Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
142/19.9T8FND-B.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: CAPACIDADE
CRÉDITOS SOB CONDIÇÃO RESOLUTIVA
CRÉDITOS SOB CONDIÇÃO SUSPENSIVA
DECISÃO JUDICIAL
DEVEDORES SOLIDÁRIOS
INTENÇÃO DE NOVAR
INTERESSE PRÓPRIO DA SOCIEDADE
NOVAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
PRESTAÇÃO DE GARANTIAS
SOCIEDADES COMERCIAIS
Data do Acordão: 05/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DO FUNDÃO DO TRIBUNAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 519.º, N.º 1, 860.º, DO CÓDIGO CIVIL
ART. 6.º, N.º 3, DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
ARTS. 50.º, N.º 1, 94.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
Sumário: I) São requisitos da novação: a intenção de novar, expressamente declarada; a validade e subsistência da obrigação primitiva ao tempo em que a segunda é contraída.

II) A intenção de novar e a expressa manifestação dessa intenção têm que ser alegadas e provadas por quem a invoca.

III) É contrária ao fim de uma sociedade comercial a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.

IV) O ónus de alegação e prova da inexistência de interesse próprio compete à sociedade que invoca a nulidade da garantia por si prestada para não ter de cumprir a obrigação garantida.

V) Sendo créditos sob condição suspensiva e resolutiva aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força de lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico, tal não significa que a decisão judicial constitui ela própria uma condição, mas sim que se levam em linha de conta as condições declaradas no próprio teor de uma decisão judicial.

VI) Um crédito sob condição resolutiva é um crédito cuja fonte produz de imediato efeitos jurídicos, mas que pode ser resolvido se a condição se verificar, razão pela qual, no processo de insolvência, os créditos sobre a insolvência sujeitos a condição resolutiva são tratados como incondicionais até ao momento em que a condição se preencha, sem prejuízo do dever de restituição dos pagamentos recebidos, verificada que seja a condição.

VII) Em caso de pluralidade de devedores solidários, o credor pode reclamar a totalidade do seu crédito do devedor insolvente e reclamar o pagamento integral dos outros devedores solidários, podendo fazê-lo tanto em processo de execução como em processos de insolvência dos devedores solidários, com o limite de não poder receber duas vezes.

Decisão Texto Integral:







Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:



1.Relatório

No apenso de reclamação de créditos em que é insolvente F(…), Lda., o Sr. Administrador da Insolvência apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 129.º n.ºs 1 e 2 do CIRE, que se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
Nos termos do artigo 130.º do CIRE, a credora O(…), S.A., apresentou impugnação daquela lista de créditos, peticionando, a final, que seja reconhecida a natureza garantida do seu crédito, no montante global de 6.030.587,18 Euros e que seja o mesmo graduado para ser pago com a prioridade que lhe é conferida pela hipoteca constituída e registada sobre o prédio misto denominado Quinta (…), sito em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial da (..) sob o n.º (…) e inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 19.º e sob os artigos urbanos 599.º e 3137.º
Sustentou, em síntese, ser portadora de duas livranças, uma, subscrita pela sociedade B(…), Lda. e avalizada por A(…) e M(…), no valor de 5.220.306,35 Euros e, outra, subscrita pela sociedade H(…), S.A. e avalizada por  A(…) e M(…), no valor de 5.220.306,35 Euros, ambas entregues para garantia e caução do contrato celebrado a 12/04/2013, entre o N(…), as referidas sociedades e avalistas e, ainda, a sociedade insolvente.
Mais alegou a impugnante que, à data da insolvência, permanecia em dívida a quantia de 5.220.306,35 Euros, acrescida de juros vencidos, imposto de selo sobre os juros, comissões em dívida e imposto de selo sobre as comissões, tudo no montante global de 6.018.568,72 Euros. A este valor acrescem juros de mora vincendos e respectivo imposto de selo desde a data da insolvência e até pagamento, bem como o montante de um descoberto em conta de depósitos à ordem da sociedade H(…), S.A., no valor de 5.685,59 Euros, bem como dos respectivos juros de mora vencidos, no valor de 12.018,46 Euros, e juros de mora vincendos e imposto de selo até efectivo e integral pagamento.
Alega, ainda, que sobre o supramencionado prédio foi constituída uma hipoteca voluntária a favor do N(…), até ao montante máximo de 7.500.000,00 Euros e devidamente registada, para caução e garantia do pontual e integral pagamento de todas e quaisquer operações em Direito permitido emergentes do mencionado contrato.
A devedora insolvente apresentou, simultaneamente, resposta e impugnação à lista de créditos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, pugnando, a final, pela exclusão do crédito reconhecido à O(…), S.A..
Em síntese, a devedora sustentou não ser devedora de qualquer quantia à credora O(…), S.A., sendo que a mesma é apenas credora da H(…), crédito esse já reconhecido no PER daquela sociedade e que inutiliza a reclamação apresentada pela impugnante nos presentes autos de insolvência da F(…), além de que a credora reclamou também o mesmo crédito sobre a B(…), Lda., beneficiando o mesmo de duas hipotecas sobre dois imóveis daquela sociedade de valor superior ao crédito.
Acresce que tal crédito emergente do mencionado contrato se transferiu, por novação subjectiva, para a H(…), S.A., o que implicou a extinção da dívida da  B(…) perante o N(…), bem como da respectiva hipoteca sobre o imóvel da aqui insolvente.
Por outro lado, a devedora invocou a nulidade da hipoteca constituída pela F(…) para garantia do referido crédito, porquanto é proibida a constituição de garantias pessoais ou reais ascendentes, ou seja, da sociedade filha (a F(..() à sociedade mãe (a H(…), por inexistir qualquer relação de domínio ou de grupo com a sociedade B(…), S.A. e tal hipoteca atentar contra o princípio da especialidade do fim social da insolvente e por faltar um justificado interesse, por violação do princípio da proporcionalidade.
Sustentou, finalmente, a devedora que, no mencionado contrato, não surge contemplado o pagamento de descobertos à ordem da  H(…) ao N(…).
Não foi apresentada resposta à impugnação apresentada pela devedora.
Foi proferida a decisão com valor de sentença a que se refere o artigo 136.º n.º 1 do CIRE, a julgar reconhecidos os créditos não impugnados.
Em cumprimento do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 07/09/2020, foram a devedora F(…), Lda. e a credora O(…), S.A. notificadas para complementarem as respectivas alegações.
A primeira, em síntese, pugnou pela gratuitidade da garantia prestada e pela inexistência de justificado interesse próprio na prestação da garantia impugnada e pela inexistência de uma relação de grupo com a H(…) , S.A. e com a B(…), S.A. nos termos já sustentados na respectiva impugnação e resposta.
A segunda, em síntese, pugnou nos termos já constantes da respectiva impugnação, sustentando ainda que o ónus da prova da alegada gratuitidade da garantia prestada e da invocada inexistência de interesse próprio cabia à própria insolvente, por não lhe poder ser exigível a prova de factos que são intrínsecos àquela devedora e, por outro lado, que o dito interesse próprio da devedora na prestação da garantia resulta do próprio contrato de 12/04/2013, subscrito pela própria devedora, o qual não cai no âmbito material do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais.
Encontram-se apreendidos os bens imóveis e móveis descritos no auto de apreensão junto ao apenso C de apreensão de bens.

O Sr. Juiz do Juízo de Comércio do Fundão julga a acção e profere a sua decisão:
Nestes termos e em face do exposto:
1. Julga-se parcialmente procedente a impugnação apresentada pela O(…), S.A. e totalmente improcedente a impugnação apresentada pela devedora F(…), Lda. e, em consequência, reconhece-se o crédito da impugnante O(…), S.A., no valor de 5.777.863,02 Euros, como crédito garantido, sujeito à condição resolutiva da satisfação do crédito da impugnante no âmbito do PER da sociedade H(…), S.A., com o n.º 670/17.0T8FND, para efeitos do disposto no artigo 94.º do CIRE.
2. Graduam-se os créditos reconhecidos nos autos da seguinte forma (a pagar após a satisfação das dívidas da massa):
 Do produto da venda da verba n.º 1 serão pagos:
o Em primeiro lugar, o crédito laboral reconhecido a J(…);
o Em segundo lugar, o crédito fiscal que goza de privilégio imobiliário especial, referente a IMI respeitante à verba em causa;
o Em terceiro lugar, o crédito hipotecário do Instituto da Segurança Social, I.P.;
o Em quarto lugar, o crédito hipotecário reconhecido à O(…), S.A., sem prejuízo do dever de restituição dos pagamentos recebidos assim que se verificar a condição resolutiva a que ficou sujeito, nos termos do artigo 94.º do CIRE;
o Em quinto lugar, o crédito fiscal que goza de privilégio imobiliário geral, referente a IRC;
o Em sexto lugar, os créditos comuns, na respectiva proporção e nos termos dos artigos 174.º n.º 1 in fine, 175.º n.º 2 e 176.º do CIRE, aqui se incluindo os credores privilegiados e os credores garantidos cujos créditos não obtenham integral satisfação com o produto da liquidação dos bens ou direitos a que respeitem os respectivos privilégios creditórios ou as respectivas garantias reais;
o Em sétimo lugar, os créditos subordinados, na proporção dos respectivos montantes.
 Do produto da venda das verbas n.ºs 2 e 3 serão pagos:
o Em primeiro lugar, o crédito fiscal que goza de privilégio imobiliário especial, referente a IMI respeitante a cada uma das verbas em causa;
o Em segundo lugar, o crédito fiscal que goza de privilégio imobiliário geral, referente a IRC;
o Em terceiro lugar, os créditos comuns, na respectiva proporção e nos termos dos artigos 174.º n.º 1 in fine, 175.º n.º 2 e 176.º do CIRE, aqui se incluindo os credores privilegiados e os credores garantidos cujos créditos não obtenham integral satisfação com o produto da liquidação dos bens ou direitos a que respeitem os respectivos privilégios creditórios ou as respectivas garantias reais;
o Em quarto lugar, os créditos subordinados, na proporção dos respectivos montantes.
 Do produto da venda da verba n.º 4 serão pagos:
o Em primeiro lugar, o crédito laboral reconhecido a J(…);
o Em segundo lugar, os créditos fiscais que gozam de privilégio mobiliário geral, referentes a IVA e a IRC;
o Em terceiro lugar, os créditos comuns, na respectiva proporção e nos termos dos artigos 174.º n.º 1 in fine, 175.º n.º 2 e 176.º do CIRE, aqui se incluindo os credores privilegiados e os credores garantidos cujos créditos não obtenham integral satisfação com o produto da liquidação dos bens ou direitos a que respeitem os respectivos privilégios creditórios ou as respectivas garantias reais;
o Em quarto lugar, os créditos subordinados, na proporção dos respectivos montantes.
3. Custas a cargo da massa insolvente”.

