Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
111/19.9GBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE FRANÇA
Descritores: PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR
CONTAGEM DA PENA
REGIME APLICÁVEL
Data do Acordão: 01/19/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE ALCOBAÇA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 69.º DO CP; ART. 4.º E 479.º DO CPP
Sumário: À contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados prevista no artigo 69.º do CP não são de aplicar as normas dos artigos 296.º e 297.º do CC, mas sim, por analogia, as regras contidas no artigo 479.º do CPP, que regulam o cômputo da pena de prisão.
Decisão Texto Integral:







ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

No Juízo Local Criminal de Alcobaça, Comarca de Leiria, no Processo Comum (singular) que aí correu termos sob o nº 111/19.9GBACB, em que é arguido M., após realização da audiência de julgamento, viria a ser proferido despacho do seguinte teor (transcrição):

Nos presentes autos foi o arguido condenado na pena acessória de 7 meses de proibição de conduzir veículos motorizados.

Procedeu à entrega da sua carta de condução em 21.11.2020.

Nos termos do artigo 500º, n.º 4º do CPP “a licença de condução fica retida na secretaria do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição” e “decorrido esse período a licença é devolvida ao titular”. De acordo com o n.º 2, “no prazo de 10 dias a contar do trânsito em julgado da sentença, o condenado entrega na secretaria do tribunal, ou em qualquer posto policial, que a remete àquela, a licença de condução, se a mesma não se encontrar já apreendida no processo” e com o n.º 3, “se o condenado na proibição de conduzir veículos motorizados não proceder de acordo com o disposto no número anterior, o tribunal ordena a apreensão da licença de condução”.

Na falta de disposição legal que expressamente preveja o computo da pena acessória de proibição e conduzir veículos motorizados, afigura-se-nos possível recorrer analogicamente às regras processuais para o computo da pena de prisão. Efetivamente, não obstante a pena acessória de proibição de conduzir não consubstancie uma pena privativa da liberdade, ela consubstancia, indubitavelmente, uma pena.

É que o artigo 4º do Código de Processo Penal (Integração de lacunas) preceitua expressamente que “nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.

Discordamos assim da posição assumida pelo Digno Magistrado do Ministério Público na d. promoção que antecede, na medida em que não vislumbramos fundamento legal para aplicação ao caso do artigo 279.º do Código Civil ao computo do prazo da pena acessória, com evidente caracter sancionatório. Parece-nos na verdade que a alusão a prazo constante do n.º 6 do artigo 69.º do código Penal se refere a “período de tempo de duração da proibição”, expressão que, aliás, é usada no n.º 4 do artigo 500º do Código de Processo Penal. Parece-nos, aliás, que a mera leitura do artigo 279.º do código civil permite inferir que o mesmo não é aplicável à execução da pena acessória, bastando para tanto atentar na alínea e) do referido preceito.

Estabelece o artigo 479.º do CPP

1 - Na contagem do tempo de prisão, os anos, meses e dias são computados segundo os critérios seguintes:

a) A prisão fixada em anos termina no dia correspondente, dentro do último ano, ao do início da contagem e, se não existir dia correspondente, no último dia do mês;

b) A prisão fixada em meses é contada considerando-se cada mês um período que termina no dia correspondente do mês seguinte ou, não o havendo, no último dia do mês;

c) A prisão fixada em dias é contada considerando-se cada dia um período de vinte e quatro horas, sem prejuízo do que no artigo 481.º se dispõe quanto ao momento da libertação.

2 - Quando a prisão não for cumprida continuamente, ao dia encontrado segundo os critérios do número anterior acresce o tempo correspondente às interrupções.

Já o artigo 24.º do Código de Execução de Penas, quanto ao cumprimento da pena de prisão que “1 - A libertação tem lugar durante a manhã do último dia do cumprimento da pena. 2 - Se o último dia do cumprimento da pena for sábado, domingo ou feriado, a libertação pode ter lugar no dia útil imediatamente anterior se a duração da pena justificar e a tal se não opuserem razões de assistência. (…)”.

