Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
113/19.5T9NLS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: INJÚRIA; BEM JURÍDICO PROTEGIDO; LIBERDADE DE EXPRESSÃO
DE OPINIÃO E DE INFORMAÇÃO; PARTICIPAÇÃO NA VIDA POLÍTICA; COACÇÃO CONTRA ÓRGÃOS CONSTITUCIONAIS; ELEMENTOS TÍPICOS DO CRIME; “IMPEDIR”; FACTOS PRATICADOS CONTRA MEMBRO DE ÓRGÃO DE AUTARQUIA LOCAL
Data do Acordão: 06/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE NELAS)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 181.º DO CP, ART. 10.º DA LEI N.º 34/87, DE 16 DE JULHO
Sumário: I - É a protecção dos direitos relativos à integridade moral das pessoas, como a honra e a reputação, que as normas dos arts. 180º e 181º do CP visam acautelar.

2. No conceito de honra inclui-se quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior, consubstanciando-se na pretensão, constitucionalmente protegida, de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade, mesmo enquanto homem político.

3. O exercício do direito de liberdade de expressão e de informação, ainda que a coberto da liberdade de imprensa, não justifica, só por si, a imputação a outra pessoa de factos ou a formulação de juízos ofensivos da sua honra e consideração.

4. Não é juridicamente aceitável que, em nome das liberdades de expressão, de opinião e de informação, se ofenda, injustificada e imerecidamente, a honra e a consideração de outra pessoa, mesmo que no âmbito do direito de participação na vida política e relativamente a assuntos do interesse público, como são os que se referem à gestão de uma autarquia.

5. «Impedir» para os termos do crime de coacção sobre órgãos constitucionais, previsto e punido pelo artigo 10º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, significa impossibilitar, por qualquer forma não violenta, ainda que de forma transitória ou precária, o livre exercício de funções, no caso, de um membro de um órgão camarário, constrangendo-o, levando-o (com a pressão efectuada), a tomar uma decisão – à partida não desejada - sobre a sorte daquela reunião.

Decisão Texto Integral:
RECURSO N.º 113/19.5T9NLS.C1
Processo Comum Singular
Crime de injúria agravada
Crime de coacção contra órgãos constitucionais
Perfectibilização dos delitos
Juízo de Competência Genérica de Nelas
Tribunal Judicial da comarca de Viseu

Acordam, em conferência, na 5ª Secção - Criminal - do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I - RELATÓRIO
           
            1. A SENTENÇA RECORRIDA

No processo comum singular n.º 113/19.... do Juízo de Competência Genérica ... – comarca ... -, por sentença datada de 17 de Novembro de 2021, foi decidido: 
· a)- Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de injúria agravada, p. e p. pelas disposições dos artigos 181º, n.º 1 e 184º, por referência à alínea l) do n.º 1 do artigo 132º, todos normativos do Código Penal (doravante CP), perpetrado na pessoa do assistente BB, na pena de 100 (cem) dias de multa;
· b)- Condenar o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um coacção contra órgãos constitucionais, p. e p. pelo artigo 10º, nºs 1, 3 e 4 da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de Abril, na pena de 5 meses de prisão, substituídos por 150 dias de multa;
· c)- Condenar o mesmo arguido, em cúmulo jurídico, na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 10, o que perfaz a quantia pecuniária de € 2000;
· d)- Condenar o demandado AA a pagar ao demandante BB a quantia de € 1500, a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos à taxa de 4% ao ano, desde 18/11/2021 até efectivo e integral pagamento.

            2. O RECURSO
Inconformado, o arguido recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«I. AA identificado nos autos e neles arguido, não se conformando com o teor da douta Sentença neles exarada, vem dela interpor recurso penal para o Tribunal da Relação de Coimbra. Tendo o presente recurso efeito suspensivo, porque interposto por sujeitos dotados de legitimidade (Cfr. arts. 407º/1, al. a), 406º/1, al. a) e 401º/1, al.b), todos do C. P. Penal.
II. Compreende o ora recorrente, que o tribunal a quo valorou erradamente a matéria fáctica produzida nem tão pouco fez uma adequada subsunção da mesma às disposições legais, o que in casu resulta numa incorrecta aplicação do Direito.
III. Resulta dos autos de sentença, em nosso entender, que não só a prova produzida em julgamento, que suporta a decisão de que ora se recorre, é manifestamente insuficiente, nomeadamente para dar como provados os factos 7. a 13. e 19. a 21., como foi cabalmente errada a sua valoração, causando a infausta condenação do arguido em crime de injuria agravada e bem assim de coacção contra órgãos constitucionais.
IV. As expressões usadas pelo ora recorrente nos pontos 3. e 4. dos factos provados não decorre de uma conduta ilícita, por atentar contra o crédito ou o bom nome do recorrido, antes pelo contrário, insere-se no âmbito da liberdade de expressão e pensamento consagrada constitucionalmente, sendo proferidas estrictamente no âmbito político.
V. Para concluir se uma expressão é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, o meio a que pertencem ofendido/arguido, as relações entre eles, entre outros aspectos.
VI. O direito ao bom-nome e reputação, com consagração constitucional [art.26.º da CRP] conflitua, por vezes, com o princípio constitucional da liberdade de expressão [art.37.º da CRP], o qual se traduz no direito de  exprimir e divulgar livremente o pensamento, bem como o direito de informar, sem impedimentos ou discriminações, sendo que, a ofensa à honra e consideração não pode ser perspectivada em termos estrictamente subjectivos, ou seja, não basta que alguém se sinta atingido na sua honra -, na perspectiva interior/exterior – para que a ofensa exista. O que levaria, se tal se verificasse, numa contracção insustentável do princípio Constitucional da Liberdade de expressão (art.37º da CRP).
VII. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem tem entendido, em vários arestos, que «a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de todas as sociedades democráticas, sendo uma das condições primordiais para o seu progresso e para o desenvolvimento de cada um.»
VIII. É pois, pressuposto da existência de uma sociedade democrática, o pluralismo, a tolerância, o confronto, a critica, sendo reduto inquestionável de concretização destes valores o contexto politico, compreendendo-se assim, que aqui “os limites da critica admissível são mais amplos em relação a um homem politico, agindo na sua personalidade pública” do que em relação a um simples cidadão.
IX. Assim o é porque “o homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus factos e gestos, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos».
X. Ora, uma das manifestações da liberdade de expressão é o direito que cada pessoa tem de exercer o direito de crítica, nomeadamente, a nível político.
XI. As expressões proferidas pelo recorrente, designadamente: “O senhor é um mentiroso. O senhor é um pulha político. (…) “O senhor politicamente nunca foi sério para ninguém” (…) foram-no em contexto de acesa contenda política.
XII. Inclusivamente, o recorrente responde ao assistente/recorrido, quando este lhe diz que “ninguém chama pulha ao Presidente da Câmara”, afirmando e concretizando o significado que para ele assumia a designação de “pulha político”: “É que o senhor diz mentiras! diz mentiras”.
XIII. Significa tal que a afirmação era apenas e tão só reportada a alegadas mentiras políticas que, no entendimento do recorrente, o Presidente da Câmara estava a proferir na reunião do executivo camarário.
XIV. Estas expressões, embora contundentes, agressivas, integram-se num contexto de disputa política e eleitoral, visando a actuação do denunciante enquanto Presidente da Câmara, o seu comportamento político e não o denunciante em si mesmo, o mero cidadão, nem a vida pessoal deste.
XV. As expressões proferidas pelo ora recorrente, concretizam tão só e apenas, o sentido de critica política, porquanto da expressão: “É que o senhor só diz mentiras! Só diz mentiras” conclui-se, natural e previsivelmente, que do contexto em que são proferidas, uma Assembleia Municipal, têm em vista a critica política, visando a actuação do denunciante enquanto Presidente da Câmara e não denunciante em si mesmo, o mero cidadão, nem a vida pessoal deste.
XVI. O Presidente de uma Câmara Municipal, exercendo um cargo público, tem uma maior exposição e tem de se sujeitar à crítica, a qual é comunitariamente aceite, ainda que se recorra a expressões contundentes, desagradáveis, grosseiras. Pese embora, decorrente da exposição normal que o exercício de cargo publico compreende, e bem assim, sujeito a críticas à sua actuação e conformação enquanto tal, o assistente revela laivos de intolerância à critica.
XVII. Compulsada a factualidade recolhida em sede de inquérito, com relevo sobre a matéria, verifica-se que as expressões proferidas pelo arguido foram em resultado das provocações do assistente.
XVIII. Pois que, tais expressões proferidas pelo arguido, conforme resulta da ata da reunião de câmara, só foram utilizadas depois daquelas provocações, sempre com o significado de mentiroso.
XIX. Na verdade, é a própria sentença que o reconhece porquanto, nos factos dados como provados, concretamente no seu ponto 14, o Mmo. Juiz a quo dá como provado que: “À data da reunião referida no facto 3. (10 de Julho de 2019), as relações entre o arguido e o assistente eram tensas, com episódios de altercações entre ambos em reuniões anteriores do executivo camarário, a ponto de, em algumas reuniões, o sr. Presidente apelidar o arguido de “burro”, “jerico”, “palhaço”.
XX. Compulsada a factualidade recolhida em sede de inquérito, com relevo sobre a matéria, verifica-se que as expressões proferidas pelo arguido foram em resultado das provocações do assistente.
XXI. Resulta ainda dos autos que tais expressões foram proferidas enquanto juízo de valor, que se reporta ao contexto da discussão recíproca e insinuações do assistente de que o arguido tudo fez para encerrar a C..., provocando assim deliberadamente o desemprego dos trabalhadores que lá prestavam serviço e prejudicando um negócio local, sem outro propósito ou motivação que não fosse o de retaliação político-partidária.
XXII. Ora, o arguido proferiu as expressões constantes da acta da reunião enquanto manifestação do descontentamento com as insinuações do assistente, no contexto da contenda política, sendo as reuniões de câmara (tal qual como na Assembleia da República) o palco de maior e mais aceso debate político local.
XXIII. Nada se demonstrou no sentido de que com aquelas expressões, tinha o arguido a intenção e actuou com o propósito de humilhar e vexar o assistente, despido da respectiva veste política.
XXIV. Na verdade, e face ao que supra se expõe as expressões proferidas pelo arguido estão cobertas pela liberdade de expressão constitucionalmente garantida e por esta razão deve se considerar não provado que o mesmo tivesse agido com a consciência da punibilidade da sua conduta.
XXV. Pelo exposto, a douta sentença recorrida deverá ser reformada, de acordo com o que antecede, absolvendo-se o arguido da prática de um crime de injuria agravada, previsto e punido pelos art.ºs 180 n.º 1 e 183 n.º 1 al.ª a), ambos do CP, e absolvendo o arguido do pedido de indemnização civil formulado nos autos pelo Ofendido.
XXVI. O arguido está ainda acusado da autoria, na forma consumada, de um crime de coação contra órgãos constitucionais, p. e p. pelo art. 10.º, n.º 1, 3 e 4 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril., sendo que da interpretação do referido artigo o bem jurídico protegido desconhece-se.
XXVII. Considera-se, pois, que o crime objecto dos autos tem na sua génese – como referido na sentença proferida pelo Tribunal a quo – não a mera perturbação do funcionamento do órgão constitucional, outrossim, a coacção do respectivo órgão.
XXVIII. O tipo objectivo de ilícito da coacção consiste em constranger outra pessoa a adoptar um determinado comportamento: praticar uma acção, omitir determinada acção ou suportar uma actividade, sendo que, no encalce deste raciocino quem impediu que a reunião se realizasse foi o assistente, impedindo que o ora recorrente exercesse um (seu) direito á liberdade de expressão.
XXIX. Entendemos que no caso em apreço, ponderando os factos dados como provados, não se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo incriminador.
XXX. Ademais, foi o recorrido/assistente que, por decisão e vontade própria pôs termo à respectiva reunião.
XXXI. Entendemos ainda, que dos factos imputados ao arguido, afigura-se-nos que não fora o comportamento do arguido, exclusivamente, o determinativo do terminus da respectiva reunião, nem o seu comportamento se reconduz a qualquer comportamento reconduzido a coacção nos termos legalmente previsto, antes inserindo-se, tal comportamento, no expectável em sede de reuniões de câmara em que o debate político se torna mais acesso.
XXXII. Outro entendimento, nomeadamente aquele que é subjacente à sentença ora recorrida, leva-nos à negação do legal e legítimo exercício de discussão partidária.
XXXIII. Não resultaram apurados os elementos subjectivos do tipo legal de crime, designadamente, que tenha o arguido actuado com intenção de impedir ou constranger o exercício do órgão autárquico e/ou das funções do assistente, na qualidade de Presidente da Câmara.
XXXIV. Veja-se, ademais, que a ser considerado o alegado comportamento do arguido, este poderia em termos abstractos corresponder à tipificação legal de perturbação, pese embora, neste caso, apenas se mostrariam preenchidos os ilícitos típicos no caso de tal acusação ser ilegítima.
XXXV. Reitera-se, que não podem ser desligadas do contexto em que tais declarações foram proferidas.
XXXVI. O comportamento do arguido, a abstratamente considerar-se vozarias, é atípico e como tal não é objeto de tutela penal e não configura a prática de qualquer crime, (artigo 1.º alínea a) do CPP).
XXXVII. Pelo exposto, e em virtude da experiência comum e da normalidade da vida, tal incriminação redundaria na punibilidade de todo e qualquer comportamento no seio de órgãos autárquicos de freguesia ou municipais. Não sendo a intenção do legislador, em nosso modesto entender, punir tais comportamentos pela sua irrelevância jurídico-penal, tendo presentes os princípios da intervenção mínima e da subsidiariedade do Direito Penal.
XXXVIII. Resultando, assim, por força da referida decisão de condenação e sua fundamentação, violados entre outros, os artigos 32º nº 2, 37º, 202 º nº 2, 205º nº 1, 215º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, 410º nº 2, e 127º do C. Processo Penal e o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por errónea interpretação e aplicação daquelas normas legais.
XXXIX. Pelo exposto, a douta sentença recorrida deverá ser reformada, de acordo com o que antecede, absolvendo-se o arguido da prática de um crime de injúria agravada, previsto e punido pelos arts. 181º/1, d) e 184º, por referência ao disposto na alínea l) do n.º 2 do art 132º, igualmente se absolvendo o arguido do crime de coação contra órgãos constitucionais previsto e punido pelo art. 10.º, n.º 1, 3 e 4 da Lei n.º 34/87, de 16 de julho, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 30/2015, de 22 de abril e absolvendo o arguido do pedido de indemnização civil formulado nos autos pelo ofendido».
 

