGURANÇA SOCIAL e pelo montante supra referenciado, e por forma a fazer prova do valor pelo qual o imóvel responde.
III – Requer que V. Exa. se digne ordenar a notificação da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA, para que a mesma venha, em prazo a determinar por este douto Tribunal, informar nos autos o montante global em dívida pela V., assim como venha informar do estado dos processos inerentes às penhoras e hipoteca alegados nos pontos 12 a 15 do presente requerimento, e por forma a fazer-se prova do valor em dívida à Reclamada. ASSIM:
REQUER:
Que V. Exa., e para os devidos efeitos legais, se digne conceder-lhe a sua junção aos autos e ordenar em conformidade com o requerido.
E.R.”
(Conforme resulta do SITAF, 007327528, 26-03-2021, 00:26:53)
D) Em apreciação do requerido foi proferido o despacho recorrido, de 02/02/2021, que se transcreve parcialmente:
“(…)
A Reclamante veio, em resposta a despacho que a convidou a pronunciar-se sobre as exceções invocadas pela Fazenda Pública, pedir a produção de prova da extinção de várias dívidas que oneram o imóvel sobre o qual incidiu o despacho reclamado.
De acordo com o art. 2.º/1 do Código de Registo Predial,
Estão sujeitos a registo:
a) Os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão;
(…)
h) A hipoteca, a sua cessão ou modificação, a cessão do grau de prioridade do respetivo registo e a consignação de rendimentos;
(…)
n) A penhora e a declaração de insolvência;
o) O penhor, a penhora, o arresto e o arrolamento de créditos garantidos por hipoteca ou consignação de rendimentos e quaisquer outros atos ou providências que incidam sobre os mesmos créditos;
(…)
z) Os factos jurídicos que importem a extinção de direitos, ónus ou encargos registados;
Por sua vez, o art. 5.º prevê que «os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo», entendendo-se aqui estes como «aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.»
Do art. 687.º do CC resulta que o registo, para a hipoteca, tem eficácia constitutiva. Como explicou o STJ em Ac. de 01-04-2014, proc. 3204/12.0YYLSB-A.L1.S1
Estamos, assim, perante um direito real de garantia – hipoteca voluntária - constituído por terceiro a favor da Exequente (Cedente, no contrato de cessão), conferindo-lhe o direito de ser preferencialmente pago pelo imóvel dado em hipoteca – art. 686º C. Civil.
Dispõe o art. 687º do mesmo C. Civil que “a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes”.
Do mesmo modo, o n.º 2 do art. 4º do C. Reg. Predial estipula, como exceção à regra geral acolhida em seu n.º 1 – segundo a qual “os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros” -, que a eficácia dos factos constitutivos da hipoteca, mesmo entre as próprias partes, depende da realização do registo.
Desta solução excecional, isto é, de a eficácia da hipoteca depender de registo dos respetivos factos constitutivos, mesmo em relação às partes outorgantes no contrato, resulta que, embora não sendo condição de validade do ato constitutivo da hipoteca voluntária, o registo ergue-se como condição necessária de eficácia desse ato.
Assim, apesar da preexistência do negócio (contrato ou negócio unilateral) que integra o ato constitutivo da garantia, o seu registo, funcionando como condição verdadeira da eficácia absoluta daquele negócio, acaba por assumir também verdadeiros efeitos constitutivos, como verdadeiro registo constitutivo.
Como escreve J. A. GONZÁLEZ (“Noções de Direito Registal”, 1998, p.83), “na verdade, o registo que condiciona a eficácia do facto registável mesmo entre as próprias partes (art. 4º-2 C.Reg.Predial), também impede totalmente a eficácia desse facto, ou seja, impede a produção dos efeitos tipicamente associados à sua verificação”.
Como corolário desse efeito constitutivo temos, então, que a existência da situação sujeita à inscrição no registo carece de existência jurídica enquanto não for realizado o registo de cuja existência depende, embora, no caso da hipoteca voluntária, se não possa falar propriamente em inexistência jurídica, como se deixou dito, mas, apenas, na não produção dos “seus efeitos típicos”, mesmo entre as partes (A. e ob. cit., p.7).
Destarte, no que diz respeito à hipoteca, é irrelevante a alegação da Reclamante de que as dívidas que lhe deram origem estão pagas, pois enquanto se mantiver registada a hipoteca, esta mantém os seus efeitos.
O mesmo se verifica em relação à penhora, conforme explicou o Ac.TRL de 21-02-2017, proc. 102/09.8TBMTA.L1-1
Com efeito, o registo da penhora tem como essencial, e único, efeito jurídico que o credor/exequente fique protegido em relação aos demais credores, sendo o seu crédito satisfeito antes destes. E só se ultima quando o respetivo registo se concretiza. O registo constitui assim um pressuposto legal para a efetiva existência da penhora, e é constitutivo desse ato processual, sendo determinante para a garantia dos créditos que aquela satisfaz, graduando-se em primeiro lugar o crédito garantido por penhora registada anteriormente (cfr.art. 871º,n.º 1, ACPC, vigente à data, e art. 794º, n.1, NCPC).
Neste contexto é que a penhora de imóveis se efetua por comunicação eletrónica, que vale como pedido de registo no processo, e inscrição da mesma, e só depois o agente de execução(AE) lavra o respetivo auto (art. 838º,n.º3, ACPC, e art. 755º n.º 1, 2 e 3, NCPC) enquanto que a penhora de móveis se concretiza com a efetiva apreensão e remoção, lavrando o AE o respetivo auto (art. 848º, n.º1, e 849º, n.º 1, ACPC e art. 764º, n.º 1, e 766º,n.º 1, NCPC).
Este raciocínio é igualmente válido para a penhora em execução fiscal, contendo o art. 231.º do CPPT a norma paralela ao art. 755.º do CPC (aliás, o art. 231.º/5 do CPPT prevê que a penhora em execução fiscal possa seguir o previsto no CPC).
O registo é constitutivo tanto da hipoteca como da penhora, sendo irrelevantes as circunstâncias não registadas em relação a estas.
Assim, é irrelevante a produção da prova requerida pela Reclamante, que se indefere.
(Conforme resulta do SITAF, 007327518, 26-03-2021, 00:26:53)
E) O presente recurso foi interposto em 23/02/2021 (conforme resulta do SITAF, 007327517, 26-03-2021, 00:26:53).