Por outro lado, inexistindo disposição expressa quanto ao inicio da contagem da referida pena parece-nos evidente que o cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir se inicia, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, no dia em que se verificou a entrega do título de condução, em consonância com o preceituado no artigo 182º, nº 3, alínea a), do Código da Estrada, relativo ao cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir, que estabelece que “sendo aplicada sanção acessória, o seu cumprimento deve ser iniciado no prazo previsto no n.º 1, do seguinte modo: a) Tratando-se de inibição de conduzir efetiva, pela entrega do título de condução à entidade competente”.

Assim, é entendimento deste Tribunal que tendo o arguido procedido à entrega da sua carta de condução no dia 21.11.2020 é esse o primeiro dia de cumprimento da pena acessória.

Efectivamente tem sido este o entendimento adoptado pelos nossos Tribunais superiores.

Neste sentido veja-se, a titulo exemplificativo, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 04.02.2021, proferido no processo n.º 778/07.0PAOLH-A.E1, salientou que “O cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir só se inicia, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, no dia em que se verificou a entrega do título de condução no Tribunal a quo, à ordem do processo”, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05.12.2007, proferido no processo n.º178/06.OGTCBR onde se escreve “O cumprimento da pena acessória de proibição de conduzir só se inicia, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, no dia em que se verificou a entrega do título de condução” (sublinhado nosso).

Também o acórdão do Tribunal da relação do Porto, de 02.02.2011, proferido no processo n.º 136/10.0GCOVR.P1 no qual se escreve “Se é certo que a pena acessória de proibição de conduzir produz efeitos a partir do trânsito em julgado da condenação, também o é que a sua execução não se inicia sem que o título de condução esteja junto ao processo.” E ainda que “Duas diferentes situações de facto, comummente, há, desde logo, a considerar: 1. a licença de condução não se encontra apreendida no processo; 2. a licença de condução já se encontra apreendida no processo. Na 1ª hipótese, o cumprimento da pena acessória começa a partir do momento em que tal documento, porque foi entregue voluntariamente pelo condenado no prazo de 10 dias a contar do trânsito no tribunal ou em qualquer posto policial, quer porque foi apreendido por ordem do tribunal face à não entrega voluntária, deixa de estar na posse do condenado e passa a ficar à ordem do tribunal pelo período de tempo que durar a proibição, após o que será devolvido àquele.” (sublinhado nosso).

Ora, perguntamos nós, se o cumprimento da pena acessória, a sua execução, se inicia com a entrega da carta de condução, precisamente no momento em que o titulo é entregue, que sentido faz que o seu computo se inicie apenas no dia seguinte à entrega do titulo? Não nos parece, sem quebra de vénia por distinta opinião, razoável tal entendimento, que ademais se mostra prejudicial ao condenado.

Tal entendimento – de que o cumprimento da pena acessória e consequentemente o seu computo se inicia com a entrega/remessa do titulo de condução e não no dia subsequente - foi adoptado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de proferido no processo n.º 230/18.9PTCBR.C1, no qual tendo a carta de condução sido remetida aos autos em causa em 13.05.2020, o Tribunal da Relação liquidou tal pena entendendo que o seu terminus ocorreria em 13.02.2021 e ainda no acórdão de 04.12.2019, dessa mesma Relação, proferido no processo n.º 37/17.0PTLRA-A.C1 que confirmou o entendimento do recorrente no sentido de que “3.O arguido entregou a sua carta de condução, em 19.09.2018, para cumprimento da sanção acessória de inibição de conduzir em que foi condenado. 4. O início de contagem do cumprimento sanção acessória de inibição ocorreu em 19.09.2018, 5. A referida sanção acessória de inibição de conduzir tem-se por cumprida em 19.12.2018.”

Expressamente sobre a questão em causa pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.06.2021, proferido no processo n.º 54/18.3GCACB-A.C1, com o seguinte sumário: I - Não constituindo um efeito de qualquer pena, a proibição de conduzir veículos motorizados a que se refere o art.º 69.º, do Código Penal é uma verdadeira pena acessória. II – Em cuja contagem não são de aplicar as normas previstas nos artigos 296.º e 297.º do Código Civil, mas sim, por analogia, as normas relativas à contagem da pena de prisão. III - O cumprimento desta pena acessória de inibição de conduzir inicia-se com a entrega voluntária da licença de condução ou, caso não se verifique tal entrega, com a sua apreensão. IV– Por isso, in casu, fixada a sua duração pelo período de seis meses, uma vez que o arguido entregou a carta de condução no dia 25.09.2020, foi nesse dia que se iniciou a execução da referida pena acessória. E, V - Por outro lado, no dia 25.03.2021 que terminava o seu cumprimento, nada impedindo, ademais, que durante este dia a licença de condução fosse restituída ao arguido.

