Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
98549/13.0YIPRT-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: EXECUÇÃO
CONDENAÇÃO DO CONDOMÍNIO
DEMANDA DOS CONDÓMINOS
RESPONSABILIDADE EXECUTIVA
Data do Acordão: 04/27/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JL CÍVEL DA GUARDA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 601º A 603º E 833º DO CCIVIL;735º, NºS. 1 E 3, E 784º DO CPC.
Sumário: I- Em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal os respetivos condóminos podem ser igualmente demandados/executados na medida ou proporção das respetivas quotas, ou seja dos limites dos valores das frações de que são proprietários (vg. expressos em permilagens).

II- A regra é que numa execução estão a ela sujeitos todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda, podendo inclusive ela estender-se à penhora de bens de terceiros que estejam vinculados à garantia do crédito exequendo.

III- Todavia, essa regra sofre, porém, de algumas mitigações/restrições, e entre as quais assume particular importância uma que é imposta pelo princípio da proporcionalidade da penhora, e que se traduz no dever da penhora se limitar apenas aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (assim se pretendendo evitar uma excessiva, onerosa, e desnecessária afetação da posição do devedor).

Decisão Texto Integral:






Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. Por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que (sob o nº 98549/13.0YIPRT) correm termos no Tribunal Judicial da Comarca Guarda (Juízo Local Cível da Guarda), A... e M..., casados entre si, e nos quais são ali executados (entre outros), deduziram contra S..., SA. (ali exequente), e todos com os demais sinais dos autos, incidente de oposição à penhora (a que se reportam os presentes autos).

Para o efeito, e em síntese, alegaram o seguinte:

Os oponentes são proprietários e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra L do prédio Condomínio do Edifício sito na Rua ..., e que o título executivo que serve de base à execução é a sentença proferida na ação declarativa de condenação que correu os seus trâmites no Juizo Local Cível da Comarca da Guarda – Juiz 2 sob o n.º 98549/13.0YIPRT -, interposta pela aquela ora exequente contra o referido condomínio (ora também executado).

A sua fração, que faz parte integrante daquele prédio constituído em condomínio (propriedade horizontal), tem a permilagem de 38,3.

A dívida exequenda (que motivou a aludida ação) reporta-se a serviços (não pagos) de manutenção do elevador do prédio do condomínio levados a efeito pela exequente.

A quantia global exequenda inicialmente peticionada no processo executivo cifrava-se em €5.609,20, sendo que o capital em dívida de €4.732,90, muito embora a quantia reclamada pelo sr. agente de execução (AE), quando os ora opoentes foram citados para execução, atingia a quantia global €19.196,00 (reportando-a à quantia global do condomínio).

Acontece que no âmbito da aludida execução, por ordem do sr. AE, foram-lhe penhoradas várias quantias que possuíam e de diversas contas bancárias (que a descriminam e identificam no seu requerimento/articulado inicial), atingindo o montante total de €39.911,71.

Quantia essa que ultrapassa em muito não só a quantia exequenda reclamada do condomínio, como ainda mais aquela a que os opoentes estão obrigados a pagar, pois que apenas devem ser responsabilizados nesse pagamento pelo valor correspondente à proporção/quota da permilagem daquela sua fração do prédio/edifício do condomínio, havendo assim um manifesto excesso de penhora naqueles seus bens.

Antes de deduziram a presente oposição os opoentes ofereceram ao sr. AE o pagamento da quantia correspondente ao valor resultante daquela sua permilagem, solicitando-lhe inclusive que lhe remetesse as guias para o efeito, o que mesmo não aceitou.