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2.2. DE DIREITO

Veio a Recorrente interpor recurso da decisão do Tribunal “a quo” que lhe indeferiu a produção de prova documental.

Para tanto sustenta que o despacho em causa “… enferma de erro de julgamento, uma vez que indeferiu a produção dos meios de prova requeridos pela Reclamante, e não obstante a mesma se afigurar essencial à descoberta da verdade material e boa decisão da causa. (…) [A]o requerer os respetivos meios de prova (- declarações da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA a esclarecer o valor em débito e certidões emitidas pelos Tribunais a atestar a extinção das instâncias executivas e, consequentemente, a inexistência de dívidas por parte da “V., S.A.” às referidas entidades), pretendia a Recorrente que o Tribunal “a quo” apreciasse livremente tal documentação, e por forma, a ser efetuada prova cabal dos factos alegados nos supra referidos arts. 42.º, 43.º e 44.º da Petição de Reclamação apresentada, e contraprova do alegado pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA nos arts. 28.º a 29º da oposição apresentada. (…) [U]ma vez extinta a obrigação que deu causa ao registo da hipoteca, a mesma deixa de garantir o que quer que seja, pois, o produto da venda do imóvel apenas poderá ser repartido por aqueles credores que, primeiro reclamarem os seus créditos e segundo possam comprovar a sua existência. (…) Não obstante o registo das penhoras se encontrarem pendentes, com a prova que a Reclamante pretende ver produzida, este douto Tribunal “a quo”, e em prol da segurança jurídica e da verdade material, poderá livremente concluir pela inexistência de dívida proveniente das penhoras registadas, por parte da Reclamante, perante aqueles concretos credores, e que apenas falta proceder ao cancelamento das mesmas na Conservatória do Registo Predial. (…) Pois é inelutável que os referidos ónus de hipoteca e penhora se extinguem mediante o cumprimento das obrigações que lhes deram origem, e o bem só responderá pelas reais e válidas obrigações da “V., S.A.”, perante terceiros. (…) [O] douto Tribunal “a quo” ao indeferir os meios de prova requeridos pela Recorrente fez uma desadequada interpretação dos factos e consequente aplicação do direito, tendo em consequência violado o disposto no art. 13.º do CPPT, n.º 4, do art. 20º da CRP, por desrespeito do direito a um processo equitativo e bem assim, do princípio do contraditório, plasmado no n.º 3, do art. 3.º do Cód. Proc. Civil”.
No despacho recorrido entendeu-se que “o registo é constitutivo tanto da hipoteca como da penhora, sendo irrelevantes as circunstâncias não registadas em relação a estas.
Assim, é irrelevante a produção da prova requerida pela Reclamante, que se indefere”.