Por outro lado, não se argumente que o presente entendimento acaba por beneficiar o arguido que menos tempo cumpriu de privação do título de condução, em prejuízo do arguido que mais tempo se viu privado do respectivo título, porque o entendimento sufragado da promoção que antecede provoca o seu inverso, prejudica o arguido cumpridor que mais cedo entregou o seu titulo de condução, onerando com a possibilidade de cumprir mais um dia de pena acessória!

Assim, entendemos que o cumprimento da pena acessória se iniciou no dia 21.11.2020, aquando da entrega do titulo de condução.

Por outro lado, tal pena que terminará, nos termos do artigo 479.º, n.º 1, al. b) do CPP, no mesmo dia do 7.º mês posterior – 21.06.2021.

Assim, atento o cumprimento, em 21.06.2021, declaro extinta a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados em que foi condenado o arguido.

Notifique.

Boletim ao registo criminal, averbando-se o facto extintivo acima decidido – artigo 6.º, al. a) da Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio.

Aguardem os autos a decisão do recurso pendente acerca da conversão da pena de multa em prisão subsidiária.

Inconformado com tal despacho, o Digno Magistrado do MP dele interpôs o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:

1. No caso concreto, o arguido foi condenado na pena acessória de 7 (sete) meses de proibição de conduzir veículos a motor, tendo entregue a sua carta de condução nos presentes autos em 21-11-2020.

2. A pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, sendo uma verdadeira pena, não priva o condenado da liberdade de circulação nem sequer do seu direito de conduzir na via pública, uma vez que aquele mantém o seu direito de conduzir na via pública veículos para os quais não careça de habilitação legal, tais como velocípedes e veículos a eles equiparados – cf. artigo 121.º, n.º 6, do Código da Estrada.

3. O recurso à analogia pressupõe a existência de um caso omisso (lacuna) e a procedência das razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei – e nenhum dos referidos pressupostos, previstos no artigo 10.º, n.º 2, do Código Civil, se verifica no caso concreto.

4. Não sendo uma pena privativa da liberdade, não há que equiparar a pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor à pena de prisão (privativa da liberdade) e assim, por recurso à analogia, aplicar àquela as normas previstas nos artigos 479.º do CPP (contagem do tempo de prisão) e 24.º do CEPMPL (momento da libertação), como o fez o despacho recorrido.

5. Na perspectiva do Ministério Público, a duração temporal da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor (bem como a duração temporal da sanção acessória de inibição de conduzir) é um prazo – tal como expressamente previsto no artigo 69.º, n.º 6, do Código Penal –, pelo que a determinação do início da sua contagem obedece à regra prevista na alínea b), do artigo 279.º. do Código Civil e a determinação do seu termo à regra prevista na alínea c), do mesmo preceito, por força do disposto no artigo 296.º do Código Civil, não havendo qualquer incompatibilidade com as normas previstas no artigo 182.º, n.º 3, do Código da Estrada.

6. A norma prevista na alínea e), do artigo 279.º, do Código Civil, não é aplicável ao cômputo da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor (nem à sanção acessória de inibição de conduzir), atenta a subsidiariedade estabelecida no artigo 296.º do Código Civil (“na falta de disposição especial em contrário”) e o princípio da legalidade na aplicação das penas (artigo 2.º do Código de Processo Penal), do qual decorre que, uma vez transitada em julgado a condenação numa determinada pena, a duração temporal (prazo) da execução da pena fica definitivamente fixada, não podendo sofrer acréscimos ou decréscimos, salvo se expressamente previstos na lei.

7. A aplicabilidade da regra prevista na alínea b), do referido artigo 279.º, não conduz a qualquer prolongamento da duração da pena acessória já fixada, pois ao “avanço” do primeiro dia da contagem do prazo corresponde o igual “avanço” do último dia, resultado garantido pela regra estabelecida na alínea c), do mesmo preceito.