      A insolvente F(…), Lda não se conformando com tal decisão, dela interpõe recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

(…)

Também a credora O(…), S.A, não se conformando com tal decisão, interpôs recurso, assim concluindo:
(…)
2. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções das recorrentes cumpre apreciar as seguintes questões:
a) Alteração da matéria de facto: facto provado 11.º e factos não provados 3.º e 4.ª; aditamento aos factos provados relacionados com a ampliação do recurso;
b) Novação de dívida garantida por hipoteca e fiança (Cláusula 29.ª do CONTRATO) da F(…);
c) Efeitos da Aprovação do e homologação do plano de recuperação da  H(..), na garantia hipotecária e na fiança prestadas pela F(…) – art.º 280.º do CC e aplicação do regime substantivo das garantias e dos efeitos do caso julgado;
d) Nulidade da hipoteca e fiança ascendentes por violação do art.º 6.º n, º 3 do CSC;
e) Inexistência de abuso de direito da Apelante – abuso de Direito do  N(…)/O(…);
f) Alteração da sentença de graduação de créditos;
g) Classificação do crédito da credora reclamante como crédito garantido sob condição resolutiva da satisfação do crédito da impugnante no âmbito do PER da sociedade da H(…), S.A. com o n.º do processo 670/17.0T8FND, para efeitos do disposto no artigo 94.º do CIRE.

(…)

