Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00318/07.1BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Tiago Miranda
Descritores:IVA, INACTIVIDADE NÃO DECLARADA, RECURSO EM MATÉRIA DE FACTO.
Sumário:I – O artigo 640º, nºs 1 e 2 do CPC tem de ser interpretado racional, teleológica e sistematicamente, no sentido de o objecto dos ónus nela enunciados não ir além do que for possível em concreto satisfazer e dos limites decorrentes de direitos fundamentais, como o do acesso à justiça (artigo 20º nºs 1 e 4 da CRP), e legais, como o do duplo grau de jurisdição.

II – Assim, se do conjunto da fundamentação do recurso em matéria de apreciação da prova for possível concluir com segurança qual o facto dado como não provado que, alegadamente, devia ser julgado provado e os meios de prova para isso decisivos e por que o eram, não se mostrando ter sentido isolar declarações determinantes em detrimento de outras, deve entender-se que o Recorrente cumpriu com aqueles ónus.

III – Por força dos princípios da tributação segundo a capacidade contributiva (artigos 104º da Constituição e 4º nº 1 da LGT), da prevalência da substância sobre a forma (artigo 11º da LGT) e da justiça material (artigo 5º nº 2 da LGT), é anulável, por violação de lei devida a erro nos pressupostos de facto, a liquidação oficiosa de IVA levada a cabo com fundamento, apenas, no disposto no artigo 83º nº 7 do CIVA, quando o sujeito passivo (ou o responsável por reversão) fez prova em juízo da absoluta inactividade nos períodos de imposto objecto de liquidação.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:P.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder parcial provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

Relatório

P. interpôs o presente recurso de apelação relativamente à sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 21 de Fevereiro de 2013, que julgou improcedente a impugnação das liquidações oficiosas de IVA relativas aos períodos tributários compreendidos nos anos de 1997 a 2001, que apresentou enquanto revertido nas execuções fiscais, inicialmente instauradas contra a sociedade comercial “A. Lda”, no valor total de 8 978,36 €, e das respectivas coimas, fixadas em processo de contra-ordenação instaurados em 2000, 2001 e 2003, no valor total de 1 500,16 €, que, entretanto, pagou integralmente, pedindo, consequentemente a condenação da AT a tudo devolver com juros indemnizatórios.

Remata a sua alegação com as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES;
A sentença proferida nos presentes autos negou provimento à impugnação judicial deduzida pelo ora Recorrente com vista à anulação das (i) liquidações oficiosas do IVA, atinentes aos anos fiscais de 1996, 1997, 1998, 1999, 2000 e 200, no valor de € 8,978,36, e (ii) coimas, por alegada violação da alínea c) do n.° 1 do artigo 28.° e da alínea b) do n.° 1 do artigo 40°, ambas do Código do IVA, relativas aos anos de 2000, 2001 e 2003, no valor de € 1.500,16, as quais originaram a instauração do processo executivo n.° 1910200101029096 contra a sociedade devedora originária “A., LDA”, tendo o aludido processo executivo sido, posteriormente, alvo de reversão fiscal contra o aqui Recorrente.
II. Acontece, porém, que, conforme amplamente alegado pelo Recorrente, a sociedade originária não exerce qualquer tipo de actividade susceptível de originar factos tributários em sede de IVA e IRC, desde 3 de Novembro de 1989, data em que o ora Recorrente adquiriu a sua participação na sociedade originária.
Com efeito
III. Decorre do testemunho de L. que a sociedade aqui em questão não exerceu qualquer actividade desde o ano de 1989, tendo este testemunho sido efectuado de um modo claro, conciso e rigoroso, sem deixar margem para qualquer dúvida por parte do Julgador
IV. Na realidade, considerando o modo como a prova foi efectuada, i.e., com objectividade e rigor, não entende o Recorrente o motivo pelo qual o Tribunal a quo atribuiu um peso inferior a esta prova testemunhal, porquanto não existe no nosso ordenamento jurídico nenhuma presunção que obrigue o Julgador a valorar de modo diferente os testemunhos provenientes de pessoas com declaradas relações profissionais.
V. De facto, caso entendesse o Julgador que o testemunho em causa deveria, per si, ser valorizado de um modo diferente, sempre estaria obrigado a explicar detalhadamente os motivos subjacentes a esse entendimento, não se devendo escudar na válvula genérica de “relações profissionais”.
VI. O Juiz a quo deveria ter fundamentado com clareza o percurso lógico que trilhou na formação da sua convicção, esclarecendo as razões pelas quais não conferiu relevância a esta prova testemunhal, isto é, as razões pelas quais não reconheceu credibilidade neste testemunho, conforme parece decorrer da sentença ora recorrida.
VII. A decisão agora sindicada não indica, na realidade, a análise crítica à prova testemunhal apresentada. Nesta decisão não são explicitados quais os fundamentos que levaram à convicção efectiva do Julgador.
VIII. A frase constante na decisão recorrida que refere que “o Tribunal valorou os depoimentos testemunhais com reserva atendendo às declaradas relações profissionais existentes” constitui uma enunciação genérica, e, portanto, sem qualquer valor.
IX. Dessa frase não é possível apreender a convicção do Tribunal a quo e os motivos da decisão da matéria de facto... trata-se de uma enunciação vaga, geral, que nada esclarece quanto às concretas razões que motivaram o Juiz a quo.
X. Com a falta de fundamentação adoptada na decisão recorrida fica por conhecer qual o exame critico que foi feito pelo Tribunal da prova testemunhal apresentada quanto aos factos alegados e sobre os quais as testemunhas foram ouvidas.
XI. Só com tal indicação e especificação é possível aos destinatários da decisão compreenderem o iter cognoscitivo que conduziu àquela convicção do Julgador, aceitando o decidido e concordando com ele ou eventualmente opondo-se à decisão e à sua bondade.
XII. Ora, face aos elementos acima referidos, constantes dos autos, teremos de concluir que a sentença proferida é nula, nos termos do artigo 668.°, n.° 1, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 2.°, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 125.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
XIII. Por outro lado, entende o Recorrente que a testemunha apresentada, conhecedor à data dos factos da realidade da sociedade devedora originária, é a que melhor poderá evidenciar o não exercício de qualquer actividade, posteriormente ao ano de 1989, uma vez que esta testemunha acompanhou de perto, e participou, no desenrolar dos acontecimentos factuais.
XIV. Por outro lado, importa referir que, considerando a inactividade da sociedade devedora originária, não seria possível ao Recorrente oferecer ao Tribunal outros documentos para a demonstração da realidade dos factos, uma vez que estes simplesmente, e por facto inimputável ao Recorrente, não existiam.
XV. De facto, não estava ao alcance do Recorrente ter fornecido aos presentes autos outro tipo de documentos para uma outra prova segura, considerando a inexistência dos mesmos.
XVI. Na verdade, afigura-se que a existência de várias Declarações Modelo 22 do IRC, sem qualquer valor inscrito nas mesmas, é já prova cabal de que a sociedade deixou de exercer qualquer actividade, não se lhe podendo imputar qualquer rendimento ou prejuízos nos anos subsequentes a 1989.
XVII. Por outro lado, a existência de uma escritura de dissolução de sociedade, datada de 29 de Dezembro de 2003, onde se declara que os sócios “efectivamente dissolvem a referida sociedade, a qual já cessou a actividade” faz prova plena que a sociedade aqui em causa já havia deixado, há muito, de exercer qualquer actividade.
XVIII. Ressalve-se, ainda, que os depoimentos de A. e C., e não obstante não exercerem na sociedade qualquer actividade nos anos em causa no processo sub judice, revelam, com rigor, e considerando, até, a actividade exercida naquela por ambos, em alturas diferentes, que aquela sociedade deixou de praticar, após a data em que o ora Recorrente adquiriu a sua participação da sociedade originária, actos susceptíveis de originar factos tributários que pudessem originar liquidações de imposto.
XIX. Informe-se ainda que decorre do Parecer proferido pelo Exmo. Procurador da República que esta prova foi valorada, por aquele, positivamente, tal foi a consistência, clareza e rigor com que aquela se apresentou no processo.
XX. Na realidade, entende o Recorrente que cumpriu cabalmente com o ónus da prova a que se encontra adstrito, demonstrando, nomeadamente, a inexistência do facto tributário, resultante da alegada inactividade da sociedade/devedora originária desde 3 de Novembro de 1989, não podendo, em consequência, as liquidações do imposto manter-se na ordem jurídica por respeito ao princípio da capacidade contributiva, plasmado no artigo 104.° da Constituição da República Portuguesa.
XXI. Ora, considera o Recorrente que, atendendo às dúvidas existentes, existe a presunção de veracidade dos actos dos contribuintes, conduzindo à anulação do acto impugnado, nos termos do preconizado no artigo 100.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
XXII. Pelo tudo quanto foi exposto, entende-se que a decisão ora recorrida não se poderá manter na ordem jurídica, devendo a mesma ser considerada nula, nos termos do artigo 668.°, n.° 1, alínea b) do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 2.°, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e artigo 125.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Notificada, a Recorrida não respondeu à alegação secundando a sentença recorrida e concluindo pela improcedência do recurso.

