Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4422/17.0T8VIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: VERIFICAÇÃO DE CRÉDITOS
LISTA DE CREDORES RECONHECIDOS
NOTIFICAÇÃO
NULIDADE SECUNDÁRIA
SANAÇÃO
Data do Acordão: 05/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE VISEU DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 129.º, 130.º, N.º 1, DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS, ARTS. 195.º, N.º 1, 199.º, N.º 1, DO CÓDIGO DO PROCESSO CIVIL
Sumário: I) Nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações de créditos em processo de insolvência, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos.

II) A falta de notificação à insolvente da lista de créditos reconhecidos pelo administrador de insolvência pode geral nulidade secundária invalidante de todos os termos processuais subsequentes.

III) Essa nulidade fica sanada se a insolvente foi notificada das impugnações da relação de créditos não reconhecidos e não a arguiu no prazo de que dispunha para o efeito.

Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

1.Mediante requerimento apresentado em 14-10-2020 nos autos principais, a insolvente veio arguir a nulidade do processado, alegando, para o efeito, que, apesar de se encontrar devidamente representada por mandatário judicial, este apenas se encontra[va] associado na plataforma Citius nos autos principais e no apenso referente ao incidente da qualificação de insolvência, que o seu mandatário não teve acesso via Citius a qualquer outro processo que corra por apenso aos autos de insolvência, designadamente o referente à reclamação de créditos, cuja identificação desconhece, que nem a insolvente nem o seu mandatário foram notificados da lista definitiva de credores elaborada pela administradora da insolvência, que desconhece se foi proferida qualquer sentença de graduação de créditos, que a lista também não se encontra publicada no portal Citius, que desconhece em absoluto o teor da lista definitiva de créditos elaborada nos termos do artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (diploma a que pertencem as demais normas sem indicação de origem), o que “equivale a dizer que à devedora foi coartada a possibilidade de sobre a mesma se pronunciar, impugnando-a nos termos do disposto no artigo 130.º”.

Acrescenta que esta factualidade integra uma nulidade, que é suscetível de ser sanada com a notificação da lista definitiva de créditos, bem como da sentença de graduação dos créditos.

Conclui requerendo que seja notificada da lista definitiva de créditos elaborada nos termos do artigo 129.º, bem como da sentença de graduação dos créditos “(na eventualidade de a mesma já ter sido proferida)” e que sejam declarados nulos todos os atos que hajam sido praticados subsequentemente à apresentação da referida lista (ref.ª 4335392 [36794268] de 14-10-2020).

A administradora da insolvência declarou que não notificou à insolvente o teor da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos e que apenas procedeu às notificações referidas no n.º 4 do artigo 129.º (ref.ª 4362806 [36950035] de 28-10-2020).

Na sequência do despacho proferido em 29-11-2020, foi obtida a informação constante da cota com a ref.ª 87223116, à qual respondeu a insolvente concluindo pela nulidade de todo o processado posteriormente ao depósito nos autos da lista definitiva de credores, no que concerne à requerente e aos requeridos no apenso da qualificação da insolvência.

2. Os autos dão-nos os seguintes factos:

2.1.1. C (…) Lda., apresentou-se à insolvência em 28-09-2017, foi declarada insolvente por sentença proferida no dia 18 de outubro de 2017, publicada no portal Citius no dia 23 de outubro de 2017, tendo sido fixado o prazo de trinta dias para a reclamação de créditos (ref.ª 2522977 [26895173] de 28-09-2017 – petição inicial -, 80814024 de 18-10-2017 – sentença, 80859283 de 23-10-2017 – anúncio).

2.1.2. Em 25 de novembro de 2017 a administradora da insolvência apresentou o relatório a que alude o artigo 155.º, que inclui a lista provisória de credores, cujo teor foi dado a conhecer ao Ilustre mandatário da insolvente (ref.ª 2631845 [27462345] de 25-11-2017).

2.1.3. Em 21 de dezembro de 2017 a administradora da insolvência apresentou a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, cujo teor não foi dado a conhecer à insolvente ou ao seu Ilustre mandatário (ref.ª 2679211 [27716351] de 21-12-2017 e 4362806 [36950035] de 28-10-2020).