O Juízo de Comércio do Fundão decidiu, assim, a matéria de facto:
1. Factos Provados
Com relevância para a decisão de mérito da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Consta da lista de créditos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência, além do mais, um crédito reconhecido à sociedade O(…), S.A., no valor de 1.200.000,00 Euros, qualificado de crédito sob condição e com a seguinte menção, referente à natureza da dívida: “cessão de créditos de N(…), S.A. (B…)” e “Cfr. Douto despacho da meritíssima Juiz do processo c/ a ref.ª 31190664 de 21.05.2019 que fixa em 50% do crédito reconhecido a título provisório os votos conferidos à credora O(…), S.A. - €1.200.000.00”.
2. A impugnante O(…), S.A. é portadora de duas livranças:
- Livrança n.º 500873631022284923, com data de emissão em 12/04/2013 e com vencimento em 25/09/2015, no valor de 5.220.306,35 Euros, subscrita pela sociedade B(…), Lda. e avalizada por A(…) e M(…);
- Livrança n.º 508225140080856756, com data de emissão em 12/04/2013 e com vencimento em 25/09/2015, no valor de 5.220.306,35 Euros, subscrita pela sociedade H(…), S.A. e avalizada por A(…) e M(…).
3. As referidas livranças foram entregues para garantia e caução do acordo denominado Contrato de Consolidação e de Restruturação de Responsabilidades Vencidas e de Reforço de Financiamento e de Garantias e Acordo para Transacção em Todas as Acções Judiciais em curso, formalizado por documento celebrado, na data de 12/04/2013, pelo  B(…), S.A. (como Primeiro Outorgante), pelas sociedades H(…), S.A. (como Segunda Outorgante ou H(…)),  B(…), Lda. (como Terceira Outorgante ou B(…)), H(…), S.A. (como Quarta Outorgante ou H(…) SGPS), A(…), M(…) (como Quintos Outorgantes ou Garantes) e pela insolvente F(…), Lda. (como Sexta Outorgante, Garante ou F(…)).
4. Consta do referido acordo que: “(…)
Considerando que: (…)
H – A F(…) que se encontra numa relação de domínio e de grupo com as Segunda, Terceira Outorgantes, tem ainda um manifesto interesse próprio na consolidação e reestruturação das responsabilidades destas e, na circunstância vai constituir hipoteca sobre o prédio identificado no n.º 1.2 da Cláusula Décima-Terceira infra. (…)
Convencionam e reciprocamente aceitam o presente Acordo de Consolidação e de Reestruturação de Responsabilidades Vencidas, com Ampliação dos Montantes Mutuados e com Reforço das Garantias Reais já existentes com constituição de novas Garantias Reais e desistência do pedido indemnizatório e dos pedidos de insolvência nas Ações Judiciais supra identificadas, Acordo este que integra com força dispositiva plena os Considerandos supra e se rege, ainda, pelas seguintes cláusulas:
III – Consolidação e Reestruturação das Responsabilidades da H(..), B(…)e da H(…)SGPS, S.A.
CLÁUSULA PRIMEIRA
(Responsabilidades da H(…))
1. A Segunda Outorgante é devedora ao N(…) das seguintes quantias:
- €746.431,89 (…) referente a Contrato de Empréstimo (…) celebrado em 28/12/2004 (…)
- €480.000,00, referente a um Financiamento titulado por Livrança subscrita pela H(…), em 27/12/2011 e vencimento em 15/08/2012 no montante de €130.000,00 (…) e por Financiamento titulado por livrança subscrita pela H(…), em 30/03/2012 e vencimento em 15/08/2012 (…)
- €7.152,24 (…) referente a Descoberto em Conta de Depósito à Ordem
CLÁUSULA SEGUNDA
(Garantias prestadas pela H(…)
(…) CLÁUSULA TERCEIRA
(Responsabilidades da B(…)Lda.)
A Terceira Outorgante é devedora ao N(…) das seguintes quantias:
- €1.691.444,00 (…) referente a Contrato de Abertura de Crédito em Conta Corrente (…)
- €1.569,27 (…) Descoberto em Conta de Depósito à Ordem da Terceira Outorgante.
CLÁUSULA QUARTA
(Garantias prestadas pela B(…), Lda.)
1. Para garantia das responsabilidades referidas na cláusula anterior a Terceira Outorgante constitui as seguintes garantias:
(…) 1.3. Livrança subscrita pela Terceira Outorgante à ordem do N(…), com o seu valor e as datas de emissão e de vencimento em branco, com Aval à subscritora dos Garantes, que todos os intervenientes cambiários autorizaram expressamente o N(…), nos casos de incumprimento do Contrato, ou das suas eventuais prorrogações e, ou, aditamentos, para querendo, a preencher pelo valor que lhe for devido, a fixar as datas de emissão e de vencimento e a inseri-las no título cambiário, bem como a designar o local de pagamento, autorizando ainda o N(…) a debitar o valor do Imposto do Selo que se mostrasse devido em quaisquer contas de Depósito à Ordem de que nele sejam titulares.
CLÁUSULA QUINTA
(Responsabilidades da H(…)SGPS)
(…) CLÁUSULA SEXTA
(Montante total das responsabilidades das Devedoras a consolidar e a reestruturar)
O montante global das responsabilidades das Devedoras a consolidar e a reestruturar fixam-se, para efeitos do presente Acordo, em €2.926.597,40 (…) correspondendo à Segunda Outorgante a quantia de €1.233.584,13 (…) e à Terceira Outorgante a quantia de €1.693.013,27 (…).
(…) CLÁUSULA OITAVA
(Manutenção dos Contratos e Garantias que titulam as Operações Consolidadas. Não Ocorrência de Novação)
1. As obrigações originais agora consolidadas e reestruturadas pelo presente Acordo e bem assim as Garantias Reais e Pessoais que as caucionam, mantêm-se, para todos os efeitos legais, não constituindo este acordo nova concessão de crédito e novação das anteriores obrigações assumidas pelas Devedoras.
2. Neste enquadramento, ainda que este Contrato de Consolidação venha a ser escriturado nos Livros do  N(…) como empréstimo, tal circunstância apenas ocorrerá por razões de natureza contabilística ou outra do foro interno do N(…) , não consubstanciando, em circunstância alguma, um novo empréstimo ou financiamento e, por isso, não constituirá novação das anteriores obrigações que se mantêm, nos seus precisos termos, assim como as Garantias que as caucionam.
(…) CLÁUSULA DÉCIMA-SEGUNDA
(Garantias)
1. Em garantia do bom cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades assumidas ou a assumir perante o  B(…) e derivadas deste contrato/acordo de reestruturação e consolidação, suas eventuais prorrogações, alterações, aditamentos e/ou substituições, até à sua completa liquidação, incluindo o pagamento do capital e os correspondentes juros compensatórios e os devidos pela mora e demais encargos legais e contratuais e ainda de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que o  B(…) venha a fazer para a cobrança do seu crédito consolidado e agora ampliado em €2.073.402,60 (…), mantêm-se nos seus precisos termos as Garantias Reais e Pessoais constituídas pela Segunda, Terceira e Quintos Outorgantes a favor do B(…) , identificadas nas Cláusulas Segunda e Quarta do presente Contrato, as quais se mantêm plenamente válidas e eficazes.
2. As Livranças subscritas pelas Devedoras e Avalizadas pelos Segundos Outorgantes garantem igualmente sem exclusão de quaisquer outras as responsabilidades das Devedoras perante a Administração Fiscal e a Segurança Social previstas na Cláusula Vigésima-Quarta.
CLÁUSULA DÉCIMA-TERCEIRA
(Reforço de Garantias)
1. Ainda para reforço das obrigações e/ou responsabilidades assumidas neste Contrato e também para Garantia da ampliação da facilidade de crédito referida na Cláusula Décima-Nona e Vigésima, são constituídas nesta data as seguintes garantias reais adicionais:
(…)1.2. A Sexta Outorgante (aqui insolvente) por ter, não só um manifesto interesse próprio na celebração deste Acordo mas porque se encontra numa relação de domínio e de Grupo com as Devedoras, conforme ata do órgão social competente cuja cópia certificada constitui o Anexo VIII ao presente Contrato e dele faz parte integrante, constitui, nesta data, Hipoteca sobre o Prédio Misto, denominado Quinta (…), com área total 65.553 m2, área coberta de 12.386,28 m2 e área descoberta de 53.166,72 m2, sito em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial da (..)  sob o n.º (…)/20100115, e inscrito na matriz predial urbana sob os artigos n.º 599 e 3137 e na Matriz Predial Rústica da mesma freguesia sob o artigo n.º 19.
1.3. As devedoras poderão regularizar parcial e antecipadamente as suas responsabilidades para com o N(…), mediante a extinção parcial das hipotecas constituídas em garantia dessas responsabilidades. Para efeito de distrate das hipotecas são atribuídos a cada um dos prédios dados de hipoteca os seguintes valores:
(…) e) F(…) - €2.400.000,00 (…) devendo o  N(…) conceder o distrate da hipoteca deste prédio contra o pagamento da referida quantia;
(…) CLÁUSULA DÉCIMA-QUARTA
(Responsabilidade dos Garantes)
Os Garantes aceitam expressamente todos os termos e condições do presente contrato de consolidação, reestruturação e de ampliação de responsabilidades, assumindo solidariamente com a Segunda e Terceira Outorgantes o cumprimento integral de todas as obrigações pecuniárias e outras dele decorrentes.
(…) CLÁUSULA DÉCIMA-QUINTA
(Alterações do Contrato e das Garantias/Não Novação das Obrigações)
1. Fica expressamente convencionado que qualquer alteração das garantias prestadas, e das suas eventuais renovações ou adiamentos, quer quanto ao capital, quer quanto à taxa dos juros compensatórios, ou quanto aos juros capitalizados, ou não, que resultem de acordo entre o  B(…) e as Segunda e Terceira Outorgantes, não constituirá novação das obrigações assumidas.