Pelo que terminaram pedindo que seja reconhecido que:

a). As quantias penhoradas aos opoentes nas suas contas bancárias no total de €39.911,71, excedem, em mais do dobro, a quantia imputada pelo senhor agente de execução ao conjunto do condomínio €19.196,00 (e esta já de si excessiva face à quantia exequenda inicialmente reclamada pela exequente no valor de €5.609,20);

b) Os opoentes não têm, na presente execução, de pagar mais do que na medida do limite do valor da sua fração, ou seja na proporção da permilagem da sua fração;

c) Os embargantes têm o direito/dever de pagar a quantia exequenda na proporção da indicada permilagem da sua fração, devendo o senhor agente de execução passar as correspondentes guias para esse pagamento e remetê-las ao escritório do mandatário dos embargantes, devendo, ainda, uma vez realizado esse pagamento, proceder ao levantamento das penhoras de todas as contas bancárias.

No final juntaram prova documental.

2. Após ter sido admitida liminarmente, e depois de ter sido citada para o efeito, a exequente a contestou a referida oposição, pugnando pela improcedência da mesma, defendendo não ocorrer qualquer excesso de penhora (e daí não haver lugar para levantar ou reduzir a penhora efetuada), contraditando/impugnando ainda o essencial da versão factual aduzida pelos opoentes e conclusões jurídicas por eles extraídas, alegando ainda que a execução que corre contra os executados tem também como base (e como título executivo) a falta de resposta dos executados/opoentes à notificação pelo AE para proceder à penhora dos créditos/débitos do executado condomínio o que os fez cair na alçada da previsão do artº. 777º, nº. 3 do CPC).

No final não arrolou qualquer prova.

3. A solicitação do tribunal, o sr. AE veio também responder, alegando não corresponder à verdade o alegado pelos opoentes/executados, tendo só sido penhorado a cada um deles a quantia de saldos bancários no montante €1.599,67 euros, após o que requereu de imediato o levantamento do bloqueio das quantias remanescentes dos saldos bancários que haviam sido bloqueados.

4. Mais tarde e à luz dos elementos probatórios existentes nos autos, foi proferida sentença que, no final, decidiu julgar improcedente o incidente de oposição a penhora deduzido pelos sobreditos executados/opoentes, absolvendo a exequente do pedido.

5. Inconformado com tal sentença decisória, os executados/opoentes dela apelaram, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

...

6. Contra-alegou a exequente pugnando pela improcedência do recurso.

7. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


II- Fundamentação

1. Do objeto do recurso.

Com sabido, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, ex vi artºs. 852º e 853º, nº. 1, do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do recurso dos executados/opoentes/apelantes delas resulta que as questões nelas colocadas, e de que aqui nos cumpre apreciar, são as seguintes:

a) Da nulidade da sentença;

b) Da impugnação/alteração da decisão de facto;

c) Do excesso (ou não) de penhora.

2. Pelo tribunal da 1ª. instância foram dados como provados os seguintes factos (mantendo-se na sua descrição a otografia, a ordem e a numeração que constam na sentença recorrida, até para melhor compreensão da impugnação deduzida à decisão de facto, feita com referencia a essa numeração):

1) Por sentença proferida em 4 de Março de 2014 foi conferida força executória ao requerimento injuntivo intentado pela S..., SA, aqui exequente, contra o demandado Condomínio do Edifício sito na Rua ..., nos termos do qual vinha peticionado a condenação do réu no pagamento da quantia global de €4.732,90.

2) Na data de 23 (e não 28 como, cremos, por manifesto de escrita se exarou, e tal como decorre da data de envio eletrónico a tribunal do requerimento/petição inicial) de Maio de 2014 a exequente intentou execução de sentença nos próprios autos, para pagamento de quantia certa, contra o executado Condomínio do Edifício sito na Rua ..., com vista à cobrança coerciva do montante global de €5.609,20, sendo €4.732,90 (e não €21.000,00, como por manifesto lapso de escrita se exarou, e tal como resulta do respetivo requerimento executivo e também o reconhecem os próprios apelantes nas sua alegações de recurso) a título de capital, acrescido de €846,39 a título de juros de mora.

3) Os oponentes são proprietários e legítimos possuidores da fração autónoma designada pela letra L do Condomínio aqui executado, sendo a permilagem da referida fracção de 38,3.