O Digno Magistrado do Ministério Público apresentou douto parecer no sentido da improcedência do recurso, redutível ao seguinte excerto:

(…)
Entendeu a Mma Juiz que na falta de apresentação das declarações periódicas de IVA, nos prazos legais e da declaração da cessação da actividade a AT estava legitimada a efectuar as respectivas liquidações oficiosas.
O impugnante não provou como lhe competia, que a devedora originária não exerceu qualquer actividade no período correspondente aos exercícios de 1996 a 2001 e no tocante às dívidas provenientes de coimas, não é a impugnação judicial a sede própria para sindicar a sua legalidade, mas antes o recurso previsto no artigo 80° do RGIT, pelo [que] julgou improcedente a impugnação.
E desta decisão que foi interposto recurso, não se olvidando que o seu âmbito é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente das respectivas alegações.
A Fazenda Púbica não contra-alegou.
*
Alega o recorrente que a sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, nos termos do artigo 668° n° 1 b) do CPC e artigo 125° n° 1 do CPPT, ao não ter valorado a prova testemunhal que arrolou e que em seu entender, demonstrou que a sociedade devedora originária não exerceu qualquer actividade desde 1989, o que conduziria a uma diferente decisão. 
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Como bem refere o julgador, “na falta de apresentação das declarações periódicas de IVA nos prazos legalmente determinados e da declaração de cessação de actividade da devedora originária, a Administração Tributária estava legitimada a efectuar as respectivas liquidações oficiosas”, conforme dispunham os artigos 28°, 32° e segs.0 e 83° do CIVA.
Citando o Ac. do TC A Sul de 26/2/2013 no processo 06102/12 in www.dgsi.pt:
“Nos termos do C.I.V.A., de entre as obrigações declarativas dos sujeitos passivos, vamos encontrar a relativa à declaração de cessação de actividade consagrada no art°.32, do citado diploma. Esta declaração deve ser apresentada no Serviço de Finanças competente no prazo de trinta dias a contar da data da mesma cessação da actividade, mais sendo o art°.33 que nos descreve as situações geradoras de cessação de actividade do contribuinte
“Da exegese do art°.33, do C.I.V.A., deve concluir-se que esta norma é um complemento da anterior (art°.32, do C.I.V.A.), tendo o legislador a preocupação de definir, através de uma enumeração de circunstâncias, o que se entende por cessação de actividade e quando é que esta se verifica. E estamos a falar da cessação total, a qual implica o cancelamento do registo do sujeito passivo, e não a cessação parcial, que somente pode implicar a obrigação declarativa de apresentação de uma declaração de alterações. As diversas alíneas do n°. 1 consagram, de forma taxativa, os factos cuja ocorrência coincide com a cessação da actividade do sujeito passivo de imposto. Especificamente quanto à alínea a), do n°. 1, deve concluir-se que a cessação de actividade, em virtude do período assinalado de dois anos sem prática de actividade pelo sujeito passivo, não reveste características oficiosas, assim não onerando a A. Fiscal. Pelo contrário, levando em consideração o disposto no citado art°.32, do diploma, tal obrigação recai sobre o sujeito passivo (ou sobre os seus legais representantes no caso de pessoa colectiva). Na interpretação da norma deve concluir o aplicador do direito que o ónus de declaração oficiosa de cessação da actividade do sujeito passivo de imposto somente se encontra consagrado no n°.2 (quando for manifesto que não está a ser exercida qualquer actividade pelo sujeito passivo, nem há a intenção de a continuar a exercer). E saliente-se que durante o período de dois anos previsto na alínea a), do n°. 1, o sujeito passivo continua obrigado à apresentação da declaração periódica nos termos do então art°.28, n°.2, do C.I.V.A. (actual art°.29, n°.2), a qual subsiste mesmo não havendo, no período correspondente, operações tributáveis realizadas.”
A actuação da AT é o que resulta do cumprimento da lei, pelo que não merece qualquer reparo.
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Relativamente á invocada nulidade, a Mma Juiz pronunciou-se no sentido de que a mesma não se verifica v. fls. 225.
O recorrente alega que o tribunal fez uma apreciação errada da prova produzida e da subsequentemente da matéria de facto que deu como provada.
A impugnação da decisão no tocante á matéria de facto, deve ser efectuada de acordo com o que então dispunha o CPC no artigo 685-B n° 1.
Citando o Ac. do TC A Norte de 31/5/2012 no processo 02324/04.9BEPRT in www.dgsi.pt:
“ Esta norma conjugada com o que dispõe o artigo 712.° do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 2.°, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, permite concluir que este Tribunal Central Administrativo, com competência para a apreciação das questões de facto (artigo 38.°, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e artigo 280.°, n.° 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário), o pode fazer mas dentro de determinados parâmetros.
A norma transcrita afasta, desde logo, a possibilidade de o Tribunal de recurso com competência em matéria de facto efectuar um novo julgamento ao fazer recair sobre o recorrente o ónus de, primeiro, indicar os concretos pontos de facto que pretende ver modificados e, segundo, indicar os concretos meios probatórios constantes do processo, do registo ou da gravação que imponham decisão diversa sobre aqueles pontos de facto.
O recorrente que pretenda impugnar a matéria de facto terá, assim, sob pena de rejeição, e cumulativamente:
a) Especificar ou identificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.”
No caso em apreço, o depoimento das testemunhas foi gravado e estão localizados na acta as respectivas rotações, v. fls. 140 e segs.
O recorrente não identifica tal gravação nem procedeu á sua transcrição, pelo que ao não dar cumprimento ao que estipula a lei, o Tribunal de recurso não pode sindicar a matéria de facto quanto a esse particular.
Em nosso entender, o recorrente pretende manifestar a discordância dos factos dados como provados e a convicção do tribunal.
Citando o Ac. do TC A Sul e 12/6/2014 no processo 01220/06 in vvww.dgsi.pt:
“ I. Vigora no processo tributário português o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no art. 607.°, n.° 5 do CPC, aplicável ex vi do art. 2.°, al. e) do CPPT.
II. Resulta daquele princípio que ao tribunal de recurso apenas é permitida a modificação da matéria de facto fixada no tribunal a quo se ocorrer erro manifesto ou grosseiro na sua apreciação, ou se os elementos documentais fornecerem uma resposta inequívoca em sentido diferente.” Ac. do TCA Sul de 12/6/2014 no processo 01220/06 in www.dgsi.pt.
“Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a experiência de vida e conhecimento das pessoas...” (Ac. do TCA Sul de 17/9/2013 no processo 06718/13 in www.dgsi.pt).
A convicção do Tribunal será o resultado quer da prova documental quer da testemunhal que foi carreada para o processo, tendo-se presente que “as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos” e que a” força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente” artigos 341 e 396, ambos do CC. 
No caso em apreço, segundo a Mma Juiz o impugnante não provou “como lhe competia, que a devedora originária não exerceu qualquer actividade no período correspondente aos exercícios de 1996 a 2001” e “cabia-lhe demonstrar que, efectivamente, no período em referência, não praticou operações tributáveis.”
Através da leitura dos factos dados como provados na sentença e do seu exame crítico, não vislumbramos a existência de qualquer erro de lógica, de ciência ou de regra de experiência.
Constam da decisão as razões de facto e/ou de direito em que esta assentou. A Mmª Juiz analisou a prova e fundamentou o decidido, em nosso entender, merecedor de confirmação, não se verificando a invocada nulidade.
O recurso não merece provimento.»

