Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2141/18.9T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTOS AO PROCESSO
EXTEMPORANEIDADE
SUA DESNECESSIDADE
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JC CIVEL DE CASTELO BRANCO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 423º, 425º, 443º E 651º DO NCPC.
Sumário: I- Os documentos juntos aos autos por iniciativa das partes só podem ser retirados do processo (e como tal não admitidos) se forem (legalmente) extemporâneos ou então se mostrarem impertinentes ou desnecessários.

II- Os documentos serão impertinentes quando se destinarem a provar factos estranhos/alheios à matéria da causa.

III- Os documentos são desnecessários quando se destinarem a provar factos sem qualquer interesse ou relevância para a decisão da causa.

IV- São a admitir os documentos que, apresentados dentro dos prazos legalmente estipulados para o efeito, se destinem a provar factos (quer os essenciais, quer os instrumentais) que servem de fundamento à ação ou a defesa ou a contrariar a prova desses mesmos factos.

Decisão Texto Integral:





Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. No do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco - Juízo Central Cível - as autoras, A... e D..., Lda. (doravante também designadas, respetivamente, por 1ª. e 2ª autoras) instauraram (em 21/12/2018) contra os réus, P... e S..., Lda. (doravante também designadas, respetivamente, por 1º. réu e 2ª. ré), ação declarativa, com forma de processo comum.

Para o efeito, e em síntese, alegaram o seguinte:

A 1ª. A. e o 1º. R. foram casados entre si, vindo, contudo, a divorciar-se.

Na sequência desse divórcio correu termos processo judicial de inventário (autuado sob o nº. ...) para partilha dos bens comuns do casal, no decurso do qual, e por sentença transitada em julgado (em 05/01/2016), foram adjudicadas à 1ª. A., entre outros bens, as duas quotas (por nelas ter licitado pelo valor total de €15.500,00) da sociedade autora (no valor de € 2.500.00 cada uma delas), pertencente uma delas à 1ª. A. (ali requerente do inventário) e a outra ao 1º. R (ali cabeça-de-casal), as quais se encontravam descritas, respetivamente, sob as verbas nºs 3 e. 4.

Sociedade essa (a ora 2ª. A.) que tinha então vários equipamentos – identificados no artº. 4º. P.I. -, com um valor total superior a €60.000,00.

Essa sociedade tinha como objeto social, além do mais, a manutenção e a reparação de veículos automóveis, serviços esses que unicamente prestava à 2ª. R., a qual, por sua vez, tinha como objeto social, o comércio de veículos automóveis (compra e venda de veículos automóveis novos e usados), sendo ambas complementares entre si.

A 2ª. R. tinha como gerente o 1º. R. (sendo seu sócio maioritário, detendo nela o capital social de 55%) e a 2ª. A. tinha como gerente a 1ª. A.      Sucede que quando a 1ª. A., em junho de 2016, se deslocou às instalações da 2ª. A. (onde a 2ª. R. tinha também a sua sede/instalações) com o objetivo de proceder ao levantamento do sobredito equipamento, tal foi-lhe recusado pelos RR., com o fundamento de o referido equipamento ser propriedade da 2ª. R. .

A 1ª. A. veio entretanto a tomar conhecimento que, na sequência de uma ação executiva que a 2ª. R. (que correu termos sob o nº. ... no Juízo de Competência Genérica da ...), aquela se veio apoderar/ficar com todos dos bens (nomeadamente de todo o referido equipamento) da sociedade 2ª. A. .

Execução que teve por base uma declaração (datada de 11/09/2015 e assinada em sua representação pelo 1º. R.), na qual a 2ª. A. se confessava devedora da 2ª. R. da quantia de €23.407,18 e que se obrigava a pagar a esta até ao dia 30/09/2015, tendo ainda sido conferida força executiva a essa declaração.

Porém, tal não passou de todo um estratagema gizado pelo 1º. R. para burlar e prejudicar as AA. e particularmente a 1ª. A., no caso de (como veio acontecer) não lhe serem adjudicadas as verbas referentes às quotas sociais da 2ª. A.