2.1.4. A lista de credores não reconhecidos foi impugnada pelos seguintes credores:

- G(…), Lda., requereu o reconhecimento do seu crédito no montante de €123,00;

-A(…), Lda., requereu o reconhecimento do seu crédito no montante de €520,35;

-I(…), S.A., requereu o reconhecimento do seu crédito no montante de €14.516,79;

-B(…), S.A., requereu o reconhecimento do seu crédito no montante de €687,57;

- AM(…)-, requereu o reconhecimento do seu crédito no montante de € 3.109,14;

-V(…), Lda., requereu o reconhecimento do seu crédito no montante de €1.297,06;

-G(…), Lda., requereu o reconhecimento do seu crédito no montante de €662,70 (req. apresentados em 29-12-2017, 08-01-2018 a 18-01-2018).

2.1.5. Nos termos previstos no artigo 221.º do Código de Processo Civil, em 11 e 18 de janeiro de 2018, o Ilustre mandatário da insolvente foi notificado da impugnação da relação de créditos apresentada respetivamente pelas credoras V(…), Lda. E G(…), Lda. (ref.ª 2708408 [27863110] de 11-01-2018, 2722502 [27937252] de 18-01-2018).

2.1.6. Em 22 de janeiro de 2018 e 1 de fevereiro de 2018 a administradora da insolvência respondeu às impugnações (requerimentos de 22-01-2018 e 01-02-2018).

2.1.7. Em 6 de fevereiro de 2018 foi proferido o seguinte despacho:

Face à aceitação pela Sr.ª Administradora da Insolvência das impugnações apresentadas e à falta de qualquer outra resposta, o que, nos termos do n.º 3, do artigo 131.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, determina a procedência das impugnações, conclua após findar a apreensão dos bens que integram a massa insolvente” (ref.ª 81501291).

2.1.8. O despacho mencionado no artigo anterior foi notificado ao Ilustre mandatário da insolvente através de notificação eletrónica elaborada em 7 de fevereiro de 2018 (ref.ª 81531829).

2.1.9. A sentença de verificação e graduação dos créditos foi proferida em 10 de novembro de 2019 (ref.ª 85136297) e não foi notificada à insolvente ou ao seu Ilustre mandatário.

2.1.10. Em 14 de janeiro de 2020 foi proferida decisão a indeferir o recurso interposto pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. (IEFP, I.P.) – ref.ª 85522976 – que não foi notificada à insolvente ou ao seu Ilustre mandatário.

2.1.11. O Ilustre mandatário da insolvente esteve associado a este apenso até ao dia 4 de setembro de 2018 e voltou a ser associado no dia 15 de outubro de 2020 (ref.ª 87223116 de 17-12-2020).

O senhor juiz do Juízo de Comércio de Viseu, em face do requerido, proferiu a seguinte decisão:

“Por conseguinte, tendo sido proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, por não ser o meio próprio para reagir, indefere-se a invocada nulidade em relação aos atos anteriores àquela decisão e determina-se a notificação da sentença de verificação e graduação dos créditos à insolvente”.

A insolvente não se conformando tal decisão, dela interpõe recurso de apelação, formulando as seguintes:

CONCLUSÕES:

(…)

A 1.ª instância respondeu às invocadas nulidades escrevendo que, “não tendo a insolvente, na sequência das referidas notificações das impugnações da relação de créditos não reconhecidos e do despacho com a ref.ª 81501291, arguido a nulidade da mencionada omissão, pelo menos, quando foi proferida a sentença estava sanada nos termos que resultam da parte final do n.º 1 do artigo 199.º, do Código de Processo Civil.

2. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da ale­ga­ção da recorrente cumpre apreciar a seguinte questão:

A sentença recorrida é nula por violação do disposto no artigo 615º, n.º 1, als. c) e d) do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem - tal como é nulo todo o processado posterior à apresentação da lista definitiva elaborada pela AJ nos termos do artigo 129º do CIRE?

Para demonstrar a sua discordância, do decidido no Juízo de Comércio de Viseu, alega a apelante:

“Tendo sido proferida a sentença de verificação e graduação de créditos sem que tenha sido dada a conhecer à recorrente (insolvente), por qualquer meio, a lista apresentada pela AJ nos termos do disposto no artigo 129º CIRE, e, por consequência, a possibilidade de a mesma se pronunciar acerca do seu conteúdo, verifica-se uma clara e frontal violação dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo.