II - Questões a decidir
É jurisprudência pacífica que as conclusões do recurso delimitam o seu objecto.
Assim, atentos o teor das conclusões da alegação de recurso, acima transcritas, e a ordem lógica das questões colocadas importa, antes de mais, apreciar se a Sentença recorrida padece de nulidade, por falta da especificação de fundamentos de facto da decisão, nos termos dos artigos 668º nº 1 alª b) do CPC aplicável ao tempo em que foi proferida, aplicável ex vi artigo 2º do CPPT, e 125º do próprio CPPT, concretamente, por não conter suficiente fundamentação relativamente à decisão de julgar não provado que a sociedade “A. Lda” não exerceu qualquer actividade tributável em IRC e em IVA desde a sua aquisição pelo Impugnante, em 1989.
Em caso de se dar uma resposta negativa a esta questão terá, então, sentido confrontarmo-nos com a outra questão directamente colocada pela alegação de recurso, que é a de julgar se houve erro na apreciação da prova quando não se julgou provada aquela inactividade.
Aliás, previamente, ter-se-á que apreciar se estão reunidos os requisitos para esta última questão ser apreciada, atento o ónus que para o Recorrente decorre do disposto no artigo 685º-B do CPC em vigor ao tempo da interposição do recurso.
Em qualquer caso e por fim cumprirá, conhecer da apelação quanto ao mérito do objecto da impugnação se isso for possível no actual estado do processo.