2. Fica, também, expressamente convencionado que, nos casos de eventual cessação deste contrato por acordo entre as partes, e da sua substituição por outro Contrato que passe a regulamentar a consolidação outorgada, as garantias pessoais e reais referidas no presente contrato ou nele constituídas, manter-se-ão vigentes até ao integral cumprimento das obrigações que asseguram, sempre que isso for contratual e legalmente admissível. (…)
CLÁUSULA VIGÉSIMA-TERCEIRA
(Livranças de Caução dadas em Garantia pelas Segunda e Terceiras Outorgantes e referidas nos respectivos Contratos de Financiamento)
As Livranças subscritas pela Segunda e Terceira Outorgantes referidas no número 1.5 da Cláusula Segunda e no número 1.3 da Cláusula Quarta e avalizadas pelos Quinto Outorgantes à ordem do N(…), com o seu valor e as datas de emissão e de vencimento em branco, com Aval à subscritora dos Garantes continuam a garantir as obrigações originárias ora consolidadas e bem assim a nova facilidade de crédito concedida e todas as demais obrigações emergentes do presente acordo de consolidação e reestruturação de créditos e todos os intervenientes cambiários autorizaram expressamente o N(…), nos casos de incumprimento do Contrato, ou das suas eventuais prorrogações e, ou, aditamentos, para querendo, as preencher pelo valor que lhes for devido, a fixar as datas de emissão e de vencimento e a inseri-las nos títulos cambiários, bem como a designar o local de pagamento, autorizando ainda o N(…)a debitar o valor do Imposto do Selo que se mostrasse devido em quaisquer contas de Depósito à Ordem de que nele sejam titulares. (…)
CLÁUSULA VIGÉSIMA-NONA
(Relação de Solidariedade)
As Devedoras e os Garantes obrigam-se solidariamente entre si para com o N(…) no pontual cumprimento deste acordo e de todas as obrigações que dele emergem, renunciando, desde já e expressamente, ao benefício da excussão prévia do património das Devedoras. (…)”.
5. A 17 de Dezembro de 2013, os referidos contraentes acordaram numa “Primeira Alteração ao Contrato de Consolidação e de Restruturação de Responsabilidades Vencidas e de Reforço de Financiamento e de Garantias e Acordo para Transacção em Todas as Acções Judiciais em curso”, por via da qual alteraram a cláusula décima do acordo inicialmente celebrado, acordando ainda que: “(…)
Manutenção das Garantias
Pela assinatura da presente Alteração, os avalistas, expressa e irrevogavelmente, dão o seu acordo ao presente, mantendo nos exactos moldes o aval prestado no Contrato. (…)
Novação
A presente Alteração não constitui nem produz os efeitos de uma novação da dívida, mantendo-se assim todos os termos, condições e garantias estabelecidas no âmbito do Contrato, com excepção dos, directa ou indirectametne, alterados por via desta alteração. (…)”.
6. Apresentadas a pagamento as livranças referidas em 2. e 3., nas datas dos seus vencimentos, as mesmas não foram pagas, não obstante as interpelações e acção executiva em curso.
7. Por escritura pública celebrada a 12/04/2013, no Cartório Notarial de Carlos Manuel da Silva Almeida, entre a sociedade H(…), S.A., a sociedade insolvente  F(…)e o N(…) , S.A., pela representante das outorgantes foi dito, além do mais:
«(…) Que a sua representada F(…) é dona e legítima possuidora do prédio misto, denominado “Quinta (…)”, sito em (…), descrito na Conservatória do Registo Predial da (…), sob o número dois mil quinhentos e cinquenta e cinco, da referida freguesia, com a aquisição registada a seu favor, pela apresentação quatro, de três de Março de mil novecentos e sessenta e sete, inscrito na respectiva matriz predial rústica, sob o artigo 19, a que é atribuído o valor de DOIS MILHÕES DE EUROS, e sob os artigos urbanos 599; e 3137, a que atribuem os valores respectivamente de QUINHENTOS MIL EUROS e de DOIS MILHÕES E QUINHENTOS MIL EUROS, prédio este adiante designado por “A Quinta”;
(…) Que, datado de hoje, foi celebrado um Memorando de Entendimento “Consolidação e Reestruturação de Responsabilidades Vencidas e de Reforço de Financiamento e de Garantias e Acordo para Transacção em Todas as Acções Judiciais em Curso”, adiante designado por “O Contrato”, entre as referidas sociedades “F(…)”, “H(…)”, e a sociedade comercial por quotas, “B(…), Lda.” (…) e o B(…) , S.A.
(…) Em nome da sua representada “F(…)”, constitui hipoteca voluntária, a favor do N(…), sobre o prédio misto de que a mesma é proprietária “A Quinta”, atrás identificado, em cumprimento do disposto no número 1.2 da Cláusula Décima-Terceira, do citado “Contrato”, como garantia, até ao montante global de CINCO MILHÕES DE EUROS:
a) Do pontual e integral pagamento de todas e quaisquer quantias provenientes de todas e quaisquer operações em Direito permitidas, quer derivem de letras, livranças, extractos de facturas, saldos devedores ou descobertos de contas de depósito à ordem ou de contas de qualquer outra natureza, descontos, empréstimos, aberturas de crédito avales, fianças e garantias bancárias, comissões de qualquer espécie e bem assim créditos abertos de qualquer natureza, derivados de quaisquer operações bancárias ou títulos, e que emergem especificamente e tão só das responsabilidades previstas consolidar e/ou reestruturar, até ao referido montante de CINCO MILHÕES DE EUROS, e melhor identificados no referido “O Contrato”, anexo à presente escritura e que dela faz parte integrante, indistintamente pelas sociedades, “Garantidas”, perante o mesmo “N(…)
b) Os respectivos juros relativos a três anos, à taxa Euribor a seis meses, acrescida de um spread de três vírgula cinquenta pontos percentuais, fixando-se para efeitos de registo a taxa máxima de cinco por cento, acrescida de quatro por cento ao ano em caso de mora e a título de cláusula penal;
c) As despesas de avaliações e despesas judiciais e extrajudiciais resultantes da execução deste contrato, incluindo honorários de advogados, em que os Bancos tenham de incorrer para cobrança dos seus créditos e que para efeitos de registo se computam em duzentos mil euros;
Tudo num montante máximo de capital e acessórios, incluindo os juros e despesas abrangidos pela presente hipoteca, fixado, para efeitos de registo, em seis milhões quinhentos e cinquenta mil euros.
Que a dita F(…) tem justificado interesse próprio na constituição da presente hipoteca, por força da relação de domínio e de grupo, existentes entre as sociedades aqui identificadas e ainda pela necessidade imperativa de dar cumprimento ao preceituado no referido acordo, conforme descrito, designadamente, na referida acta número cento e dezanove, da reunião da Assembleia Geral;
Por ambos os outorgantes, nas indicadas qualidades, foi ainda dito:
Que, a presente hipoteca abrange todas as construções, benfeitorias, acessões e demais direitos, presentes e futuras dos prédios, pelo que as sociedades representadas dela primeira outorgante, na parte a que cada uma respeita, se obriga desde já, relativamente a cada um dos imóveis de que sejam titulares, a proceder aos respectivos averbamentos, caso se verifiquem tais situações.
(…)».
8. A referida hipoteca encontra-se inscrita no registo predial do prédio denominado “Quinta (…)”, sito em  (…), descrito na Conservatória do Registo Predial da (…), sob o número (…)/20100115.
9. No Processo Especial de Revitalização n.º 670/17.0T8FND, em que é devedora a sociedade H(…), S.A. foi reconhecido um crédito à O(…), S.A., no valor de 5.709.796,55 Euros, dos quais 3.306.973,00 Euros como crédito garantido e 2.402.823,55 Euros como crédito comum, com origem no denominado “contrato de consolidação e reestruturação de responsabilidades vencidas e de reforço de financiamento e de garantias e acordo para transacção em todas as acções judiciais em curso”, celebrado a 12/04/2013.
10. O plano de revitalização apresentado no referido PER da sociedade H(…), S.A. foi homologado por sentença transitada em julgado a 26/11/2019.
11. Os termos constantes do denominado “contrato de consolidação e reestruturação de responsabilidades vencidas e de reforço de financiamento e de garantias e acordo para transacção em todas as acções judiciais em curso”, celebrado a 12/04/2013, foram relevados na contabilidade das sociedades daB (…), S.A. e na H(…), S.A., tendo sido comunicada ao Banco de Portugal a extinção da dívida do B(…) sobre a B(…), S.A. e a constituição da mesma sobre a H(…), S.A..
12. Encontra-se inscrita no registo comercial da sociedade insolvente F(…), Lda., a favor da sociedade H(…), S.A., desde 30/05/2006, uma quota no valor de 70.000,00 Euros.
13. O capital social da sociedade insolvente F(…), Lda. ascende a 100.000,00 Euros.
14. O capital social da sociedade B(…), Lda. ascende a 250.000,00 Euros.
15. Encontra-se registado por depósito de 28/12/2011 a transmissão da quota de 125.000,00 Euros de A(…) para a H(…), S.A.. 
2. Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da presente causa.
Não se provou, nomeadamente, que:
1. A sociedade H(…), S.A. é titular da conta de depósitos à ordem n.º(…), aberta em nome daquela na agência do N(…) , conta em que eram lançados a crédito todos os depósitos nela efectuados e a débito todos os pagamentos através dela processado.
2. A referida conta de depósitos à ordem apresenta um saldo devedor no montante de 5.685,59 Euros, proveniente da diferença entre os lançamentos efectuados a débito e a crédito na referida conta.
3. Não obstante a participação societária da H(…), S.A. na sociedade insolvente F(…), Lda., as sociedades mantinham total autonomia administrativa, contabilística e financeira.
4. A sociedade H(…), S.A. não dava instruções à F(…), Lda. na condução dos seus negócios.