O meritíssimo juiz “a quo” não podia ignorar que a recorrente, sendo principal interessada na discussão dos créditos a verificar e graduar na sentença recorrida, nunca fora notificada de nenhum dos factos relevantes para este efeito (isto é, da lista definitiva de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nem da sentença de graduação de créditos proferida no apenso B, de que aqui se recorre), e, tendo-o feito, deixou de conhecer uma questão muito relevante subjacente à decisão recorrida que estava obrigado a conhecer, estando os fundamentos da sua douta sentença em oposição com a própria decisão ao sanear a mesma aí referindo expressamente que “não havia “nulidades, questões prévias ou incidentais” (negrito nosso).

Nos presentes autos, contrariamente ao decidido, havia questões prévias e nulidades que impediam a prolação da douta sentença recorrida - designadamente a exclusão injustificada do processo da principal interessada no mesmo (a recorrente) com subsequente prejuízo grave dos seus interesses, ao ver graduados e reconhecidos créditos que não existem, em violação da lei (…) Pede, por isso, “que seja notificada da lista definitiva de créditos elaborada nos termos do artigo 129.º, bem como da sentença de graduação dos créditos “(na eventualidade de a mesma já ter sido proferida)” e que sejam declarados nulos todos os atos que hajam sido praticados subsequentemente à apresentação da referida lista (ref.ª 4335392 [36794268] de 14-10-2020).

Será assim?

O processo de insolvência constitui, de facto, um procedimento universal e concursal ,cujo objectivo é a obtenção da liquidação do património do devedor, por todos os seus credores: concursal  - concursus creditorum -, uma vez que todos os credores são chamados a nele intervirem, seja qual for a natureza e o montante do respectivo crédito e, por outro lado, verificada que seja a insuficiência do património a excutir, serão repartidas de modo proporcional por todos os credores as respectivas perdas  - principio da par conditio creditorum. É universal, uma vez que todos os bens do devedor podem ser apreendidos para futura liquidação, de harmonia com o disposto no artigo 46º, nºs1 e 2 do CIRE, normativo este que define o âmbito e a função da massa insolvente.

Sendo a finalidade do processo de insolvência a salvaguarda da igualdade de oportunidade de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, justifica-se e exige-se o conhecimento, no seu âmbito, de todas as questões patrimoniais relativas à massa falida.

Na sentença que declarar a insolvência o juiz designa prazo, até trinta dias, para a reclamação de créditos, devendo os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, endereçado ao administrador da insolvência e acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham. A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento. Nos quinze dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, o administrador da insolvência apresenta na secretaria uma lista de todos os credores por si reconhecidos e uma lista dos não reconhecidos, ambas por ordem alfabética, relativamente não só aos que tenham deduzido reclamação como àqueles cujos direitos constem dos elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento.

Nos termos a norma do artigo 130.º do CIRE, “nos 10 dias seguintes ao termo do prazo fixado no n.º 1 do artigo anterior, pode qualquer interessado impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos”.

Ou seja, a lista provisória de créditos pode ser impugnada por qualquer credor assim como pelo devedor, este na obrigação acrescida da colaboração com a justiça falimentar, não só com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de algum crédito, mas também na incorrecção do seu montante e, bem assim na qualificação dos créditos reconhecidos.

As questões que se poderão colocar nos presentes autos são as que tem a ver, por um lado, com a, eventual, nulidade ou irregularidade decorrente da inobservância do prazo previsto no artigo 129.º, n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e, por outro lado, se essa nulidade ou irregularidade deve ou não ser considerada sanada pelo facto de a insolvente ter sido notificada, na pessoa do seu mandatário, das impugnações apresentadas à lista de credores reconhecidos e, bem assim, do despacho mencionado em 2.17. e nada ter dito.

O que nos dizem e ensinam as normas jurídicas:

Que a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa. Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente – artigo 195.º n.º 1 e 2.

Como é sabido, a intensidade da violação do princípio do contraditório - a garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontram em ligação com o objeto da causa - é tão relevante para a estrutura justa e equitativa do direito processual civil, que a decisão final ao dar cobertura a esse desvio processual acaba por assumi-lo, ficando ela própria contaminada.