III - Apreciação do objecto do Recurso
Recordemos, então, no essencialmente relevante para as questões colocadas, o julgamento da sentença recorrida em matéria de facto:
«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:
A) Em 03/11/1989, por escritura pública lavrada no 5.° Cartório Notarial do Porto, o ora impugnante adquiriu duas quotas do valor nominal de cem mil escudos, cada uma, representativas do capital social da sociedade comercial por quotas denominada “A., Lda.”, NIPC (…) - cf. fls 26/32 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
B) Em 05/12/1989 foi apresentada na Repartição de Finanças do Porto - 8° Bairro a declaração de alterações - Modelo 1044, referente à sociedade “A., Lda.”, para efeitos de IVA – cf. fls. 33/36 dos autos.
C) Em 31/05/1990 foi entregue na Repartição de Finanças do Porto - 8° Bairro, em nome da sociedade “A., Lda.” a declaração de rendimentos - Modelo 22 relativa a IRC do exercício de 1989, constando do campo referente à matéria colectável “0$” – cf. fls. 42/49 dos autos.
D) Em 31/05/1991 foi entregue na 7ª Repartição de Finanças do Porto, em nome da sociedade “A., Lda.” a declaração de rendimentos - Modelo 22 relativa a IRC do exercício de 1990, encontrando-se o campo referente à matéria colectável sem qualquer valor inscrito – cf. fls. 50/57 dos autos.
E) Em 01/06/1992 foi entregue na 2ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia, em nome da sociedade “A., Lda.” a declaração de rendimentos - Modelo 22 relativa a IRC do exercício de 1991, encontrando-se o campo referente à matéria colectável sem qualquer valor inscrito – cf. fls. 58/65 dos autos.
F) Em 31/05/1993 foi entregue na 2ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia, em nome da sociedade “A., Lda.” a declaração de rendimentos - Modelo 22 relativa a IRC do exercício de 1992, constando do campo referente à matéria colectável “0$” – cf. fls. 66/73 dos autos.
G) Em 31/05/1994 foi entregue na 2.ª Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia, em nome da sociedade “A., Lda.” a declaração de rendimentos - Modelo 22 relativa a IRC do exercício de 1993, constando do campo referente à matéria colectável total “0$” - cf. fls 74/81 dos autos.
H) Em 01/06/1995 foi entregue na 2.a Repartição de Finanças de Vila Nova de Gaia, em nome da sociedade “A., Lda.” a declaração de rendimentos - Modelo 22 relativa a IRC do exercício de 1994, constando do campo referente à matéria colectável total “0$” – cf. fls. 82/89 dos autos.
I) A actividade da sociedade “A., Lda.” encontra-se cessada oficiosamente para efeitos de IVA com efeitos reportados a 31/12/2001 – cf. fls. 44/46 e informação de fls. 47/49 do PA apenso aos autos.
J) Em 29/12/2003, no Terceiro Cartório Notarial do Porto, a folhas 57/58 do livro de notas para escrituras diversas n.° 390 - E foi lavrada escritura pública, intitulada “Dissolução de sociedade”, da qual, para além do mais, o seguinte:
«(...)
PRIMEIRO - Dr. P. (...)
SEGUNDA - M. (...)
TERCEIRO – R. (...)
QUARTO - L. (...)
Declararam os outorgantes:
Que são os únicos sócios da sociedade comercial por quotas sob a firma “A., LIMITADA”, com sede na Rua (…), pessoa colectiva (…), matriculada na competente Conservatória do Registo Comercial do Porto sob o número (…) (...).
Que, por unanimidade deliberam dissolver e efectivamente dissolvem a referida sociedade, a qual já cessou a actividade.
Que a mesma tem por objecto a promoção de espectáculos, consultoria, apoio contabilístico e administrativo às empresas.
Que não procedem à liquidação e partilha do património da sociedade, em virtude de esta não ter qualquer activo nem passivo (...)” – cf. fls. 37/40 dos autos.
K) Em 31/12/2003 foi entregue no Serviço de Finanças de Gondomar - 1 a declaração de cessação de actividade da sociedade “A., Lda.”, para efeitos de IRC, fixando como data da cessação 30/12/2003 – cf. fls. 90/91 dos autos.
L) Contra a sociedade “A., Lda.”, NIPC (…) foi instaurado o processo de execução fiscal (doravante PEF) n.° 1910200101029096 e apensos, para cobrança coerciva de dívidas provenientes de IVA dos anos de 1996, 1997, 1998, 1999, 2000 e 2001 e coimas dos anos de 2000, 2001 e 2003, cujo montante global ascende a 10.478,52 € - cf. fls. 18 dos autos.
M) A dívida exequenda proveniente de IVA teve na sua génese as liquidações oficiosas infra discriminadas:

N.° liquidaçãoData da liquidaçãoPeríodoMontante
9733225408/11/199719961.496,39 €
9821224017/10/199819971.496,39 €
9925060627/11/199919981.496,39 €
0019317329/10/200019991.496,39 €
0206139902/03/200220001.496,40 €
0311039931/05/200320011.496,40 €
TOTAL8.978,36 €
- Cf. fls 38/43 e informação de fls 47/49 do PA apenso aos autos.

N) Em 27/09/2006 o Senhor Chefe Adjunto do Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia - 1 proferiu despacho do qual consta o seguinte:
Verificando-se nos autos, nomeadamente do direito de audição prévia exercido por A., NIF (…), na qualidade de SÓCIO GERENTE da sociedade supra identificada, que foram trazidos aos mesmos factos novos, nomeadamente a cessão de quotas e renúncia à gerência conforme escritura realizada no dia 03 de Novembro de 1989, publicação no D.R. III Série de 11/12/1989, sendo feita tentativa de registo do acto na Conservatória do Registo Comercial. Em 30/12/2003 foi registada a dissolução e encerramento da sociedade. Revogue-se o despacho datado de 14/08/2006 na parte que diz respeito ao contribuinte A. e prossiga-se a execução contra os responsáveis subsidiários, constantes no despacho anterior,
- R., NIF (…) (...)
- L., NIF (…) (...)
Prosseguindo ainda contra o gerente P. , NIF: (…) (...), notificando-o para efeitos de audição prévia, nos termos do n.° 4 do artigo 23. ° e do n.° 4 do artigo 60. ° ambos da Lei Geral Tributária (...)” – cf. fls 19 dos autos.
O) Por despacho de 23/10/2006 foi determinada a reversão do PEF a que se alude em L) contra o ora impugnante. – Cf. fls. 20 dos autos.
P) Em 27/10/2006 o ora impugnante foi citado para o processo de execução fiscal referido em L) - cf. fls 17/23 dos autos.
Q) Em 21/11/2006 o ora impugnante procedeu ao pagamento da quantia exequenda, no montante de 10.478,52 € - cf. fls. 24/25 e informação de 35/36 do PA apenso aos autos.
R) A presente impugnação judicial deu entrada no Serviço de Finanças de Vila Nova de Gaia - 1, em 26/01/2007 – cf., carimbo aposto a fls. 6 do PA apenso aos autos.
Factos não provados
Não se provaram os factos vertidos nos artigos 9.°, 20.° e 25.° da petição inicial.
Motivação da matéria de facto
A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto resultou do exame crítico dos documentos e Informações constantes dos autos, os quais não foram impugnados, conjugados com os depoimentos testemunhais.
No que concerne aos factos não provados, o impugnante não logrou demonstrar que no período compreendido entre 1996 e 2001 a sociedade “A., Lda.” não exerceu qualquer actividade, nem praticou quaisquer operações sujeitas a IVA.
Atenta a razão de ciência apresentada, o Tribunal valorou os depoimentos testemunhais com reserva atendendo às declaradas relações profissionais existentes entre as testemunhas e a sociedade “A., Lda.”
Foram inquiridas três testemunhas: i) L., ao tempo dos factos, sócio gerente da sociedade “A., Lda.”; ii) A.; Técnico Oficial de Contas da referida sociedade em 2003; e iii) C., Técnica Oficial de Contas, responsável pela contabilidade da sociedade entre 1991 e 1994.
Segundo o depoimento da testemunha L., desde que este e o ora impugnante se tomaram sócios gerentes da sociedade “A., Lda.”, em 1989, esta nunca mais exerceu qualquer actividade, o que resulta evidenciado nas declarações de IRC - Modelo 22 que eram apresentadas “em branco
Acrescentou que até 1995 a sociedade cumpriu as suas obrigações declarativas, apenas deixando de o fazer a partir dessa data.
Por sua vez, as testemunhas A. e C. não revelaram conhecimento directo dos factos.
A testemunha A. referiu que apenas teve conhecimento da situação da sociedade em 2003, aquando da sua dissolução e que lhe terão dito que a sociedade nunca exerceu qualquer actividade.
Por seu turno, do depoimento da testemunha C. apenas resulta que no período compreendido entre 1991 a 1994 a sociedade não teve qualquer actividade, tendo-se desligado completamente da sociedade a partir de 1996.
Com efeito, a prova produzida, pela sua inconsistência, revela-se insusceptível de demonstrar que nos exercícios de 1996 a 2001 a que se reportam as liquidações oficiosas ora impugnadas a sociedade não exerceu qualquer actividade de prestação de serviços.
Ademais, as declarações de IRC - Modelo 22 respeitando apenas aos exercícios de 1989 a 1994, por si, só não demonstram que a sociedade não exercia qualquer actividade desde 1989, mais concretamente nos exercícios de 1996 a 2001, tanto mais que a declaração de cessação de actividade foi apresentada apenas em 31/12/2003, na sequência da liquidação da sociedade.
De igual modo, o facto de constar da escritura pública de liquidação da sociedade, outorgada em 29/12/2003, que a sociedade havia já cessado a sua actividade nada demonstra, uma vez que não concretiza em que data terá ocorrido.
Atento o exposto, não poderá ser dado como provado que nos exercícios de 1996 a 2001 a sociedade “A., Lda.” não exerceu qualquer actividade nem realizou qualquer operação tributável.»