8. A razão de ser da aplicabilidade da regra prevista na alínea b) do referido artigo 279.º. ao cômputo da pena acessória compreende-se à luz da necessidade de prevenção de injustiças relativas, que ocorreriam se, por exemplo, para o cumprimento de penas de igual duração, dois arguidos entregassem os respectivos títulos de condução no mesmo dia mas em horas diferentes (um às 09h00 de manhã no tribunal, outro às 23h00 da noite no posto policial da sua área de residência), circunstância que prejudicaria o arguido mais diligente no cumprimento e beneficiaria o arguido mais atrasado no cumprimento (no primeiro dia da pena, um arguido ficaria privado do título durante quinze horas e outro apenas uma hora).

9. Tendo o arguido sido condenado na pena acessória de 7 (sete) meses de proibição de conduzir veículos a motor, temos que o “evento a partir do qual o prazo começa a correr” é, in casu, a entrega da carta de condução nos presentes autos, evento esse que ocorreu em 21-11-2020.

10. De acordo com a norma estabelecida na citada alínea b) do artigo 279.º do Código Civil, não se inclui esse dia na contagem do prazo da pena acessória, pelo que, o primeiro dia de execução da pena corresponde ao dia 22-11-2020.

11. Segundo a regra prevista na alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, o prazo fixado em meses termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data. Portanto, o último dia do prazo da pena acessória corresponde ao dia 22-06-2021, Terça-feira, durando todo este último dia, ou seja, das 00h01m às 24h00m, não fazendo sentido considerar que a pena se extingue nesse último dia.

12. A interpretação adoptada pelo Tribunal a quo no sentido do recurso à analogia por favorecer inequivocamente o condenado, aplicada às demais penas não privativas da liberdade, conduz a resultados incertos e deve ser rejeitada; por exemplo, no caso da pena de suspensão da execução da pena de prisão (artigo 50.º do Código Penal), se o condenado cometesse novo crime precisamente nesse último dia, faria sentido aplicar a norma prevista no n.º 1 do artigo 24.º do CEPMPL por analogia por favorecer inequivocamente o condenado?... – a resposta só pode ser negativa.

13. A data da extinção da pena constitui um facto sujeito a inscrição no registo criminal, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, alínea l), do Decreto-Lei n.º 171/2015, de 25-08, cuja determinação exacta assume manifesta importância, desde logo, no caso da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor, para efeitos de determinação de eventual cometimento do crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punido pelo artigo 353.º do Código Penal e da (i)legalidade de uma eventual detenção em flagrante delito pela prática de tal crime; e no caso da pena de suspensão da execução da pena de prisão, para efeitos de determinação da aplicabilidade das normas previstas nos artigos 56.º, n.º 1 e 57.º, n.º 2, do Código Penal.

14. Recorrendo à analogia sem existência de um caso omisso (lacuna) e sem procedência das razões justificativas da regulamentação da pena de prisão à pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor e à sanção acessória de proibição de conduzir, o despacho recorrido violou a norma prevista no artigo 10.º, n.º 2, do Código Civil, pelo que padece de ilegalidade.

15. Decidindo que o cômputo da pena acessória terminou no dia 21-06-2021, o despacho recorrido procedeu ao cômputo do respectivo termo infringindo a regras previstas nas alíneas b) e c) do artigo 279.º do Código Civil, aplicável por remissão do artigo 296.º do mesmo diploma, pelo que padece de ilegalidade.

16. Consequentemente, pugna-se pela revogação do despacho recorrido e a sua substituição por outro que declare que a pena acessória de 7 (sete) meses proibição de conduzir veículos a motor, iniciou a sua execução no dia 22-11-2020, vigorou até às 24h00 do dia 22-06-2021, Terça-feira, e determine que a data da extinção da pena corresponde a 23-06-2021, Quarta-feira, com a consequente rectificação de tal facto no registo criminal.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso.