4) Por despacho proferido a 6 de Dezembro de 2019 foi admitida a cumulação da execução referida em 2) com a execução para pagamento de quantia certa instaurada pela exequente contra o mesmo executado, com vista à cobrança coerciva do montante global de €11.071,18, sendo €10.167,00 a título de capital, acrescido de €904,18 a título de juros de mora.

5) Na data de 9 de Janeiro de 2020 o Sr. Agente de execução efetuou pedido de bloqueio das contas tituladas individual ou conjuntamente pelos oponentes nas instituições bancárias C..., SA, C..., Banco C..., SA, e Banco S..., SA, tendo aquelas instituições acedido ao bloqueio na mesma data.

6) Na sequência do descrito em 5), o Sr. Agente de execução procedeu à penhora da quantia de €1.599,67 titulada pela oponente M... na conta à ordem n.º ..., domiciliada na C..., SA; e da quantia de €1.599,67 titulada pelo oponente A... na conta à ordem n.º ..., domiciliada na Banco C..., SA.

7) Na data de 15 de Janeiro de 2020 o Sr. Agente de execução efetuou pedido de levantamento de bloqueio das contas tituladas individual ou conjuntamente pelos oponentes nas instituições bancárias melhor descritas em 5), tendo aquelas instituições deferido o levantamento do bloqueio na mesma data.

8) Na data de 16 de Janeiro de 2020 os aqui oponentes A... e M...  foram citados para a presente execução.

Factos não provados (dados pelo mesmo tribunal)

Não se provou que aos aqui oponentes tenha sido penhorado, no âmbito da presente execução, um montante global de €39.911,71, correspondente à soma das seguintes quantias:

A. €2.443,60 na conta à ordem n.º ..., que a embargante possui na C..., SA. .

B. €16.672,44 na conta a prazo n.º ..., que a embargante possui na mesma instituição bancária.

C. €9.192,54 na conta à ordem n.º ... que os embargantes possuem no B..., SA. .

D. €10.003,46 na conta a prazo (e não à ordem, dizemos nós, como por manifesto lapso de escrita se exarou, face ao que consta do ponto 6 dos factos provados e aos documentos docs. juntos a esse propósito e adiante referidos) n.º ... que os embargantes possuem na mesma instituição bancária.

3. Quanto à 1ª. questão.

- Da nulidade da sentença.

Muito embora o não façam expressamente, ao alegarem que o tribunal a quo não se pronunciou o sobre os pedidos que acima se deixaram exarados sob as als. b) e c) do seu petitório final, estão implicitamente a invocar a nulidade da sentença por omissão de pronuncia.

Apreciemos.

Como é sabido, as nulidades da sentença encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC e têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

Dispõe-se no invocado artº. 615º, nº. 1 al. d) do CPC, que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”. (sublinhado nosso)

Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma – aqui em causa, pois que a nulidade invocada pelo apelante é sustentada numa omissão de pronúncia) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).

Preceito legal esse que deve ser articulado com o nº. 2 no artº. 608º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” (sublinhado nosso)

Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, o primeiro traduzido no dever de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras), e o segundo (que, como vimos, aqui não é colocado em causa pelos apelantes) traduzido no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).

Como é sabido, constitui communis opinio que o conceito de “questões”, a que ali se refere o legislador, deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º., 3ª. ed., Almedina, págs. 713/714 e 737.”)

Porém, e como constitui igualmente entendimento prevalecente, não há omissão de pronúncia quando a matéria/questão tida por omissa ficou implícita ou tacitamente decidida no julgamento da matéria/questão com ela relacionada.

Tendo presentes tais conceitos/considerações, e reportando-nos ao caso em apreço:

Decorre da leitura fundamentação direito da sentença, por um lado, o reconhecimento e a conclusão de que os executados/opoentes, enquanto proprietários/condóminos do edifício/prédio do condomínio executado (devedor originário da quantia reclamada pela exequente motivada pelo não pagamento dos serviços prestados ao mesmo/partes comuns - vg. ascensores) são não só responsáveis pelo pagamento dessa dívida, mas também que o são apenas na medida da proporção do valor da sua quota que representa a sua fração no todo do condomínio, expressa, in casu, na permilagem de 38,3 (apoiando-se, inclusive, na jurisprudência ali citada apontando nesse sentido).