A - 1ª questão
Cumpre, então, julgar se a sentença recorrida é nula por falta de fundamentação da decisão em matéria de facto, designadamente quanto à não prova de que a devedora originária das liquidações impugnadas já não exercia actividade alguma desde 1989.
A Mº Juiz recorrida, ou melhor, a que lhe sucedeu, ao pronunciar-se nos termos do artigo 641º nº 1 do CPC, sustentou a inexistência do alegado vício por isso que “A eventual falta de motivação da matéria de facto – consubstanciada nas razões que levaram o Tribunal a conferir relevo a determinados depoimentos de testemunhas – nada tem que ver com a nulidade da falta de especificação dos fundamente os de facto que justificam a decisão, quanto a estes não se manifestando o impugnante. Por conseguinte, não estamos perante uma alegação consubstanciada de nulidade nos termos da citada norma legal.”
Por sua vez, a recorrente, se bem entendemos, vê a falta de fundamentação na alegada falta de concretização das razões por que a Mª Juiz a qua não julgou provada a inactividade apesar de ser isso que resultava objectivamente de documentos e testemunhas.
Em ordem à compreensão da apreciação que vamos fazer do mérito da alegação, convêm esclarecer alguns conceitos e pressupostos de direito, do que vamos apreciar e decidir.
As causas de nulidades da sentença em processo tributário estão taxativamente previstas no artigo 125º nº 1 do CPPT:
1 - Constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Esta norma é auto-suficiente no seu dispositivo, pelo que a norma do CPC que enuncia as causas de nulidade da sentença em processo civil, invocada cumulativamente pelo recorrente, não é aqui subsidiariamente aplicável.
Como assim, o critério da nulidade ou não da sentença tributária por, alegadamente, não especificar os fundamentos de facto que fundamentam a decisão reside exclusivamente no artigo 125º do CPPT citado, e não no artigo 615º do CPC.
O mesmo já não sucede com a norma do CPPT que enuncia o objecto da sentença (123º).
Nos termos do artigo 123º nºs 1 e 2 do CPPT:
1 - A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Pública e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar.
2 - O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.
Com efeito, este dispositivo, ao omitir qualquer referência à estrutura da sentença e uma delimitação exaustiva do objecto da pronúncia do juiz, remete o intérprete para os artigos 607º e 608º nº 2 do CPC (659º e 660º do antigo), ex vi artigo 2º do CPPT.
No presente caso, o intérprete não é reenviado para o CPC, pois o elemento da estrutura da sentença cuja falta é alegada está directamente previsto no nº 2 do artigo 123º acima transcrito.
É de notar, a propósito da interpretação desta norma, que em processo tributário não existe a cisão entre decisão de facto e decisão de direito que existia no código de processo civil que vigorou até 2013, nem, consequentemente, a prévia fixação dos factos assentes, de modo que toda a fundamentação da decisão em matéria de facto tem de ser expressa com o mesmo rigor que o antigo CPC impunha à decisão (em cesure) sobra a matéria de facto e impõe, hoje, para decisão em matéria de facto, integrante da sentença.
Como vimos, dispõe o artigo 123º nº 2 do CPPT que na sentença tributária o juiz “discriminará a matéria provada da não provada, fundamentando as decisões” (itálico nosso).
A Fundamentação das decisões, para este efeito, haverá de integrar, antes de mais, essa “análise crítica das provas” a que se referia o artigo 653º nº 2 do antigo CPC, ao dispor sobre o conteúdo da decisão de julgamento da matéria de facto, bem como o artigo 659º nº 3 do mesmo diploma, ao dispor sobre o conteúdo da sentença, e a que refere o artigo 607º nº 4 do actual CPC, ao dispor sobre o conteúdo da mesma sentença.
Matéria provada e não provada a discriminar fundamentadamente, haverá de ser, logicamente, aquela que, alegada pelas partes, releva para a discussão da causa em qualquer das soluções plausíveis do litígio, designadamente as sustentadas pelas partes.
Na verdade, se o direito ao contraditório é um direito processual que se filia num direito liberdade e garantia constitucional (artigo 20º nº 1 da Constituição) é dever do juiz pronunciar-se fundamentadamente sobre a prova ou não prova de todos os factos alegados e relevantes, ainda que só para a solução do litígio preconizada por uma parte, de modo a que as partes possam exercer o contraditório e a apelação também quanto à solução jurídica por si preconizada para o litígio.
Esta afirmação carece, contudo, de uma advertência sobre o que não é silêncio da sentença em matéria de facto: assim, quando da prova de um facto, devidamente fundamentada, resulta logicamente a não prova de outro, também ele alegado, o que sucede, verdadeiramente, é haver pronúncia, tácita, mas clara, e até fundamentada, pela não prova deste, não sendo, assim, indispensável, para cumprir com a artigo 123º citado, uma expressa referência à sua não prova.
Se assim é, isto é, se está em causa a garantia do contraditório e do processo equitativo, então, em princípio, padece de nulidade a sentença que deixe de discriminar, como provados ou não provados, fundamentadamente, nos sobreditos termos, quaisquer factos que integravam a causa de pedir e que eram relevantes para a tese sustentada por uma parte, designadamente a demandante.
Nesta matéria, que é de facto, a nulidade existirá mesmo que a falta de indicação dos factos provados e não provados seja meramente parcial.
Neste sentido se pronuncia o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 125º do CPPT, no seu CPPT anotado, 6ª edição, II volume, pag. 360:
“8 - Omissão ou deficiência parcial na indicação da matéria de facto
Como se deduz do que ficou referido, quanto à falta de indicação da matéria de facto provada ou deficiência, obscuridade ou contradição, a nulidade existirá mesmo que se trate de uma omissão ou deficiência parcial.”
Por outro lado, e consequentemente, se a falta de fundamentação, designadamente de análise critica das provas, for absoluta, seja relativamente a todos, seja a alguns desses factos discriminados, também ocorrerá nulidade da sentença, total ou parcial, nessa medida.
Veja-se, no opus cit., pág. 258.
“7 – Falta de especificação dos fundamentos de facto ou de direito
a) Matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.° 2 do art. 123.° do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.° 3 do art. 659.° do CPC. Com efeito, esta falta não pode deixar de reportar-se à fundamentação de facto exigida por este Código e nele, ao contrário do que sucede com o CPC (art. 659 .°, n.° 3), exige-se não só a indicação dos factos provados, mas também dos não provados.
(…)
Porém, mesmo que assim não se entenda, tal falta poderá, em certos casos, implicar insuficiência da fundamentação de facto da sentença, susceptível de conduzir à necessidade
de uma ampliação da matéria de facto, com consequente anulação da decisão.”
Bem se compreende que assim seja, pois sem a decisão sobre determinado ou determinados factos que alegou e que são relevantes para a solução de direito, plausível, que sustentou as suas petição ou oposição, não pode a parte pugnar por elas, designadamente mediante recurso, ou até conformar-se racionalmente com veredicto do tribunal.
Sem embargo de tudo o que vai dito – last but not least – atento o disposto no, hoje, artigo 665º nº 1 (715º nº 1 do antigo) e os poderes conferidos ao tribunal de apelação pelo, hoje, artigo 662º do CPC (712º do antigo), essas omissões ou deficiências quanto à matéria de facto provada e não provada não serão causa de anulação da sentença sempre que forem supríveis nos termos ali dispostos.