Ou seja, esta nulidade processual, a existir, coberta pela sentença/decisão final, ainda que não se configure como uma das nulidades previstas no art.º 615.º n.º 1 – e não configura no caso em análise; não se vislumbra que os seus  fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; ou o juiz deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento -, acaba por inquinar a mesmo, ferindo-a de nulidade.

Mas, o meio processual próprio para a parte reagir contra uma omissão do tribunal que, no seu entendimento, constitua nulidade processual nos termos do artigo 195.º, é a reclamação para o mesmo tribunal e não o recurso da sentença proferida posteriormente ao momento em que a referida omissão ocorreu, excepcionando-se as nulidades de conhecimento oficioso, pois que “constituem sempre objecto implícito do recurso”, podendo “ser sempre alegadas no recurso ainda que anteriormente o não tenham sido”, as nulidades cujo prazo de arguição só comece a correr depois da expedição do recurso para o tribunal superior e as nulidades previstas no art.º 615.º, n.º 1 (cometidas quando o juiz, ao proferir decisão/sentença, omite formalidades inerentes à mesma de cumprimento obrigatório).

Estas nulidades, ditas secundárias, podem/devem ser arguidas e apreciadas logo que sejam reclamadas, se parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência – artigo 199.º.

O que resulta dos autos?

Por requerimento, apresentado em 14-10-2020 nos autos principais, a insolvente veio arguir a nulidade do processado, alegando, para o efeito, que, apesar de se encontrar devidamente representada por mandatário judicial, este apenas se encontra[va] associado na plataforma Citius nos autos principais e no apenso referente ao incidente da qualificação de insolvência.

Que o seu mandatário não teve acesso via Citius a qualquer outro processo que corra por apenso aos autos de insolvência, designadamente o referente à reclamação de créditos, cuja identificação desconhece, que nem a insolvente nem o seu mandatário foram notificados da lista definitiva de credores elaborada pela administradora da insolvência.

Que desconhece se foi proferida qualquer sentença de graduação de créditos, que a lista também não se encontra publicada no portal Citius, que desconhece em absoluto o teor da lista definitiva de créditos elaborada nos termos do artigo 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (diploma a que pertencem as demais normas sem indicação de origem), o que “equivale a dizer que à devedora foi coartada a possibilidade de sobre a mesma se pronunciar, impugnando-a nos termos do disposto no artigo 130.º”.

Acrescenta que esta factualidade integra uma nulidade, que é suscetível de ser sanada com a notificação da lista definitiva de créditos, bem como da sentença de graduação dos créditos.

Conclui requerendo que seja notificada da lista definitiva de créditos elaborada nos termos do artigo 129.º, bem como da sentença de graduação dos créditos “(na eventualidade de a mesma já ter sido proferida)” e que sejam declarados nulos todos os atos que hajam sido praticados subsequentemente à apresentação da referida lista (ref.ª 4335392 [36794268] de 14-10-2020).

A administradora da insolvência declarou que não notificou à insolvente o teor da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos e que apenas procedeu às notificações referidas no n.º 4 do artigo 129.º (ref.ª 4362806 [36950035] de 28-10-2020).

Na sequência do despacho proferido em 29-11-2020, foi obtida a informação constante da cota com a ref.ª 87223116, à qual respondeu a insolvente concluindo pela nulidade de todo o processado posteriormente ao depósito nos autos da lista definitiva de credores, no que concerne à requerente e aos requeridos no apenso da qualificação da insolvência.

Como refere o ilustre magistrado da 1.ª instância, “… Conforme consta da cota com a ref.ª 87223116 o Ilustre mandatário da insolvente foi desassociado destes autos em 04-09-2018.

É manifesto que está em causa facto que não devia ter ocorrido (segundo o que nos foi transmitido verbalmente pela secção, esteve em causa lapso resultante do facto de ter sido associado como mandatário da insolvente o mandatário da massa insolvente).

Por força deste lapso, a insolvente só foi notificada da sentença, na pessoa do seu Ilustre mandatário, no passado dia 22 de janeiro de 2021.

A falta de notificação da sentença não acarreta a nulidade da mesma.

A questão que se coloca, para os efeitos que relevam para o n.º 1 do artigo 641.º do Código de Processo Civil, é a de saber se estava em causa nulidade que o tribunal deixou de apreciar.