Por outro lado, decorre ainda da aludida fundamentação da sentença e respetiva decisão que, não obstante tal reconhecimento, o tribunal a quo veio a concluir não haver, in casu, excesso de penhora (se o fez de forma acertada ou não – à luz dos factos e/ou do direto -, isso nada tem a ver com o invocado vício de nulidade, pois que, como supra deixámos expresso, o mesmo, tal como os demais previstos no citado artº. 615º do CPC, não se confunde com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito, e que adiante iremos apreciar).

Sendo assim, é de concluir que, ainda de forma implícita ou tácita, as questões a que se reportam os referidos pedidos insertos nas als. b) e c) do seu petitório final (e que, no fundo, são uma decorrência do verdadeiro pedido principal formulado sob a al. a) desse petitório) foram apreciadas/julgadas.

Em conclusão, a sentença não padece do sobredito vício de nulidade.

4. Quanto à 2ª. questão.

- Da impugnação/alteração da decisão de facto.
...
Termos, pois, em quem que também nessa parte improcede a impugnação.
Em conclusão, improcede a impugnação deduzida pelos apelantes à decisão da matéria de facto, a qual se mantém intangível (embora com as correções/retificações dos lapsos de escrita assinalados nos respetivos pontos que acima se deixaram descritos).

5. Quanto à 3ª. questão.

- Do excesso (ou não) de penhora.

A essa questão tem a ver com o fundo/o mérito da causa (incidente de oposição à penhora), e que, in casu, se traduz em saber se houve ou não excesso de penhora dos bens dos executados/opoentes e, em caso de resposta afirmativa, em que medida e das suas consequências?

Vejamos.

Como é sabido, e naquilo que para aqui importa, um dos fundamentos com que os executados se podem opor à penhora dos seus bens tem a ver com a extensão com que a mesma foi realizada, ou seja, e por outras palavras, quando haja excesso de penhora (cfr. artº. 784º, nº. 1 al. a), do CPC).

A regra é que numa execução estão a ela sujeitos todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva (vg. artºs. 601º a 603º e 833º do CC) respondam pela dívida exequenda (artº. 735º, nº. 1, do CPC), podendo inclusive ela estender-se à penhora de bens de terceiros, ou seja, o direito de execução pode incidir sobre bens de terceiros quando, além do mais, estejam vinculados à garantia do crédito exequendo (cfr. nº. 2 do citado artº. 735º do CPC e 818º do CC).

Esta regra sofre, porém, como bem se assinala na decisão recorrida, de algumas mitigações, e dentre elas, e naquilo que para aquilo aqui releva, assume particular importância uma que é imposta pelo princípio da proporcionalidade da penhora, e que se traduz no dever da penhora se limitar apenas aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, assim se pretendendo evitar uma excessiva, onerosa, e desnecessária afetação da posição do devedor.

Principio esse que se encontra espelhado no nº. 3 do citado artigo 735.º do CPC ao nele se dispor que «a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor». (negrito e sublinhado nossos)
Perante tal, e com vista a dar resposta à questão acima colocada, importa saber qual o montante da dívida exequenda e bem assim das despesas previsíveis da execução.
Importa relembrar, antes de mais, que a dívida exequenda que motivou a instauração da execução (e como decorre do título que lhe serviu de base) reporta-se a serviços (não pagos) de manutenção do elevador do prédio do condomínio levados a efeito pela exequente, e do qual os ora executados/opoentes (a semelhança de outros) são condóminos, pois que são donos de uma fração autónoma, designada pela letra L, nele integrada, a qual possui a permilagem de 38,3 %.
Vem constituindo entendimento dominante – seguido pelo tribunal a quo, e do qual as partes não discordam, e daí não desenvolvermos a temática – que em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio de um prédio constituído em propriedade horizontal (como aconteceu no caso em apreço), os respetivos condóminos podem ser igualmente demandados/executados na medida ou proporção das respetivas quotas, ou seja, dos limites dos valores das frações de que são proprietários (Nesse sentido vide, entre outros, Ac. do TRL de 27/06/2019, proc. 21989/18.8T8SNT.L1-6; e Ac. da RP de 24/01/2017, proc. YYPRT-B.P1demais jurisprudência neles citada -, disponíveis em www.dgsi.pt, Sandra Passinhas, inA Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2000, págs. 330/339”; Miguel Mesquita, in “A Personalidade Judiciária do Condomínio nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, Cadernos de Direito Privado, nº 35, Julho/Setembro 2011, págs. 41/50e Rui Pinto , in “A Execução de Dívidas do Condomínio, Novos Estudos de Processo Civil, 1, pág. 181/183”).