Vejamos o caso concreto:
O Recorrente sustenta que é insuficiente a fundamentação da decisão pela não prova quanto aos factos 9º 20º e 25º da PI – correspondentes, à inactividade da devedora originária desde 1989 – porque a Mª Juiz a qua se limita a dizer que ouviu com reserva as testemunhas, dada a sua declarada ligação profissional com a devedora originária, o que não deixa entender iter cognoscitivo e valorativo de tal decisão, atente o teor objectivo dos depoimentos.
Porém, a transcrição supra mostra que a Mª Juiz a qua não se ficou por este juízo de valo geral e, hoc sensu, preconceituoso, antes passou a apreciar uma a uma cada uma das três testemunhas, suas relações com a dedecora e respectivos depoimentos, terminando por concluir, ou melhor, terminando por julgar (referindo-se, supõe-se, ao conjunto das provas apresentadas pelo Impugnante) que não foi feita a almejada prova de que nos exercícios de 1996 a 2001 a devedora originária não teve qualquer actividade.
O Impugnante tergiversa, designando como falta de fundamentação o que não é mais do que uma fundamentação que ele não aceita, mas compreende integralmente, tanto assim que opõe ao julgamento do tribunal recorrido, nesta matéria, o seu julgamento em sentido oposto.
Enfim, a sentença recorrida explicita o processo intelectual do julgamento de não prova de que a devedora originária não teve qualquer actividade, pelo que não padece da apontada falta de fundamentação quanto a este seu aspecto, nem da consequente nulidade.