(…)

Da aplicação do direito aos factos demonstrados nestes autos.
b. Novação de dívida garantida por hipoteca e fiança (cláusula 29 do contrato) da F(…):
A Apelante alega que ocorreu novação de dívida, por força da passagem das dividas da B(…) para a H(…), facto comunicado ao Banco de Portugal, o que levou à extinção da mesma.
Como sabemos, a novação constitui uma modalidade de extinção das obrigações, tendo como particularidade o facto da extinção da obrigação contratual decorrer da constituição de uma nova obrigação, que vem ocupar o lugar da primeira.
Assim, são requisitos da novação, desde logo, a intenção de novar, expressamente declarada -  artigo 859.º do Código Civil, que será o diploma a citar sem menção da origem.
Por outro lado, exige-se que a obrigação primitiva seja válida e não se encontre extinta ao tempo em que a segunda foi contraída - artigo 860.º n.º 1- e que a nova obrigação se constitua validamente - artigo 860.º n.º 2.
Sendo a novação um facto extintivo da obrigação acionada, a intenção de novar e a expressa manifestação dessa intenção, têm que ser alegadas e provadas por quem a invoca, nos termos da norma do artigo 342.º n.º 2.
Como escreve a 1.ª instância, (…)  Neste quadro dogmático, de imediato se percebe que a devedora, que invocou a novação subjectiva dos créditos, não logrou, in casu, comprovar os mencionados pressupostos daquele instituto, nomeadamente o pressuposto da intenção de novar expressamente declarada. Antes pelo contrário, da apreciação dos factos provados retira-se que do invocado “Contrato de Consolidação e de Reestruturação de Responsabilidades Vencidas…”, aí se consignou expressamente e em abundância a intenção dos contraentes de não novarem as obrigações assumidas pelas devedoras no mesmo contrato.
Veja-se aqui o expressamente acordado no n.º 1 da cláusula oitava:
“1. As obrigações originais agora consolidadas e reestruturadas pelo presente Acordo e bem assim as Garantias Reais e Pessoais que as caucionam, mantêm-se, para todos os efeitos legais, não constituindo este acordo nova concessão de crédito e novação das anteriores obrigações assumidas pelas Devedoras.”E, no mesmo sentido, os n.ºs 1 e 2 da cláusula décima-quinta, reforçado ainda pelo consignado na denominada “Primeira Alteração ao Contrato de Consolidação e de Restruturação de Responsabilidades Vencidas…”, onde, a respeito da “novação”, se diz: “A presente Alteração não constitui nem produz os efeitos de uma novação da dívida, mantendo-se assim todos os termos, condições e garantias estabelecidas no âmbito do Contrato…”.
Ora, nos termos das normas dos artigos 405.º e 406.º as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos, incluindo nestes as cláusulas que lhes aprouver, devendo ser pontualmente cumpridos. Esta é a regra.
Tudo o que seja excepção a este princípio, nomeadamente limitações decorrentes da lei ou vícios na formação do contrato, terá de ser alegada e demonstrada perante o julgador.
Como a própria apelante refere na sua alegação, “as empresas que necessitam de financiamento para a sua atividade socorrem-se dos bancos e estes para conceder crédito e não perderem o negócio pretendem o reforço o mais possível de garantias. Pretendendo não perder o negócio de financiar e simultaneamente obter um reforço de garantias, os bancos, munidos de bons analistas de risco e juristas, montam operações para cobrar os juros e comissões do crédito e simultaneamente reforçar as suas garantias”. É a actividade empresarial e capitalista em marcha. As empresas existem para dar lucro. Por isso, e no domínio da liberdade contratual, é muito vaga e imprecisa a alegação da recorrente, quando refere “É inúmeras vezes montam operações impondo cláusulas contratuais onde aparecem expressões como “justificado interesse” ou “justificado interesse próprio” ou “relação de domínio” ou “relação de grupo”, totalmente vazias de conteúdo, com o propósito de tornear a proibição do art. 6º do CSC”.
Não basta alegar estes vícios. Têm de ser demonstrados.
Por isso, bem a 1.ª instância na sua decisão.
c) Efeitos da Aprovação do e homologação do plano de recuperação da H(…), na garantia hipotecária e na fiança prestadas pela F(…) – art.º 280.º e aplicação do regime substantivo das garantias e dos efeitos do caso julgado.
A Apelante F(…) Lda. entende que um plano aprovado e homologado num Processo Especial de Revitalização afeta as garantias acessórias prestadas pelos terceiros garantes.
Segundo esta, “as garantias associadas às dívidas do devedor devem acompanhar as vicissitudes referentes ao perdão de dívida e moratória concedidas ao devedor principal no plano de recuperação; O Ordenamento jurídico não consente que o Credor mantenha a sua posição originária intacta; Uma interpretação a contrário levaria à subversão do principio da assessoriedade colocando o credor, contra a vontade do garante, a predispor do património do garante; O garante não tem meios para exigir subrogatoriamente ao devedor o que satisfez ao credor; O Ordenamento Jurídico não deve permitir que o garante se exponha a um risco que não previu, o qual resulta da intromissão de terceiros, forçando-o a responder por algo que não equacionou”.
Ou seja, entende que as medidas do PER da H(…) beneficiam a Apelante-garante (fiadora e hipotecante), quanto ao perdão de dívida, alteração de juros, prazo (moratória), pelo que, sendo as garantias acessórias da obrigação principal (H(…)a exigência do crédito garantido à F(…) depende do incumprimento do plano de recuperação do PER da  H(…)- nesse sentido, o crédito sobre a F(…)deve ser considerado sob condição resolutiva e a sua exigência deve respeitar o convencionado no PER da H(…) .”
Com todo o respeito pelas razões invocadas, não poderemos deixar de dar razão à credora/apelada e à 1.ª instância.
Como se escreve na resposta a esta matéria, “… a existência de uma autonomia obrigacional entre o credor e o devedor e o credor e os garantes (…) advém da relação de solidariedade que leva a que os coobrigados sejam responsáveis para com os credores. O facto de terem sido reclamados créditos no PER da  H(…)não obsta a que os mesmos créditos sejam reclamados na insolvência de quem garante aqueles mesmos créditos, sem prejuízo de, no processo onde primeiramente forem recebidos valores, comunicar-se ao outro processo os valores recebidos para um acerto final de contas. “A obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, sendo que, o credor tem o direito de exigir de qualquer dos devedores toda a prestação ou parte dela, proporcional ou não á quota do interpelado” Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 03/08/2018.
Foi precisamente essa mesma relação de solidariedade que as partes convencionaram na CLÁUSULA DÉCIMA-QUARTA do Contrato de Consolidação: “Os Garantes aceitam expressamente todos os termos e condições do presente contrato de consolidação, reestruturação e de ampliação de responsabilidades, assumindo solidariamente com a Segunda e Terceira Outorgantes o cumprimento integral de todas as obrigações pecuniárias e outras dele decorrentes.”
A 1.ª instância decide acompanhar esta alegação.
Pode ler-se na sua decisão: “(…) No que toca à admissibilidade da reclamação do crédito pela O(…) S.A. face ao reconhecimento do mesmo crédito no processo especial de revitalização da sociedade H(..), S.A. (processo n.º 670/17.0T8FND), acompanhamos aqui a jurisprudência que sobre esta matéria se tem pronunciado e que se aplica ao caso vertente na íntegra.
Assim, apoiando-se numa autonomia da relação obrigacional estabelecida, por um lado, entre o credor e o devedor principal e, por outro lado, entre o credor e o garante, para efeitos de ponderação das consequências do reconhecimento do crédito num processo de revitalização do devedor (mas valendo de igual forma num processo de insolvência, num plano de recuperação, num processo especial para acordo de pagamento) na esfera relacional estabelecida entre o credor e o garante, sumariou-se no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/09/2016, proc. 307/15.2T8PRG.G1, Espinheira Baltar, in www.dgsi.pt:“1. O PER não pode afectar a existência e o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os co-devedores ou terceiros garantes da obrigação. 2. As cláusulas que condicionam o exercício do direito dos credores bancários à execução das garantias e a carência de capital e juros, neste caso pessoais (aval) de terceiros violam a norma imperativa do artigo 217.º n.º 4 do CIRE, sendo nulas nestes pontos e inoponíveis às apelantes.”.
Decorre desta norma, aplicável por força do disposto no artigo 222.º-F n.º 5 do CIRE, que as providências previstas no plano de revitalização com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os co-devedores ou os terceiros garantes da obrigação.
Nesse sentido, numa ponderação do âmbito normativo do referido preceito, concluir-se-á que “as garantias da obrigação do devedor prestadas pelos terceiros ou co-devedores a favor dos credores não podem ser alteradas de monde a atingir a existência e o montante dos direitos dos credores.” (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/09/2016, proc. 307/15.2T8PRG.G1, Espinheira Baltar, in www.dgsi.pt).
Tal solução ainda se imporá com maior premência no presente caso, onde a aqui insolvente, além de se apresentar como garante da obrigação da  H(…), S.A. (a devedora no referido PER n.º 670/17.0T8FND), apresenta-se também como co-devedora solidária daquela sociedade perante o credor (cfr. a supracitada cláusula vigésima-nona do “Contrato de Consolidação e de Reestruturação de Responsabilidades Vencidas…”).
Conforme se lê no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/10/2015, proc. 5263-15.4T8SNT-A.L1-6, Maria Teresa Pardal, in www.dgsi.pt: “No processo especial de revitalização, o crédito reclamado à devedora, em que esta tem a qualidade de responsável solidária, deve constar na lista de créditos, mesmo se a quantia correspondente já foi reclamada a um devedor solidário diferente em outro processo, consistindo um crédito sob condição resolutiva, a que se referem os artigos 50.º e 94.º do CIRE, que se extingue caso venha a ser pago por qualquer dos outros devedores solidários.”.
Também com relevância neste ponto, veja-se o sumário do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/04/2016, proc. n.º 5267/15.7T8SNT-A.L1.S1, Fernandes do Vale, in www.dgsi.pt: «I – Traduzindo uma garantia concedida ao credor, o qual, assim, assegura maior eficácia ao seu direito, que se pode exercer integralmente contra qualquer um dos devedores, no regime da denominada solidariedade passiva, cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera. II – Verificando-se a situação económica difícil ou de insolvência iminente previstas no art. 1.º, n.º 2, do CIRE [o que sucede no caso presente], ocorre a “razão atendível” salvaguardada na parte final do art. 519.º, n.º 1, do CC. III – O crédito submetido ao regime de solidariedade passiva permite que a respectiva (eventual e futura) liquidação integral ou parcial por qualquer dos devedores solidários possa ser encarada como condição resolutiva a que aquele se encontra sujeito, com a inerente repercussão na extinção integral ou parcial do respectivo montante, a ser invocada pelos devedores, como facto, total ou parcialmente, impeditivo do direito do credor (art. 342.º, n.º 2, do CC). IV – Daí que tal crédito deva ter o tratamento legal previsto no art. 94.º do CIRE.».
Ainda em reforço de tal conclusão, importa considerar que a decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C do CIRE, por via da qual se nomeia um administrador judicial provisório em processo especial de revitalização, nos termos do artigo 17.º-E n.º 1 do mesmo diploma, obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas e impõe a suspensão das acções que se encontram pendentes com idêntica finalidade, mas apenas e só quanto à empresa devedora no respectivo PER, não abrangendo tal norma (o que, cremos, se afigura pacífico) os co-devedores solidários ou os garantes do devedor.
Daí que tal decisão, proferida no PER da H(…), S.A., não obstará à reclamação e ao reconhecimento do mesmo crédito sobre co-devedores e garantes e, desde logo, sobre a F(…)”.
Assim, bem andou a sentença do Juízo do Comércio do Fundão, ao considerar que a decisão proferida no PER da  H(…), S.A. não obsta à reclamação e ao reconhecimento do mesmo crédito sobre codevedores e garantes e, sobretudo, sobre a Apelante.
d. A nulidade da hipoteca e fiança ascendentes por violação do art.º 6º nº 3 do CSC.