 Os executados/opoentes aceitam essa sua responsabilidade, na proporção da sua quota (representada pelo valor da sua fração) no prédio/edifício do Condomínio, e correspondente, como vimos, a 38,3%º da sua permilagem.

O que discordam é do montante total da quantia exequenda considerado na sentença (de €16.689,38 resultante da soma da quantia exequenda referente à 1ª. execução, referida no ponto 2) dos factos provados, no valor de €5.609,20, e da quantia exequenda da 2ª. execução cumulada com a 1ª., e a que se  reporta o ponto 4) dos factos provados, no valor de €11.071,18), defendendo, em primeira linha, que esse valor se cifra apenas no montante de €11.071,18, pois que neste valor (na 2ª. execução) já se contem/está inclui aquele valor daquela 1ª. execução.

Determinemos então o valor total da quantia exequenda.

A 1ª. execução (a que se alude no ponto 2) dos factos provados) foi instaurada, (em 24/05/2014) pela exequente contra o executado Condomínio nos termos que se deixam transcritos:

« (…) Factos:

Em 3.7.2013, a Exequente deduziu injunção contra o Executado para cobrança de 4.732,90 €

Por sentença proferida no processo 98549/13.0YIPRT, do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, foi conferida força executiva à sobredita injunção.

Na data de apresentação deste requerimento os juros de mora sobre o referido valor ascendem a 320,97 €.

Ao abrigo do disposto nos arts. 447-Dº do Código de Processo Civil e 25º e 26º do Regulamento das Custas Processuais, a Exequente remeteu ao Executado através de carta registada a nota discriminativa e justificativa das suas custas de parte em 13 de Março de 2014 (cf. docs. 1 a 3).

O Executado não pagou os 553,28 € referentes às custas de parte da Exequente.

A este valor acrescem juros de mora à taxa máxima estabelecida na lei fiscal, que neste momento ascendem a 2,05 €.

Assim sendo, é a Exequente credora do Executado por 5.609,20 €, sem prejuízo dos juros moratórios vincendos calculados à taxa aplicável aos créditos comerciais sobre 4.723,90 € e à taxa máxima estabelecida na lei fiscal sobre o valor das custas de parte, até integral pagamento.

LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO:

Valor Líquido: 4.732,90 €

Valor dependente de simples cálculo aritmético: 876,30 €

Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €

Total: 5.609,20

A dívida exequenda ascende a 5.609,20 €, que corresponde à soma de:

a) 4.732,90 € de valor base da condenação;

b) Juros de mora à taxa legal aplicável às operações comerciais vencidos até ao presente momento, no montante de 320,97 €;

c) Custas de parte no valor de 553,28 €;

d) Juros de mora à taxa máxima estabelecida na lei fiscal sobre o montante aludido em c) desde 19.3.2014 até à presente data no valor de 2,05 €.