Nesta conformidade, impõe-se sindicar a fundamentação do despacho recorrido, por forma a apurar se o indeferimento da produção de prova foi legal.

De harmonia com o disposto no artigo 13.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja lícito conhecer.

Por sua parte, o artigo 114.º do mesmo diploma prevê que, não conhecendo logo do pedido, o juiz ordena as diligências de prova necessárias.
Porém, desses preceitos não decorre que o juiz esteja obrigado à realização de todas as provas que sejam requeridas pelas partes, antes o dever de realizar e ordenar as correspondentes diligências se deve limitar àquelas que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.

Como entende Jorge Lopes de Sousa, no seu CPPT, anotado e comentado, 5.ª edição, na anotação 9 ao artigo 13.º, é o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjetiva, ligada à convicção do juiz; o que não significa que a necessidade da realização das diligências não possa ser controlada objetivamente, em face da sua real necessidade para o apuramento da verdade, em sede de recurso (v. Jorge de Sousa, in CPPT anotado e comentado, páginas 168 e 169).

Mantém pertinência o decidido no Acórdão do STA, de 05/04/2000, no âmbito do processo n.º 024713:
“No processo judicial tributário vigora o princípio do inquisitório, o que significa que o Sr. Juiz não só pode, como também deve realizar todas as diligências que considere úteis ao apuramento da verdade.
Deste modo, tendo sido sugerida a realização de uma diligência, o Sr. Juiz só não deve fazer se a considerar inútil ou dilatória em despacho devidamente fundamentado.”

Quanto à junção de documentos aos autos após o último articulado, pode a mesma ser indeferida se os documentos forem considerados impertinentes ou desnecessários, nos termos dos artigos 427.º e 443.º do CPC.

Com a requerida junção dos documentos (- declarações da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA a esclarecer o valor em débito e certidões emitidas pelos Tribunais a atestar a extinção das instâncias executivas e, consequentemente, a inexistência de dívidas por parte da “V., S.A.” às referidas entidades), pretendia a Recorrente que o Tribunal “a quo” apreciasse livremente tal documentação, e por forma, a ser efetuada prova cabal dos factos alegados nos supra referidos arts. 42.º, 43.º e 44.º da Petição de Reclamação apresentada, e contraprova do alegado pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA nos arts. 28.º a 29º da oposição apresentada.

Impunha-se que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre esta pretensão deferindo-a caso entendesse que os documentos eram relevantes e admissíveis ou indeferindo-a caso entendesse que eram inadmissíveis ou irrelevantes.

O Tribunal recorrido tomou a seguinte posição:
“(…) Do art. 687.º do CC resulta que o registo, para a hipoteca, tem eficácia constitutiva. Como explicou o STJ em Ac. de 01-04-2014, proc. 3204/12.0YYLSB-A.L1.S1
Estamos, assim, perante um direito real de garantia – hipoteca voluntária - constituído por terceiro a favor da Exequente (Cedente, no contrato de cessão), conferindo-lhe o direito de ser preferencialmente pago pelo imóvel dado em hipoteca – art. 686º C. Civil.
Dispõe o art. 687º do mesmo C. Civil que “a hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes”.
Do mesmo modo, o n.º 2 do art. 4º do C. Reg. Predial estipula, como exceção à regra geral acolhida em seu n.º 1 – segundo a qual “os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros” -, que a eficácia dos factos constitutivos da hipoteca, mesmo entre as próprias partes, depende da realização do registo.
Desta solução excecional, isto é, de a eficácia da hipoteca depender de registo dos respetivos factos constitutivos, mesmo em relação às partes outorgantes no contrato, resulta que, embora não sendo condição de validade do ato constitutivo da hipoteca voluntária, o registo ergue-se como condição necessária de eficácia desse ato.
Assim, apesar da preexistência do negócio (contrato ou negócio unilateral) que integra o ato constitutivo da garantia, o seu registo, funcionando como condição verdadeira da eficácia absoluta daquele negócio, acaba por assumir também verdadeiros efeitos constitutivos, como verdadeiro registo constitutivo.
Como escreve J. A. GONZÁLEZ (“Noções de Direito Registal”, 1998, p.83), “na verdade, o registo que condiciona a eficácia do facto registável mesmo entre as próprias partes (art. 4º-2 C.Reg.Predial), também impede totalmente a eficácia desse facto, ou seja, impede a produção dos efeitos tipicamente associados à sua verificação”.
Como corolário desse efeito constitutivo temos, então, que a existência da situação sujeita à inscrição no registo carece de existência jurídica enquanto não for realizado o registo de cuja existência depende, embora, no caso da hipoteca voluntária, se não possa falar propriamente em inexistência jurídica, como se deixou dito, mas, apenas, na não produção dos “seus efeitos típicos”, mesmo entre as partes (A. e ob. cit., p.7).
Destarte, no que diz respeito à hipoteca, é irrelevante a alegação da Reclamante de que as dívidas que lhe deram origem estão pagas, pois enquanto se mantiver registada a hipoteca, esta mantém os seus efeitos.
O mesmo se verifica em relação à penhora, conforme explicou o Ac.TRL de 21-02-2017, proc. 102/09.8TBMTA.L1-1
Com efeito, o registo da penhora tem como essencial, e único, efeito jurídico que o credor/exequente fique protegido em relação aos demais credores, sendo o seu crédito satisfeito antes destes. E só se ultima quando o respetivo registo se concretiza. O registo constitui assim um pressuposto legal para a efetiva existência da penhora, e é constitutivo desse ato processual, sendo determinante para a garantia dos créditos que aquela satisfaz, graduando-se em primeiro lugar o crédito garantido por penhora registada anteriormente (cfr. art. 871º, n.º 1, ACPC, vigente à data, e art. 794º, n.º1, NCPC).
Neste contexto é que a penhora de imóveis se efetua por comunicação eletrónica, que vale como pedido de registo no processo, e inscrição da mesma, e só depois o agente de execução(AE) lavra o respetivo auto (art. 838º,n.º3, ACPC, e art.755º n.º1, 2 e 3, NCPC) enquanto que a penhora de móveis se concretiza com a efetiva apreensão e remoção, lavrando o AE o respetivo auto (art.848º, n.º1, e 849º, n.º 1, ACPC e art. 764º, n.º 1, e 766º,n.º 1, NCPC).
Este raciocínio é igualmente válido para a penhora em execução fiscal, contendo o art. 231.º do CPPT a norma paralela ao art. 755.º do CPC (aliás, o art. 231.º/5 do CPPT prevê que a penhora em execução fiscal possa seguir o previsto no CPC).
O registo é constitutivo tanto da hipoteca como da penhora, sendo irrelevantes as circunstâncias não registadas em relação a estas.
Assim, é irrelevante a produção da prova requerida pela Reclamante, que se indefere”.

Ora, analisando o pedido da Recorrente e o teor do despacho recorrido, ressalta que o tribunal recorrido indeferiu a produção da prova requerida por ser seu entendimento, se bem entendemos a motivação da decisão recorrida, que a produção dessa prova seria irrelevante, por o registo ser constitutivo tanto da hipoteca como da penhora, sendo irrelevantes as circunstâncias não registadas em relação a estas.

Não ignorando esta realidade a Recorrente refere que pretendia que o Tribunal “a quo” apreciasse livremente tal documentação, e por forma, a ser efetuada prova cabal dos factos alegados nos suprarreferidos arts. 42.º, 43.º e 44.º da Petição de Reclamação apresentada, e contraprova do alegado pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA nos arts. 28.º a 29º da oposição apresentada.

Dos artigos 42.º, 43.º e 44.º da petição inicial da reclamação resulta:
“42. Sendo que sobre os imóveis objeto de penhora e venda impendem, validamente ativas, as penhoras registadas pela AUTORIDADE TRIBUTÁRIA (EURO 91.562,43), pelo INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL (EURO 119.000,00 aproximadamente) e pela “CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.” (dívida controvertida e em processo executivo, com o valor do capital em dívida de, aproximadamente, EURO 89.000,00).
43. Assim sendo, atentos os valores em dívida, e que não terão sido, tanto quanto é do conhecimento da aqui Reclamante, objeto de reclamação de créditos nas ações executivas em causa, é manifesto que a penhora da AUTORIDADE TRIBUTÁRIA sobre os identificados imóveis é manifestamente excessiva e desproporcional.
44. Pois o produto da venda de um dos imóveis da propriedade da "V." (o de menor valor) é mais do que suficiente para extinguir a dívida tributária.”
Consta dos artigos 28 e 29 da resposta da Recorrida:
28. Porém, decorre da certidão permanente da C.R.P, os seguintes ónus registados em data anterior à penhora em apreço naquele processo (cf. doc. 45 que se junta):
28.1. AP. 109 de 1988/06/22 - Hipoteca Voluntária; CRÉDITO: 20.000.000,00 Escudos; MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 32.200.000,00 Escudos; CRÉDITO PREDIAL PORTUGUÊS, E.P.;
28.2. AP. 27 de 1998/03/09 - Hipoteca Legal, ABRANGE 2 PRÉDIOS, CAPITAL: 56.351.955,00 Escudos, MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 56.351.955,00 Escudos, CENTRO REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DO NORTE – SERVIÇO SUB-REGIONAL DE SEGURANÇA SOCIAL DE VIANA DO CASTELO;
28.3. AP. 131 de 2004/11/25 - Hipoteca Legal ABRANGE 2 PRÉDIOS, CAPITAL: 1.138.838,64 Euros, MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 1.138.838,64 Euro, FAZENDA NACIONAL;
28.4. AP. 52 de 2008/02/08 - Transmissão de Crédito IA APRESENT. 109 de 1988/06/22 - Hipoteca Voluntária, Cessão de Crédito a D., S.A.;
28.5. AP. 48 de 2008/08/08, Transmissão de Crédito. Registado no Sistema em: 2008/08/08;
28.6. Ap. 109 de 1988/06/22 - Hipoteca Voluntária, Cessão de Crédito a A. S.À.R.L. NIF (…);
28.7. AP. 49 de 2008/08/08, Transmissão de Crédito Registado no Sistema em: 2008/08/08;
28.8. Ap. 109 de 1988/06/22 - Hipoteca Voluntária, Cessão de Crédito a L., LDA, NIF (…);
28.9. AP. 5048 de 2010/01/08, Ação Registado no Sistema em: 2010/01/08 17:23:10 UTC PROVISÓRIO POR NATUREZA - Artigo 92º nº l al. a) a favor de G. AG NIPC (…), (PEDIDO: Ser a presente ação julgada procedente e, em consequência, «declarada a ineficácia, face à autora, da cessão de créditos hipotecários celebrada, primeiramente, entre as rés D. e A. e, subsequentemente, entre as rés A. e L.»);
28.10. AP. 3431 de 2010/03/30, DATA DA PENHORA: 2010/03/30, QUANTIA EXEQUENDA: 109 .141 ,17 Euros, EXEQUENTE: "BANCO (...), S.A., NIPC (…), Processo Executivo nº 2314/07.0TBVCT do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo;
28.11. AP. 2813 de 2013/05/24, Penhora Registado no Sistema em: 2013/05/24, DATA DA PENHORA: 2013/05/24, QUANTIA EXEQUENDA: 6.949,58 Euros, EXEQUENTE: Fazenda Nacional - Serviço de Finanças de Viana do Castelo, EXECUTADO: "V. , S.A. 11 1 NIPC (...) Processo de Execução Fiscal Nº 2348201201026798;
28.12. AP. 2432 de 2014/06/11, Penhora Registado no Sistema em: 2014/06/11; DATA DA PENHORA: 2014/06/11, QUANTIA EXEQUENDA: 20.471,92 Euros, EXEQUENTE: R. - NIF: (…);
28.13. AP. 2682 de 2015/01/14, DATA DA PENHORA: 2015/01/14, QUANTIA EXEQUENDA: 13.179,10 Euros, EXEQUENTE: Fazenda Nacional, Processo de Execução Fiscal Nº 2348201301115723;
28.14. AP. 2308 de 2016/08/23, Hipoteca Legal Registado no Sistema em: 2016/08/23, ABRANGE 2 PRÉDIOS, CAPITAL: 98.989,29 Euros, MONTANTE MÁXIMO ASSEGURADO: 141.875,74 Euros, SUJEITO(S) ATIVO(S): INSTITUTO DE GESTÃO FINANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P., NIPC (…), FUNDAMENTO: Garantia do pagamento de dívida correspondente a contribuições e cotizações do regime geral, juros de mora à taxa de 5,168%, contabilizados até ao presente mês de agosto de 2016 no valor de 42 886,45€ e custas processuais;
28.15. AP. 1867 de 2017/06/09, DATA DA PENHORA: 2017/06/09, QUANTIA EXEQUENDA: 57.765,38 Euros, SUJEITO(S) ATIVO(S): FAZENDA NACIONAL, processo de execução fiscal nº 2348201301115723 e apensos - Serviço de Finanças de Viana do Castelo, comunicação de Penhora nº 234820170000219990.
29. Assim sendo, atento o valor patrimonial do imóvel bem como a existência de ónus anteriores à penhora em crise no processo de reclamação, é manifesto que a dívida exequenda não ficará satisfeita, e consequentemente,”
Efetivamente, a Recorrente, enunciou factualidade que, em seu entender, permite concluir que o produto da venda de um dos imóveis da propriedade da "V." (o de menor valor) é mais do que suficiente para extinguir a dívida tributária e requereu a concessão de prazo para a apresentação de prova documental.

Em suma, compete ao juiz examinar, em cada processo judicial, se é legalmente permitida a produção dos meios de prova oferecidos pelas partes e, no caso afirmativo, aferir da necessidade da sua produção em face das questões colocadas, sabido que a instrução tem por objeto os factos invocados controvertidos ou de que oficiosamente o tribunal pode conhecer e relevantes para o exame e decisão, tendo em conta as várias soluções plausíveis da questão de direito – cfr. artigo 99.º, n.º 1 da LGT.
Na conclusão 19.º a Recorrente dá eco da principal divergência relativamente aos efeitos do registo da hipoteca quando refere:
«Dispôs o douto Tribunal “a quo” que o registo relativamente às hipotecas tem eficácia constitutiva, porém, e salvo o devido respeito por melhor opinião em contrário, as hipotecas voluntárias, e que incidem sobre os prédios em crise nos presentes autos não produzem tal eficácia, e uma vez que o seu registo traduz-se apenas num requisito de eficácia.»

Não vamos entrar nessa discussão.

Vamos concentrar a nossa análise nos aspetos formais que consideramos relevantes.

De acordo com o artigo 714.º do CC, a constituição ou modificação da hipoteca voluntária, quando recaia sobre bens imóveis, deve constar de escritura pública ou documento particular autenticado.

Nos termos dos artigos 719.º e 731.º do CC, a hipoteca só pode ser reduzida com o consentimento expresso de quem dela for beneficiário, consentimento este a efetuar pela forma exigida para a sua constituição.
A redução da hipoteca, tal como a sua constituição, só produz efeitos, mesmo interpartes, depois de registada: artigo 688.º do CC.
No plano registral, de acordo com o art. 2.º/1 do Código de Registo Predial,
“Estão sujeitos a registo:
a) Os factos jurídicos que determinem a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação, superfície ou servidão;
(…)
h) A hipoteca, a sua cessão ou modificação, a cessão do grau de prioridade do respetivo registo e a consignação de rendimentos;
(…)
n) A penhora e a declaração de insolvência;
o) O penhor, a penhora, o arresto e o arrolamento de créditos garantidos por hipoteca ou consignação de rendimentos e quaisquer outros atos ou providências que incidam sobre os mesmos créditos;
(…)
z) Os factos jurídicos que importem a extinção de direitos, ónus ou encargos registados;

Resulta do dispositivo legal parcialmente transcrito que a hipoteca e a penhora são factos sujeitos a registo. E, também, está sujeita a registo, relativamente à hipoteca, a sua cessão ou modificação, a cessão do grau de prioridade do respetivo registo.