Diz a apelante que “A hipoteca e fiança constituídas pela F(…)em garantia do crédito da B(…) e da H(…) são nulas, por violação do art.6º nº 1 e 3 do CSC: (i) proibição da constituição de garantias pessoais ou reais ascendentes, isto é, da filha (F(…)) à mãe (H(…) e B(..)) (ii) falta de justificado interesse por violação do requisito da proporcionalidade.
Mais entende, que compete à apelada provar a verificação de qualquer uma das exceções e não o demonstrou, citando o acórdão da Relação de Coimbra de 07.09.2020 -  quando a Lei estabelece uma regra e depois uma exceção à regra não é quem beneficia da regra que tem que provar a não verificação da exceção, sendo, antes, quem beneficia da exceção à regra que tem que provar a sua verificação; e sempre que se verifique uma situação de non liquet prevalece a posição da regra (que proíbe a prestação de garantias) e não a da exceção.
Já o escrevemos. O citado acórdão desta Relação de 7.9.2020 não configura, neste particular, caso julgado.
Assim o entendeu a 1.ª instância na sua decisão, julgando em sentido contrário, cujo raciocínio e aplicação do direito acompanhamos.
Aí se decide: A devedora sustentou, porém, que tal hipoteca é nula (e, por isso, inválida), porquanto ela foi constituída a favor duma sociedade-mãe da sociedade insolvente (a H(…) ), porquanto, relativamente à B(…), S.A., inexiste qualquer relação de domínio ou de grupo com a sociedade insolvente e, assim, tal acto atenta contra o princípio da especialidade do fim social da sociedade insolvente e porquanto falta um justificado interesse da sociedade insolvente.
Vejamos.
Segundo o artigo 6.º n.ºs 1 e 3 do Código das Sociedades Comerciais:
“1. A capacidade da sociedade compreende os direitos e as obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, exceptuados aqueles que lhe sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular. (…) 3. Considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo.”.
O primeiro dos referidos números estabelece os limites da capacidade de gozo das sociedades comerciais, definidos em função do fim visado pela sua constituição, sendo pacífico que o fim da sociedade comercial é o lucro, como decorre do artigo 980.º do Código Civil.
Neste pressuposto, estabelece o n.º 3 citado que, em regra, ao prestar garantias reais ou pessoais a dívidas de outras sociedades comerciais (a norma terá que ser interpretada restritivamente, por forma a abranger apenas a prestação de garantias a título gratuito – neste sentido, SOVERAL MARTINS, Alexandre, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, coord. J. M. Coutinho de Abreu, vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2017, pág. 128), a sociedade garante pratica actos contrários ao seu fim social para que foi constituída, daí decorrendo a nulidade de tais actos (as garantias) – por violação de um preceito de carácter imperativo (artigo 294º do Código Civil) –, salvo se ocorrerem duas excepções previstas no citado preceito: a existência dum “justificado interesse próprio da sociedade garante”; ou a existência de uma “relação de domínio ou de grupo”.
A respeito destas excepções e pese embora a orientação perfilhada no douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 07/09/2020, proferido no âmbito dos presentes autos, quanto à distribuição do respectivo ónus probatório, continuamos a perfilhar aquela que se nos afigura ser a jurisprudência maioritária na matéria e que sustenta que:
“(…) II – Não existindo definido na lei o que constitui o justificado interesse próprio da sociedade, terá este de ser definido pela própria sociedade, através dos seus órgãos estatutários e de acordo com os seus objectivos societários. III – Constando de escritura pública de constituição unilateral de hipoteca para garantia de dívidas de terceiros, que existe interesse próprio da sociedade, cabe à sociedade garante que invoca a nulidade, o ónus de prova da ausência de interesse próprio ou da inexistência da relação de grupo, uma vez que, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita” (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/10/2018, proc. 11197/14.2T2SNT-AK.L1-6, Cristina Neves, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, cfr. também os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12/03/2019, proc. n.º 11197/14.2T2SNT-F.L1.S2, Ana Paula Boularot; de 22/05/2018, proc. n.º 3524/12.3YYLSB-A.L1.S1, Ana Paula Boularot; de 26/11/2014, proc. n.º 1281/10.7TBAMT-A.P1.S1, Tavares de Paiva; de 30/09/2004, proc. n.º 04S2540, Abílio Vasconcelos; todos in www.dgsi.pt).
Como já havíamos dito na sentença revogada, é este o regime que, a nosso ver, se mostra mais compatível com as regras da distribuição do ónus da prova previsto no artigo 342.º n.ºs 1 e 2 do Código Civil (reconhecendo-se que, na doutrina e na jurisprudência, a questão não parece ser unívoca. Assim, em sentido contrário ao aqui sustentado, com uma relação de posições a favor e contra ao defendido, cfr. SOVERAL MARTINS, Alexandre, ob. cit., pág. 128 e nota de rodapé n.º 28. Ainda em sentido contrário, na jurisprudência e a título de exemplo, parece apontar o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2017, proc. n.º 1721/14.6T8VNG-E.P1.S1, Graça Amaral, in www.dgsi.pt, ao fazer impender sobre o autor o ónus de alegar e provar o justificado interesse próprio da sociedade garante, solução que, a nosso ver e com o devido respeito, impõe um encargo sobre o autor que vai para lá do previsto no artigo 5.º n.º 1 do Código de Processo Civil. Assim, o facto constitutivo do direito do autor/da impugnante/reclamante que carece de ser alegado e provado é a constituição da garantia a seu favor, sendo que a validade substancial da mesma pode até ser questão não controvertida e, sendo matéria que se encontra na disponibilidade das partes, não é de conhecimento oficioso do Tribunal. Ainda em sentido contrário ao por nós sustentando, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 15/09/2014, proc. n.º 1036-A/2002.P1, Alberto Ruço, in www.dgsi.pt).
Já no que toca à segunda das referidas excepções (a existência de uma “relação de domínio ou de grupo”), a mesma deve ser apreciada segundo os critérios que o próprio Código das Sociedades Comerciais estabelece para a identificação de relações de domínio ou de grupo, nomeadamente os que se encontram no Título VI daquele Código (“Sociedades Coligadas”).
Assim, em princípio, a sociedade garantida e a sociedade garante terão que adoptar o tipo de sociedades por quotas, anónimas ou em comandita por acções, exigindo-se ainda, não apenas uma relação de simples participação ou de participações recíprocas entre aquelas sociedades (nos termos dos artigos 483.º e 485.º do Código das Sociedades Comerciais), mas uma verdadeira relação de domínio, em termos tais que uma das sociedades pode exercer sobre a outra uma influência dominante, o que se traduzirá numa detenção duma participação maioritária no capital social, na disponibilização de mais de metade dos votos, ou na possibilidade de designar mais de metade dos membros do órgão de administração ou do órgão de fiscalização (artigo 486.º n.ºs 1 e 2 do Código das Sociedades Comerciais).
Atente-se que, nos termos daquele n.º 1 do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais, esta posição dominante poderá ser exercida de forma directa ou por intermédio de sociedades ou pessoas que preencham os requisitos indicados no artigo 483.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais, ou seja, por intermédio de sociedades que sejam tituladas por outras sociedades que sejam dependentes das primeiras, directa ou indirectamente, ou com elas estejam em relação de grupo (na acepção dos artigos 488.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais).
Ainda a este respeito, é pacífico que a garantia prestada por uma sociedade dominante a favor duma sociedade dependente ou subordinada é válida à luz do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais em apreço.
Já quanto à validade das garantias prestadas pelas sociedades dependentes ou subordinadas a favor das sociedades dominantes, a doutrina tem-se mostrado dividida:
- Considerando que a parte final do n.º 3 se aplica independentemente da posição da sociedade na coligação, encontramos Pedro de Albuquerque (Da prestação de garantias por sociedades comerciais a dívidas de outras entidades, in “ROA”, 1997, I, pág. 136 a 143), João Labareda (Nota sobre a prestação de garantias por sociedades comerciais a dívidas a outras sociedades, in “Direito Societário Português – Algumas Questões”, Quid Juris, Lisboa, 1998, págs. 178 a 186), Pereira de Almeida (Sociedades Comerciais, valores mobiliários, instrumentos financeiros e mercados, 7.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pág. 40), Miguel Urbano (Garantias bancárias autónomas ordenadas a favor de terceiros: capacidade e questões atinentes, in AAVV., “III Congresso Direito das Sociedades em Revista”, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 576) e Engrácia Antunes (Os Grupos de Sociedades, 2.ª edição, Almedina, 2002, pág. 97);
- Defendendo uma interpretação restritiva do preceito em apreço, no sentido de limitar a validade das garantias quando elas sejam prestadas pela sociedade dominante em favor da sociedade dominada ou subordinada e não o inverso (como forma de tutela desta última e dos demais sócios minoritários), encontra-se Osório de Castro (Da prestação de garantias por sociedades a dívidas de outras entidades, in “ROA”, 1996, vol. II, pág. 580, nota 28), Catarina Serra (Direito Comercial. Noções Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, pág. 196), Coutinho de Abreu (Curso de Direito Comercial, vol. II, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 190 e segs.) e Cassiano dos Santos (O art. 6.º do CSC, a capacidade jurídica da sociedade e a prestação de garantias a dívidas de outros sujeitos em conformidade com o interesse social e em caso de relação de domínio ou de grupo, in AAVV., “III Congresso Direito das Sociedades em Revista”, Almedina, Coimbra, 2014, pág. 547);
- Numa posição mitigada, distinguindo os casos de relações de domínio total e de subordinação total (que se devem considerar abrangidos pela excepção da parte final do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais, por considerar que a sociedade dominada ou subordinada fica tutelada pelo regime jurídico da sociedade de grupos) dos casos de mera relação de domínio (não total, às quais não se aplicará a mencionada excepção, na medida em que estas sociedades não beneficiarão dos mesmos meios de tutela das sociedades totalmente dominadas ou totalmente subordinadas), encontramos Alexandre Soveral Martins (Código das Sociedades Comerciais em Comentário, vol. I, 2.ª edição, coord. Jorge M. Coutinho de Abreu, Almedina, Coimbra, 2017, págs. 130 a 132).
Da nossa parte, alinhamos com a primeira das indicadas posições, que considera aplicável a excepção da parte final do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais a qualquer relação de domínio ou de grupo, independentemente da posição da sociedade na coligação, por considerarmos que a restrição do âmbito normativo do preceito citado pugnada pelos autores citados não tem respaldo na letra da lei, recordando-se aqui que, nos termos do artigo 9.º n.ºs 2 e 3 do Código Civil, não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso e que, na fixação do sentido e alcance da lei, se presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
De resto, tal posição é coerente com aquela já assumida nos autos principais de insolvência, datada de 20/05/2019, com a referência do processo electrónico n.º 31077658, a respeito do direito de voto conferido à credora O(…), S.A..
Revertendo estes considerandos para o caso concreto, afigura-se-nos de imediato, à luz dos factos dados como provados, ser de concluir pela gratuitidade das garantias prestadas pela F(…). Qualquer alegação da credora impugnante, nesta parte, revestiu-se duma natureza puramente conclusiva que não se encontra sustentada em qualquer facto concreto que demonstre ou sequer indicie a existência duma qualquer contra-prestação que caracterize a onerosidade das garantias prestadas.