Assim, logo no dia a seguir ao trânsito em julgado da sentença homologatória da sobredita partilha, o 1º. R., em representação da 2ª. R, servindo-se da aludida declaração, instaurou a referida ação executiva, na qual (falsamente) alegava dever a 1ª. A. à 2ª. R. a quantia de €13.481,98, acrescida de juros moratórios, tudo perfazendo a quantia exequenda de €13.623,82. Dívida essa que não existia, e nem nunca existiu, mas que segundo ali se alegava (falsamente) resultou de alegadas dificuldades de tesouraria porque passava então a 2ª. A. e que a 2ª. R. supriu pagando, por conta daquela, os montantes em dívida pela mesma aos seus fornecedores e também por lhe ter prestado serviços não pagos.

Na sequência do aludido plano gizado pelo mesmo, quando o 1º. R. recebeu, na qualidade de representante legal da 2ª. A., a citação daquela ação executiva (instaurada pela 2ª. R., de que era representante legal e sócio-gerente, contra a 2ª. A.), não lhe deduziu oposição, e sem que disso (da existência da ação) tivesse sequer informada então a 1ª. A. .

E daí que tenham acabado por ser penhorados nessa ação, em 06/04/2016, todos os bens da 2.ª A. e particularmente aqueles que compunham o sobredito equipamento, por valores muito abaixo daquele seu valor real (superior no seu total a €60.000,00), atribuindo-se-lhe um valor total de apenas €15.479.79 (equivalente ao valor da quantia exequenda).

Plano esse que as AA. só vieram a ter efetivo conhecimento em março de 2017, quando se deslocaram ao tribunal onde correu a referida ação.

Com tal comportamento dos RR. resultaram, desde logo, prejuízos matériais para as AA. .

Desde logo, porque a 2ª. A se viu despojada do referido equipamento, de valor superior a €60.000,00, sendo certo ainda que tal conduta/estratagema dos RR. foi ao ponto de contratarem todos os trabalhadores da 2ª. A., eliminando-lhe, assim, o mercado/concorrência.

Por outro lado, para além do desgaste que o seu uso pela 2ª. R. lhe provoca, as AA. ao verem-se privadas de tal equipamento (que corresponde à oficina completa) deixaram de auferir um rendimento mensal, resultante do seu aluguer, nunca inferior a €1.750,00, sendo certo que a atividade exercida pela oficina da 2ª. A. (que deixou de exercer devido à privação do aludido equipamento) era apta a gerar um rendimento mensal de, pelo menos, €2.000.00.

Para além disso, a 1ª. A. sofreu também danos de natureza não patrimonial (que descreve), devido ao sobredito comportamento de ambos os RR., e cuja indemnização aquela também requer.

Pelo que terminaram as AA. por pedir que ambos os RR. sejam condenados a indemnizarem aquelas. pelos referidos danos nos termos e montantes que no final descriminam (e que aqui se dão por reproduzidos).

No final desse seu articulado, as autoras, além de outra, juntaram prova documental e requerem a realização de duas perícias colegiais. Uma delas destinada, essencialmente, a fazer prova do valor real do referido equipamento de que a 2ª. Ré se apoderou por via do estratagema acima alegado e bem como dos danos patrimoniais que tal acarretou para ambas as AA. (e que acima se deixaram referenciados). E outra traduzida no exame à escrita da 2ª. A. e da 2ª. R., destinada, na sua essência, a fazer prova dos factos por si alegados referentes à inexistência da alegada dívida (vg. daquela inserta na sobredita declaração confessória que veio a titular a sobredita ação executiva e bem assim daquela invocada no requerimento executivo) da 2ª. A. para com a 2ª. R., da situação económica porque passava a 2ª. autora antes do referido alegado estratagema e depois aquela em que ficou após da consumação do mesmo (com a penhora e desapossamento do sobredito equipamento, e bem como com a contratação pela 2ª. R. de todos os seus trabalhadores), do valor das quotas que a 1ª. A. adquiriu referentes à 2ª. A., no sobredito processo de inventário, após tal situação (em que ficou privado daquele equipamento) e da própria má gerência exercida pelo 1º. R. em relação à 2ª. A. (antes da partilha pelo inventário).

2. Contestaram ambos os RR, defendendo-se por exceção e por impugnação.

No que concerne à 1ª. defesa, invocaram a ilegitimidade (ativa) da 1ª. A. para demandar e bem como ilegitimidade (passiva) da 2ª. R. para ser demandada na ação.

No que concerne à 2ª. defesa, e na sua essência, contraditaram a versão factual aduzida pelas AA., nomeadamente quanto ao alegado estratagema (defendendo não ter existido), à inexistência da dívida pela 2ª. A. à 2ª. R. (defendendo a sua existência); impugnando ainda o valor dos bens do equipamento que lhe foi atribuído pelas AA. (defendendo ser claramente inferior) e bem como os prejuízos e danos que as mesmas invocam (defendendo não existirem).