De acordo com o regime que resulta dos artigos 129.º, 130.º e 131.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos e as impugnações apenas são objeto de notificação nos termos previstos respetivamente nos nºs 4 dos artigos 129.º e 131.º, já que a lei estabelece prazos sucessivos.

Atendendo à data da publicação do anúncio da declaração de insolvência (23-10-2017) e ao prazo fixado para a reclamação de créditos (30 dias), a lista de credores reconhecidos e não reconhecidos devia ter sido apresentada até ao dia 12 de dezembro de 2021 e só foi junta aos autos em 21 de dezembro de 2017, sem que o respetivo teor tenha sido dado a conhecer à insolvente e ao seu Ilustre mandatário (ref.ª 2679211 [27716351] de 21-12-2017 e 4362806 [36950035] de 28-10-2020).

Nos casos em que não é observado o prazo previsto no n.º 1 do artigo 129.º, não é possível considerar o prazo de impugnação de “10 dias seguintes ao termo do prazo fixado” nesta disposição (cfr. art. 130.º, n.º 1, sem prejuízo do prazo previsto no n.º 2).

Conforme mencionámos no despacho com a ref.ª 87362987 de 21-01-2021, a lista de credores não reconhecidos foi impugnada pelos seguintes credores: G(…), Lda., A(..), Lda., I(…), S.A., B(…), S.A., AM(…), Lda.,  G(…), Lda. (req. apresentados em 29-12-2017, 08-01-2018 a 18-01-2018).

Nos termos previstos no artigo 221.º do Código de Processo Civil, em 11 e 18 de janeiro de 2018, o Ilustre mandatário da insolvente foi notificado da impugnação da relação de créditos apresentada respetivamente pelas credoras V(…), Lda. E G(…), Lda. (ref.ª 2708408 [27863110] de 11-01-2018, 2722502 [27937252] de 18-01-2018).

Em 22 de janeiro de 2018 e 1 de fevereiro de 2018 a administradora da insolvência respondeu às impugnações (requerimentos de 22-01-2018 e 01-02-2018).

Em 6 de fevereiro de 2018 foi proferido o seguinte despacho: “Face à aceitação pela Sr.ª Administradora da Insolvência das impugnações apresentadas e à falta de qualquer outra resposta, o que, nos termos do n.º 3, do artigo 131.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, determina a procedência das impugnações, conclua após findar a apreensão dos bens que integram a massa insolvente” (ref.ª 81501291). Este despacho foi notificado ao Ilustre mandatário da insolvente através de notificação eletrónica elaborada em 7 de fevereiro de 2018 (ref.ª 81531829).

Mesmo que se admita que, pelo facto de não ter sido notificado da lista de credores reconhecidos, por ter sido apresentada para lá do decurso do prazo que resultava do que foi fixado na sentença que declarou a insolvência, se verifica uma irregularidade com influência na causa, por obstar à impugnação da lista de credores reconhecidos, com a consequente nulidade prevista na parte final do n.º 1 do artigo 195.º do Código de Processo Civil, estava em causa questão que não cumpria apreciar na sentença objeto de recurso.

Com efeito, não tendo a insolvente, na sequência das referidas notificações das impugnações da relação de créditos não reconhecidos e do despacho com a ref.ª 81501291, arguido a nulidade da mencionada omissão, pelo menos, quando foi proferida a sentença estava sanada nos termos que resultam da parte final do n.º 1 do artigo 199.º, do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, com o devido respeito por opinião contrária, não se verificam as apontadas nulidades”.

Concordamos.

Na resolução do conflito entre as partes terá de existir um necessário equilíbrio entre a certeza e a segurança, no qual assume papel regulador o direito processual, enquanto direito instrumental, ao regulamentar os meios/forma pelos quais se poderá/deverá alcançar a reafirmação do direito que se tem por violado.

As nulidades são essencialmente sanáveis pela inércia da pessoa a favor da qual a nulidade foi estabelecida, quando um determinado requisito é estabelecido no interesse de uma das partes ou de determinado interveniente processual, o que decorre do disposto nos art.ºs 197.º e 199.º  que prescrevem o prazo geral de 10 dias a contar, ou a partir da intervenção da parte ou do mandatário no processo, posteriormente à prática do acto indevido ou à omissão do acto devido, ou a partir da notificação da parte para qualquer termo do processo, presumindo-se que por esta forma o interessado tomou conhecimento da nulidade.