Isto assente, quanto à primeira das mencionadas excepções previstas na parte final do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais (“o justificado interesse próprio da sociedade garante”), atendendo ao teor do considerando H, bem como ao teor da cláusula décima terceira do chamado “Contrato de Consolidação e de Reestruturação de Responsabilidades Vencidas e de Reforço de Financiamento e de Garantias e Acordo para Transação em Todas as Ações Judiciais em Curso” (facto provado n.º 4) e atendendo ao teor da escritura pública de 12/04/2013, celebrada, além do mais, entre a sociedade insolvente e o N(…) e por via da qual a primeira constituiu a hipoteca voluntária a favor do segundo para garantia do pagamento das obrigações assumidas pelas devedoras no referido contrato (facto provado n.º 7), parece que a sociedade insolvente não concretiza cabalmente o conceito de “justificado interesse próprio”, remetendo de forma conclusiva esse interesse para a outra excepção da relação de domínio e de grupo e para a necessidade do cumprimento do referido contrato de reestruturação e de financiamento (o que traduz a ideia de que o interesse em causa não seria próprio, mas antes um interesse da sociedade dominante).
Sucede que, numa perspectiva processual e em coerência com a posição por nós supra acolhida nesta matéria, sendo à própria insolvente F(…) que competia o ónus da prova da ausência do justificado interesse próprio, a mesma não logrou cumprir com tal ónus, não concretizando sequer a ausência do dito interesse próprio, que, desta forma, não pode deixar de se presumir.
Tanto assim que tal interesse público, à luz do foi declarado na referida escritura pública de constituição da hipoteca em causa, terá sido até objecto de deliberação e afirmação no âmbito de uma reunião da Assembleia Geral da F(…), remetendo-se para o descrito na respectiva acta com o n.º 119.
De resto, mesmo após o convite dirigido à parte, em cumprimento do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 07/09/2020, para ampliação da matéria de facto e que incumbiu à devedora, além do mais, a concretização dos factos respeitantes à inexistência do justificado interesse próprio na prestação das garantias e a concretização dos factos respeitantes às razões que rodearam a inclusão da expressão “justificado interesse próprio” da F(…) no texto do Contrato de 12/04/2013 e da escritura de constituição da hipoteca voluntária, a alegação da devedora apresentou-se novamente em meros termos conclusivos, na primeira parte, e foi absolutamente omissa no que toca aos eventuais motivos que ditaram a inclusão da dita afirmação nos referidos documentos de 12/04/2013.
E ainda que assim não fosse, perante a credora O(…), S.A. (que sucedeu na relação obrigacional estabelecida ao Banco N(…) ), a invocação de tal ausência do justificado interesse para obter a nulidade da garantia prestada configura, face ao declarado no referido “Contrato” e na referida escritura pública de constituição da hipoteca, a nosso ver, um verdadeiro venire contra factum proprio, fundamentante duma actuação em abuso do direito que, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, torna ilegítima a pretensão da sociedade insolvente de invalidar a dita garantia.
Em reforço de tal conclusão, veja-se, na jurisprudência, que a igual conclusão se chegou em caso semelhante ao dos presentes autos, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2018, proc. n.º 3524/12.3YYLSB-A.L1.S1, Ana Paula Boularot, in www.dgsi.pt. E, na doutrina, veja-se ainda a posição de Pinto Furtado, in Comentário ao Código das Sociedades Comerciais. Artigos 1.º a 19.º. Âmbito de aplicação. Personalidade e capacidade. Celebração do contrato e registo, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 252.
Não se ignora aqui que, quer a doutrina (cfr. SOVERAL MARTINS, Alexandre, ob. cit., pág. 129), quer a jurisprudência (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2017, proc. n.º 1721/14.6T8VNG-E.P1.S1, Graça Amaral e de 12/03/2019, proc. n.º 11197/14.2T2SNT-F.L1.S2, Ana Paula Boularot, ambos in www.dgsi.pt) têm propendido para entender que “a arguição da nulidade da garantia prestada por parte da sociedade garante (beneficiária da nulidade) não integra, necessariamente, uma situação de abuso de direito. Todavia, poderá merecer cabimento impor-lhe o ónus de demonstrar a inexistência de justificado interesse próprio por se encontrar em posição privilegiada para fazer a prova desse facto (artigo 344.º, do CC) e por ter adoptado posição contrária à boa fé”.
O que significa que, mesmo para quem entenda que, à partida, caberá à beneficiária da garantia o ónus da prova do justificado interessado próprio da sociedade garante para sustentação da validade da hipoteca voluntária invocada e mesmo que se entenda inexistir uma situação de abuso do direito por inexistir uma legítima expectativa de terceiros a tutelar, no caso em apreço, por força do declarado pela sociedade insolvente no âmbito do contrato citado, no âmbito da escritura pública de constituição da hipoteca e na mencionada acta da Assembleia Geral da F(…) n.º 119, sempre se imporia, por força do artigo 344.º do Código Civil, inverter aquele ónus da prova, fazendo recair sobre a própria insolvente o ónus de concretizar e demonstrar a inexistência de tal justificado interesse próprio.
Ora, no caso, repita-se, a sociedade insolvente não logrou cumprir tal ónus probatório, pela que a primeira das excepções a que se refere a parte final do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais tem que se considerar verificada.
Já quanto à segunda das apontadas excepções (a existência de uma “relação de domínio ou de grupo”), em face da posição acima assumida, acolhendo-se uma interpretação mais literal da norma e resultando dos factos provados que a H(…), S.A. é titular de uma quota de 70.000,00 Euros na sociedade insolvente, num capital social de 100.000,00 Euros e, por conseguinte, sendo detentora duma participação social de 70% do capital da sociedade insolvente, impõe-se concluir que aquela H(…) , S.A., enquanto beneficiária da garantia prestada, se encontra numa relação de domínio (não total) com a sociedade garante, a F(…).
O que significa que, nos pressupostos de facto e de direito assumidos nos autos, quanto ao crédito da impugnante sobre a sociedade H(…) , S.A., encontram-se preenchidas as duas excepções previstas na parte final do n.º 3 do artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais e, por conseguinte, a hipoteca voluntária constituída a favor da credora impugnante, a O(…), S.A., tem que se considerar válida, também do ponto de vista substancial.
Por outro lado, quanto ao crédito da impugnante sobre a sociedade B(…), Lda., também a hipoteca constituída tem que se considerar válida, por se encontrar preenchido o pressuposto do “justificado interesse próprio” da sociedade garante.
Dado não estarmos perante excepções cumulativas, desnecessário se torna, por isso, quanto à garantia da devedora F(…) pelas dívidas da B(…), a verificação da segunda das apontadas excepções, pela existência duma relação de grupo ou duma relação de domínio entre a sociedade garante (a F(…)) e a sociedade garantida (a B(…)), a qual, à luz dos conceitos jurídicos constantes dos artigos 486.º e 488.º e segs. do Código das Sociedades Comerciais, não cremos que tenham ficado sustentadas facticamente.
Concluindo-se assim, à luz da classificação dos créditos sobre a insolvência plasmada na alínea a) do n.º 4 do artigo 47.º do CIRE, impõe-se igualmente enquadrar o crédito da impugnante nos créditos garantidos, cabendo, por conseguinte, reconhecê-lo como tal (…).
À falta de melhores argumentos, que nos permitam divergir do entendimento maioritário do STJ - nos termos do artigo 6º, nº3 do Código das Sociedades Comerciais “ considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo/ Impende sobre a sociedade garante que invoca a nulidade da garantia por si prestada com o objectivo de se fazer valer de tal nulidade para não ter de cumprir a obrigação garantida, o ónus de alegação e prova da inexistência de interesse próprio, ou seja, o ónus da prova dos requisitos da existência da tal invalidade do acto, de que se pretende aproveitar, sendo que a razão principal para tal reside na circunstância de que ninguém melhor do que a própria sociedade que presta a garantia, poderá certificar que a mesma foi prestada no seu próprio interesse e esta é a posição maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça”- por todos, o Acórdão do STJ de 12.3.2019/conselheira Ana Paula Boularot, retirado do site www.dgsi.pt ,é esse entendimento que seguimos, confirmando a decisão da 1.ª instância.
Tratando-se de um facto impeditivo do interesse do direito invocado pelo credor, incumbe à sociedade garante”, nomeadamente por a “entender-se que é a sociedade garantida que tem que provar a existência de interesse próprio por parte da sociedade garante, estar-se-ia perante uma prova que na prática seria muito difícil ou impossível de fazer, salvo, obviamente, se existissem prévias cautelas à prestação da garantia.
Tirando casos limite, não se vê como é que uma sociedade pode provar que os actos praticados por outra foram no interesse próprio desta, tanto mais que por um lado a lei não diz o que entender por tal interesse e, por outro, este teria que ser avaliado com referência à globalidade da actividade social da sociedade e não apreciado o acto de forma isolada.
Por outro lado, ficando plasmado na escritura os termos do denominado “contrato de consolidação e reestruturação de responsabilidades vencidas e de reforço de financiamento e de garantias e acordo de transacção em todas as ações judiciais em curso”, que existe interesse próprio da sociedade, incumbe à sociedade garante que invoca a nulidade, o ónus de prova da ausência de interesse próprio ou da inexistência da relação de grupo, uma vez que, a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado recai sobre aquele contra quem a invocação é feita.
Mais, não poderemos arredar desta discussão e como mais uma achega para a responsabilização dos órgãos societários, quando acordam com terceiros de boa fé – por isso devem ficar com o ónus da prova dos requisitos da existência da tal invalidade do acto de que se pretende aproveitar -, a tendência hoje dominante na doutrina, no sentido de não aplicar às sociedades comerciais o chamado princípio da especialidade, consagrado para as pessoas colectivas regidas pelo direito comum no art.º 160º , texto de onde se infere serem nulos todos os actos praticados pelos órgãos de gestão da pessoa jurídica que exorbitem do respectivo objecto estatutário.
Vaz Serra – na RLJ, 103º - 271 - ensina que, “nestas sociedades, cujos negócios podem ter de ser realizados rapidamente e que são muitas vezes numerosos e interessam a vastas áreas e a vastos conjuntos de pessoas, não pode exigir-se dos terceiros que com elas contratam uma investigação perfeita e pormenorizada do objecto social. Portanto, o acto, embora, porventura, alheio ao objecto social, parece que deve ter-se como eficaz; ao menos quando o terceiro estava de boa fé. À administração é que cabe saber se o acto é abrangido no objecto social, e os terceiros que com ela contratam podem confiar em que assim é: consequentemente, se o acto é estranho ao objecto social, nem por isso deixa de ser eficaz em relação ao terceiro, mas a administração responde para com a sociedade pela violação da cláusula estatutária relativa ao objecto ou fim social. Entre o interesse da sociedade em não se vincular fora do âmbito do seu objecto e o interesse de terceiros de boa fé confiantes na eficácia do acto, parece dever prevalecer este, pois a administração, concluindo em nome da sociedade o acto com o terceiro, garante-lhe implicitamente que está autorizada a concluí-lo e esta conduta deve responsabilizar a sociedade da qual a administração é o órgão representativo, além de que, não podendo exigir-se dos terceiros uma indagação completa do conteúdo e uma interpretação dos estatutos (que podem, até, ser de sentido duvidoso), a qual, para mais, poderia ser um obstáculo à rapidez dos negócios, o razoável parece ser que o negocio concluído por terceiro de boa fé com a administração da sociedade seja eficaz em relação a esta e do terceiro”.
Por isso, não tendo sido feita tal prova - competia à apelada a prova da inexistência do justificado interesse próprio ou da relação de domínio ou de grupo, para demonstração da necessidade ou conveniência das garantias prestadas ao fim lucrativo societário da F(…)-, será a ora recorrente a arcar com as consequências processuais da não prova.
Como referimos, aquando da análise da fixação da matéria de facto, não basta alegar - “E não é pelo facto do então B(…) ter exigido da então Administração da F(…) a menção de “justificado interesse” em ata que a torna verificável ou existente –, terá de ser feita prova do contrário.
