Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8638/15.5T8CBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS ROBALO
Descritores: PENHORA DE HERANÇA INDIVISA
BENS IMÓVEIS
SEU REGISTO
CONDIÇÃO DE EFICÁCIA
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 781º, Nº 1 DO C. P. CIVIL; AL. C) DO Nº 2 DO ARTIGO 5º DO CÓDIGO DE REGISTO PREDIAL.
Sumário: I – A herança ilíquida e indivisa, como consta do auto de penhora, e bens imóveis á mesma pertencente, constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstrata do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retrativos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos.

II - No artigo 781º do Código de Processo Civil (correspondente ao anterior artigo 862º) estabelece-se as especialidades do procedimento da penhora que tenha por objecto o quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, prescrevendo-se a este respeito no n.º 1 que: “Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efectuada”.

III - No caso em apreço não subsistem dúvidas de que a penhora incidiu não sob uma quota-parte dos imóveis detidos em compropriedade, mas sobre o quinhão hereditário da executada, do qual fazem parte a quota em imóveis, pelo que se entende que a penhora se efetua por notificação, nos termos previstos no artigo 781º do Código de Processo Civil, não estando sujeita a registo.

IV - Não é o registo condição de eficácia ou constitutivo desta penhora, pois que ainda que do quinhão penhorado façam parte imóveis, móveis ou direitos sujeitos a registo, tal penhora não se encontra sujeita a registo, no sentido em que tal registo não é necessário à sua oponibilidade perante terceiros, por não se concretizar em bens certos e determinados, integrando assim a exceção consagrada na al. c) do nº 2 do artigo 5º do Código de Registo Predial.

Decisão Texto Integral:



Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

Proc.º n.º 8638/15.5T8CBR-B.C1

                                               1.- Relatório

1.1.- O exequente Banco C..., S. A., com sede na ..., intentou a presente execução contra o executado R..., residente na Rua ..., pedindo o pagamento pelo mesmo da quantia de €6.238,19, acrescida de juros, desde 9/10/2015 até efetivo pagamento, ás taxas de 15,226% e de 9% sobre 2.022,78€ e sobre 3.148,52€, respetivamente.

Feitas as respetivas diligências foram penhorados ao executado R..., o quinhão hereditário que o mesmo detém na herança com o NIF ..., aberta por óbito de M... e o quinhão hereditário que o mesmo detém na herança com o NIF ..., aberta por óbito de A... (cfr. auto de penhora datado de 14/12/2017).

1.2. O exequente fez um requerimento ao processo do seguinte teor:

… tendo sido notificado pelo solicitador de elementos respeitantes ás heranças que o executado é beneficiário, vem, atendo ao que dos mesmos autos consta, requerer a V.Ex.ª que se digne ordenar a notificação do solicitador de execução para proceder á penhora dos quinhões hereditários do executado nas heranças com os NIFS ...

Relembra-se que o quinhão hereditário mesmo contendo imóveis ou parte de imóveis não está sujeito a registo…”.

1.3- Foi proferida decisão a julgar juridicamente inexistente a penhora de quinhão hereditário em herança indivisa composta por bens sujeitos a registo que não foi efetuada mediante a inscrição da penhora nos respetivos serviços de registo, do teor que se transcreve:

Embora não ignorando que a questão não é uniforme na jurisprudência dos Tribunais, em nosso entender, e sempre salvo todo o respeito por diferente e melhor juízo, a penhora de quinhão hereditário (penhora de direitos) sobre uma herança indivisa constituída por bens imóveis (ou outros bens sujeitos a registo) efetua-se de acordo com o art.º 755.º CPC, “ex vi” art.º 783.º CPC [sobre o tema: RUI PINTO, “Manual da Execução e Despejo”, 1.ª edição, páginas 653 a 657].

Isto é, a penhora em si mesma consiste na inscrição no registo predial – na descrição na Conservatória do Registo Predial de cada um dos prédios que integram a herança – do registo da penhora do quinhão hereditário do Executado na herança indivisa.

Efectuada a penhora pelo seu registo predial, impõe-se a elaboração de Auto de Penhora com identificação dos imóveis pertencentes à herança indivisa cujo quinhão do Executado se encontra penhorado.