3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso merece provimento, não defendendo o sentenciado em 1ª instância, pois, em suma, entende que as declarações proferidas pelo arguido o foram no âmbito de uma discussão política acalorada, estando cobertas pela liberdade de expressão constitucionalmente garantida, não sendo punível, opinando ainda, quanto ao segundo delito em causa, que a conduta do arguido não foi exercida sobre o órgão propriamente dito (Câmara) e que a conduta exercida sobre o assistente não impediu e/ou condicionou o seu exercício de funções.
 
4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora Geral Adjunta pronunciou-se, corroborando as contra-alegações do Magistrado do Ministério Público de 1ª instância, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].
             Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso (muito desorganizadas, diga-se de passagem).
Também o é que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar - se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.
Mas também é grave quando o recorrente apresenta fundamentação nas conclusões que não tratou de modo nenhum na motivação.
Estas conclusões (deduzidas por artigos, nas palavras da lei) não devem trazer nada de novo; os fundamentos têm de estar no corpo motivador e são aqueles e só aqueles que são resumidos nas conclusões.
Assim sendo, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
1. Foi mal valorada a matéria fáctica produzida, ou seja, houve erro de julgamento?
2. A prova produzida em julgamento é manifestamente insuficiente para dar como provados os factos 7 a 13 e 19 a 21?
3. Foi feita uma errada subsunção dos factos ao Direito, ou seja, as expressões proferidas pelo arguido não configuram a prática de um crime de injúria agravada?
4. Encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de coacção contra órgãos constitucionais?

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA
            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):

«1. Desde 28 de setembro de 2013 até, pelo menos, à data da acusação (15.01.2021), o assistente BB exerceu as funções de Presidente da Câmara Municipal ....
2. Também no aludido hiato temporal supra referido, o arguido AA exerceu as funções de Vereador da Câmara Municipal ....
3. No dia 10 de julho de 2019, em reunião pública da Câmara ..., que se realizou no edifício da Câmara Municipal de ..., sito Praça ... ..., o arguido disse, em voz alta e de forma repetida, as seguintes expressões, o que fez à frente de todos os presentes e dirigindo-se e referindo-se ao assistente:

Arguido: “O senhor é um mentiroso. O senhor é um pulha político. O senhor é um pulha político.”.
Presidente da Câmara (PC): “Desculpe!?”
Arguido: “Digo outra vez. O senhor é um pulha político! O senhor é um pulha político…”
PC: “Está convidado para ir tomar banho na minha piscina …”
Arguido: “O senhor é um pulha político…”
PC: … e para ver se lava essa boca …
(…)
PC: “Deixe-se desses adjetivos, homem. Eu sou sério …”
Arguido: “O senhor sério!? Nunca foi sério.”
PC: .. não sou pulha …
Arguido: “O senhor nunca foi sério para ninguém…”
PC: …. Sou …
Arguido: “Estou a falar politicamente …”
PC: Sabe …
Arguido: “O senhor politicamente nunca foi sério para ninguém. Politicamente nunca foi sério para ninguém…”
PC: “O senhor sabe que não pode falar assim …”
Arguido: “Politicamente o senhor nunca foi sério para ninguém!”
PC: … está sentado numa mesa …
Arguido: “Politicamente nunca foi sério para ninguém…”
(…)
Arguido: “Politicamente nunca foi sério para ninguém…”
(…)
PC: “… ninguém chama pulha ao Presidente da Câmara”
Arguido: “É que o senhor só diz mentiras! Só diz mentiras”
Arguido: “ Só diz mentiras! É um pulha político! E refiro-lhe e refiro-lhe…”
(…)
Presidente: “Ó pá, não me chateie”.
Arguido: “…sim, pulha político! Repito (…) pulha político!”
(…)
PC: “Olhe, acalme-se lá um bocadinho. Está convidado para a piscina.
Arguido: “Repito. Pulha político foi isso que eu estava a dizer.”
Reatada a reunião após interrupção por cerca de cinco minutos:
(…)
PC: “Eu não sou pulha! Sou uma pessoa séria e honesta!”
Arguido: “Politicamente é pulha!”
PC: “Ó pá, não venha outra vez com a mesma conversa, homem!”
Arguido: “Politicamente é pulha!”
(…)
Arguido: “(…) quis prender a quem escrevia todos os dias (…) jornal (…) que os obrigava a ir (…) Coimbra (…) o senhor é um pulha político!...”
(…)
Arguido: “O senhor é um mentiroso…”
4. As palavras do arguido, acima destacadas em sublinhado no facto 3, ocorreram logo após diversas intervenções do assistente e do próprio arguido, na mesma reunião de 10 de julho de 2019 [a propósito da ação de cobrança de dívida e despejo movida pelo Município de ... contra a C... - 341/11.... -, cuja sentença final já havia transitado em julgado e condenou aquela C... a pagar ao Município rendas vencidas e vincendas, absolvendo do pedido de despejo; na sequência dessa sentença, ocorreram negociações entre o Município e a C..., que culminaram com uma proposta de acordo apresentada por esta última, levada a debate na referida reunião da Câmara Municipal de 10 de julho de 2019 – cf. fls. 29 a 31 da ata, correspondentes a fls. 08 a 10 destes autos], intervenções essas do assistente e do arguido com o seguinte teor:
“O Senhor Presidente perguntou se algum dos Senhores Vereadores pretendia pronunciar-se sobre este assunto. Ele, Senhor Presidente, podia explicar. Como diz ali o número do processo, no ano 2011, portanto, isto é uma das boas heranças que o Presidente da Câmara ... recebeu da Câmara anterior, que foi uma ação de cobrança de dívida e despejo da C....”               (cf. fls. 31 e 32 da ata de reunião da Câmara Municipal ..., que corresponde a fls. 10 e 11 dos autos).
(…)
“O Senhor Presidente pediu ao Senhor Vereador AA para falar lá na bomba-relógio e que o Senhor Vereador AA não se importava que a C... fosse despejada.” (cf. fls. 39 da ata, que corresponde a fls. 18 dos autos).
(…)
“O Senhor Presidente afirmou que o Senhor AA interpôs a ação contra a C... e o pedido era condenar a C... a pagar as rendas e a ser despejada da exploração das águas termais.” (cf. fls. 39 da ata, que corresponde a fls. 18 dos autos).
(…)
“O Senhor Presidente afirmou que o Senhor AA, em 2011, não se importava nada que as C... fechassem.
O Senhor AA afirmou que não era nada disso, que o Senhor Presidente da Câmara estava a mentir mais uma vez. Queria era demonstrar que os prédios eram da Câmara Municipal. O Senhor Presidente da Câmara estava a mentir porque nunca se compatibilizou com o Senhor Dr. CC” (cf. fls. 39 da ata, que corresponde a fls. 18 dos autos).
(…)
“O Senhor Presidente afirmou que essa era uma estratégia do Senhor AA, que disse aos empresários da ... que: eu ainda te hei-de acabar com a galinha dos ovos de ouro. Que lhe trazia ali o empresário a quem o Senhor AA tinha dito isso.”(cf. fls. 39 da ata, que corresponde a fls. 18 dos autos).
(…)
“O Senhor Presidente afirmou que estava a falar um homem que quando tinha responsabilidades quis despejar a C..., é o mesmo homem que na Oposição propõe o perdão da dívida.” (cf. fls. 41 da ata, que corresponde a fls. 20 dos autos).
5. Na sequência das expressões proferidos pelo arguido (expressões constantes do facto 3 até à frase “Reatada a reunião após interrupção por cerca de cinco minutos”) e uma vez que estas foram repetidas por diversas vezes e em tom de voz alto o assistente, na qualidade de Presidente da Câmara, interrompeu os trabalhos por cerca de cinco minutos.
6. Após, regressarem à sala a fim de darem continuidade à reunião, face à persistência do Arguido em repetir as expressões proferidas (as expressões constantes do facto 3 após a frase “Reatada a reunião após interrupção por cerca de cinco minutos”), foi determinada a suspensão da reunião de Câmara, por inexistirem condições para retomar os trabalhos.
7. Ao dirigir as expressões acima transcritas, perante terceiros no âmbito de reunião pública da Câmara Municipal, o arguido dirigiu ao assistente palavras suscetíveis de ofender a sua honra e consideração pessoal e profissional, pretendendo atingir a sua notoriedade enquanto pessoa e na qualidade de Presidente da Câmara.
8. Não obstante, o Arguido não se absteve de as proferir repetidamente e não se coibiu de agir da forma descrita.
9. O arguido, ao referir-se ao assistente da forma como se referiu, quis ofender a honra e a consideração que lhes eram devidos, bem sabendo que o mesmo se tratava do presidente da Câmara Municipal ... e que exercia um cargo público e que, nas circunstâncias supra descritas, aquele se encontrava em pleno exercício de funções.
10. O Arguido atuou com o propósito, concretizado, de ofender o bom nome, a honra e a consideração pessoal e profissional do assistente, na qualidade pessoal e bem assim como na qualidade de Presidente da Câmara onde exerce funções de Presidente, bem como a reputação que este gozava junto de terceiros, intervenientes, munícipes e todos quanto estivessem a assistir à aludida reunião e/ou acedessem à respetiva ata e/ou gravação pública.
11. E fê-lo, o arguido, naquelas circunstâncias bem sabendo que se dirigia ao presidente da Câmara ..., em pleno exercício das suas funções e que se trata de membro de órgão de uma autarquia local.
12. Mais sabia o Arguido que o seu comportamento era suscetível de perturbar e constranger o funcionamento e o livre exercício das funções daquele membro do órgão de autarquia local, o que logrou conseguir.
13. O Arguido agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal como crimes e tinha capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento.
14. À data da reunião referida no facto 3 (10 de julho de 2019), as relações entre o arguido e o assistente eram tensas, com episódios de altercações entre ambos em reuniões anteriores do executivo camarário, a ponto de, em algumas reuniões, o Sr. Presidente apelidar o arguido de “burro”, “jerico” e “palhaço”.
*
15. O arguido não tem averbado no seu registo criminal qualquer condenação por factos ilícitos criminais (certificado de registo criminal junto em 08.10.2021; fls. 341).
16. O arguido é licenciado em Direito e jurista na Câmara Municipal ..., auferindo a retribuição mensal líquida de €1.100,00; vive em casa própria, com a sua esposa, que está aposentada e aufere a pensão mensal de €650,00; o casal suporta a prestação mensal de €300,00 para amortização de empréstimo bancário relacionado com a sua habitação.
*
Do Pedido de Indemnização Civil (PIC):
17. A reunião da Câmara Municipal referida no facto 3 decorreu com a presença de público.
18. O assistente reside em ..., aqui tendo desenvolvido a sua carreira de advogado, que suspendeu para exercício da função de Presidente da Câmara Municipal ... para que foi eleito em 2013 e reeleito em 2017.
19. A atitude do arguido naquela reunião da Câmara Municipal, aberta ao público, afetaram gravemente a honra e a dignidade do assistente, bem assim puseram em causa a sua imagem perante o público.
20. Em razão das atitudes e das insistências do arguido, o assistente teve de suspender a reunião da Câmara Municipal, numa manifesta e pública humilhação consistente na impotência de garantir o normal funcionamento de um órgão municipal pelo qual é o primeiro responsável.
21. O aqui requerente sentiu-se profundamente ofendido e envergonhado com a atuação do arguido, tendo ficado nervoso e abalado durante vários dias, com a convicção de que este incidente e estes enxovalhos transitariam para o conhecimento público, como transitaram, pondo em causa a sua imagem.
22. O demandante tem a profissão liberal de advogado na vila de ..., tendo retomado as suas funções em 19.10.2021; é também vereador na Câmara Municipal ..., recebendo senha de valor de €60,00 por duas reuniões em razão da sua participação; a sua esposa é também advogada, tendo declarado como rendimento obtido no ano 2020 cerca de €80.000,00; o casal tem dois filhos, sendo um deles estudante de Medicina e outro de mestrado em Direito, o que importa encargos para o casal de cerca de €800,00 mensais por cada um deles; o casal suporta ainda a prestação mensal de €1.500,00 de consolidação de crédito bancário e €400,00 mensais para aquisição de viatura própria».

2.2. São estes os FACTOS NÃO PROVADOS:

«Da acusação:
a) Na reunião de 10 de julho de 2019, o arguido proferiu as seguintes palavras, dirigindo-se e referindo-se ao assistente: “(…) Eu chamo vossa excelência mentiroso compulsivo e chamei-o mentiroso compulsivo e chamei-o pulha político, e acredite que mais vezes vai ter que interromper a reunião nesse sentido.” (…).
Do PIC:
b) Durante os mais de vinte anos em que exerceu como advogado em ..., granjeou o requerente uma imagem de verticalidade, lisura e honestidade, nunca tendo sido posta em causa nem a sua competência técnica e esforço nem, sobretudo, a sua dignidade profissional e pessoal.
c) Enquanto Presidente da Câmara Municipal ... nunca foi posto em causa o mesmo perfil de lisura e de honestidade que há quase trinta anos de atividade em ..., como advogado e como autarca, caracterizaram o aqui assistente.
d) O arguido nunca apresentou desculpas — nem públicas nem privadas — pelo seu comportamento. Bem ao contrário, ainda há poucos dias teceu considerações num jornal regional tentando explicar as razões pelas quais proferiu os insultos em causa e vitimizando-se de perseguição na justiça por parte do assistente».


2.3. Motivou-se a matéria dada como provada e não provada da seguinte forma (transcrição):

(…).


            3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

(…).
Se assim é, então o incumprimento por parte do recorrente do ónus a que alude o artigo 412º, nºs 3, alínea b) e 4, do CPP, na impugnação da matéria de facto dada como provada constante dos pontos nºs 7 a 13 e 19 a 21 da sentença recorrida, impede o Tribunal da Relação de conhecer da decisão proferida sobre esta matéria de facto através de reapreciação da prova gravada.
(…).

3.2. SUBSUNÇÃO DOS FACTOS AO DIREITO

3.2.1. SOBRE O CRIME DE INJÚRIA AGRAVADA

3.2.1.1. E eis-nos no centro da discussão – no fundo, será apenas isto que o recorrente quer ver discutido: se as frases por si ditas naquela reunião pública da Câmara Municipal ... são susceptíveis de se verem subsumidas à prática de um crime de injúria agravada.
O tribunal entendeu que sim.
O recorrente entende que não pois, para si, estas expressões, embora contundentes e agressivas, «integram-se num contexto de disputa política e eleitoral, visando a actuação do denunciante Presidente da Câmara e não o denunciante em si mesmo, o mero cidadão, nem a vida pessoal deste» (Conclusão XIV).
Vejamos a quem assiste razão.

3.2.1.2. Injúria é o crime praticado por quem ofender outra pessoa, verbalmente, por escrito, através de gestos, imagens ou qualquer outro meio de expressão, imputando-lhe factos ou dirigindo-lhe palavras ofensivas da sua honra.
Enquanto na difamação a acção lesiva da honra (o “ataque”) é realizada para com
terceiro, havendo, pois, uma imputação indirecta dos factos ou juízos desonrosos, no caso da injúria esta imputação é directa e imediatamente realizada para com a própria vítima (o nosso caso pois estamos perante palavras proferida sem pública reunião da Câmara Municipal ..., estando o assistente presente, como seu Presidente).