B - 2ª Questão
Excluída a nulidade da sentença recorrida por falta de fundamentação da decisão em matéria de facto, podemos logicamente equacionar um erro dessa decisão.
Cumpre, portanto, julgar se o Tribunal recorrido errou no julgamento em matéria de facto ao concluir que o Impugnante não logrou fazer prova de que a devedora originária não teve qualquer actividade a partir de 1989.
Dir-se-ia – e nesse sentido opina o MP – estar vedado a este Tribunal de recurso apreciar esta alegação de erro na apreciação da prova, por isso que a mesma não cumpre integral e formalmente com os requisitos decorrentes do artigo 640º, nºs 1 e 2 do CPC. Porém esta norma tem de ser interpretada adequadamente, no sentido de o objecto dos ónus nela enunciados não ir além do que for possível em concreto satisfazer e dos limites decorrentes de direitos fundamentais, como o do acesso à justiça (artigo 20º nºs 1 e 4 da CRP), e legais, como o do duplo grau de jurisdição.
Designadamente, consistindo a crítica à decisão da matéria de facto na sustentação de que não se fez prova de determinados factos, seja porque a prova testemunhal é por natureza, em abstracto, inadequada, ou, por imposição legal, inadmissível, seja, mesmo, por ser considerada, em concreto, insuficiente, podem ficar prejudicadas as especificações previstas na alínea b) do nº 1 e ficam obviamente prejudicadas as da alínea a) do nº 2. Mesmo quando a alegação da não prova de certo facto se funda em que os depoimentos colhidos, embora admissíveis e em abstracto susceptíveis, não a produziram, pode acontecer ser logicamente impossível, impraticável, ou pelo menos inexigível, indicar depoimentos e respectivas passagens concretas de que decorra essa conclusão negativa. Também no caso de se sustentar a prova de um facto que o tribunal recorrido julgou não provado se pode o julgador deparar com tais perplexidades, por exemplo, pode dar-se o caso de o juízo que se opõe ao recorrido ser global, e se referir, tal como o juízo recorrido, à totalidade de um ou vários depoimentos, não decorrendo, quanto à prova verbal, especificamente de uma declaração ou de uma ou mais declarações concretas.
Tal é o nosso caso. O recorrente insurge-se contra a decisão de se dar como não provado, essencialmente, um facto – a inactividade da devedora original desde a sua aquisição pelo impugnante em 1989 e tece, em abono disso, uma argumentação reconduzível à ultima hipótese acima aventada, pois sustenta como provas determinantes a unanimidade, quanto a esse facto, e a atendibilidade dos depoimentos das testemunhas inquiridas, os factos instrumentais dados como provados, designadamente a apresentação de declarações fiscais a zeros desde 1989 a 1995, seguida de falta de declarações que deu origem às liquidações adicionais, e a escritura de dissolução da sociedade em 2003, com menção expressa de inactividade e a declaração oficiosa de cessação de actividade em 2001.
Como assim, nos sobreditos pressupostos constitucionais, não se lhe pode imputar o incumprimento do ónus que para o recorrente em matéria de facto decorrem quer do nº 1 b) quer do nº 2 a) do artigo 640º do CPC, pelo que nada obsta, em princípio, a que este Tribunal conheça da questão acima enunciada.
Pois bem:
O recorrente insurge-se contra a não prova de que a devedora original esteve inactiva desde 1989 até que foi dissolvida em 2003.
A não prova deste facto pode, em abstracto e em concreto, ser discutida, pois não contende com qualquer meio de prova “legal”.
Porém, como tem sido entendido por este Tribunal, os princípios da oralidade e imediação e da livre apreciação da prova (artigos 590º a 606º e 607º nº 5 do CPC) implicam que o julgamento do recurso em matéria de facto, quanto à apreciação de provas que não sejam prova legal, não é um julgamento, ex novo, em que se deva fazer tábua rasa do julgamento do juiz da 1ª instância que, esse sim viu, ouviu e apreciou com imediação o depoimento de testemunhas e declarantes, antes deve ficar-se pela detecção do erros de julgamento revelados pelas “regras da experiência comum” ou logicamente demonstráveis.
Ora, sopesada a prova documental disponível, os factos dados como provados e o teor da prova verbal, que ouvimos atentamente, estamos em crer que a livre convicção da Mª Juiz Recorrida, pela não prova da inactividade, não colhe fundamento, no que a experiência comum dita.
Vejamos:
A prova verbal é constituída por três testemunhas, um sócio do Recorrente, ao tempo, na devedora originária, o técnico oficial de contas (TOC) que apresentou as declarações da devedora originaria a zero entre 1989 e 1995 e a técnica de contas que desde então passou a prestar os serviços de TOC ao Impugnante numa sociedade, essa, sim, activa.
Desde logo cumpre notar que, ao invés do que considera a Mª Juiz a qua, o depoimento do TOC A. não releva de um conhecimento apenas indirecto, mas sim directo, isto é, por experiência própria, da alegada inactividade da devedora originária, o que, aliás, é consentâneo com o objecto da profissão.
Mas esse não é o único erro manifesto na apreciação da prova do facto da inactividade da devedora originária desde 1989.
Na verdade, flui da conjugação dos três depoimentos uma explicação, mais do que credível, verosímil, para a cessação das entregas de declarações fiscais a zero: o desconhecimento, por parte da nova TOC, de uma rotina de seis anos relativamente a uma sociedade comercial invisível, por isso mesmo que não tinha actividade.
A sucessão de entregas de declarações de IRC e de IVA a zeros, desde 1989 a 1996 já era em si um facto instrumental que conferia verosimilhança aos depoimentos conformes das três testemunhas nesse sentido. Com efeito, por que razão haveria de ter reiniciado actividade tributável em 1996, clandestinamente, isto é não o declarando ao Fisco, uma sociedade comercial sem actividade tributável desde 1989? Em tal contexto, à experiência comum, de um ponto de vista imparcial, não repugna, antes parece ser de dar crédito ao concurso dos depoimentos das testemunhas. Mas se alguma dúvida pudesse resultar da falta de explicação verosímil para a inopinada cessação da entrega das declarações fiscais a zero, ela ficou arredada com a sobredita explicação.
Por fim importa ter presente que na prova do facto negativo não se pode exigir a certeza lógica, antes estamos no campo de eleição da livre convicção assente em regras de experiência comum, num quadro de razoabilidade, sob pena de se cair na exigência de uma diabólica probatio, em violação do direito fundamental do acesso à justiça.
Assim, julgamos que a sentença recorrida errou manifestamente em matéria de apreciação da prova ao julgar como não provado que a devedora originária, aquando dos períodos tributários objecto da liquidação adicional de IVA aqui impugnadas, estava inactiva desde 1989.
Alteração à decisão recorrida, em matéria de facto
Consequentemente e nos termos do artigo 712º nº 1 do CPC aplicável (o antigo), alteramos a decisão da 1ª Instancia em matéria de facto, nos seguintes termos:
a) A menção de que não se provaram os factos vertidos nos artigos 9º, 20º e 25º da PI é revogada, ficando, em sua substituição a menção de que não ficaram por provar quaisquer facos alegados e relevantes para a decisão da causa.
b) Aos factos provados acrescenta-se, com os fundamentos acima expostos, o seguinte: «A sociedade comercial “A. Lda”, não exerceu qualquer actividade desde o ano de 1989».

C – Julgamento da Impugnação
Resta encontrar o direito aplicável à nova configuração da matéria de facto.