V. Ex.as certamente decidirão conforme for de Direito e Justiça!

Ao recurso respondeu o arguido (…), retirando dessa sua peça as seguintes conclusões:

Nestes termos:

Deve a presente Resposta ao Recurso do Ministério Público ser julgado procedente, por provado e, em consequência:

A - Impugna-se a revogação do despacho recorrido tal como a sua substituição por outro que declare que a pena acessória de 7 (sete) meses proibição de conduzir veículos a motor, porque a sua execução se iniciou no dia 22-11-2020 e vigorou até às 24h00 do dia 22-06-2021, Terça-feira, e;

B - Pugna–se pela validação do despacho judicial proferido em 13-09-2021, que declarou extinta a pena acessória de 7 (sete) meses de proibição de conduzir veículos com motor, aplicada nos presentes autos ao arguido.

Vossas excelências, porém, farão a costumada e esperada justiça!

Nesta Relação, o Dig.mo PGA emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

DECIDINDO:

Analisados os termos em que o recorrente conclui a motivação do seu recurso, logo constatamos que a questão a decidir se prende com o modo como se deve proceder à contagem da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, aplicada ao arguido M., e cuja duração foi fixada em 7 meses.

  Resulta dos autos que a decisão em causa se mostra transitada em julgado e que o arguido procedeu à entrega da sua carta de condução no dia 21/11/2020.

  No despacho recorrido é sustentada a tese de que a contagem da pena acessória deve seguir – por via da analogia - as linhas traçadas pelo CPP para a contagem da pena de prisão.

  Já o recorrente pretende que não estando em causa uma pena privativa da liberdade, não faz sentido apelar àquela analogia – que diz não existir – sendo antes aplicáveis ao caso as regras constantes do CC relativas à contagem dos prazos, v.g. as constantes do artº 279º.

  Quer-nos parecer que a questão não tem a relevância que lhe pretende atribuir o recorrente, pois que na sua motivação parece confundir duas realidades que são distintas:

  - não estamos perante um caso de contagem de prazos, antes estamos perante um caso de liquidação (contagem) de uma pena.

  Assim sendo, parece-nos de evidente bom senso a aplicação ao caso das regras referentes à contagem da pena de prisão, tal qual o faz o despacho recorrido.

Ocorre caso omisso e a analogia é evidente.

  A aplicação ao caso do regime da contagem dos prazos, constante do CC, conduziria ao impasse que é apontado quer no despacho recorrido quer no douto parecer: basta atentar na redacção da al. e) do referido artº 279º, de cuja aplicação resultaria uma evidente violação dos princípios da tipicidade e da legalidade em matéria penal, pois que a da mesma resultaria um estender do cumprimento de uma pena para além do limite fixado na sentença.

No sentido do aqui sustentado, v. a seguinte passagem do douto parecer e bem assim a jurisprudência inédita aí referida, provenientes deste mesmo tribunal:

Ora, como se pode ler no muito recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26 de maio de 2021, proferido no processo 163/20.9GCACB-A.C1 (ainda não publicado), “(…) as penas acessórias, pressupondo embora a condenação do arguido numa pena principal (prisão ou multa), são verdadeiras penas criminais, também elas ligadas à culpa do agente e justificadas pelas exigências de prevenção (cfr. Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 1ª edição, 2013, pág. 34, citada no Ac. da RC de 18.3.2015, in www.dgsipt) e como bem se diz no Ac. de 21/01/2015, do T. R. Coimbra (processo nº 42/13.6GCFND.C1, in www.dgsi.pt) (…) (…) O cumprimento da pena acessória de inibição de conduzir veículos motorizados tem o seu início no momento em que a sentença que a impôs transita em julgado (caso a carta de condução já esteja apreendida no processo) ou, nos demais casos, na data em que o arguido procede à sua entrega voluntária ou na data em que se concretiza a sua apreensão por ordem do tribunal (no mesmo sentido, também citados no parecer do Exmo PGA: Ac. de 23/11/2020, do T. R. Guimarães, processo nº 119719/19.4PFBRG-A.G1, in www.dgsi.pt; - Ac. de 4/12/2019, do TRCoimbra, processo nº 37/17.0PTLRA-A.C1, in www.dgsi.pt); e ainda : Ac. da RE, de 4.2.2010, in www.dgsi.pt; Ac. da RG, de 23.11.2020, in www.dgsi. pt; Ac. da RE, de 29.3.2005, in www.jusnet.pt). Por isso bem refere o digno PGA que aquela pena acessória «tem a natureza de uma pena criminal e que envolve uma restrição de direitos, restrição essa que começa logo a fazer-se sentir no dia em que a carta de condução é entregue, pois que a partir desse exacto momento o arguido já não pode conduzir. Da mesma forma, mesmo que a carta seja devolvida ao arguido no último dia do prazo de duração da medida (no caso em apreciação, no dia 16/08/2021), até esse momento (o da efectiva devolução), o arguido esteve privado de conduzir, o que constitui, obviamente, uma manifesta restrição de direitos, que não pode deixar de ser contabilizada na duração da pena acessória em que foi condenado.” 