Estamos em pleno no capítulo dos CRIMES CONTRA A HONRA.
A honra (e, por aproximação semântica e de significado/significante, o bom nome) está ligada à imagem que cada um tem de si próprio, construída interiormente, mas também a partir de reflexões exteriores, repercutindo-se no apego a valores de probidade e honestidade.
A reputação (e também a boa fama) representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, ao apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações (cf. Ac. do STJ de 12 de Janeiro de 2000, in BMJ 493-156).
Já o Acórdão do STJ de 20.03.1973, in BMJ n° 225-222 forneceu uma noção do que foi o pensamento do legislador ao criar esta incriminação:
«Atribuir a alguém uma conduta contrária e oposta àquela que o sentimento da generalidade das pessoas exige do homem medianamente leal e honrado, é atentar contra o seu bom nome, reputação e integridade pessoal».
Leal Henriques e Simas Santos in "Código Penal Anotado ", 2° Vol., 3° ed., 2000,p. 494, na mesma linha dizem que não se protege a susceptibilidade pessoal de quem quer que seja, mas tão só a dignidade individual do cidadão, expressa no respeito pela honra e consideração que lhe são devidas.
Igualmente, o acórdão da Relação de Lisboa de 12/10/2000, in www.dgsi.pt, decidiu que:
«Tanto a doutrina como a jurisprudência são, desde há muito e de forma unânime, restritivas na avaliação do desvalor da ofensa considerando "que nem tudo aquilo que alguém considera ofensa à dignidade ou uma desconsideração deverá considerar-se difamação ou injúria punível" (cf. Professor Beleza dos Santos, in «Algumas Considerações Sobre Crimes de Difamação e de Injúria" RU, Ano 92, p, 167) ou ainda "que nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos artigos 180° e 181º, tudo dependendo da intensidade ou perigo da ofensa" (cf. Oliveira Mendes, "O Direito à Honra e a Sua Tutela Penal" p. 37- reportando-se as normas citadas ao C. Penal Revisto)».
O nosso legislador penal adopta, como bem refere José de Faria Costa no «Comentário Conimbricense», uma concepção dual na delimitação do conceito de honra, ou seja, o conceito de honra deve ser entendido no tempero da concepção normativa, com a dimensão fáctica: a honra é vista assim como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior - assim abarcando a honra subjectiva ou interior e a honra objectiva ou exterior, nas quais a pura concepção fáctica da honra a subdivide.
Continua Faria Costa:
«( ...) o que se protege "é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade. Fundamento essencial da honra interior e, desta forma, núcleo da capacidade de honra do indivíduo, é a irrenunciável dignidade pessoal que lhe pertence desde o nascimento e cuja inviolabilidade a lei fundamental reconhece (...). Da honra interior decorre a pretensão jurídica, criminalmente protegida, de cada um a que nem a sua honra interior nem a sua boa reputação exterior sejam minimizadas ou mesmo totalmente desrespeitadas».
Como tal, o conceito de honra abrange também a consideração ou reputação exteriores.
Por isso, decidiu o Acórdão da Relação de Lisboa de 6/2/1996, in CJ, XXI, t. 1, p. 156:
«A difamação pode definir-se como a atribuição a alguém de facto ou conduta, ainda que não criminosos, que encerrem em si uma reprovação ético-social.
A difamação, segundo a lei, compreende comportamentos lesivos da honra e consideração de alguém. Por honra deverá entender-se o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui, tais como o carácter, a lealdade, a probidade, a rectidão, ou seja, a dignidade de cada um. Por consideração, deverá entender-se o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é o bom nome, o crédito, a confiança, a estima, a reputação, ou seja a dignidade objectiva, o património que cada um adquiriu ao longo da sua vida, o juízo que a sociedade faz de cada cidadão, em suma a opinião pública».
Em suma, diremos que o nosso legislador pretende tutelar, em igual medida, a honra quer na vertente interna ou individual do visado, quer na vertente externa ou social do meio que o envolve.

3.2.1.3. Vejamos o nosso caso.

a)- Os factos são estes (facto nº 3):
Durante uma reunião camarária, o arguido, em tom alto e repetido, proferiu as seguintes expressões dirigidas ao Presidente da Câmara ..., que dirigia aquela reunião pública:
· «O senhor é um mentiroso» (por duas vezes)
· «O senhor é um pulha político»[1] (por doze vezes)
· «O senhor, sério? Nunca foi sério» (uma vez)
· «O senhor nunca foi sério para ninguém» (uma vez)
· «O senhor politicamente nunca foi sério para ninguém» (cinco vezes)
· «É que o senhor só diz mentiras» (três vezes)
É verdade que estas expressões foram proferidas no âmbito de uma acesa discussão camarária explicada no facto n.º 4, havendo antecedentes de hostilidade entre assistente e arguido (facto nº 14).

b)- Estamos bem cientes do conflito entre dois interesses com relevo jurídico – por um lado, liberdade de expressão, por outro, a tutela da honra e consideração devidos a qualquer ser humanos, nos quais também se incluem os políticos.
Já aqui se disse que é pressuposto da referida intervenção penal a tutela constitucional do direito fundamental «ao bom nome e reputação» de qualquer pessoa (art. 26º n.º 1 e 2 da CRP).
Importa, porém, proceder à compatibilização desse direito com o também direito fundamental da «liberdade de expressão e informação» (art. 37º da CRP).
A «liberdade de expressão e de informação» caracteriza-se, nas palavras de Jorge Figueiredo Dias, por “um duplo carácter: o carácter de um direito individual do cidadão, por um lado, dotado do «radical subjectivo» a que este pertence (…) e que no caso, aliás, se traduz num direito de defesa como num direito de participação política; mas também o carácter, por outro lado, de uma garantia institucional (…) no preciso sentido da protecção jurídico-constitucional dispensada, em nome do interesse público, a uma «instituição» do direito político”.
E que não olvidemos, nunca, como tem vindo repetidamente a afirmar o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, doravante TEDH, que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática” (caracterizada ainda pelo “pluralismo, tolerância e espírito de abertura”) “e uma das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um”[2].
Uma das manifestações da liberdade de expressão é precisamente o direito que cada pessoa tem de divulgar a opinião e de exercer o direito de crítica, nomeadamente, a nível político.
Aliás, a liberdade de expressão, nela incluindo o direito de crítica, é também uma forma de exercício da tão necessária participação activa na vida em sociedade.
Atento o disposto no art. 37º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, doravante CRP, incumbe aos tribunais judiciais, o controlo da crítica excessiva, arbitrária, gratuita ou desproporcionada, na medida em que seja ofensiva do bom nome e da reputação da pessoa, mesmo quando se trata de político.
A liberdade de expressão, particular vertente da liberdade pessoal em geral, sendo uma concretização da «liberdade geral de acção» ou do «direito ao livre desenvolvimento da personalidade», sempre liberdades e direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos, que se fundam no valor supremo da dignidade humana, caracteriza-se pela sua intrínseca estrutura relacional: é essencialmente na relação com o outro que ela se concretiza e realiza.
Por isso, como salienta Costa Andrade, também a liberdade de expressão é geradora de “toda uma tensão de conflitualidade que importa apaziguar”, concretamente quando contende com o bem jurídico-complexo da honra na sua perspectiva dual acima mencionada.
Os direitos fundamentais em jogo (por um lado o direito ao bom nome e reputação e, por outro, o direito de expressão), que têm peso igual na hierarquia dos valores protegidos constitucionalmente[3], estando sujeitos a determinadas restrições (no caso da liberdade de expressão, estando as limitações também previstas no art. 37º n.º 3 da CRP), não podem ser considerados como direitos absolutos.
O conflito que pode resultar do confronto entre o “direito ao bom nome e reputação” e o “direito de expressão” ou “direito de informação em sentido amplo”[4], só poderá ser resolvido com a ponderação dos respectivos interesses, fazendo intervir critérios como o da proporcionalidade, da necessidade e da adequação (art. 18 n.º 2 da CRP), salvaguardando, porém, o núcleo (alcance e conteúdo) essencial dos preceitos constitucionais em jogo.
Nesse caso, há que introduzir limites a esses dois direitos fundamentais, de forma a preservar o núcleo essencial de cada um deles, com o fim de alcançar a necessária composição (“«harmonização» ou «concordância prática» dos bens em colisão, a sua optimização”[5]) dos interesses em conflito.
Tal problemática está exemplarmente enunciada no sábio acórdão da Relação de Lisboa de 11/12/2019 (Pº 4695/15.2T9PRT.L1-9):
«Nas ofensas à honra estão sempre em causa dois valores constitucionais de igual valor – a honra e a liberdade de expressão (art.ºs 26º e 37º da CRP) -, sendo que a prevalência de um deles em cada caso tem sempre que resultar de uma ponderação das circunstâncias do caso concreto, encontrando um equilíbrio que preserve sempre a liberdade de expressão, indispensável à subsistência de uma sociedade democrática, limitada pela proibição do aniquilamento da honra.
Atendendo a que a CEDH, como todo o direito convencional de que Portugal é parte contratante, tem valor infra-constitucional, mas supra-legal, na indagação sobre se determinada conduta constitui crime contra a honra, há que ter em atenção o disposto nesta convenção, interpretada pela jurisprudência do TEDH, nomeadamente a produzida a propósito do art.º 10º (Liberdade de expressão).
Nos termos da jurisprudência deste tribunal, “… as excepções à liberdade de expressão, nomeadamente para proteger a honra de outrem, devem ser interpretadas restritivamente e a necessidade das restrições deve ser determinada de modo convincente. …”.
Como se afirma no acórdão da RL de 19/04/2006:
“… Pratica o crime de difamação “quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo” (art. 180º/1).
Como se sabe, a honra é um bem jurídico complexo, que inclui quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a sua manifestação exterior - reputação ou consideração -, traduzida na estima e respeito que a personalidade moral de alguém infunde aos outros e que vai sendo adquirida ao longo dos anos (probidade e lealdade de carácter).
Na sintética formulação do Supremo Tribunal Federal alemão, o que se protege "é a honra interior inerente à pessoa enquanto portadora de valores espirituais e morais e, para além disso, a valência deles decorrente, a sua boa reputação no seio da comunidade", a qual encontra o seu "fundamento essencial" na "irrenunciável dignidade pessoal".
O sentimento médio de honra da comunidade deve constituir o critério (objectivo) à luz do qual deve ser aferida a tipicidade/gravidade das ofensas a este bem jurídico: "ofensivo da honra e consideração (...) [é] aquilo que razoavelmente, isto é, segundo a sã opinião da generalidade das pessoas de bem, deverá considerar-se ofensivo daqueles valores. (...). Aquilo que a generalidade das pessoas (de bem) de um certo país e no ambiente em que se passaram os factos não considera difamação ou injúria, não deverá dar lugar a uma sanção reprovadora, como é a pena".
Nesta linha, decidiu o Ac. Rel. Évora, de 2/7/96, CJ 96, IV, 295, que um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável, de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético necessário à salvaguarda sócio/moral da pessoa, da sua honra e consideração.
Deste modo, "nem todo o facto que envergonha e perturba ou humilha cabe na previsão das normas dos art.ºs 180º e 181º, tudo dependendo da "intensidade" da ofensa ou perigo de ofensa".
Por outro lado - considerando que numa sociedade democrática, é do mais elevado interesse público "a actividade relativa à formação democrática e pluralista da opinião pública em matéria social, política económica, cultural" -, não pode deixar de exigir-se a maior prudência na efectivação da tutela penal perante eventuais excessos no exercício das liberdades de expressão/informação, maxime em matérias de indiscutível interesse público.
Constituindo a mais intensa das restrições que - neste âmbito - o Estado tem ao seu dispor, a reacção penal deverá pautar-se por critérios de estrita necessidade e proporcionalidade, sob pena de se desincentivar o cabal exercício de tais liberdades fundamentais.
Nesta perspectiva, como reiteradamente vêm decidindo os nossos tribunais e o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem[6], aqueles que exercem cargos com relevância/expressão pública têm um qualificado dever de suportar as críticas inerentes à sua actividade, por muito duras - ou mesmo infundadas - que sejam. Salvo nos casos em que sejam notoriamente gratuitas ou infundadas, a eles cabe, na primeira linha, convencer do infundado das críticas, não podendo nunca subtrair-se ao debate público por via da ameaça - contra quem divulgue irregularidades no funcionamento das instituições - com o jus puniendi do Estado.
Naturalmente, este tipo de preocupações não implicam que se deva descurar a necessidade de adequada tutela do (também fundamental) direito à honra e, muito menos, o reconhecimento do direito ao insulto.
Sobre o critério que permite compreender quando é que "a crítica exagerada, mesmo chocante" (que, só por si, não é merecedora de tutela penal) entra no campo da "difamação", escreve expressivamente Manuel Costa Andrade:
"Uma expressão degradante só assume o carácter de «difamação» quando nela não avulta em primeiro plano a discussão objectiva das questões mas antes o enxovalho das pessoas. Para além da crítica polémica e extremada tem de se visar o rebaixamento das pessoas (...). Só poderá falar-se de «difamação» quando o juízo de valor ou a crítica perdem todo o contacto com a obra, a prestação ou o problema que os motiva ou com a discussão das questões de interesse comunitário. E, em vez disso, passam a obedecer apenas ao propósito de rebaixamento de uma pessoa. Atingindo-a no sentimento de auto-estima ou ferindo-a na sua dignidade pessoal e consideração social".
Relativamente ao elemento subjectivo do crime de difamação a lei não exige como elemento do tipo criminal em análise qualquer dano ou lesão efectiva da honra ou da consideração, bastando, para a existência do crime, o perigo de que tal dano possa verificar-se.
Com efeito, tratando-se de um crime de perigo, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira "ofender a honra ou consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio da acção previstos nas normas incriminatórias respectivas. Explicitando, dir-se-á que o dolo se verifica quando o agente actua por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nas normas incriminatórias, levando a cabo a conduta ou acção nas mesmas previstas (...), sabedor da genérica perigosidade imanente, sem que seja necessária a previsão do perigo (em concreto). (...) Ao julgador incumbirá, pois, provada que fique a conduta ou a acção (...), referenciadas às normas incriminatórias, averiguar, tão só, se as mesmas são ou não genericamente perigosas, socorrendo-se, para tanto, de critérios de experiência, bem como se o agente agiu com consciência dessa perigosidade".
Compreende-se que assim seja, tendo em conta, desde logo, a grande dificuldade - senão mesmo impossibilidade - de, caso a caso, aferir da efectiva violação do bem jurídico protegido pela incriminação.
Por isto mesmo se considera que o desenho dos crimes contra a honra como crimes de perigo constitui um factor "corrector" das consequências negativas inerentes a contrário entendimento”.
A estas considerações, acrescentaremos ainda que a afectação da honra ou consideração deve ser aferida por um critério situacional, que atente no contexto em que as palavras ou os factos imputados foram proferidos e nos sujeitos da comunicação. O significado das palavras e dos factos “tem um valor de uso” que consiste na sua valoração social e apreciação dos próprios interlocutores».
É verdade que, sendo o exercício da liberdade de expressão e do direito de informação potencialmente conflituantes com o direito ao bom nome e reputação de outrem, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), tendo em consideração o que decorre da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH)[7], tem vindo a dar particular relevo à liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática.
Também o é que, estando em causa juízos de valor, em relação aos quais, ao contrário da imputação de factos, não pode ser exigida a prova da verdade, o TEDH tem adoptado uma posição de intervenção máxima e de sobreposição dos seus critérios aos das decisões nacionais. O que significa que a vinculação dos juízes nacionais à CEDH e à jurisprudência consolidada do TEDH implica a necessidade de implementar a reflexão e inflexão da jurisprudência nacional, assente no entendimento, até há pouco dominante, de que o direito ao bom nome e reputação se deveria sobrepor ao direito de liberdade de expressão e/ou informação.
De facto, o artigo 10º da CEDH estipula:
«1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras.
(…)
2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam
providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral,
a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial»
Portanto, se é verdade que temos todos liberdade de expressão, essa liberdade deve poder ser alvo de algumas restrições, mormente, quando haja que proteger a relevante honra de outrem.
Infere-se no acórdão do STJ de 30.06.2011 (Pº 1272/04.7TBBCL-G1.S1), que, de acordo com o citado artigo 10º do CEDH, o intérprete terá de seguir o caminho consistente, não a partir da tutela do direito à honra e considerar os casos de eventuais ressalvas, mas a partir do direito à livre expressão e averiguar se têm lugar algumas das excepções do nº 2 do citado artigo 10º do CEDH, caminho que saí reforçado pelo texto da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia que, no seu artigo 11º, igualmente consagra a liberdade de expressão e de informação.
Jónatas Machado, em Liberdade de Expressão, Interesse Público e Figuras Públicas ou Equiparadas, Boletim da Faculdade de Direito, Vol. LXXXV, 2009, p. 81, doutrina que:
«Para o Tribunal Europeu, a centralidade da liberdade de expressão e de imprensa, como elementos constitutivos de uma sociedade democrática, obriga a que todas as restrições às mesmas devam ser objecto de uma interpretação restritiva e a sua necessidade estabelecida de forma de modo convincente».
Por conseguinte, a liberdade de expressão pode, assim, ser sujeita a excepções mas estas, no entender do TEDH, devem ser interpretadas de forma restritiva e a necessidade de quaisquer restrições tem de ser estabelecida de forma convincente.
No que respeita à protecção da reputação como critério de justificação da ingerência, o TEDH enunciou o princípio de que os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade, do que em relação a um simples particular.
De facto, ao abordar a relevância que o TEDH atribui à função da comunicação social, António Henriques Gaspar, em Liberdade de Expressão: o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Uma leitura da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, 698, salienta que «o TEDH enunciou o seguinte princípio fundador: os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade, do que em relação a um simples particular. Diferentemente destes, aquelas expõem-se, inevitável e conscientemente, a um controlo apertado dos seus comportamentos e opiniões, tanto pelos jornalistas como pela generalidade dos cidadãos, devendo, por isso, demonstrar muito maior tolerância. Esta perspectiva garante uma extensa margem de actuação na expressão crítica e nas intervenções publicadas».
A discussão, quando tem contornos políticos, tem de ter, necessariamente, maior campo de tolerância, sob pena de se por em causa a liberdade de expressão, mas deve ter como linha vermelha o respeito e a honra que são devidos ao visado, mesmo enquanto político ou como simples cidadão.
Recorramos ao Acórdão da Relação do Porto (Pº 1073/14.4GBPNF.P1) de 10/01/2018:
«Importa começar por fazer notar que a censura jurídico-penal subjacente aos crimes contra a honra tipificados no Código Penal tem como limite, além do mais, o direito à liberdade de expressão. É consensual a ideia de que, nem a liberdade de expressão, nem o direito à honra e reputação são direitos absolutos, ilimitados, antes têm, como qualquer direito fundamental, “limites imanentes”. Como se refere no acórdão do TC n.º 81/84 (DR, II, de 3.01.1985), “a liberdade de expressão – como, de resto, os demais direitos fundamentais – não é um direito absoluto, nem ilimitado. Desde logo, a proteção constitucional de um tal direito não abrange todas as situações, formas ou modos pensáveis do seu exercício. Tem, antes, limites imanentes. O seu domínio de proteção para ali onde ele possa pôr em causa o conteúdo essencial de outro direito ou atingir intoleravelmente a moral social ou os valores e princípios fundamentais da ordem constitucional (…). Depois, movendo-se num contexto social e tendo, por isso, que conviver com os direitos de outros titulares, há de ele sofrer as limitações impostas pela necessidade de realização destes. E, então, em caso de colisão ou conflito com outros direitos – designadamente com aqueles que se acham também diretamente vinculados à dignidade da pessoa humana [v.g. o direito à integridade moral (artigo 25.º, n.º 1) e o direito ao bom nome e reputação e à reserva da intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.º, n.º 1)] -, haverá que limitar-se em termos de deixar que esses outros direitos encontrem também formas de realização”. Consensual é, ainda, a ideia de que, tratando-se de direitos situados no mesmo plano, há que procurar harmonizá-los, de forma a atribuir-se a cada um deles a máxima eficácia possível, em obediência ao princípio da proporcionalidade. Na hipótese de conflituarem, mesmo naqueles casos em que é admissível algum exagero, mesmo que deva concluir-se que a esfera de proteção de um desses direitos esteja, à partida, diminuída, como poderá ser o caso da honra e reputação de figuras públicas, nunca o núcleo essencial deste direito pode ser atingido».
Costa Andrade lembra-nos que se deve excluir a atipicidade relativamente a críticas caluniosas, bem como a outros juízos exclusivamente motivados pelo propósito de rebaixar e humilhar e, bem assim, em todas as situações em que os juízos negativos sobre o visado não têm nenhuma conexão com a matéria em discussão, consignando expressamente que uma coisa é criticar a obra, outra muito distinta é agredir pessoalmente o autor, dar expressão a uma desconsideração dirigida à sua pessoa.
Entendemos, assim, que o direito de expressão, na sua vertente de direito de opinião e de crítica, quando se exerça e recaia nas concretas áreas atrás referidas e com o conteúdo e âmbito mencionados, caso redunde em ofensa à honra, se pode e deve ter por atípico, desde que o agente não incorra na crítica caluniosa ou na formulação de juízos de valor aos quais subjaz o exclusivo propósito de rebaixar e de humilhar.
Não se deixará aqui de referir e alertar para a pertinência do escrito por Antero Luís no seu douto aresto da Relação de Lisboa, datado de 12/5/2016 (Pº 2544/10.7TDLSB.L1-9):
«A jurisprudência do TEDH que confere prevalência quase absoluta ao direito à liberdade de expressão, pode ser violadora da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a mesma não permite, no seu artigo 18º, nº 3, a restrição dos direitos, liberdades e garantias, de modo a diminuir o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais que os consagram e por estar, na prática, a hierarquizar, em termos abstractos, os direitos, liberdades e garantias, previstos na Constituição da República Portuguesa e também na Declaração Universal dos Direitos do Homem, (artigos 12º e 19º), as quais os tutelam em termos paritários, não permitindo tal hierarquização por força da sua igual dignidade[8]».

c)- Pergunta-se, assim:
Poderá dizer-se que as afirmações ditas pelo arguido vão além do direito de opinião e do legítimo exercício da liberdade de expressão, atingindo o núcleo essencial do direito à honra e consideração do assistente?
No nosso caso, estamos perante duas figuras que exercem política activa num órgão camarário – um como vereador (arguido), outro como Presidente da Câmara (assistente).
Como bem coloca Hannah Arendt no seu livro «A Condição Humana», “aquilo que faz do homem um ser político é a sua faculdade para a acção - ela o capacita a reunir-se com os seus pares, a agir em conjunto e almejar objectivos e empreendimentos que jamais passariam por sua mente, deixando de lado alguns desejos de seu coração ao se aventurar em algo novo. E, por isso, merece respeito”.
A Câmara Municipal ... é um órgão político.
Sabemos que qualquer Câmara Municipal constitui, em sentido restrito, o órgão executivo colegial de cada um dos municípios de Portugal e, em sentido lato, o conjunto dos departamentos e serviços da administração municipal.
Como órgão executivo do município, a câmara municipal é o seu governo, sendo um órgão colegial, composto por um presidente, por um vice-presidente e por vereadores, a que são, ou não, atribuídos pelouros.
Torna-se presidente da câmara municipal a pessoa que encabeça a lista mais votada para a câmara nas eleições autárquicas.
Em geral, os vereadores com pelouros (ou seja, aqueles que trabalham, a tempo inteiro ou a meio tempo, na gestão do município) são os restantes membros eleitos dessa lista.
Os vereadores sem pelouro costumam ser os elementos da câmara eleitos pelas listas minoritárias, geralmente constituindo-se como oposição.
A equipa governativa composta pelo presidente da câmara e pelos vereadores também é referida como "executivo municipal" ou como "vereação".
Ora, numa determinada reunião camarária, e numa acesa discussão sobre um assunto devidamente explicado no facto n.º 4, desentenderam-se arguido, enquanto vereador camarário, e presidente da reunião, o assistente Presidente da Câmara Municipal ....
A forma que o arguido teve de reagir àquilo que, na sua óptica, não corresponderia à verdade saído da boca do assistente (o assistente terá dito que «estava a falar um homem que quando tinha responsabilidades quis despejar a C..., sendo o mesmo homem que propõe o perdão da dívida») foi o que consta do facto n.º 3.
E, perante esses epítetos por 24 (vinte e quatro) vezes dirigidos ao assistente, questionamos:
Esses juízos de valor, apesar da sua contundência, não se apresentam como desadequados ou desproporcionados aos dados de facto que lhes servem de contextualização, uma vez que são justificados por afirmações e tomadas de posição do assistente contra o arguido? (tese da defesa)
Ou seja - consubstanciam uma crítica objectiva às posições assumidas publicamente pelo assistente no exercício do cargo de Presidente da Câmara Municipal?
Não revelam um propósito de atingir o assistente na sua substância pessoal, rebaixando-o, achincalhando-o, humilhando-o e atacando-o gratuitamente, isto é, ofendendo-o por ofender, pretendendo apenas criticar o seu desempenho objectivo como autarca?

d)- Estamos do lado da sentença recorrida.
O Direito Penal não pode tolerar que, por detrás do escudo da crónica – se for por escrito - ou da contenda política – se for oral -, e protegendo-se com a arma da construção frásica, se esconda aquilo que realmente se pretende com o texto ou com a verbalização: o ataque gratuito e de menorização da reputação pessoal do visado — cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Proc. 53/13.OTAGVA.C1).
No caso concreto, entende-se que as expressões usadas repetidamente pelo arguido extravasam aquilo que se entende por crítica política.
Repetimos as expressões e o número de vezes que foram proferidas em tom alto e perante todos os presentes:
· «O senhor é um mentiroso» (por duas vezes)
· «O senhor é um pulha político» (por doze vezes)
· «O senhor, sério? Nunca foi sério» (uma vez)
· «O senhor nunca foi sério para ninguém» (uma vez)
· «O senhor politicamente nunca foi sério para ninguém» (cinco vezes)
· «É que o senhor só diz mentiras» (três vezes)
E não se diga que acrescentar – convenientemente, diga-se de passagem, quase como que em busca de uma imediata e automática causa de exclusão da ilicitude -, à frente da palavra «pulha» a palavra «político» retira gravidade ao insulto (se assim fosse, estaria encontrada a fórmula da descriminalização do insulto fácil, com o aditamento da palavra «político» à frente de qualquer epíteto/insulto maior).
Não conseguimos encontrar nestes insultos por parte do arguido qualquer meio adequado e razoável de cumprimento do basilar direito de livre expressão pública (que justifique a restrição do direito à honra e consideração) – ora, o meio utilizado não só não pode ser excessivo, como deve ser o menos pesado possível para a honra do atingido — cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (Proc. 59/13.OTAGVA.C1).
O arguido, com as suas repetidas palavras em tom alto proferidas de forma pública, e de acordo com o dado como provado nos pontos 7, 8, 9, 10, 11 e 13 (inatacável), visou somente o assistente, à data dos factos, Presidente da Câmara, vexando-o, atingindo-o na sua autoestima e imagem pública, tendo agido unicamente com o propósito de provocar naquele mau estar e já não no exercício da sua inegável liberdade de expressão.
As palavras ditas, a nosso ver, extravasam o referido campo de tolerância, atingindo o âmago da honra do visado, aqui assistente - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (Proc. 1061/02-1) -, tendo o arguido ultrapassado, em muito, a abertura da liberdade de expressão, não querendo tecer comentários políticos, mas tão-só emitir juízos sobre o carácter – pessoal e político - do assistente que têm de ser vistos como uma valoração, designadamente por serem ofensivos da sua honra e consideração, o que o arguido fez com dolo e consciência da ilicitude.
Com isto, ultrapassou juízos de realidade política para emitir juízos sobre o carácter do assistente, não só em termos pessoais como em termos políticos – o homem político também pode ser vexado, e foi-o.
Não disse – isto é uma pulhice política («acto ou dito próprio de pulha; acção vil») – não, chamou o assistente de «pulha», embora adocicado pela expressão «pulha político».
Não lhe disse que ele estava a mentir naquele ponto concreto, como o poderia e deveria ter dito – não, disse que ele era um mentiroso, que só dizia mentiras, que nunca foi sério emendando depois a mão para «estou a falar politicamente» [podendo o espectador desta frase interpretar livremente esta expressão no sentido que também não era sério na sua vida pessoal ou até profissional (recordemos que o assistente foi advogado de profissão, tendo uma reputação, nesse jaez, a zelar)].
Pulha é aquele que:
1. Pessoa sem brio, bandalho.
2. Dito que se dirige cavilosamente a uma pessoa para que ela caia em fazer uma certa pergunta à qual se responde alguma coisa equívoca ou escarnecedora.
3. Gracejo.
4. Peta; mentira.
5. [Regionalismo] Logração, embaçadela.
6. Dito chulo.
7. Relaxado, desmazelado.
8. Vil, desprezível, torpe, indecente, patife, pessoa sem carácter.
(cfr. "pulha", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2021, https://dicionario.priberam.org/pulha [consultado em 07-05-2022].

Ora, como muito bem nos lembra o Mº Juiz recorrido, «o pulha político é ainda um pulha», a tal pessoa sem carácter, o tal bandalho, o tal patife.
Como tal, embora se reconheça que o homem político deve estar mais preparado para receber críticas acesas à sua prestação de servidor da polis, também é chegada a hora de tutelar, elevando-a ao respeito que deve merecer de todos os seus concidadãos e dos vereadores por acréscimo de razão, a figura do político activo – no caso, do Presidente de uma Autarquia - que, por vezes, entre ventos e tempestades, vai ouvindo epítetos caluniosos sem fim, não podendo o Direito entender que tudo é admissível porque de uma luta política se trata.
Não estávamos, em 2019, perto de nenhumas eleições autárquicas que pudessem justificar algum excesso de linguagem.
Pode ter havido palavras insensatas ditas outrora – e não nesta sessão camarária - pelo Senhor Presidente contra o arguido (facto nº 14) – o tribunal discorreu, não obstante, que tal não justifica que o arguido o faça em outras situações, não se podendo normalizar este tipo de linguagem mesmo entre adversários políticos, devendo os ofendidos reagir de pronto quando ela ocorra (e se o ofendido, ora aqui arguido, não reagiu, só se pode queixar dessa sua inacção e de mais ninguém).
A dignificação da acção política passa por isso – mesmo o homem político merece tutela da sua honra quando se ultrapassa um certo limite, já muito esticado face ao facto de ser “normal” a contundência verbal e escrita nesse campo.
Estávamos no âmbito de uma reunião camarária.
Era um Presidente de uma Autarquia que estava a presidir à reunião.
Foi sobre ele que caiu o libelo de ser mentiroso, de não ser sério (que «nunca foi sério») e de ser um ser desprezível e sem carácter, mesmo que politicamente falando (e daí que se agrave a pena por ser o destinatário do insulto um membro de um órgão autárquico – cfr. artigo 184º, por referência à alínea l) do n.º 2 do artigo 132º do CP).
Se não se ultrapassar a crítica objectiva, ou seja, enquanto a crítica se dirige exclusivamente às obras e às prestações políticas concretas em si, não se dirigindo directamente à pessoa dos seus autores, os juízos de valor caem fora da tipicidade de incriminações como a injúria.
Mas a honra do homem político deve também ser tutelada – dizer que alguém é mentiroso e que nunca foi sério é ir longe demais, e já cai na esfera do carácter da PESSOA, mesmo referindo-se à sua postura como político.
Estamos longe da mera deselegância ou grosseria.
Não estamos perante uma mera falta ética, por evidenciarem tais palavras só alguma falta de polimento (cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 8.11.2017 – Pº 1020/14.3T9CBR.C1).
Não vislumbramos qualquer utilidade, para a discussão política que se estava a desenrolar, do uso destes impropérios, só o podendo ter feito para humilhar publicamente o seu adversário político.
Defende o arguido que a expressão «pulha político» estava apenas ligada a alegadas mentiras políticas que, seu entender, estava o assistente a proferir naquela específica reunião camarária.
Tal não nos pode convencer pois o arguido foi claro em dizer que o assistente nunca foi sério, que só diz mentiras…
Mesmo considerando que se estava a referir a questões políticas, as expressões ditas ultrapassam, a nosso ver, o nível permitido de crítica, mesmo que contundente, tão caro à liberdade de expressão de qualquer ser humano.
Já decidiu esta Relação:
«Não estando em causa o mero debate político próprio de cidadãos livres exprimindo, embora com desassombro, as suas ideias, mas sim a ofensa pela ofensa, sem nenhuma relação com a dignidade e verticalidade que devem ser apanágio desse debate, inexiste crítica pública legítima, verificando-se antes atentado à honra e consideração pessoal do visado».
Já decidiu a Relação de Lisboa:
«No exercício do direito de expressão e de crítica, politica ou sindical, o uso de uma linguagem abstractamente insultuosa não lesa o direito à reputação se funcionalmente conexo com o juízo crítico manifestado.
É consentido no âmbito da contenda de natureza politica ou sindical, exprimir-se em tom e modo de desaprovação e reprovação, ainda que de forma muito áspera, desde que a crítica não reverta num ataque pessoal, vale dizer conduzido directamente à esfera privada do ofendido, ou numa contumélia lesiva da honorabilidade do adversário como pessoa singular».
É a protecção dos direitos relativos à integridade moral das pessoas, como a honra e a reputação, que as normas dos arts. 180º e 181º do CP visam acautelar.
E, como refere Faria Costa (em Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, p. 607), no conceito de honra inclui-se quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior. O que tudo se resolve, segundo Augusto Silva Dias (em "Alguns Aspectos do Regime Jurídico dos Crimes de Difamação e Injúrias", p. 18) na pretensão, constitucionalmente protegida, de "não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade".
Não restam, pois, quaisquer dúvidas de que o exercício do direito de liberdade de expressão e de informação, ainda que a coberto da liberdade de imprensa, não justifica, só por si, a imputação a outra pessoa de factos ou a formulação de juízos ofensivos da sua honra e consideração. Ou dito de outra maneira, talvez ainda mais adequada à situação concreta em análise: não é juridicamente aceitável que, em nome das liberdades de expressão, de opinião e de informação se ofenda, injustificada e imerecidamente, a honra e a consideração de outra pessoa, mesmo que no âmbito do direito de participação na vida política e relativamente a assuntos do interesse público, como são os que se referem à gestão de uma autarquia.
Decidiu o Acórdão da Relação de Évora, de 2/7/96, CJ 96, IV, 295, que um facto ou juízo, para que possa ser havido como ofensivo da honra e consideração devida a qualquer pessoa, deve constituir um comportamento com objecto eticamente reprovável de forma a que a sociedade não lhe fique indiferente, reclamando a tutela penal de dissuasão e repressão desse comportamento. Supõe, pois, a violação de um mínimo ético necessário à salvaguarda sócio/moral da pessoa, da sua honra e consideração.
No nosso caso, opinamos no sentido de que o arguido excedeu o seu legítimo direito de livre expressão, mesmo em contenda política, tal a veemência e repetição (o tribunal vai ao ponto de dizer que o foi “ad nauseam”[9]) do que foi dito e da forma como foi dito.
Assim, tratam-se de afirmações excessivas, com dignidade criminal, porquanto objectivamente ofensivas da honra e consideração do aqui assistente, feitas unicamente com o propósito de achincalhar, humilhar e rebaixar o mesmo actor político cuja honra também merece tutela penal.

3.2.1.4. Em conclusão, o comportamento do arguido exarado na factualidade dada como provada preencheu plenamente os requisitos objectivos e subjectivos do crime em causa, só se podendo validar a conclusão do tribunal recorrido de que só poderia condenar o arguido.

3.2.2. SOBRE O CRIME DE COACÇÃO CONTRA ÓRGÃOS CONSTITUCIONAIS

3.2.2.1. O artigo 10º, nºs 1, 3 e 4 da Lei n.º 34/87, de 16/7 (CRIMES DA RESPONSABILIDADE DE TITULARES DE CARGOS POLÍTICOS), na redacção conferida pela Lei n.º 30/2105, de 22/4, estatui que:
«1 - O titular de cargo político que por meio não violento nem de ameaça de violência impedir ou constranger o livre exercício das funções de órgão de soberania ou de órgão de governo próprio de região autónoma será punido com prisão de dois a oito anos, se ao facto não corresponder pena mais grave por força de outra disposição legal.
2 - O titular de cargo político que, nas mesmas condições, impedir ou constranger o livre exercício das funções do Provedor de Justiça é punido com prisão de um a cinco anos.
3 - Se os factos descritos no n.º 1 forem praticados contra órgão de autarquia local, a prisão será de três meses a dois anos.
4 - Quando os factos descritos no n.º 1 forem cometidos contra um membro dos órgãos referidos nos n.ºs 1, 2 ou 3, a prisão será de um a cinco anos, seis meses a três anos ou até um ano, respectivamente».
Subsumiu e bem o tribunal o comportamento ao n.º 4 dito normativo pois estamos perante factos que mostram que o arguido, titular de um cargo político [cfr. artigo 3º, nº 1, alínea i) de tal diploma], por meio não violento nem de ameaça de violência, com a sua conduta, impediu o livre exercício das funções do assistente, enquanto Presidente da Câmara ... que se encontrava, em 10 de Julho de 2019, a presidir a uma reunião desse órgão camarário.
Não haverá aqui que fazer qualquer apelo à norma típica do artigo 334º do CP pois os órgãos de autarquias locais e os seus membros, cujo exercício de funções é tutelado pelo artigo 333º, nº 3 e nº 4, alínea c), contra a coacção (com violência ou ameaça dela), não são abrangidos pela área de tutela típica da norma do artigo 334º - além disso, excluem-se do tipo em causa as condutas praticadas pelos próprios membros do órgão, podendo afirmar-se, como o faz Pedro Caeiro, na sua anotação ao referido normativo, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, p. 269, que «a qualidade de não-membro fundamenta a ilicitude do facto», só sendo atípica, contudo, a perturbação causada por um membro do órgão se for praticada no exercício das suas funções (já será típica a conduta de um membro que perturba o funcionamento do órgão em outro contexto, enquanto simples cidadão, ou que perturbe o funcionamento de outro órgão diverso daquele a que pertence).
No nosso caso, não temos qualquer dúvida que o arguido, com a sua persistente verbalização das frases documentadas no ponto 3 do rol de factos provados causou perturbação àquela reunião e constrangeu o seu Presidente, obrigando-o, primeiro, a interromper a reunião (facto 5), depois, a suspender a referida reunião (facto 6), «por inexistirem condições para retomar os trabalhos».
O tipo abrange todo o tipo de coacção não violenta que afecte objectivamente o normal funcionamento por parte dos órgãos mencionados e dos seus membros.
Também como Pedro Caeiro, opinamos no sentido de que a autonomização das condutas de “impedir” e de “constranger” neste tipo é redundante pois a norma protege a livre exercício de funções – e todo o constrangimento do órgão ou membro constituirá sempre um impedimento do livre exercício de funções, mesmo que o órgão coagido não se encontre impedido de funcionar e efectivamente exerça funções, em nada adiantando o verbo “constranger” à factualidade típica.
O tipo só se realiza integralmente no momento em que o membro do órgão camarário é impedido de exercer livremente as suas funções.
Ora, o arguido, com o seu comportamento, impôs ao Presente da Câmara Municipal as atitudes que acabou por tomar – primeiro a interrupção dos trabalhos camarários e depois a suspensão dos mesmos.
«Impedir» significa impossibilitar, por qualquer forma, ainda que de forma transitória ou precária, o livre exercício de funções, no caso, de um membro de um órgão camarário, constrangendo-o, levando-o (com a pressão efectuada), a tomar uma decisão – à partida não desejada - sobre a sorte daquela reunião.
Impediu assim o arguido que a reunião continuasse naquele dia – como bem se afere na sentença, «o arguido impediu (pelo menos naquele dia e hora, pouco importando que noutro dia ou ocasião já o haja permitido, pois o impedimento pode ser transitório, mas deve ser relevante, como foi) que o Presidente da Câmara exercesse as suas funções».
Não se venha agora dizer que quem impediu que a reunião se concluísse naquele dia foi o assistente – alegar isso é deturpar os acontecimentos daquele dia: não foi o assistente que cerceou o livre direito de o arguido expressar a sua opinião, foi antes o arguido que impediu que a reunião continuasse face ao tom repetido, maquinal e insultuoso das frases saídas da sua boca e dirigidas ao assistente que, assim, foi constrangido a tomar a decisão que não queria.
Ou seja, o assistente não interrompeu e suspendeu a reunião camarária por vontade própria – apenas o fez porque foi impedido pelo arguido de prosseguir: note-se que está dado como provado o facto 6 de onde se retira «que a reunião foi suspensa por inexistirem condições para retomar os trabalhos», assente a reiteração das expressões por parte do arguido para com o Presidente da reunião, em tom alto (facto 5).
Resulta também tal realidade do facto 20 atinente ao PIC («Em razão das atitudes e das insistências do arguido, o assistente teve de suspender a reunião da Câmara Municipal, numa manifesta e pública humilhação consistente na impotência de garantir o normal funcionamento de um órgão municipal pelo qual é o primeiro responsável»).
Era inexigível – não sendo exigível - qualquer outro comportamento, nestas circunstâncias, por parte do assistente.
O assistente não interrompeu e suspendeu a reunião por não estar a concordar com as posições orais veiculadas pela oposição, como parece insinuar o recorrente (cfr. p. 16 da sua motivação).
Fê-lo pois entendeu que não havia condições para continuar, apenas tomando tal atitude por consequência directa – numa claríssima relação de causa/efeito – da acção do arguido que o levou a assim agir.
Para haver consumação do tipo – e falamos também aqui de coacção em termos gerais – não basta a adequação da acção e a adopção, por parte do coagido, do comportamento conforme à imposição do coactor, sendo ainda necessário que entre este comportamento e aquela acção de coacção haja uma relação de efectiva causalidade.
E aqui há-a, como já referimos.
Respondendo ao parecer do MP em 2ª instância, não deixaremos de notar que esta conduta do arguido não foi, de facto, exercida sobre o órgão propriamente dito (porque, se o fosse, a norma típica seria o artigo 10º, n.º 3 do diploma em causa), mas sobre um dos seus membros (cai-se assim no seu n.º 4), havendo razão para esta condenação na medida em que entendemos, como a sentença recorrida, que foi a conduta do arguido exercida sobre o assistente – e não sobre o recorrente – que impediu e condicionou o exercício de funções do Presidente da Câmara que se encontrava a presidir a uma reunião camarária.
Note-se ainda que, apesar de não ter dado como provado o facto a) (e só pelo facto dessa frase não ter sido proferida na reunião em causa de 10/7/2019), a verdade é que tal frase terá sido dita na reunião de 16/7/2019 que foi a continuação desta que foi suspensa (cfr. motivação do tribunal e auto de transcrição de fls 106-109, constante dos autos e passível de ser por nós considerado para estes efeitos) – e a parte da frase que aqui nos interessa é a que se consubstancia na expressão dita:  «…acredite que mais vezes vai ter de interromper a reunião nesse sentido» - queremos maior revelação de dolo do que esta[10]?
De facto, deu-se ainda como provado que o arguido sabia que o seu comportamento era susceptível de perturbar e constranger o funcionamento e o livre exercício de funções do assistente, como presidente daquela reunião camarária (facto 12).
Basta para a perfectibilização do delito, em termos subjectivos, qualquer modalidade de dolo, bastando que o agente tenha conhecimento e vontade de, através do seu comportamento, praticar a conduta descrita no tipo (mesmo que na modalidade do dolo eventual – artigo 14º/3 do CP].
No nosso caso, basta o seu comprovado dolo eventual (incorre em lapso o tribunal ao referir-se a dolo directo também neste delito na sua fundamentação da medida da pena) para o podermos punir como autor material do crime em apreço.

3.2.2.2. Portanto, o comportamento do arguido exarado na factualidade dada como provada preencheu plenamente os requisitos objectivos e subjectivos do crime em causa, só se podendo validar a conclusão do tribunal recorrido de que só poderia condenar o arguido.

3.3. Perfectibilizada a prática destes dois delitos pelo comportamento do arguido, só resta sancionar as penas aplicadas pelo tribunal, tidas por adequadas (mesmo considerando-se que o dolo do arguido, no 2º delito, foi eventual e não directo, o que já foi ponderado por este tribunal de recurso), bem com a condenação parcial do PIC deduzido pelo demandante BB (segmentos estes que não foram directamente visadas pela argumentação do recurso).
Se assim é, naufraga em absoluto este recurso, só havendo que confirmar a sentença recorrida (muito bem elaborada), assente que não temos como violados os artigos 32º, nº 2, 202º, nº 2 e 205º, nº 1 da CRP, 410º, nº 2 e 127º do CPP e o artigo 10º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

3.4. Em sumário diremos:
1. É a protecção dos direitos relativos à integridade moral das pessoas, como a honra e a reputação, que as normas dos arts. 180º e 181º do CP visam acautelar.
2. No conceito de honra inclui-se quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior, consubstanciando-se na pretensão, constitucionalmente protegida, de não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da comunidade, mesmo enquanto homem político.
3. O exercício do direito de liberdade de expressão e de informação, ainda que a coberto da liberdade de imprensa, não justifica, só por si, a imputação a outra pessoa de factos ou a formulação de juízos ofensivos da sua honra e consideração.
4. Não é juridicamente aceitável que, em nome das liberdades de expressão, de opinião e de informação, se ofenda, injustificada e imerecidamente, a honra e a consideração de outra pessoa, mesmo que no âmbito do direito de participação na vida política e relativamente a assuntos do interesse público, como são os que se referem à gestão de uma autarquia.
5. «Impedir» para os termos do crime de coacção sobre órgãos constitucionais, previsto e punido pelo artigo 10º da Lei n.º 34/87, de 16 de Julho, significa impossibilitar, por qualquer forma não violenta, ainda que de forma transitória ou precária, o livre exercício de funções, no caso, de um membro de um órgão camarário, constrangendo-o, levando-o (com a pressão efectuada), a tomar uma decisão – à partida não desejada - sobre a sorte daquela reunião.

            III – DISPOSITIVO       

            Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em: 
· em negar provimento ao recurso, confirmando a bem elaborada sentença recorrida.

Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs [artigos 513º, no 1, do CPP e 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa].

Coimbra, 15 de Junho de 2022
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94.º, n.º2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do art.º 19.º da Portaria n.º 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09)


Paulo Guerra (Relator)

Alcina da Costa Ribeiro (Adjunta)

Alberto Mira (Presidente da Secção)




[1] Equivalente à expressão: «Politicamente é pulha».
[2] Entre outros, cf. acórdãos do TEDH de 28/9/2000, no caso Lopes da Silva c. Portugal (que pode ser consultado quer na RPCC ano 11º, fasc. 1º, Janeiro-Março 2001, pp. 131-155, com anotação de José Faria Costa que participou com conselheiro do Governo Português, quer na RMP n.º 84, Out/Dez 2000, pp. 179-191, com comentário de Eduardo Maia Costa), de 30/3/2004, no caso Radio France e outros c. França, de 29/2/2000, no caso Fuentes Bobo c. Espanha, de 21/3/2002, no caso Nikula c. Finlândia, de 29/11/2005, no caso Urbino Rodrigues c. Portugal, de 18/4/2006, no caso Roseiro Bento c. Portugal e de 24/4/2008, no caso Campos Dâmaso c. Portugal (consultados em www.echr.coe.int, tal como os demais citados).
[3] Sobre a igual valência normativa do direito à honra e do direito de informação ver José Francisco Faria Costa, Direito Penal da Comunicação, alguns escritos, Coimbra Editora, 1998, p. 55.
[4] Figueiredo Dias, “Direito de Informação e Tutela da Honra no Direito Penal da Imprensa Português”, in RLJ ano 115º, p. 101, nota 3, refere que, neste sentido amplo o direito de informação “surge como correspectivo necessário da liberdade de expressão enquanto base de formação da opinião pública democrática”.
[5] Figueiredo Dias, ob.ult. cit., p. 102.
[6] Hoje lido como Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
[7] A Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) vigora na ordem jurídica portuguesa por força do artigo 8º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e assume no nosso ordenamento jurídico uma posição infra constitucional, ou seja num plano inferior ao da Constituição, mas superior ao da legislação interna. Os juízes nacionais devem considerar as referências metodológicas e interpretativas da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), enquanto instância própria de regulação convencional.

[8] Explicitando-se nesse aresto ainda o seguinte:
«É verdade que existem várias decisões do TEDH que permitem uma crítica e ofensa quase ilimitada do direito à honra, estribando-se no direito à liberdade de expressão. O TEDH considera que “a liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática” a qual é caracterizada ainda pelo “pluralismo, tolerância e espírito de abertura”, sendo uma “das condições primordiais do seu progresso e do desenvolvimento de cada um”.
O exemplo mais paradigmático de tal jurisprudência é o acórdão do TEDH no processo de Otegi Mondragon contra a Espanha, de 15.3.2011, em que o demandante havia sido condenado pelo Tribunal Supremo Espanhol (depois de absolvição pelo Tribunal Supremo Basco), por se ter referido, em conferência de imprensa, a propósito da visita do rei a Bilbau, nos seguintes termos:
Como é possível que eles se façam fotografar hoje em Bilbau com o rei de Espanha, quando o rei de Espanha é o chefe supremo do exército espanhol, ou seja, o responsável pelos torcionários, o protector da tortura e quem impõe o seu regime monárquico ao nosso povo por meio da tortura e da violência”.
Como se pode ver deste aresto e muitos outros existem, a primazia dada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, à liberdade de expressão, é quase total, particularmente quando associada à liberdade de imprensa. O TEDH entende que a restrição conexa com a honra, também salvaguardada no artigo 10º, nº 2 da CEDH, está sujeita a uma “necessidade social imperiosa” e reivindica para si um poder de supervisão das excepções, restringindo a margem de apreciação dos Estados.
Esta leitura da CEDH por parte do TEDH contraria, em nossa opinião, o direito interno português e a interpretação que a grande maioria da doutrina e jurisprudência fazem da colisão de direitos constitucionais com igual dignidade abstracta.
Mas deverá prevalecer a jurisprudência do TEDH e ser vinculativa para os Tribunais Portugueses?
Em nossa modesta opinião tal jurisprudência não é vinculativa.
Como já referimos os direitos em colisão têm igual dignidade constitucional. O artigo 16º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, impõe uma interpretação dos direitos, liberdades e garantias em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual tutela, em termos paritários, ambos os direitos (artigos 12º e 19º da Declaração).
No plano da hierarquia das normas, as normas constitucionais aparecem no topo da pirâmide, seguidas das normas convencionais internacionais regularmente ratificadas pelo Estado Português, as quais vigoram no direito interno e se sobrepõem a essas mesmas normas na hierarquia. A Constituição da República Portuguesa no artigo 8º, nº 4 estatui que as “disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. Exige-se assim, o respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, que é exactamente o que está em causa no caso vertente.
Na verdade, esta jurisprudência do TEDH pode ser violadora, em nossa modesta opinião, da própria Constituição da República Portuguesa, na medida em que a mesma não permite, no seu artigo 18º, nº 3, a restrição dos direitos, liberdades e garantias, como são os direitos pessoais, de modo a diminuir o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais que os consagram. A jurisprudência do TEDH está, verdadeiramente, a hierarquizar, em termos abstractos, os direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República Portuguesa, o que a mesma não permite por força da sua igual dignidade constitucional.
Para além deste impedimento constitucional existe ainda um outro impedimento legal.
Na verdade, apesar do disposto no artigo 449º, nº 1, al. g) do Código de Processo Penal e 696º, al. f) do Código de Processo Civil, que permite, como fundamento do recurso de revisão, a existência de uma decisão vinculativa do Estado Português, de uma instância internacional, nem por isso se pode considerar que a jurisprudência do TEDH é vinculativa para os Tribunais portugueses. Ainda que a decisão seja vinculativa para o Estado Português, os Tribunais nacionais têm sempre que aferir se essa mesma decisão é inconciliável com a condenação ou suscita graves dúvidas sobre a sua justiça.
Convirá ainda referir que quase toda a jurisprudência do TEDH dando primazia quase absoluta à liberdade de expressão, se refere a casos relacionados com a imprensa e a liberdade de informação, não sendo transposta mutatis mutandis para o caso dos autos no que respeita ao arguido JF....
Chegados aqui impõe-se apenas, antes de concluir a qualificação jurídica, a relevância jurídica de o assistente ser uma figura pública.
A grande maioria, para não dizer a generalidade da doutrina e jurisprudência entende que quando estão em causa figuras públicas, os limites da crítica admissível são mais amplos, admitindo-se, no âmbito de controvérsias políticas e públicas, o uso de linguagem forte, exagerada, violenta e mordaz.
Esta diferente amplitude tem na base um interesse público de maior escrutínio exigido pela sociedade democrática sobre as figuras públicas, as quais devem suportar uma maior tolerância da crítica, levando, como refere o Prof. Faria Costa a uma “erosão externa da honra”.
Mas, como refere Iolanda Brito, “mesmo em relação às figuras públicas há limites que não podem ser ultrapassados, ainda que no domínio da esfera pública. A tolerância à crítica tem que conhecer barreiras, sob pena de se negar, de uma forma intolerável, a protecção da honra das figuras públicas, o que poderia acarretar diversas consequências negativas, nomeadamente afastar as mais dignas da vida pública”. Esta protecção é especialmente exigida, “se uma figura pública pauta o seu comportamento público por padrões de correcção, urbanidade, honestidade e lealdade merece uma maior protecção da sua honra do que a figura pública que assume uma conduta pouco compatível com aqueles padrões”».


[9] Deixou ainda escrito a sentença recorrida que «basta ouvir o CD da gravação da reunião para perceber que o arguido, durante a interrupção da mesma (por cerca de cinco minutos) não se acalmou, antes exacerbou o seu estado de exaltação (embora em volume de som reduzido, o período de interrupção foi gravado).
[10] Cfr. nota de rodapé n.º 12 - «Deixou ainda escrito a sentença recorrida que «basta ouvir o CD da gravação da reunião para perceber que o arguido, durante a interrupção da mesma (por cerca de cinco minutos) não se acalmou, antes exacerbou o seu estado de exaltação (embora em volume de som reduzido, o período de interrupção foi gravado)».