Invocaram ainda estarem as AA. a litigar de má fé.

Pelo que terminaram pedindo a procedência daquelas exceções dilatórias por si invocadas e, de qualquer modo, a improcedência da ação, com a sua absolvição dos pedidos, com a condenação ainda das AA. como litigantes de má fé.

3. Dispensada que foi a audiência prévia, foi proferido despacho saneador no qual, depois de julgar improcedentes as sobreditas exceções dilatórias de ilegitimidade invocadas pelos RR., se afirmou a validade e a regularidade da instância, tendo depois (e sem qualquer reclamação):

3.1 Identificado o objeto do litígio nos seguintes termos:

- O direito das autoras a que as rés sejam solidariamente condenadas a pagar-lhes a quantia global de 195.000,00 €, acrescidas de juros de mora; a quantia mensal de 1.500,00 € desde Janeiro de 2019 até perfazer a quantia de 60.000,00 €; e a quantia mensal de 2.000,00 €, desde Janeiro de 2019 até perfazer a quantia de 60.000,00 €.

- E o direito da 1ª autora a receber das rés solidariamente a quantia global de 50.000,00 €, acrescido de juros de mora.

3.2. Enunciado os temas de prova, nos seguintes termos:

1º. O 1° réu, sem fundamento e de forma falsa – e sem conhecimento ou autorização da 1ª autora –, outorgou documento no qual vinculou a 2ª autora a pagar à 2ª ré a quantia de 23.407,18 €.

2º. Fê-lo para prejudicar tal sociedade autora e a 1ª autora, cujas quotas havia adquirido em inventário, no pressuposto de ser titular dos bens infra referidos.

3º. A 2ª autora ficou, no âmbito da execução, sem bens – os alegados –, no valor de 60.000,00 €.

4º. A 2ª ré encontra-se a utilizar tais bens desde Janeiro de 2016, cujo valor do aluguer mensal é de 1.750,00 €.

5º. A 2ª ré deixou, por essa razão, de exercer actividade.

6º. Tal oficina, em actividade, geraria 2.000,00 € de rendimento mensal.

7º. Os danos morais (os alegados) sofridos pela 1ª autora – sua quantificação.

8º. Da litigância de má fé das partes.

3.2 Admitida a prova testemunhal, o depoimento e as declarações de parte requeridos, bem como determinada a realização das duas sobreditas perícias requeridas pelas AA., deixando para data oportuna (após a cabal instrução do processo) a designação de dia para a realização da audiência final de discussão e julgamento.

4. Mais tarde, e solicitação dos srs. peritos (vg. daqueles encarregues de procederem aos sobreditos admitidos os exames à escrita), foram as partes notificadas para (cfr. despachos referencias ...) entregarem aos mesmos os elementos documentais por eles solicitados (e também para depois juntarem cópias dos mesmos no processo), referentes à 2ª. A. e à 2ª. R., e aos anos de 2012 a 2016, tais como:

- Balanços e Demonstrações de Resultados;

- IES (informação empresarial simplificada);

- Balancetes mensais;

- Extratos e movimentos das contas;

- Documentos contabilísticos existentes entre as duas empresas.

5. Através do requerimento de 25/11/2019 (referencia ...) veio a 2ª. A. informar, além do mais, o tribunal:

- Não ter conseguido obter todos os documentos cuja junção lhe foi ordenada, em virtude da anterior empresa encarregue da contabilidade não conservar os elementos contabilísticos em seu poder, tendo-os entregue ao 1º. R., à data gerente da 2ª. A, não tendo as AA. aceso às instalações da 2ª. R. para recolher os mesmos.

- Que remeteu aos srs. peritos (vg. na pessoa da sra. perita dra. ...) os 28 documentos ali descriminados/identificados, e cuja cópia junta também aos autos (e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido).

6. Na sequência também daquela notificação referidas em 4., vieram os RR., através do requerimento de 13/03/2020 (referencia ...) juntar aos autos cópias dos documentos solicitados que remeteram aos srs. peritos (na pessoa da sra. perita dra. ...); junção essa (dada a sua extensão e falta de capacidade da aplicação Citius para os albergar de uma só vez) que foi efetuada/desdobrada ainda através do requerimentos referencia ... (de 17/03/2020), ... (de 17/03/2020), ... (de 17/03/2020), ... (de 20/03/2020), e cujo teor (dado o seu elevado número e extensão, albergados em mais de dois volumes de processo físico) aqui se dá por inteiramente reproduzido.