De resto, também o art.º 182º, nº 3, al. a), do Código da Estrada, estipula que: “(…) 3 - Sendo aplicada sanção acessória, o seu cumprimento deve ser iniciado no prazo previsto no nº 1, do seguinte modo: A) Tratando-se de inibição de conduzir efectiva, pela entrega do título de condução à entidade competente.” Ora, seria incongruente tratar de modo diferente a contagem das penas acessórias conforme elas fossem do âmbito criminal ou do âmbito contraordenacional. 

Também o recentíssimo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07 de julho de 2021, proferido no processo 159/20.0GEACB-A.C1 (ainda não publicado), se pronunciou sobre a matéria, nele se podendo ler o seguinte: “(…) a contagem da pena acessória nada tem a ver com a contagem de prazos. Primeiro porque não é um prazo, é uma pena que se quer executar. Depois, porque as normas de contagem de prazos não se adequam à execução de penas.” Ainda no mesmo sentido, o ainda mais recente acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 08 de setembro de 2021, proferido no processo 38/18.1GEACB-A.C1 (ainda não publicado), onde se lê que: “- Não existe uma lacuna absoluta no CPP, no sentido de um vazio ou omissão total de previsão da contagem da “pena”. Com efeito o Código de Processo Penal prevê a contagem da “pena” de prisão. Prevendo a contagem da pena de prisão, englobará, por argumento de maioria de razão, qualquer “pena” (principal, acessória ou de substituição) que careça de contagem. Bastando uma interpretação teleológica no sentido de que a previsão relativa à “pena” de prisão possa abranger também a “pena” acessória. 

- Tanto mais que, nas sucessivas alterações a que foram submetidos desde a respetiva entrada em vigor, quer no Código Penal quer no CPP as penas acessórias têm vindo a ganhar autonomia que não tinham na redação originária dos aludidos diplomas, obrigando a preencher os pontos omissos das penas acessórias com o regime das penas principais – veja-se, a título de exemplo, a necessidade de uniformização da jurisprudência relativamente ao cúmulo jurídico de penas acessórias, resolvida pelo Acórdão do STJ para Uniformização de Jurisprudência (AUJ) nº 2/2018 de 11.01.2018, publicado no DR SI de 12.02.2018) que decidiu: "Em caso de concurso de crimes, as penas acessórias de proibição de conduzir veículos com motor, com previsão no nºs 1, al. a) do artigo 69º do Código Penal, estão sujeitas a cúmulo jurídico.”

Aliás, na nossa interpretação, resulta de forma literal da norma do artº 500º do CPP, que o cumprimento da pena acessória se inicia com a entrega voluntária do titulo (nº 2) ou, não ocorrendo esta, com a sua apreensão (nº 3).

E do nº 4 desse mesmo artigo resulta que a licença só é devolvida ao titular decorrido o período da proibição.

Ora, in casu, tendo o condenado procedido à entrega voluntária da sua licença no dia 21/11/2020, temos de considerar que o cumprimento da pena acessória (7 meses) ocorreu no dia 21/6/2021. A partir dessa data, deve a licença ser devolvida ao seu titular.

Por isso, não merece qualquer censura o douto despacho recorrido que, por isso, se confirma.

Termos em que, nesta Relação, se acorda em negar provimento ao recurso, confirmando na íntegra o douto despacho recorrido.

Recurso sem tributação.

Coimbra, 19 de Janeiro de 2022

Jorge França (relator)

Paulo Guerra (adjunto)