A estes montantes acrescem os juros moratórios vincendos calculados à taxa aplicável aos créditos comerciais sobre o capital vencido e à taxa máxima estabelecida na lei fiscal sobre o valor das custas de parte, até integral pagamento. »

Por sua vez, a 2ª. execução (a que se alude no ponto 4) dos factos provados) foi instaurada (em 02/12/2019) pela exequente contra vários executados condóminos do sobredito Condomínio, entre quais se encontram os ora opoentes/apelantes, nos termos que se deixam transcritos:

« (…) Factos

A Exequente, em 23 de Maio de 2014, intentou contra o Condomínio do Edifício sito na Rua ..., também denominado Condomínio do Edifício sito na Rua ..., e que na presente acção se apurou ter a denominação Condomínio do prédio sito no B…, acção executiva para cobrança da quantia de 5.609,20€, acrescida de juros moratórios vencidos até integral pagamento, acção executiva essa que corre termos pelo Juízo Local Cível da Guarda - Juiz 2 com o número 98549/13.0YIPRT.1.

Em 29 de Novembro de 2018, os aqui Executados foram - na qualidade de Condóminos do Condomínio do Edifício sito na Rua ... - notificados da penhora das respectivas quotizações devidas ao sobredito Condomínio, até perfazer o montante de 10.167,00 €.

Nenhum dos Executado se pronunciou sobre essas notificações o que equivale ao reconhecimento de que o crédito existe.

Nenhum deles, porém depositou qualquer quantia à ordem do processo.

De qualquer maneira a responsabilidade pelo pagamento da dívida exequenda no processo 98549/13.0YIPRT.1 sempre será dos aqui Executados - cf. sentença proferida no processo ... que correu termos pelo Juízo Central Cível de Lisboa - Juiz 5, que se junta como documento 1 e se dá por integralmente reproduzida.

Aos 10.167,00€ acrescem juros moratórios vencidos e vincendos até integral pagamento, calculados desde 29.11.2018 às taxas legais sucessivamente aplicáveis às operações comerciais. ascendendo os computados até à presente data a 904,18 €.

A Exequente é assim credora dos ora Executados e estes seus devedores solidários e solidariamente com o Condomínio do Edifício sito na Rua ... pela quantia de 11.071,18 €, sem prejuízo dos juros moratórios vincendos até integral pagamento.

LIQUIDAÇÃO DA OBRIGAÇÃO:

Valor Líquido: 10.167,00 €

Valor dependente de simples cálculo aritmético: 904,18 €

Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 €

A dívida exequenda ascende a 11.071,18 €, assim discriminada:

a) 10.167,00 € quantia que os Executados reconheceram dever, e

b) 904,18 € de juros moratórios vencidos desde 29.11.2018 até à presente data, calculados às taxas legais sucessivamente aplicáveis às operações comerciais. »

Por despacho de 06/12/2019 (referencia ...) foi, à luz do disposto no artº. 711º, nº. 1, do CPC, admitida a cumulação das aludidas execuções.

Ora, do cotejo teor dos dois aludidos requerimentos executivos, e considerando tudo aquilo que supra se deixou referenciado sobre a origem da dívida e que motivou a instauração da 1ª. execução e a responsabilidade dos condóminos também por ela em sede executiva, e socorrendo-nos ainda daas regras da hermenêutica interpretativa plasmadas nos artºs. 236º, 237º e 238º ex vi artº. 295º do CC, somos levados a concluir (tal como o fazem os apelantes) que o valor da quantia exequenda referente à 1ª. execução está incluído no valor da quantia exequenda (€11.071,18) referente à sobredita 2ª. execução, não vislumbrando, aliás, salvo o devido respeito, razões para assim não considerar, ou seja, que nos levem a concluir de forma diferente.

Termos, pois, em que se deve considerar que o montante da quantia exequenda para efeitos de penhora a que se reportam os autos de execução, se cifra em €11.071,18.

Valor esse que, à luz do princípio da proporcionalidade consagrado no citado artº. 735º, nº. 2, do CPC, e para efeitos de penhora, deve ser acrescido ainda das despesas previsíveis da execução, as quais, in casu, - e ao abrigo do mesmo normativo legal, e sem prejuízo de ulterior liquidação - se presumem (pois que nada existe nos autos que permite ilidir essa presunção) no valor de 10% do valor da execução, o qual na sentença recorrida foi fixado (com trânsito em julgado nessa parte) em €16.689,38 (acima da alçada do tribunal de comarca e abaixo da alçada das Relação). Donde que se deva considerar que o valor das despesas previsíveis da execução se cifra em €1.107,12.