7. Por sua vez, as AA., através do seu requerimento referência ... (datado de 17/04/2020) vieram (além do mais e em síntese):

- Impugnar aqueles documentos juntos pelos RR. e que se alude no ponto anterior (6.);

- Requer a notificação dos RR para juntarem aos AA. os documentos por si ali identificados;

- Informar terem entretanto já localizado parte das pastas da contabilidade (cuja não possibilidade de obtenção haviam dado conta no requerimento aludido no ponto 5.), requerendo, por isso, a notificação dos srs. peritos de que têm em seu poder as referidas pastas de contabilidade da 2ª. A., dando-se lhes ainda conhecimento do teor desse seu requerimento:

- Juntar mais 33 documentos – junção essa essa (dada a sua extensão e falta de capacidade da aplicação Citius para os albergar de uma só vez) que foi efetuada/desdobrada depois ainda através dos requerimentos referência ... - cujo teor (dado o seu levado número e extensão, albergados em todo um volume do processo físico) aqui se dá por inteiramente reproduzido.

8. Em 29/06/2020 (referencia ...) a sra. juíza titular dos autos proferiu o seguinte despacho (ou melhor, e em bom rigor, segmento, uma que nesta data foi proferido um só despacho composto por diversos segmentos/partes, e entre eles aquele que se transcreve):

« (…)

 Requerimentos com as referências n.º ...:

Mediante despacho a que corresponde a referência n.º... foi determinada a notificação das Autoras para providenciarem pela entrega aos Ex.mos Senhores peritos nomeados nos autos dos elementos documentais necessários para a realização da perícia solicitada, devendo ser também remetida aos autos uma cópia dos documentos em causa.

Idêntica notificação foi dirigida aos Réus, na sequência da prolação do despacho a que corresponde a referência n.º..., em virtude de os Ex.mos Senhores peritos terem vindo aos autos solicitar que lhes fosse facultada documentação adicional.

Como é bom de ver, a junção aos autos de tais documentos visou apenas permitir o conhecimento, quer pelo Tribunal, quer pela parte contrária, dos documentos facultados aos Ex.mos Senhores peritos e por estes valorados no âmbito da realização do exame pericial que lhes foi solicitado.

Assim, na medida em que os documentos agora apresentados pelas Autoras não foram facultados aos Ex.mos Senhores peritos, nem se afiguram pertinentes para a decisão a proferir, em face dos temas da prova anteriormente enunciados nos autos, decido não admitir a junção de tais documentos. »

9. Inconformados com tal despacho decisório (no referido segmento) dele as autoras apelaram, tendo concluído as respetivas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

10. Não foram apresentadas contra-alegações.

11. Tendo o referido recurso sido recebido com subida imediata e em separado dos autos principais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidi-lo.


II- Fundamentação

A) De facto

Com relevância e interesse para a (melhor) compreensão, apreciação e decisão do presente recurso, devem ter-se como assentes os factos que se deixaram descritos no Relatório que antecede e ainda o seguinte (todos extraídos das peças processuais e documentais que constam dos autos de processo - físico e/ou eletrónico, quer do referente aos autos de recurso, quer dos autos principais, e ao qual tivemos aceso - que nos foi remetido):

1. Os relatórios das perícias referidas no ponto 3.2 do Relatório foram entretanto já juntos aos autos principais, tendo, por despacho de 09/02/2021 (referência ...), sido ordenado, a requerimento das AA., a realização de uma 2ª. perícia do exame à escrita da 2ª. A. e da 2ª. R. .


De direito

1. Como é sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, e 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso - e tal como, aliás, deflui daquilo que se deixou exarado no Relatório -, verifica-se que a única questão que aqui nos cumpre apreciar e decidir traduz-se em saber se deve ou não admitir-se a junção aos autos dos 33 documentos apresentados pelas AA. através dos seus requerimentos com as referências ..., e a que fizemos referencia no ponto 7. do Relatório.

Com vimos, a sra. juíza a quo entendeu/decidiu não admitir a sua junção aos autos (com os fundamentos aduzidos no seu despacho que acima se deixou transcrito, e sintetizados no final no facto de, por um lado, de os mesmos não terem sido facultados em tempo aos srs. peritos, e, por outro, de os mesmos não serem pertinentes para a decisão da causa), ao contrário do que defendem as AA./apelantes (com a fundamentação esgrimida nas conclusões do seu recurso que acima se deixaram igualmente transcritas).

É pacífico o entendimento que no conceito das questões que o tribunal deve apreciar não se incluem os argumentos jurídicos aduzidos pelas partes.

Vejamos.

Estamos, in casu, no domínio de documentos apresentados por iniciativa das partes (neste caso pelas AA.).

As provas têm como função demonstrar a realidade dos factos (artº. 341º do C. Civil).

Sendo assim, as partes devem fazer prova dos factos que alegam - como factos constitutivos do invocado direito, ou como impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (cfr. artºs. 342º, nºs. 1 e 2, do CC) -, a não ser que beneficiem de uma presunção legal sobre a realidade dos mesmos - a qual, todavia, poderá, nesse caso, ser ilidida (quanto se tratar de uma presunção iruis tantum) pela parte contrária (cfr. artº. 350º do CC) – ou então que se tratem de factos notórios (cfr. artº. 412º, nº. 1, do CPC).

Como se sabe, de entre o manancial de meios probatórios legais que a lei põe ao dispor das partes para o efeito encontram-se os documentos (cfr. artºs. 362º e ss. do CC, sobre as suas modalidades, natureza e força probatória).

Documentos esses que, assim, se destinam a fazer prova quer dos fundamentos da ação, quer dos fundamentos da defesa (artº. 423º, nº. 1, do CPC).

Ou seja, os documentos visam fazer prova, por via direta ou indireta, dos facos que servem de fundamento à ação ou à defesa, quer dos essenciais, quer dos instrumentais, quer mesmo daqueles que sejam complementares ou concretizadores dos primeiros. (Vide, a propósito, entre outos, o prof. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º., 3ª. Ed., 2017, págs. 239/240”).

No artigo 423º do CPC (sob a epigrafe “Momento de apresentação”), estabelece-se, como regra, que “os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes” (nº. 1), consagrando-se, todavia, exceções a tal regra, quer nos seus nºs 2 e 3, quer nos artºs. 425º e 651º.

Naquilo que para o caso releva - e no que comporta a tais exceções à regra – importa reter o nº. 2 daquele citado artº. 423º, onde se dispõe que “se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.” (sublinhado nosso)

Exceção essa que encontra a sua justificação na necessidade de conciliar o interesse público “do apuramento da verdade, ao qual convém a junção ainda que tardia do documento, com disciplina ideal do processamento da ação, facilitada pelo debate imediato da prova documental sobre os fundamentos da ação e da defesa na fase introdutória da ação” (cfr., o prof. Antunes Varela, e outros, in “Manual de Processo Civil, 2ª. Ed., revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 530”).

Por sua vez, dispõe-se no artº. 443º, nº 1 do CPC (sobre a epígrafe “Documentos indevidamente recebidos ou tardiamente apresentados”) que “juntos os documentos (…), o juiz logo que o processo lhe seja concluso, se não tiver ordenado a junção e verificar que os documentos são impertinentes ou desnecessários, manda retirá-los do processo e restitui-os ao apresentante, condenando este ao pagamento de multa nos termos do regulamento das Custas Processuais” (sublinhado nosso)

Da conjugação dos citados artigos 423º e 443º do CPC, resulta que os documentos juntos aos autos por iniciativa das partes só podem ser retirados do processo (e como tal não admitidos) se forem extemporâneos ou então se mostrarem impertinentes ou desnecessários. (Neste sentido vide ainda Gonçalves Sampaio, in “A Prova por Documentos Particulares, Livraria Almedina, pág. 144, nota, 54”).

No dizer - e num esforço que a doutrina vem fazendo no sentido de definir tais conceitos - do prof. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in “Ob. Cit., pág.263” – citando aí o próprio prof. Lebre de Freitas, in “Falsidade no Direito Probatório, Coimbra, Almedina, 1984, pág. 113”) – os documentos são impertinentes quando “representem factos irrelevantes para a decisão da causa” e desnecessários quando “representem factos já provados (designadamente por confissão)”.

Já no dizer do prof. Alberto dos Reis (in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV, pág. 58”) os documentos impertinentes “são os que dizem respeito a factos estranhos à matéria da causa”, e os documentos desnecessários “são os relativos a factos da causa, mas que não importa apurar para o julgamento da acção”.