O princípio do inquisitório deve ser compatibilizado/harmonizado com o princípio da autorresponsabilidade das partes - cada uma delas onerada com o respetivo ónus probatório, nos moldes legais. Por isso, as nulidades processuais secundárias, inominadas ou atípicas, previstas no nº1, do art.º 195º, têm um regime específico de arguição e devem obedecer a meio próprio: têm de ser arguidas pela parte, dentro do prazo e pela meio processual reclamação, sob pena de sanação.

O direito “falimentar” contido no Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março, e em muito renovado pela Lei nº 16/2012, contém como notas mais impressivas as da desjudicialização e celeridade, cujos traços vão marcando o respectivo regime. Em particular, quanto ao apenso de verificação e graduação, a plataforma de base é agora sustentada no trabalho do administrador da insolvência. Acrescem, depois, um conjunto combinado de preclusões e de cominações, de cariz estritamente processual, que se vão sucedendo em contínuo fluxo de aceleramento.

Ora, em 11 e 18 de janeiro de 2018 o ilustre mandatário da insolvente foi notificado da impugnação da relação de créditos, apresentada, respetivamente, pelas credoras V(…), Lda. e G(…), Lda. (ref.ª 2708408 [27863110] de 11-01-2018, 2722502 [27937252] de 18-01-2018). Mais, em 22 de janeiro de 2018 e 1 de fevereiro de 2018 a administradora da insolvência respondeu às impugnações (requerimentos de 22-01-2018 e 01-02-2018), tendo sido em 6 de fevereiro de 2018 proferido o seguinte despacho: “Face à aceitação pela Sr.ª Administradora da Insolvência das impugnações apresentadas e à falta de qualquer outra resposta, o que, nos termos do n.º 3, do artigo 131.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, determina a procedência das impugnações, conclua após findar a apreensão dos bens que integram a massa insolvente” (ref.ª 81501291).

Este despacho foi notificado ao mandatário da insolvente através de notificação eletrónica elaborada em 7 de fevereiro de 2018 (ref.ª 81531829).

A partir destas datas a insolvente, através do seu advogado, tomou conhecimento presumido, pelos conhecimentos técnico jurídicos do mandatário, de que estava em andamento o procedimento previsto nas normas dos artigos 128.º e segs. do CIRE, o qual iria culminar na respectiva sentença de verificação e graduação de créditos. A partir destas datas, começa a correr o prazo para invocar os vícios processuais da sua não notificação, o que não fez.

Por isso, na sentença de verificação e graduação dos créditos foi afirmado que não havia “nulidades, questões prévias ou incidentais”, procedendo-se à verificação e graduação dos créditos. Não o exercendo naquele momento, extinguiu-se o seu direito de o invocar nesta fase processual

Não o tendo feito, as invocadas nulidades secundárias estão sanadas, não podendo ser atendidas em sede de recurso.

Como esclarece a 1.ª instância, (… a invocada falta de notificação da lista definitiva de credores elaborada pela administradora da insolvência e alegada omissão por parte da mesma, ou do tribunal, ou não ter avisado a insolvente de que a lista de credores tinha sido junta aos autos (independentemente da questão de saber se estava ou não obrigado a fazê-lo), “é um ato (por omissão) que se insere, sem qualquer dúvida, na mesma cadeia de atos processuais que conduziu e culminou na sentença de graduação de créditos”. Daí que, tendo sido proferida sentença de verificação e graduação dos créditos, o meio próprio para reagir à invocada nulidade, em relação aos atos anteriores à sentença, não é o que foi utilizado pela insolvente, pelo que é de indeferir a alegada nulidade relativa à falta de notificação da relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos e, bem assim, o pedido de notificação desta relação”.

Pelo exposto, improcedem as conclusões de recurso apresentadas pela recorrente, mantendo-se a decisão da 1.ª instância.


(…)

3.Decisão

Assim, na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo do Comércio de Viseu – Juiz 2.

As custas ficam a cargo da massa insolvente.

Coimbra, 4 de Maio de 2021

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(António Freitas Neto- 1.º adjunto)

(Paulo Brandão – 2.º adjunto)