Após, terá lugar a notificação da penhora ao Executado nos termos gerais (art.º 753.º CPC) e a notificação (notificação que não é constitutiva do acto de penhora – ao contrário do que sucede quando se trata de bens móveis – art.º 781.º/1 CPC) do cabeça-de-casal da herança e dos restantes contitulares da herança dando-lhes a conhecer que a disponibilidade jurídica da quota hereditária passou pela penhora para o Agente de Execução e dando-lhes a possibilidade, nomeadamente, de se pronunciarem sobre quem fica como depositário e de autorizarem ou requererem que a futura venda abranja toda a herança indivisa e não apenas a quota penhorada (art.º 781.º/3 CPC).

O Código do Registo Predial prevê expressamente esta penhora [art.º 101.º/1/e)]  determinando que se regista por averbamento às respetivas inscrições “... a penhora do direito de algum ou de alguns dos titulares da inscrição de bens integrados em herança indivisa, a declaração de insolvência que afecte este direito, bem como os procedimentos que tenham por fim o decretamento do arresto, do arrolamento ou de quaisquer outras providências que afetem a livre disposição desse direito;” (não sendo do nosso conhecimento qualquer recusa de registo pelos serviços de registo com fundamento em se tratar de acto não sujeito a registo).

Com efeito, a não aplicação das normas da penhora de imóveis (ou equiparados) à penhora de quinhão hereditário em herança indivisa que inclui bens sujeitos a registo seria incoerente com a forma como o Código Civil regula a alienação desse quinhão hereditário.

Na verdade, o art.º 2126.º/1 CC impõe que a alienação de quinhão hereditário (incluindo, obviamente, a venda por negociação particular em ação executiva) em herança indivisa seja feita por escritura pública ou documento particular autenticado sempre que nela se incluem bens cuja alienação deva ser feita por uma dessas formas. Deste modo, coerentemente, também a penhora de quinhão hereditário em herança indivisa deve ser efetuada por inscrição nos serviços de registo sempre que a herança indivisa inclua bens cuja penhora deve ser efetuada mediante inscrição no respetivo serviço de registo.

O registo predial da penhora do quinhão hereditário nos serviços de registo dos respetivos bens que integram a herança indivisa tem não só a função constitutiva de tal penhora, como a função de dar publicidade para os restantes herdeiros/interessados e para terceiros de que existe uma penhora sobre o quinhão hereditário de determinado herdeiro/interessado.

Mesmo para a jurisprudência que defende a não obrigatoriedade do registo, no confronto entre uma penhora registada e outra não registada, sempre esta, mesmo que anterior, teria que ceder prioridade à penhora registada, pois não se trata de acto não passível de registo, pelo contrário, trata-se de acto cujo registo tem expressa consagração no Código do Registo Predial.

O registo da penhora obriga a que os prédios da herança se encontrem inscritos em comum a favor dos herdeiros sem determinação de parte ou direito e a venda executiva do quinhão hereditário implicará também a substituição no registo do Executado pelo futuro Adquirente nessa titularidade da herança indivisa à qual pertencem os bens.

Convém ainda realçar que sem a garantia acrescida da publicidade e proteção das regras do registo, a dissipação do direito em venda (quinhão hereditário), cujo mercado comercial é já reduzidíssimo (uma herança tem ativos mas também tem passivos e muitas vezes desconhecidos), fica totalmente na disponibilidade prática dos herdeiros, pelo que não é possível angariar (fora dos co-herdeiros) interessados em comprar um direito que sabem não ter qualquer consistência jurídica forte e que poderá nunca vir a ter tradução em bens da herança ou implicar futuras litigâncias com terceiros compradores de boa fé que regularmente registaram a seu favor no respetivo serviço de registo a aquisição de bens da herança indivisa.

Apenas com a segurança jurídica do registo se obsta a que os herdeiros efectuam a partilha da herança indivisa ou a que os herdeiros alienem bens da herança indivisa a terceiro de boa fé. Caso contrário, serve a penhora do quinhão hereditário apenas para o Exequente pressionar o Executado, mantendo pendente a ação executiva que não se extingue por falta de bens porque há um direito penhorado (em regra a penhora do quinhão hereditário só surge quando não há outros bens penhoráveis) e eternizando sem fim à vista a execução dado que o direito penhorado não tem qualquer exequibilidade real.

Pelo exposto, o Tribunal decide:

1) Julgar juridicamente inexistente a penhora de quinhão hereditário em herança indivisa composta por bens sujeitos a registo que não foi efetuada mediante a inscrição da penhora nos respetivos serviços de registo.

Notifique”.

1.3. Inconformado com tal decisão dela recorreu o exequente C..., S.A., terminando a sua motivação com a conclusão que se transcreve:

“Em conclusão, portanto, no entender do recorrente, o despacho recorrido viola o disposto quer no artigo 781o, no 1, do Código de Processo Civil, quer no artigo 2o, no 1, do Código do Registo Predial, quer no artigo 11o do Código Civil, pelo que, por violação dos citados preceitos, o presente recurso deve ser julgado procedente e provado o despacho recorrido ser substituído por Acórdão que considere válido a penhora do quinhão hereditário em causa, e consequentemente a mesma existente.”

1.3. – Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. não houve resposta.

1.4. – Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

O recurso é de apelação; e

Sobe imediatamente, em separado, e com efeito meramente devolutivo.

Fixa-se à causa o valor de €.6.238,19”.

1.5. –Colhidos vistos cumpre decidir.

                                               2. – Fundamentação


Os factos são os constantes do relatório supra.                                                        3. Motivação

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608º, n.º 2, 635º, n.º 4 e 639º, todos do C.P.C.).

Assim, a questão a decidir consiste em saber se a penhora de quinhão hereditário (penhora de direitos) sobre uma herança indivisa constituída por bens imóveis (ou outros bens sujeitos a registo) está sujeita a registo para produzir os deus efeitos.

Segundo o recorrente o despacho recorrido viola o disposto quer no artigo 781.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, quer no artigo 2.º, n.º 1, do Código do Registo Predial, quer no artigo 11.º do Código Civil, pelo que pugna pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que considere válida a penhora do quinhão hereditário em causa.

Vejamos:

No artigo 781º do Código de Processo Civil (correspondente ao anterior artigo 862º) estabelece-se as especialidades do procedimento da penhora que tenha por objecto o quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, prescrevendo-se a este respeito no n.º 1 que: “Se a penhora tiver por objecto quinhão em património autónomo ou direito a bem indiviso não sujeito a registo, a diligência consiste unicamente na notificação do facto ao administrador dos bens, se o houver, e aos contitulares, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação efectuada”.

Relativamente às regras da sucessão, esta “abre-se no momento da morte do seu autor”, sendo então “chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis, desde que tenham a necessária capacidade” – cf. artigos 2031º e 2032º, nº. 1, ambos do Cód. Civil.

Pelo acto de aceitação da herança adquire-se “o domínio e posse dos bens (…), independentemente da sua apreensão material”, retroagindo-se os efeitos daquela “ao momento da abertura da sucessão” – cf. artº. 2050º do Cód. Civil.

Todavia, só com a partilha “cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos” – cf. artº. 2119º do mesmo diploma -, no que se traduz a retroactividade do acto de partilha.

Verifica-se, assim, que a herança ilíquida e indivisa, como consta do auto de penhora, e bens imóveis á mesma pertencente, constitui um património autónomo, sendo que com o acto de aceitação os herdeiros apenas assumem uma quota ideal e abstrata do todo hereditário, pois só com a partilha, ainda que com efeitos retrativos à abertura da herança, é que cada um dos herdeiros fica a conhecer e obtém a qualidade de sucessor dos concretos bens que lhe foram atribuídos (cfr. Acórdão do STJ de 02/06/1993, Relator: Calixto Pires, Processo nº. 003587, in www.dgsi.pt, bem como o Ac. do mesmo Tribunal (STJ) de 21-04-2009 (relatado por Azevedo Ramos), em cujo sumário se destaca: “IV – A comunhão hereditária, geralmente entendida como universalidade jurídica não se confunde com a compropriedade, uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa. V- Da aceitação sucessória apenas decorre diretamente para cada um dos chamados o direito a uma quota hereditária. VI- Os herdeiros são titulares apenas de um direito à herança, universalidade de bens, ignorando-se sobre qual ou quais esse direito ficará a pertencer, se só a alguns ou a um, sendo os demais compensados em tornas. VII – Enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão nenhum dos herdeiros tem “direitos sobre bens certos e determinados”, nem “um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um “. VIII – Até à partilha, os herdeiros são titulares, tão somente, do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar. IX – Só depois da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário ou comproprietário de determinado bem da herança”.

Ou seja, aceite a herança, como universalidade de direito que é, o património hereditário, apesar de devidamente titulado, continua indiviso até ser feita a partilha.    Pelo que até á realização desta cada um dos herdeiros “apenas tem, na sua esfera jurídica individual, no seu património próprio, o direito a uma quota ou fração ideal do conjunto” (cfr. o aresto da RP de 29/01/2015, Relator: José Amaral, Processo nº. 164/03.1TABGC-C.G1.P1), e não o direito a uma parte específica ou concretizada dos bens que constituem o acervo hereditário (cfr. RP de 07/07/2005 – Relator: Fonseca Ramos, Processo nº. 0553551, in www.dgsi.pt -, citando Lebre de Freitas - Código de Processo Civil Anotado, vol.3º, pág. 371 – que “havendo um património autónomo coletivo, como é o caso da herança, cada um dos contitulares tem nele um quinhão, que constitui uma fração do todo, não concretizada sobre as coisas que o integram, e só através da ulterior operação de partilha dos bens do património é que o direito de cada um passa a incidir sobre coisas determinadas, cessando a comunhão”).

Nas palavras do Acórdão do STJ de 26/01/1999, Silva Paixão, Processo nº. 1214/98, BMJ nº. 483, pág. 211 a 214, a “comunhão hereditária, geralmente entendida como uma universalidade jurídica, não se confunde com a compropriedade (cfr. nº. 1 do artigo 1403º do C. Civil), uma vez que os herdeiros não são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.

Pelo que até á partilha “os herdeiros são titulares tão-somente do direito a uma fração ideal do conjunto, não podendo exigir que essa fração seja integrada por determinados bens ou por uma quota em cada um dos elementos a partilhar”, pois enquanto a herança se mantiver no estado de indivisão “nenhum dos herdeiros tem «direitos sobre bens certos e determinados», nem «um direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota-parte em cada um deles»”, sendo certo que “aos herdeiros, individualmente considerados, não pertencem direitos específicos (designadamente uma quota) sobre cada um dos bens que integram o património hereditário”.

Deste modo, “só depois da realização da partilha é que o herdeiro poderá ficar a ser proprietário de determinado bem da herança”, pois, conforme se depreende do artº. 2119º do Cód. Civil, só a partilha “«extingue o património autónomo da herança indivisa», retroagindo os seus efeitos ao momento da abertura da sucessão” (cfr. cfr. Ac. do STJ de 09/02/2012 – Relator: Silva Gonçalves, Processo nº. 2752/07.8TBTVD.L1.S1, in www.dgsi.pt e Pires de Lima e Antunes Varela – Código Civil Anotado, Vol. VI, págs. 195, 196 e 203 -, a partilha “converte os vários direitos a uma simples quota (indeterminada) de um todo (determinado) em direito exclusivo a uma parcela determinada do todo”.

A respeito refere Remédio Marques (CPex, p. 242) que “se o objecto do direito numa compropriedade ou num património autónomo for um imóvel, não se segue o regime da penhora de imóveis (…). Esta penhora não é, por conseguinte registável, «… uma coisa é a penhora de parte em património autónomo ou universalidade – bens comuns, herança – onde caibam bens imóveis, outra coisa é a penhora de bens imóveis em compropriedade. Na verdade, é só no primeiro caso que não há lugar a registo, porquanto o que é penhorado é a parte no direito à universalidade, e não as quotas-partes nos direito que a compõe, não se conhecendo se virão a calhar ao executado imóveis ou móveis sujeito a registo – assim, neste sentido e só para esta hipótese, Alberto dos Reis, PEx II, cit, 224-225 e RP 16-1-1974, BMJ 233-243; já no segundo caso deve ser levado a cabo o registo».

Ora, no caso em apreço não subsistem dúvidas de que a penhora incidiu, não sob uma quota-parte de imóveis detidos em compropriedade, mas sobre o quinhão hereditário da executada, do qual fazem parte a quota dos ditos imóveis, pelo que, pelas razões acima apontadas, se entende que a penhora se efetua por notificação, nos termos previstos no artigo 781º do Código de Processo Civil, não estando sujeita a registo.

Neste sentido veja-se, entre outros, o recente acórdão da Relação de Lisboa de 11/04/2019, proc. n.º 171/17.7T8MFR.L1-6, relatado por Cristina Neves, onde se conclui que: «I - A penhora do direito do executado a herança indivisa efetua-se mediante notificação do facto ao cabeça-de-casal e aos demais herdeiros, com a expressa advertência de que o direito do executado fica à ordem do agente de execução, desde a data da primeira notificação.

 Esta penhora não está sujeita a registo, ainda que na herança se integrem bens imóveis ou móveis sujeitos a registo, por não se concretizar em bens certos e determinados, integrando a exceção consagrada na al. c) do nº 2 do artigo 5º do Código de Registo Predial.».

Em sentido idêntico vejam-se ainda os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29/05/12 (Salazar Casanova), proferido no proc. n.º 1718/03.1TBILH.C1.S1, e de 30/03/06 (Pereira da Silva), proferido no Proc. nº 05B3646; da Relação do Porto de 13/05/2003 (Cândido Pelágio Castro Lemos), proc. 0322275, e de 27/04/2004, (Emídio Costa), proc. n.º 0421355); o Ac. do TRC de 28/06/17, proc.º n.º 947/15.0T8CBR-B.C1, relatado por Maria João Areias e o Ac. R. Lisboa de 21 de Março de 2019, proc.º n.º 5863/10.9TBCSC-A.L1-2, relatado por Arlindo Crua, bem como Vaz Serra in Realização Coactiva da Prestação, B.M.J. nº. 73, pág. 297, onde refere “a penhora do direito a herança indivisa não está sujeita a registo, nem pode ser registada, porque o direito à herança não partilhada é um direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se que bens virão a formar a parte do executado. Não há, pois, bens determinados sobre que possa fazer-se o registo. O registo apenas poderá e deverá efetuar-se quando os bens se determinarem, sobre aqueles que, pelo seu caráter de inscrevíveis no registo, sejam suscetíveis de sobre eles se registarem direitos […]. Se, feita a partilha, ao executado couberem bens dessa espécie, sobre eles deve então registar-se a penhora".

Nem o art.º 101.º do CRPredial, aludido na decisão recorrida, impõe essa obrigatoriedade (cfr. Ac. da Rel. de Lisboa supra citado, datado de 11/04/2019, proc. n.º 171/17.7T8MFR.L1-6), onde se refere:

Não é igualmente, conforme acima se referiu, o registo condição de eficácia ou constitutivo desta penhora, pois que “ainda que do quinhão penhorado façam parte imóveis, móveis ou direitos sujeitos a registo, tal penhora não se encontra sujeita a registo, no sentido em que tal registo não é necessário à sua oponibilidade perante terceiros, por não se concretizar em bens certos e determinados, integrando assim a exceção consagrada na al. c) do nº 2 do artigo 5º do Código de Registo Predial.” (cfr. AC. Rel. de Coimbra, de 28/06/17, relatora Maria João Areias, proferido no Proc. nº 947/15.0T8CBR-B.C1, disponível para consulta in www.dgsi.pt ;