Por sua vez, o art. 5.º prevê que «os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo», entendendo-se aqui estes como «aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si.»

Assim, a redução da garantia hipotecária concretiza-se através do averbamento na Conservatória do Registo Predial do novo valor garantido pela hipoteca do imóvel, em conformidade com as normas contidas no artigo 100.º do Código do Registo Predial, nos artigos 718.º e seguintes do Código Civil e no artigo 50.º da LGT.

O registo prova-se por meio de certidões emitidas por qualquer serviço de registo, nos termos prescritos pelos artigos 100.º e segs. do Código de Registo Predial.

A eficácia em relação a terceiros da garantia hipotecária e da garantia decorrente da penhora depende da respetiva inscrição no registo, no caso registo predial porque incidente sobre bem imóvel.

Os documentos que a Recorrente pretende juntar aos autos –– declarações da Autoridade Tributária a esclarecer o valor em débito e certidões emitidas pelos Tribunais a atestar a extinção das instâncias executivas e, consequentemente, a inexistência de dívidas por parte da “V., S.A.” às referidas entidades –– respeitam a situações diretamente relacionadas com a hipoteca e com as penhoras em causa nos autos que foram objeto de registo.

Tais documentos, caso reúnam os requisitos a que se refere o artigo 43.º do Código de Registo Predial, poderão servir de base à atualização dos registos e, assim, os factos registados ganharão eficácia em relação a terceiros.

Só atualização da inscrição registal, quer da hipoteca, quer da penhora, permitem com eficácia em relação a terceiros demonstrar o âmbito e extensão das referidas garantias.

A prova que a Recorrente pretende efetuar criaria uma situação de divergência entre a inscrição registal desatualizada e a situação atualizada demonstrada pelos documentos cuja junção foi requerida.

A falta de atualização da inscrição registal impede a operatividade da eficácia conferida pelo registo, que no caso da hipoteca se estende também às partes, nos termos do artigo 687.º do CC.

Não ignoramos, como invoca a Recorrente, que as diligências requeridas eram úteis ao apuramento da real situação, porém, por se tratam de factos sujeitos a registo, a sua eficácia em relação a terceiros apenas se estabelece com o registo.

Não consta dos autos nem foi invocado pela Recorrente a intenção de levar ao registo essa real situação de modo a estabelecer a sua eficácia, sendo certo que nos termos do artigo 5.º, n.º 3, do Código do registo Predial, a falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo.

Também, nos termos do artigo 364.º n.º 1, do CC, “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”.

Termos em que o presente recurso não merece provimento.
*

Nos termos do artigo 667.º, n.º 3, do CPC, formulamos o seguinte sumário:


I – O indeferimento do pedido de concessão de um prazo para junção aos autos de declarações da AT a esclarecer o valor em débito e certidões emitidas pelos Tribunais a atestar a extinção das instâncias executivas e, consequentemente, a inexistência de dívidas, configura a rejeição de meio de prova suscetível de apelação autónoma nos termos do artigo 644.º, n.º 2, alínea d), do CPC.

II – Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respetivo registo.

III - A prova que a Recorrente pretende efetuar criaria uma situação de divergência entre a inscrição registal desatualizada e a situação atualizada demonstrada pelos documentos cuja junção foi requerida.
IV - A falta de registo não pode ser oposta aos interessados por quem esteja obrigado a promovê-lo (artigo 5.º, n.º 3, do Código de Registo Predial).

**

3. DECISÃO:

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso e manter o despacho recorrido.
*
Custas a cargo da Recorrente.
*
Porto, 29 de abril de 2021.

Manuel Escudeiro dos Santos
Bárbara Tavares Teles
Paula Maria Dias de Moura Teixeira