Quanto às liquidações de Imposto:
A sentença recorrida assenta na não prova da inactividade da devedora. Em matéria de direito é, nesta parte, redutível ao seguinte excerto:
«O artigo 28.° do CIVA, na redacção anterior ao Decreto-lei n.° 102/2008, de 20 de Junho, sob a epígrafe "outras obrigações do contribuinte” preceitua o seguinte:
”1 - Para além da obrigação de pagamento do imposto, os sujeitos passivos referidos na alínea a) do n.° 1 do artigo 2.° são obrigados, sem prejuízo do previsto em disposições especiais, a:
a) Entregar, segundo as modalidades e formas prescritas na lei, uma declaração de início, de alteração ou de cessação da sua actividade;
b) (...);
c) Enviar mensalmente uma declaração relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido ou do crédito existente e dos elementos que serviram de base ao respectivo cálculo;
d) Enviar anualmente uma declaração relativa às operações efectuadas no exercício da sua actividade, até 31 de Maio do ano seguinte àquele a que dizem respeito ou, no caso de cessação de actividade, nos 30 dias seguintes à data da cessação;
(...)
2 - A obrigação de declaração periódica prevista no número anterior subsiste mesmo que não haja, no período correspondente, operações tributáveis.
Por sua vez, o artigo 32 ° do CIVA, determinava que no “no caso de cessação de actividade, deve o sujeito passivo, no prazo de 30 dias a contar da data da cessação, entregar a respectiva declaração na repartição de finanças competente
Reportando-se ao conceito de cessação de actividade o artigo 33.° do CIVA dispunha:
“1 - Para efeitos do disposto no artigo anterior, considera-se verificada a cessação da actividade exercida pelo sujeito passivo no momento em que ocorra qualquer dos seguintes factos:
a) Deixem de praticar-se actos relacionados com actividades determinantes da tributação durante um período de dois anos consecutivos, caso em que se presumem transmitidos, nos termos da alínea f) do n.° 3 do artigo 3.°, os bens a essa data existentes no activo da empresa;
b) Se esgote o activo da empresa, pela venda dos bens que o constituem ou pela sua afectação a uso próprio do titular, do pessoal ou, em geral, a fins alheios à mesma, bem como pela sua transmissão gratuita;
c) Seja partilhada a herança indivisa de que façam parte o estabelecimento ou os bens afectos ao exercício da actividade;
d) Se dê a transferência, a qualquer outro título, da propriedade do estabelecimento.
2 - Independentemente dos factos previstos no número anterior, pode ainda a administração fiscal declarar oficiosamente a cessação de actividade quando for manifesto que esta não está a ser exercida nem há a intenção de a continuar a exercer.
E, fínalmente, o artigo 83.° do mesmo diploma legal prescrevia que:
“7 - Se um sujeito passivo não apresentar a declaração periódica no respectivo prazo legal, deverá o Serviço de Administração do IVA proceder à liquidação oficiosa do imposto.
2-(...)
3-(...)
4 - A liquidação referida no n.° 1 ficará sem efeito nos seguintes casos:
a) Se o sujeito passivo, dentro do prazo referido no n.° 2, apresentar a declaração em falta, sem prejuízo da penalidade que ao caso couber;
b) Se a liquidação vier a ser corrigida pela repartição de finanças competente nos termos do artigo 83.°-A.
Ora, em face das citadas disposições legais, e na falta de apresentação das declarações periódicas de IVA nos prazos legalmente determinados e da declaração cessação de actividade da devedora originária, a Administração Tributária estava legitimada a efectuar as respectivas liquidações oficiosas.
Deste modo, actuando a Administração Tributária em conformidade com a lei, era sobre o sujeito passivo que impendia o ónus da prova de factualidade susceptível de demonstrar a inexistência de facto tributário, resultante da alegada inactividade da sociedade/devedora originária desde 3 de Novembro de 1989, caso em que a liquidação do imposto não se poderia manter na ordem jurídica por respeito ao princípio da capacidade contributiva plasmado no artigo 104.° da CRP (cf.. acórdão do STA de 05/07/2012, proferido no processo n.° 0474/11).
No caso vertente, este ónus não foi cumprido pelo impugnante

Em face dos factos dados por provados nesta sede recursiva, aquele ónus foi cumprido pelo impugnante, de onde ao próprio discurso da sentença em matéria de direito se seguiria a procedência da impugnação no que às liquidações de IVA concerne.
Não acompanhamos, contudo, a Mª Juiz a qua quando parece declarar a legalidade absoluta (também material) da actuação da AT, uma vez que essa legalidade, em face do que se provou, era apenas uma legalidade formal e aparente.
Certo: na falta de declarações periódicas a AT “deve” liquidar oficiosamente IVA, como liquidou. Contudo, in casu, nada a impedia de, perante, uma sucessão ininterrupta de 6 anos sem actividade e uma interrupção, sem mais, da entrega de declarações quejandas, antes ela “podia” (cf. nº 2 do artigo 33º do CIVA) supra ter verificado a verdadeira situação da devedora e encerrar ex officio a sua actividade, em lugar de, cedendo à miragem de um contraprincípio tributário, de “prevalência da forma tributável sobre a substância não tributável”, liquidar por atacado cinco anos de períodos de IVA cuja matéria tributável aquelas circunstâncias já indiciavam e, afinal, posto que em juízo, se veio a provar ser meramente putativa.
Note-se que o verbo “poder”, no contexto do artigo 33º nº 2 do CIVA, citado na transcrição supra da sentença recorrida, não significa pura arbitrariedade, antes tem de ser interpretado no sentido de estabelecer uma “discricionariedade”, a qual é sempre orientada para a prossecução do interesse público e vinculada por princípios tributários, tanto constitucionais como ordinários, designadamente o da capacidade contributiva, o da Justiça e o da prevalência da justiça sobre a forma.
Uma vez que foi feita prova, em juízo, pelo sujeito passivo, melhor, in casu, pelo revertido da execução, da inexistência do facto tributário, as liquidações de imposto têm de ser anuladas, porque assentes em erro nos pressupostos de facto, causador de violação de Lei.
O recurso é, assim, procedente no que respeita às liquidações de IVA.

Quanto às coimas:
Como bem se referiu na sentença recorrida, o processo tributário de impugnação não é a sede própria para, mesmo um revertido, impugnar a liquidação de dívidas provenientes de coimas fiscais. Só na oposição, a deduzir na execução fiscal, podia o revertido insurgir-se contra a eventual ilegalidade dessas liquidações no que lhe diz respeito, designadamente por recurso à alínea h) do nº 1 do artigo 204º do CPPT.
Como assim, no que diz respeito à impugnação das coimas, o recurso improcede.

Juros indemnizatórios:
O pedido de juros indemnizatórios haverá de proceder, considerando a procedência parcial da Impugnação e o disposto nos artigos 30º e 43º nº 1 e 4 da LGT, logicamente, sobre o valor da procedência da impugnação, ou seja, 8. 978,36 €, à taxa legal, decorrente da conjugação do citado nº 4 com o nº 10 do artigo 35º da LGT e com o artigo 599º do CC, desde 21/11/2006, data do pagamento do imposto que se veio a revelar indevido (cf. alínea Q) dos factos provados).

Custas:
As custas, ficam a cargo de ambas partes, em ambas as instâncias, na proporção do decaimento, que se fixa em 14,3% para o Impugnante e 85,7% para a AT, conforme decorre do artigo 527º do CPC.

Dispositivo
Pelo exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder parcial provimento ao recurso e:
- Julgar parcialmente procedente a Impugnação, isto é, quanto às liquidações de IVA, no valor de 8 978,36 €, que assim ficam anuladas.
- Julgar improcedente a impugnação quanto às coimas, no valor total de 1 500, 16 €.
- Julgar devido o pagamento, pela AT ao Impugnante, de juros indemnizatórios, desta feita sobre o valor de 8 976,36 €, desde 21/11/2006 (cf. alínea Q) dos factos provados) à taxa legal, até integral pagamento.
- Condenar ambas as partes no pagamento das custas, em ambas as instâncias na proporção de 14,3% para o Impugnante e 85,7% para a AT.

Porto, 8/7/2021

Tiago Afonso Lopes de Miranda, relator, consigno e atesto, nos termos do artigo 15-A do DL nº 10-A/2020 de 13/3, que este acórdão tem voto de conformidade dos restantes membros do colectivo, Desembargadoras:

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento