Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6575/19.3T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: HERANÇA JACENTE
CONCEITO
HERANÇA NÃO PARTILHADA
PERSONALIDADE JUDICIÁRIA
Data do Acordão: 04/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZ LOCAL CÍVEL DE COIMBRA – JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 2046º DO C. CIVIL: 12º, AL. A) DO NCPC.
Sumário: I – A herança jacente – herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado – é coisa diversa da herança que, não obstante permanecer ainda em situação de indivisão (por não ter sido efetuada a partilha), já foi aceite pelos sucessíveis que foram chamados à titularidade das relações jurídicas que dela fazem parte, sendo que só a primeira detém personalidade judiciária [cf. art. 12º, al.a) do n.C.P.Civil].

II – A herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.

III – A existência de “cabeça-de-casal” [ou, sob outro ponto de vista, a aceitação desse cargo], não pressupõe, só por si, a aceitação da vocação sucessória.

IV – Não existindo nos autos elementos que permitam ao julgador concluir, com certeza, que a herança foi aceite, não pode este considerá-la com falta de personalidade judiciária.

Decisão Texto Integral:                Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

               1 – RELATÓRIO

V..., residente na Rua ..., instaurou contra:

1) – A... e mulher M..., residentes Rua ...;

2) – HERANÇA DE M..., representada pelo cabeça-de-casal V..., residente na Rua ...;

3) – A..., casado, residente na Rua ...;

4) – M..., solteira, residente na Rua ... e

5) - HERANÇA DE L..., representada pela cabeça-de-casal M..., residente na Rua ...,

ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo que:

1- se declare adquirido pelo Autor o prédio identificado e discriminado no Art.13º desta petição inicial, por usucapião, e ordenar-se o cancelamento no Registo Predial, de Coimbra, de todo e qualquer impedimento a tal aquisição, e,

2- se condenem os Réus identificados no item 1), a reconhecer o direito do Autor àquela autonomização e aquisição e

3- se condenem os Réus identificados nos itens 2), 3), 4) e 5) a reconhecer o Autor como dono e legítimo possuidor da propriedade identificada e descrita no Art.13º da petição inicial, ou seja, aquela quota-parte por estar na posse do prédio há mais de 20 anos e, por isso, ter adquirido por usucapião, o direito ao prédio que se encontra já identificado no Artº 5º desta petição, prescrição aquisitiva que se invoca para todos os legais e devidos efeitos, propondo que o prédio rústico assim adquirido fique com a seguinte descrição:

“Prédio rústico de terra de cultura, com oliveiras e de pastagem, com a área de 6.759 metros, sito no lugar do ..., a confrontar: ....”

                                                                          *

Os Réus foram regularmente citados e advertidos do prazo para contestar e da cominação aplicável, os mesmos não deduziram contestação.

Por despacho de 15-06-2020 foi o Autor convidado a fazer intervir, na posição de associados dos RR., os restantes herdeiros de M... e de L..., sob pena de ser declarada a ilegitimidade passiva da HERANÇA DE M... e da HERANÇA DE L..., o que foi objeto de resposta pelo A. contrapondo que era seu entendimento que a Herança Indivisa, enquanto não partilhada, tem personalidade judiciária para demandar e ser demandada, acrescendo que a satisfação da exigência que lhe estava ser feita implicava que ele autor «tivesse de conhecer a totalidade dos herdeiros e identificar os mesmos, para os poder habilitar caso ainda não o tenham feito o que teria de requerer ao tribunal que interpelasse a cabeça-de-casal, para prestar esclarecimentos, que se julga desnecessários», donde, devia ser acolhida esta tese, determinando-se o prosseguimento dos autos com as respetivas alegações de direito, previstas no nº 2 do art. 567º do C.P.Civil.

Na sequência processual, a Exma. Juíza a quo proferiu um despacho com o seguinte teor [na parte que ora releva]:

«(…)

Como já fora referido no supra citado despacho de 15-06-2020, nos presentes autos, exige-se a presença do todos os herdeiros de M... e de L..., do lado passivo.

A herança ilíquida e indivisa, ao invés do que sucede com a herança jacente (ainda não aceite), carece de personalidade judiciária. Aceite a herança, mas permanecendo a situação de indivisão dos bens que a integram, cabe perguntar quem tem legitimidade processual passiva nas acções em que se discutem direitos ou interesses relativos àquela herança: o cabeça-de-casal ou o conjunto de herdeiros em litisconsórcio necessário. Ora, a regra que resulta do art. 2091.º do Código Civil exige o litisconsórcio de todos os herdeiros, salvo quando outra solução derivar da lei.

A sua ausência configura a preterição de um litisconsórcio necessário passivo e será motivo de ilegitimidade, com a consequente absolvição da instância – arts. 278º, n.º 1, alínea d), 576º, n.º 2, 577º, alínea e) e 578º do C.P.C.

Convidado, nos termos dos arts. 590º, n.º 2, alínea a) e 6º, n.º 2, do do Código de Processo Civil, a fazer intervir os demais herdeiros, o Autor não o fez no prazo fixado.

Mantém-se assim a falta apontada no despacho de 15-06-2020.

Como acima se referiu, a falta de qualquer dos herdeiros, em casos de litisconsórcio necessário, é causa de ilegitimidade.

Decisão

Pelos motivos expostos, ao abrigo dos arts. 278º, n.º 1, alínea d), 576º, n.º 2, 577º, alínea e) e 578º do Código de Processo Civil, julgam-se os Réus partes ilegítimas, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, termos em que se absolvem os mesmos da instância,

Custas pelo Autor.

Registe e notifique.»

                                                                          *

Inconformado, apresentou o Autor recurso de apelação, que finalizou com as seguintes conclusões:

...

Face ao exposto e por tudo o mais que V. Exªs doutamente suprirão deve ser dado provimento ao recurso e revogada que seja a decisão, ordenando-se a procedência imediata dos pedidos na ação.

               Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

               Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso cumpre apreciar e decidir.

               2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte:

               - desacerto da decisão que julgou as RR. “Herança de …”, representadas por um “cabeça de casal”, partes ilegítimas, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, na medida em que tinha de estar em juízo o conjunto de herdeiros em cada uma delas?

               3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em conta são essencialmente os que decorrem do relatório que antecede.

4 –  FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Importa no presente recurso aferir e decidir do desacerto da decisão que  julgou as RR. “Herança de …”, representadas por um “cabeça de casal”, partes ilegítimas, por preterição de litisconsórcio necessário passivo, na medida em que tinha de estar em juízo o conjunto de herdeiros em cada uma delas.

Que dizer?

Desde logo que temos para nós como incontroverso que na presente ação haveria litisconsórcio necessário passivo do conjunto de herdeiros de cada uma das RR. “Herança de …”, no pressuposto de que se tratava de “herança(s) impartilhada(s)”, posto que a personalidade judiciária só foi atribuída por lei à “herança jacente”, que não se confunde com aquela(s) [cf. art. 12º, al.a) do n.C.P.Civil].

Rememoremos, antes de prosseguir, alguns aspetos dogmáticos.

A “herança jacente “– herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado – é coisa diversa da herança que, não obstante permanecer ainda em situação de indivisão (por não ter sido efetuada a partilha), já foi aceite pelos sucessíveis que foram chamados à titularidade das relações jurídicas que dela fazem parte, sendo que só a primeira detém personalidade judiciária.

Isto é o que está vertido expressamente em texto de lei [cf. citado art. 12º, al.a) do n.C.P.Civil], constituindo nessa medida uma exceção à regra de correspondência [ou seja, da coincidência ou da equiparação], entre a personalidade jurídica e a personalidade judiciária, pois que, o caso da “herança jacente” representa precisamente um caso em que, em certas situações, a lei confere personalidade judiciária a uma entidade carecida de personalidade jurídica.

De referir que nos termos do art. 2046º do C.Civil, «Diz-se jacente a herança aberta, mas ainda não aceita nem declarada vaga para o Estado».

Ora, permanecendo sem aceitação ou declaração de vacatura a favor do Estado (art. 2132º do C.Civil), a herança assume nesta situação transitória o lugar do de cujus sendo, pois, titular dos direitos e obrigações.

Todavia, esta personificação judiciária pode não a acompanhar até à partilha, cessando com a aceitação por parte dos sucessores, efetuada nos termos previstos nos arts. 2050º e segs. do C.Civil.

É certo que, com alguma pertinência, se pode questionar a razão de ser para não considerar aplicável à herança, na fase de indivisão [em que a mesma permanece, distinta do património dos herdeiros, e afetada a um fim próprio], a personificação judiciária que dispunha antes da respetiva aceitação por aqueles e, portanto, a possibilidade de ser parte processual ativa e passiva em processo civil.

Nesse sentido se pronunciou o insigne processualista A. Varela[2] (como invocado nas alegações recursivas), defendendo, por aplicação analógica do disposto no art. 6º do C.P.Civil ao tempo vigente, a persistência da personalidade judiciária da herança indivisa, estando em curso inventário judicial, com a consequência de as ações tendentes a defender ou a agredir interesses do património hereditário terem de ser intentadas em nome ou contra a herança.

Consideramos, salvo o devido respeito, que esse entendimento não encontra respaldo no atual texto legal, tendo sido expressa opção do legislador do n.C.P.Pivil, reservar a personalidade judiciária à “herança jacente”, que não se confunde, pois, com “herança impartilhada”.[3]

A esta luz, seriam de considerar improcedentes os argumentos recursivos e o recurso.

Porém, o presente caso encerra uma especificidade processual que acaba por nos conduzir a solução diversa.

Senão vejamos.

Temos para nós que a existência de “cabeça-de-casal” [ou, sob outro ponto de vista, a aceitação desse cargo], não pressupõe, só por si, a aceitação da vocação sucessória.

Na verdade, já foi a este propósito sublinhado o seguinte em douto aresto[4]:

«(…)

A lei não define o momento em que se inicia a administração da herança, ao invés do que sucede quanto ao seu termo (artigo 2079.º do Civil).

Como refere Capelo de Sousa[10] a melhor solução para esta questão será o de atender a que a administração em causa está intimamente ligada à figura do cabeçalato[11] e a que o cargo de cabeça-de-casal prioritariamente se defere ex lege (nº 1 do artigo 2080.º do CCivil) a certas categorias de pessoas (que não são necessariamente herdeiras) independentemente quer da sua aceitação detal cargo[12] quer da aceitação de eventual vocação hereditária.[13]

Existe, pois, aí, uma forma de administração legal de bens com vista à conservação e frutificação e a todos os demais actos de administração ordinária dos bens da herança assim como à realização de interesses de matiz pública, como por exemplo, a satisfação dos credores da herança, o que torna, portanto, o mecanismo administrativo previsto no artigo 2079.º e ss. operacional a partir da data da abertura da sucessão.

Não se olvida que o nosso ordenamento jurídico, reflectindo a situação que é normal de os poderes jurídicos do cabeça-de-casal serem exercidos após a aceitação da herança pelos herdeiros com designação prevalente, regula o capítulo da “Administração da herança”, após os da “Herança jacente” da “Aceitação” e do “Repúdio” da herança e, mesmo, depois do da “Petição da herança”, sendo certo ainda que, na fase da herança jacente o CCivil (artigos 2047.º e 2048.º) preveniu modalidades especiais da sua administração.

Acontece que, os mecanismos administrativos especiais nos casos de herança jacente ou, ainda, de herança abandonada (artigos 2047.º e 2048.º do Civil e 409.º, nº 2 do CPCivil do CPCivil) justificam-se pela específica situação de falta de titularidade subjectiva decertas situações de jacência e não importam a impossibilidade da existência de cabeça-de-casal nessas situações.

Com efeito, o nº 1 do artigo 2047.º apenas atribui uma faculdade jurídica ao sucessível ainda não aceitante ou repudiante (não lhe impondo uma obrigação jurídica (cfr. a expressão “não está inibido” daquela disposição) e apenas no caso de “do retardamento das providências poderem resultar prejuízos”, tudo o que se compagina com a possibilidade da existência, no período de jacência, de cabeça-de-casal, o qual, aliás, pode estar temporariamente impedido de tomar tais providências ou poder tomá-las mas não nas melhores condições.

Também, a nomeação da curadoria à herança jacente (artigo 2048.º, nº 1) só é possível, para além do mais, quando não houver “quem legalmente…administre os bens de tal herança”, do que decorre “a contrario” a impossibilidade dessa nomeação havendo cabeça-de-casal e a legitimidade da existência de cabeça-de-casal na situação de jacência.

[10] In Direito das Sucessões, Coimbra Ed. Vol. II, 2ª Ed. pág. 5 1 e ss.

[11] O primeiro artigo do Capítulo VIII sobre a Administração da herança tem como epígrafe “cabeça-de-casal” a quem a lei atribui a administração da herança até à sua liquidação e partilha.

[12] O cabeça de casal não tem que aceitar o cargo, embora dele se possa escusar desde que se verifiquem certos condicionalismos (artigo 2085.º do CCivil e artigo 22.º da Lei n.º 23/2013, de 05 de Março.

[13] É preciso notar como refere Capelo de Sousa obra citada pág. 52 nota 618 que atentos os latíssimos prazos de caducidade do direito de aceitação da herança (artigo 2059.º do CCivil) a aceitação ou mesmo o repúdio da herança pelos herdeiros pode ter lugar após o início dos exercício das funções de cabeça-de-casal, só cessando tal exercício a partir do momento do repúdio da herança com a perda da qualidade de herdeiro. Aliás de modo semelhante se passam as coisas quanto ao testamenteiro, tendo em conta a sua faculdade de renúncia ao cargo (artigos 2322.º e 2324.º do CCivil).

(…)».

Vejamos então.

Temos presente que a questão “Da legitimidade passiva” [das RR. “Herança de …”, representadas por um “cabeça de casal”] era efetivamente uma questão de conhecimento oficioso, pelo que o Exmo. Juiz a quo, em despacho, na fase do saneador, tinha o dever de conhecer, e, sendo disso caso, declarar, uma tal exceção de ilegitimidade.

Acontece que se impõe reconhecer que tal não poderia ter tido lugar, por não haver suficiente suporte probatório, da sua verificação.

Na verdade, essa é uma questão ab limine dependente da ocorrência/verificação de certos pressupostos de facto, como seja e desde logo, que essas RR. eram efetivamente “heranças impartilhadas” [e não meramente “heranças jacentes”].

Atente-se que na p.i., o A. as identificou singela e linearmente como «HERANÇA DE M... representada pelo cabeça-de-casal V...», e como «HERANÇA DE L..., representada pela cabeça-de-casal M...».

E que face ao despacho-convite que lhe foi endereçado no sentido de fazer intervir, na posição de associados dos RR., os restantes herdeiros de M... e de L..., o A. escusou-se a esse cumprimento, invocando que desconhecia esses herdeiros e as suas identidades…

Nada mais foi adquirido ou consta dos autos quanto ao efetivo estádio dessas heranças – no que à respetiva aceitação e/ou partilha diz respeito.

Ora se assim era, à luz do entendimento exposto supra em último lugar [no sentido de que a existência de “cabeça-de-casal” não pressupõe, só por si, a aceitação da vocação sucessória], não vislumbramos como é que, in casu, com segurança e certeza se podia concluir, sem mais – como operado na decisão recorrida – que essas RR. eram “heranças impartilhadas”!

Pois que tal não se pode liminarmente considerar adquirido/provado, na medida em nenhum elemento probatório [de natureza documental ou de outra natureza], se encontra junto aos autos que suporte tal.

O que tudo serve para dizer que o conhecimento oficioso da exceção de ilegitimidade foi prematuro, porque infundamentado.

Nesta ordem de ideias, impõe-se revogar a decisão recorrida, devendo a Exma. Juíza a quo dar a subsequente normal prossecução aos autos, no quadro do art. 567º, nº2 do n.C.P.Civil, sendo que a persistir-se no conhecimento oficioso da exceção de ilegitimidade passiva em causa, deve previamente ser averiguado e certificado o efetivo estádio dessas heranças [no que à respetiva aceitação e/ou partilha diz respeito], e bem assim a identidade dos seus herdeiros, sendo disso caso, isto à luz  do “Dever de Gestão Processual” que impende sobre o Juiz ex vi do art. 6º do n.C.P.Civil, mormente do nº2 deste preceito.

Nestes termos procedendo o recurso.

               5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – A herança jacente – herança aberta, mas ainda não aceite nem declarada vaga para o Estado – é coisa diversa da herança que, não obstante permanecer ainda em situação de indivisão (por não ter sido efetuada a partilha), já foi aceite pelos sucessíveis que foram chamados à titularidade das relações jurídicas que dela fazem parte, sendo que só a primeira detém personalidade judiciária [cf. art. 12º, al.a) do n.C.P.Civil].

II – A herança indivisa ou não partilhada apenas goza de personalidade judiciária enquanto se mantiver na situação de jacente.

III –  A existência de “cabeça-de-casal” [ou, sob outro ponto de vista, a aceitação desse cargo], não pressupõe, só por si, a aceitação da vocação sucessória.

IV – Não existindo nos autos elementos que permitam ao julgador concluir, com certeza, que a herança foi aceite, não pode este considerá-la com falta de personalidade judiciária.

               6 – DISPOSITIVO

               Pelo exposto, concedendo-se provimento à apelação apresentada, revoga-se a decisão recorrida, devendo a Exma. Juíza a quo dar a subsequente normal prossecução aos autos, no quadro do art. 567º, nº2 do n.C.P.Civil, sendo que a persistir-se no conhecimento oficioso da exceção de ilegitimidade passiva em causa, deve previamente ser averiguado e certificado o efetivo estádio dessas heranças [no que à respetiva aceitação e/ou partilha diz respeito], e bem assim a identidade dos seus herdeiros, sendo disso caso, nos termos melhor explicitados supra.

               Custas pela parte vencida a final.

                                                           Coimbra, 20 de Abril de 2021

                                                                          Luís Filipe Cravo

                                                                     Fernando Monteiro

                                                                     Ana Márcia Vieira


***



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Ana Vieira
[2] mais propriamente ANTUNES VARELA / MIGUEL BEZERRA / SAMPAIO E NORA, in “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, a págs. 111, em nota (1).
[3] Este é o entendimento igualmente assumido por LOPES DO REGO in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Coimbra, 1999, a págs. 32 e por A. ABRANTES GERALDES, in “Personalidade Judiciária”, ed. do CEJ, 1997, a págs. 8, quando refere que «A personalidade judiciária só foi atribuída por lei à herança jacente, que não se confunde, pois com herança impartilhada»; também como razão justificativa de tal alteração da letra da lei refere LEBRE DE FREITAS / ISABEL ALEXANDRE, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3ª ed., 2014, Coimbra Editora, a págs. 40, que «Entendeu-se, por outro lado, que a fórmula proposta pela comissão Varela, que abarcava igualmente a herança já aceite mas ainda não partilhada (art. 2050 CC), ia longe demais na atribuição da personalidade judiciária, que o facto de serem já conhecidos os sucessores tornava redundante. Aliás mesmo depois da herança partilhada, os bens herdados continuam a constituir um património autónomo (2068 CC e 2071 CC), sem que alguma vez se tenha equacionado a questão de lhe ser atribuída personalidade judiciária (TEIXEIRA DE SOUSA, As partes, cit., p.18)».  
[4] Trata-se do acórdão do TRP de 19.10.2015, proferido no proc. nº 443/14.2T8PVZ-A.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.