Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1028/20.0T8LRA-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: AVALIAÇÃO DE IMÓVEIS
SEGUNDA PERÍCIA
Data do Acordão: 04/13/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 487.º DO CPC
Sumário: I) Estando em causa a determinação pericial do valor de mercado de um imóvel, é razoável uma metodologia de avaliação que se traduz no apuramento da média aritmética entre os resultados de três métodos avaliativos previamente explanados (método do custo de reposição/substituição, método comparativo de mercado e método de rendimento ou capitalização de rendas), assim se alcançando o que pareceu ao perito ser o valor de mercado do imóvel.

II) As razões da discordância do relatório pericial apresentado pela primeira perícia que conferem a possibilidade de se requerer uma segunda perícia devem evidenciar que o resultado alcançado naquela está errado ou, pelo menos, suscita dúvidas razoáveis quanto ao seu mérito, quer no tocante às premissas de que partiu, quer relativamente à conclusão a que chegou.

III) Não deve ser deferida a realização de uma segunda perícia de avaliação de um imóvel se a parte que a requer se limita a indicar um ou mais critérios que considere alternativos ou preferíveis ao que foi utilizado pelo perito interveniente na primeira perícia.

Decisão Texto Integral:


Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos de insolvência de A… a correr termos pelo Juízo de Comércio de Leiria, Comarca de Leiria, foi determinada a realização de uma perícia tendo por objecto a avaliação de um imóvel da massa insolvente composto por uma moradia para habitação, tipo T-4, composta de rés-do-chão, primeiro andar e logradouro, sita na Rua….

Efectuada a perícia por um único perito, apresentou este o respectivo relatório no qual concluiu pelo valor de € 165.000,00 após fundamentação em que explanou a metodologia seguida.

Notificada, veio a devedora/insolvente requerer uma segunda perícia porquanto aquela que se acha plasmada no relatório junto aos autos parte de três valores distintos para daí extrair o valor do imóvel através de uma média aritmética entre eles; além disso, através de uma simples pesquisa na net nos diversos sites disponíveis sobre imobiliário, encontram-se valores superiores até para imóveis de “menor dimensão” e com “piores características”.

Sobre esta pretensão recaiu o despacho de 24.12.2020 no qual se indeferiu a requerida segunda perícia.

Inconformada, deste despacho recorreu a devedora, recurso admitido como de apelação, a subir em separado, imediatamente e com efeito meramente devolutivo.

Foram dispensados os vistos.

Não há quaisquer factos a considerar para a decisão para além dos elementos que decorrem do relatório antecedente.

Apreciando.

A apelação.

A única questão recursiva reside em saber se está preenchido o condicionalismo legal que permite requerer uma segunda perícia, isto é, uma segunda avaliação do imóvel em causa.

Entendeu-se na decisão recorrida que não.

Julgamos que com acerto.

Se não vejamos.

A prova pericial tem um objecto previamente definido sobre o qual deve incidir a actividade do perito ou peritos nomeados, vindo a culminar no chamado relatório pericial.

Nos termos do nº 2 do art.º 485 do CPC, uma vez notificadas da apresentação do relatório pericial, as partes podem formular reclamação contra a sua eventual deficiência, obscuridade ou contradição. Tratam-se aqui que vícios formais que afectam a solidez lógico-formal do relatório.

Não existindo estes vícios, a lei processual civil permite no art.º 487 do CPC que a parte requeira a chamada segunda perícia.

Estabelece este artigo:

“1. Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.

2. O tribunal pode ordenar oficiosamente e a todo o tempo a realização de segunda perícia, desde que a julgue necessária ao apuramento da verdade.

3. A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta.”

Nesta segunda perícia pretende-se que a eventual falta de rigor ou, como diz a lei, a “eventual inexactidão dos resultados” da primeira perícia, seja corrigida. P. ex., invocaram-se premissas erradas ou extraiu-se uma conclusão que peca por errada ou duvidosa: a parte que se considera prejudicada, apontando esse concreto erro ou falha de rigor, requer então uma segunda perícia. Tem-se aqui em vista um aparente demérito da primeira diligência pericial que legitimamente permite duvidar da justeza da conclusão extraída na perícia: assim sendo, a parte aponta “os pontos fracos” da primeira perícia e pede a realização de uma segunda perícia.

A segunda perícia não tem lugar segundo o arbítrio da parte ou para a satisfação de um mero capricho. Tem de assentar numa necessidade objectiva de um aperfeiçoamento ou melhor explicação do resultado da primeira, por ser evidente que este está errado, ou por haver dúvidas razoáveis sobre o seu mérito, seja ao nível das premissas de que partiu seja no plano da conclusão a que chegou.

Precisamente porque é o mérito da perícia que é posto em crise é que a lei na alínea a) do art.º 488 do Código não permite que o perito da primeira perícia intervenha na segunda.

Perante o art.º 613 do Código de 39 – onde não constava a actual exigência de fundamentação do requerimento discordância do resultado da primeira perícia – assinalava já Alberto dos Reis, a respeito da admissibilidade de um segundo arbitramento[1]: “Parte-se da hipótese de que os primeiros peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem (…) Imagine-se que o laudo está mal fundamentado ou insuficientemente fundamentado; é legítima a aspiração a laudo mais convincente, a laudo apoiado em justificação mais concludente”[2].    

No caso vertente, estando em causa a avaliação de um imóvel, o sr. perito lançou mão de uma metodologia específica: apurou a média aritmética entre os resultados de três métodos avaliativos previamente explanados (método do custo de reposição/substituição, método comparativo de mercado e método de rendimento ou capitalização de rendas) e por essa via alcançou o que lhe pareceu ser o valor de mercado do imóvel.

A metodologia usada é razoável e mostra-se suficientemente explicada.

A devedora diz discordar desta metodologia mas verdadeiramente não indica razões para o seu afastamento. Aliás, não chega a afirmar que ela deve ser rejeitada: limita-se a dizer que uma simples pesquisa na internet de sites de venda de imóveis permite encontrar preços de valor superior para imóveis “de idênticas características”. A segunda perícia não pode reduzir-se à mera proposta de um outro critério de avaliação. Aliás, a devedora nem sequer contrapõe um critério de avaliação atendível visto que a avaliação de um imóvel não pode decorrer do mero confronto com os anúncios de preços pedidos pelos vendedores, anúncios esses muitas vezes especulativos e, por conseguinte, sem a menor adesão ao real valor de mercado dos bens correspondentes.

Ou seja, a recorrente não expressa uma fundamentação aceitável para a sua discordância face ao silogismo pericial conducente ao valor atribuído ao imóvel.

Pelo exposto, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, não estão reunidas as condições legais para que seja deferida a requerida segunda perícia.

O recurso soçobra necessariamente.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirmam a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

                        Coimbra, 13 de Abril de 2021

                                   (Freitas Neto – Relator)

                                   (Paulo Brandão)

                                   (Carlos Barreira)       

 

 


[1] Arbitramento que compreendia as modalidades de exame, vistoria ou avaliação.
[2] Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, V. IV, pág.s 297 e 302.