O que não significa, cfr anotação ao Ac. acima referido, que “não seja registável, nada obstando a que, uma vez penhorado o direito do executado a determinada herança indivisa ou a meação em comunhão conjugal dissolvida, se proceda à sua inscrição no registo relativamente a cada um dos bens imóveis que dela fazem parte. Tal registo encontra o seu fundamento no artigo 101º, nº 1, al. e), do Código de Registo Predial. Ao prescrever que é por averbamento à respetiva inscrição que se faz “o registo da penhora que tenha por objeto o direito de algum ou alguns dos titulares da inscrição de bens integrados em herança indivisa”, está-se a contemplar a genérica registabilidade dos factos jurídicos atinentes à quota-parte que cada herdeiro possua na herança – neste sentido o Parecer do IRN, Pº nº R.P. 52/2010 SJC-CT. (cfr. RP 148/2009 SJC/CT, e parecer no RP 21/2013 SJC/CC, todos disponíveis in site do Instituto de Registo e Notariado. Consta deste último parecer que “o acto de registo se fará com base na comprovação da referida notificação, ou, alternativamente, com base na declaração do agente de execução de que tal notificação ocorreu em certa data.”).

Não é condição de eficácia, pois que a penhora de um direito não se confunde com a penhora de uma quota ou quinhão em bem certo e determinável, sendo os contitulares referidos os contitulares do direito e não dos bens que se integrem neste direito (cfr. parece entender a decisão recorrida), uma vez que o titular do direito a herança ilíquida e indivisa, antes de se realizar a partilha não tem qualquer “direito real sobre os bens em concreto da herança, nem sequer sobre uma quota parte em cada um deles”; o que tem é um “direito de quinhão hereditário, ou seja à respetiva quota parte ideal da herança global em si mesma.” (cfr. R. Capelo de Sousa, in Lições de Direito das Sucessões, Vol. II, 2ª edição, pág. 90.).

Com efeito, “o quinhão hereditário – rectius, os factos ou situações jurídicas que o tomem por objeto (cfr. artigo 2124.º e seguintes do CC), incluindo a primitiva aquisição dele a favor do herdeiro, por aceitação da herança – não é, nem pode ser, “coisa” sujeita a registo, entendida a expressão no sentido de que precisem tais factos da sua publicidade para se tornarem oponíveis diante de terceiros, e é precisamente por isso que não se concretiza, o quinhão, em bens certos e determinados, de acordo com a alínea c) do n.º 2 do artigo 5.º do CRPredial. O quinhão é-o do património autónomo, correspondente à herança na complexa, dinâmica e fluida multiplicidade dos seus elementos.

De acordo com MOTA PINTO: “o caso mais nítido e claro de património autónomo no direito privado português é a herança”. Prevê a alínea e) do n.º 1 do artigo 101.º do CRPredial que é por averbamento à respetiva inscrição de aquisição em comum e sem determinação de parte ou direito (artigo 49.º do CRPredial), que se faz o registo da penhora que tenha por objeto o direito de algum ou alguns dos titulares da inscrição de bens integrados em herança indivisa, pelo que, está evidentemente, contemplada a genérica registabilidade dos factos jurídicos atinentes à quota-parte que cada herdeiro possua na herança. Ainda de acordo com o citado parecer Pº RP 148/2009 SJC-CT, que apesar desse registo poder ser feito, o mesmo não é condição de eficácia do facto perante terceiros. A publicidade daí resultante é meramente enunciativa: o registo informa, divulga, dá notícia do facto e nada mais.” (cfr. A penhora e os seus Efeitos Registais, mestrado de Ana Luísa Matos Morim da Silva, IPP/2003, págs. 48 e 49).

Neste sentido, os atos de disposição ou oneração dos bens penhorados não são oponíveis ao exequente mas, para além disso “nenhum motivo existe para que se lhes negue eficácia”, constituindo uma consequência meramente adjetiva derivada do registo, que não destrói (apenas condiciona) a essência substantiva do direito”.

Face ao exposto, a pretensão do recorrente é acolhida, desde logo porque o direito à herança não partilhada é um direito a uma parte indeterminada de bens, desconhecendo-se que bens virão a formar a parte do executado.

                                                        4- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se, em julgar procedente o recurso e, por consequência, revoga-se o despacho recorrido e substitui-se por outro a julgar válida a penhora do quinhão hereditário em causa

Sem custas.

Coimbra, 27/4/2021

Pires Robalo (relator)

Sílvia Pires (adjunta)

Jaime Carlos Ferreira (adjunto)