Por último, ainda a esse propósito, refira-se ainda António Santos Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa (in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág. 511/512”) ao consideraram como documento impertinente aquele que “diz respeito a factos estranhos à matéria da causa, a factos cuja prova seja irrelevante para a sorte da ação”, acrescentando ainda poder afirmar-se que “um meio de prova será pertinente desde que se pretenda provar com o mesmo um facto relevante para a resolução do litígio, seja de um modo direto, por se tratar de um facto constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo, seja de um modo indireto, por se tratar de um facto que permite acionar ou impugnar presunções das quais se extraiam factos essenciais ou ainda por se tratar de um facto importante para apreciar a fiabilidade do outro meio de prova”. (sublinhado nosso)

Aqui chegados, e tendo presente o que se deixou presente, é altura de agora responder, de forma mais incisiva, à questão acima colocada.

É claro que os documentos em causa - muito embora não o tivessem sido com o articulado da sua petição inicial – foram apresentados numa altura em que, como ressalta do que deixou exarado, a audiência de julgamento ainda nem sequer se encontrava designada, pelo que o foram dentro do prazo legal consagrado no artº. 423º, nº. 2, do CPC.

Por outro lado, compulsando o teor dos referidos documentos e aquilo que a esse propósito foi alegado pelas AA. naquele seu requerimento inicial (referência ...) para justificar a sua apresentação (cfr., nomeadamente, artºs. 68. a 71. 162. e 170. a 171.) daí ressalta que aquelas suas apresentantes visam com eles suportar probatoriamente - quer por via direta, que por via indireta - quer os factos (quer os essenciais, quer os instrumentais) que servem de fundamento à sua ação (e que acima deixámos referidos), quer contrariar aqueles aduzidos pelos RR. para suportar a sua defesa.

E do exposto somos levados a concluir que os referidos documentos não só não são extemporâneos, como também, e salvo o devido respeito, não se mostram de todo impertinentes ou desnecessários para a discussão e decisão da causa.

Documentos esses, diga-se, que (dada a sua natureza, e não se mostrando vinculativos em relação aos factos em causa) poderão servir de meios auxiliares/complementares de prova - tal como sucede, aliás, como, por exemplo com a prova pericial produzida ou produzir e com a prova testemunhal, cuja força probatória está sujeita à livre apreciação do tribunal (cfr. artºs. 389º e 396º do CC e 489º e 607º, nº. 5, do CPC) - na formação da convicção do tribunal (quer da 1ª instância, quer da 2ª. instância, em caso de recurso da decisão de facto) para a prolação da decisão de facto.

Em suma, não se verificam, a nosso, os pressupostos (relativos quer à sua extemporaneidade, quer à sua impertinência ou desnecessidade) que imponham ao tribunal que os não admita.

O que significa que o tribunal a quo deverá admitir a junção aos autos dos sobreditos documentos apresentados pelas AA./ora apelantes, sem prejuízo, tal como é imposto pelo citado artº. 423º, nº. 2, do CPC, de avaliar/ponderar, nesse despacho de admissão dos mesmos, se, in casu, se justifica ou não aplicação da multa prevista em tal normativo legal.

Termos, pois, em que, perante o que se deixou exposto, se decide, na procedência do recurso, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que admita a junção aos autos dos sobreditos documentos apresentados pelas AA./ora apelantes, com a ponderação/avaliação atrás referida (quanto à aplicação ou não de multa).


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se, na procedência do recurso, em revogar o despacho decisório recorrido proferido pela 1ª. instância, o qual deverá ser substituído por outro que admita a junção aos autos dos sobreditos documentos apresentados pelas AA./ora apelantes (com os requerimentos com as referências ...).

Sem custas.


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Sumário:

I- Os documentos juntos aos autos por iniciativa das partes só podem ser retirados do processo (e como tal não admitidos) se forem (legalmente) extemporâneos ou então se mostrarem impertinentes ou desnecessários.

II- Os documentos serão impertinentes quando se destinarem a provar factos estranhos/alheios à matéria da causa.

III- Os documentos são desnecessários quando se destinarem a provar factos sem qualquer interesse ou relevância para a decisão da causa.

IV- São a admitir os documentos que, apresentados dentro dos prazos legalmente estipulados para o efeito, se destinem a provar factos (quer os essenciais, quer os instrumentais) que servem de fundamento à ação ou a defesa ou a contrariar a prova desses mesmos factos.

Coimbra, 2021/04/27