Ora, somando aquela quantia exequenda (€11.071,18) com esta última (€1.107,12), referente às previsíveis despesas da execução, obtém-se a quantia total de €12.178,30, para efeitos do limite do valor da penhora nos autos de execução aqui em causa, à luz do princípio da proporcionalidade consagrado no citado artº. 715º, nº. 3, do CPC.

Pelo pagamento desse valor os executados/opoentes/ora apelantes são apenas, pelas razões que acima deixámos expressas, responsáveis na proporção do valor sua quota (representada pela sobredita fração L de que ambos são proprietários e possuidores) no prédio/edifício constituído em regime de propriedade horizontal, ou seja, no Condomínio/executado, e que, in casu, corresponde à permilagem de 38,3 (assim se expressando o valor daquela quota).

Aplicando o valor dessa quota ao total daquele montante €12.178,30 (que corresponde, como vimos, ao limite do valor da penhora) daí resulta que os executados/opoentes/ora apelantes apenas podem ser responsabilizados pelo pagamento da quantia de €466,43 (€466,45 arredondado por excesso).

Ora, tendo-lhes sido penhorados saldos bancários na quantia total de €3.199,34 –  correspondente às importâncias parcelares de €1.599,67 X 2 que foram penhoradas na conta que cada um deles é titular (cfr. ponto 6 dos factos provados) – verifica-se que (face ao disposto no citado nº. 3 do artº. 735º do CPC) houve um excesso de penhora no montante de €2.732.90 (arredondado por defeito, pois que aquele montante se cifrava em € 2.732.91).

Penhora essa essa - levado a efeito nos autos de execução – que deverá, assim, ser reduzida nesse montante (de forma a apenas subsistir, por ora, a penhora daquela quantia de €466,45).

Efetuada essa redução, e encontrada que está a medida da responsabilidade dos executados pelo pagamento da quantia exequenda, estão os executados/opoentes em condições de desencadear os necessários mecanismos (tal como deverá fazer igualmente o sr. AE com vista ao levantamento dos saldos bancários penhorados em excesso) processuais com vista a liquidar a sua responsabilidade, por via do pagamento da quota/proporção a que estão obrigados, na execução, e obter a extinção desta contra si (cfr. artºs. 846º, 847º e 849º, nº. 1 al. a), do CPC).

Termos, pois, em que perante o que se deixou exposto, e na sua exata medida, se decide julgar procedente o recurso, revogando-se a sentença recorrida.


III- Decisão

Assim, em face do exposto, acorda-se, na procedência do recurso, em revogar a sentença recorrida da 1ª. instância (relativa ao incidente de oposição à penhora), e, em consequência, ordenar a redução da penhora nos termos e moldes que supra se deixaram referidos.

Custas pela exequente/apelada/contra-alegante (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).

Sumário:

I- Em sede de instância executiva de sentença proferida contra o condomínio de um prédio constituído em regime de propriedade horizontal os respetivos condóminos podem ser igualmente demandados/executados na medida ou proporção das respetivas quotas, ou seja, dos limites dos valores das frações de que são proprietários (vg. expressos em permilagens).

II- A regra é que numa execução estão a ela sujeitos todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda, podendo inclusive ela estender-se à penhora de bens de terceiros que estejam vinculados à garantia do crédito exequendo.

III- Todavia, essa regra sofre, porém, de algumas mitigações/restrições, e entre as quais assume particular importância uma que é imposta pelo princípio da proporcionalidade da penhora, e que se traduz no dever da penhora se limitar apenas aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (assim se pretendendo evitar uma excessiva, onerosa, e desnecessária afetação da posição do devedor).


Coimbra, 27/04/2021

Isaías Pádua

Maria Teresa Albuquerque

Luís Falcão de Magalhães