Não basta apresentar hipóteses comportamentais genéricas  - para quem conhece a realidade das relações banco/cliente sabe que esta era uma prática usual (ilícita) dos bancos: pôr na boca de quem precisa de crédito (o cliente) algo que não corresponde à realidade, por forma a não perderem o negócio e obterem o máximo de garantias/Os bancos conhecedores das limitações da Lei, frequentemente, entregavam em mão ao cliente a minuta, sem o logotipo do banco, da ata de assembleia geral ou de administração pretendida ou ditavam-na por telefone ou entregavam a minuta do contrato com as expressões “justificado interesse próprio” ou “relação de domínio ou de grupo”/ Daí resultam frequentemente, quando estas questões são submetidas à apreciação jurisdicional, expressões de “domínio ou de grupo” ou “justificado interesse próprio” vazias, sem conteúdo, porque, em regra, elas não se verificam, como é o caso dos autos”.
Têm de ser alegadas e provadas no caso levado à decisão do juiz.
Improcede também, nesta parte, a alegação da apelante.
e. Do abuso de direito.
O abuso de direito é mais uma das ferramentas, de justiça e de equilíbrio, que o juiz tem ao seu dispor para a decisão que tem “em mãos”. Surge como um modo de adaptar o direito à evolução da vida, servindo como válvula de escape a situações que os limites apertados da lei não contemplam, por forma considerada justa pela consciência social – ler a norma do artigo 334.º.
São seis as tipologias ou situações em que tem sido colocada a ocorrência do abuso do direito: a “exceptio doli”, o “venire contra factum proprium”, as “inalegabilidades formais”, a “supressio e a surrectio”, o “tu quoque” e o desequilíbrio no exercício de posições jurídicas.
O juiz da 1.ª instância refere o “venire contra factum proprium”- está em causa uma atuação do titular contraditória com um comportamento passado - “en passant”, como reforço da justeza da sua decisão.
“ (…) E ainda que assim não fosse, perante a credora O(…), S.A. (que sucedeu na relação obrigacional estabelecida ao N(…)), a invocação de tal ausência do justificado interesse para obter a nulidade da garantia prestada configura, face ao declarado no referido “Contrato” e na referida escritura pública de constituição da hipoteca, a nosso ver, um verdadeiro venire contra factum proprio, fundamentante duma actuação em abuso do direito que, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, torna ilegítima a pretensão da sociedade insolvente de invalidar a dita garantia.
Em reforço de tal conclusão, veja-se, na jurisprudência, que a igual conclusão se chegou em caso semelhante ao dos presentes autos, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/05/2018, proc. n.º 3524/12.3YYLSB-A.L1.S1, Ana Paula Boularot, in www.dgsi.pt. E, na doutrina, veja-se ainda a posição de Pinto Furtado, in Comentário ao Código das Sociedades Comerciais. Artigos 1.º a 19.º. Âmbito de aplicação. Personalidade e capacidade. Celebração do contrato e registo, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 252.
Não se ignora aqui que, quer a doutrina (cfr. SOVERAL MARTINS, Alexandre, ob. cit., pág. 129), quer a jurisprudência (cfr. acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16/11/2017, proc. n.º 1721/14.6T8VNG-E.P1.S1, Graça Amaral e de 12/03/2019, proc. n.º 11197/14.2T2SNT-F.L1.S2, Ana Paula Boularot, ambos in www.dgsi.pt) têm propendido para entender que “a arguição da nulidade da garantia prestada por parte da sociedade garante (beneficiária da nulidade) não integra, necessariamente, uma situação de abuso de direito.
Todavia, poderá merecer cabimento impor-lhe o ónus de demonstrar a inexistência de justificado interesse próprio por se encontrar em posição privilegiada para fazer a prova desse facto (artigo 344.º, do CC) e por ter adoptado posição contrária à boa fé”. O que significa que, mesmo para quem entenda que, à partida, caberá à beneficiária da garantia o ónus da prova do justificado interessado próprio da sociedade garante para sustentação da validade da hipoteca voluntária invocada e mesmo que se entenda inexistir uma situação de abuso do direito por inexistir uma legítima expectativa de terceiros a tutelar, no caso em apreço, por força do declarado pela sociedade insolvente no âmbito do contrato citado, no âmbito da escritura pública de constituição da hipoteca e na mencionada acta da Assembleia Geral da F(…) n.º 119, sempre se imporia, por força do artigo 344.º do Código Civil, inverter aquele ónus da prova, fazendo recair sobre a própria insolvente o ónus de concretizar e demonstrar a inexistência de tal justificado interesse próprio.
Concordamos.
Efetivamente, o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamental e a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem. Poder confiar é uma condição básica de toda a convivência pacífica e da cooperação entre os homens. Assegurar expectativas é uma das funções primárias do direito. A proibição do “venire” tem, antes de mais, como pressuposto principal, uma situação objetiva de confiança, uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objetivamente considerada, é idónea a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de certa maneira.
A proibição do “venire” surge quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada.
Diz-nos a apelante F(…) que, “Segundo o douto entendimento da sentença a quo, depois de declarado em ata e no CONTRATO a existência de justificado interesse próprio e ou a existência de uma relação de domínio ou de grupo não poderia a apelante, em momento posterior, desdizer o que dissera antes, sob pena de abuso de direito.
Esta visão das coisas traduz uma inversão da realidade, daquilo que são relações banco/cliente.
As empresas que necessitam de financiamento para a sua atividade socorrem-se dos bancos e estes para conceder crédito e não perderem o negócio pretendem o reforço o mais possível de garantias.
Pretendendo não perder o negócio de financiar e simultaneamente obter um reforço de garantias, os bancos, munidos de bons analistas de risco e juristas, montam operações para cobrar os juros e comissões do crédito e simultaneamente reforçar as suas garantias.
Inúmeras vezes montam operações impondo cláusulas contratuais onde aparecem expressões como “justificado interesse” ou “justificado interesse próprio” ou “relação de domínio” ou “relação de grupo”, totalmente vazias de conteúdo, com o propósito de tornear a proibição do art.º 6º do CSC.
Se o não conseguirem, lá vem a “benguela” do abuso de direito... e a verdade é que, frequentemente, os Tribunais o aceitam como argumento válido, como resulta da douta sentença sob recurso”.
Imputar à apelante abuso de direito, porque esta se limitou - e as demais sociedade intervenientes no CONTRATO - a aceitar as cláusulas impostas pelo banco para conceder um financiamento de cerca de €:2.000.000,00 à H(…), num momento de falta de liquidez no País (ano de 2013, período da crise das dívidas soberanas na EU), sem que a F(…) beneficiasse um cêntimo do empréstimo ou recolhesse um benefício do mesmo antes onerando TODO o seu património é fazer uma análise errada do ocorrido.
Não há, pois, abuso de direito da apelante ao invocar agora a nulidade das garantias.
Mas existe sim abuso de direito do  B(…)/O(…) - recorde-se que os bancos estão sujeitos ao princípio da exclusividade e são regidos por uma lei especial (RGICSF) que lhes impõe regras de conduta muito apertadas, designadamente obrigando-os a agir de acordo com o respeitoso dos interesses confiados, lealdade e diligência - por ter montado uma operação proibida por Lei”.
Alegações vagas e genéricas. A recorrente navega no domínio da hipótese, do que ela entende ser normal nas relações cliente/bancos.
Ora, não configurando tal facto notório a ela incumbia-lhe provar tal realidade. Não o fez, não arreda o teor do documento as suas cláusulas, pelo que, é com essa realidade que o tribunal tem de se ater na decisão.
Como alega a recorrida: “ (…) O contrato em questão detém uma complexidade e magnitude que não se resume a uma mera adesão da parte da Apelante. Este tipo de contrato, pelos valores e garantias aqui indicadas, implicam uma negociação e no final uma assinatura ou não. Essa negociação tem sempre de partir dos dados que a Apelante faculta, mas também dos interesses da Apelada. Aliás, que todos os interesses fiquem salvaguardados.O contrato foi assinado por todas as partes.
O contrato deixou de interessar à Apelante quando as coisas deram para o torto. Interessa haver liquidez, reestruturar dividas e reforçar garantias empenhando património da empresa, conforme inclusive se decidiu em sede de assembleia geral de sócios. Mas já não interessou à F(…) quando o património é chamado a responder pelos incumprimentos do garantido, usando-se todos os argumentos para fugir às responsabilidades.
Não se pode aceitar que num determinado momento se assine um contrato e, depois, porque a realidade mudou, vir querer dar sem efeito o negócio jurídico, porque afinal, já não convém. Se na perspetiva da Apelante existiam tantas questões a serem levantadas, porque razão não foram suscitadas antes da insolvência?
Porque razão só agora em sede de insolvência vem invocar a novação e dívida, a falta de interesse justificado, domínio e abuso de direito?
Porque razão assinaram o contrato se não concordavam com as suas cláusulas e efeitos?
Porque razão levaram inclusive à Assembleia Geral de Sócios a questão do interesse justificado, vindo agora desculpar-se que afinal quem redigiu o contrato foi o à data N(…), tendo a Apelante limitado- se a assinar?
São perguntas inconvenientes, mas que, relevam para apurar um abuso de direito da Insolvente.
Aquilo a que chamamos um venire contra factum próprium”.
Improcede, também, esta questão e o recurso da recorrente F(…) Lda, mantendo-se reconhecido o crédito da sociedade impugnante, O(…), S.A., pelo valor de 5.777.863,02 Euros.
g). Do recurso da O(…) SA.
A credora/apelante insurge-se contra o decidido pelo Juízo do Comércio do Fundão, na parte em que qualifica o seu crédito como garantido sob condição resolutiva, da satisfação do crédito no âmbito do PER da sociedade da H(…), S.A. com o n.º do processo 670/17.0T8FND.
Alega, (…) sem prejuízo do crédito ser garantido, entendemos que não há qualquer condição resolutiva em prol do recebimento do produto da venda do imóvel. No contrato assinado entre partes ficou estabelecido na Cláusula Décima-Quarta que os garantes se constituíram enquanto obrigados solidários para com os Segundo e Terceiro Outorgantes. A solidariedade estabeleceu-se por vontade das partes nos termos do disposto no art.º 512.º e 513.º do Código Civil, acrescido da constituição da garantia real sobre o imóvel propriedade do Insolvente.
Se por um lado temos o PER da H(…)  onde reclamámos créditos, por outro, temos a insolvência do devedor garante que se assumiu enquanto responsável solidário. Não pode a Credora Reclamante ficar dependente do cumprimento ou incumprimento do PER (o qual já foi incumprido e porquanto entrou em PER por força desse mesmo incumprimento motivado por uma situação económica difícil), Ad eternum.
Quando detém garantia sobre esse mesmo bem, aquando do pagamento no lugar que lhe compete, o regime da solidariedade permite que a divida seja paga por um dos condevedores, voluntaria ou coercivamente num plano externo da obrigação, permitindo o direito de regresso por aquele aos restantes no plano interno.
14. Sendo que, e para os devidos efeitos, se releva o plano externo.
15. Ora, o n.º 1 do art.º 519.º do CC prevê que o credor tem o direito a exigir de qualquer dos devedores toda a prestação, ou parte dela, proporcional ou não à quota de interpelado; mas, se exigir judicialmente a um deles a totalidade ou a parte da prestação, fica inibido de proceder judicialmente contra os outros pelo que ao primeiro tenha exigido, salvo se houver razão atendível, como a insolvência do demandado, ou dificuldade, por outra causa, em obter dele a prestação.
16. In casu a insolvência!
17. O credor pode concorrer pela totalidade do seu crédito a cada uma das diferentes massas insolventes de devedores solidários e garantes, sem embargo de o somatório das quantias que receber de todas elas não poder exceder o montante do crédito. – Cfr- n.º 1 do art.º 95.º do CIRE.
18. E que, nos termos do disposto no n.º 1 e n.º 2 do art.º 179.º do CIRE, quando, além do insolvente, outro devedor solidário com ele se encontre na mesma situação, o credor não recebe qualquer quantia sem que apresente comprovativo dos montantes recebidos nos processos de insolvência dos restantes devedores; o administrador da insolvência dá conhecimento aos demais processos. Por outro lado, o devedor solidário insolvente que liquide a divida apenas parcialmente não pode ser pagos nos restantes processos de insolvência das condevedores sem que o credor se encontre integralmente satisfeito.
19. Conforme a própria jurisprudência aqui trazida, a existência de obrigados solidários (aplicado ao caso concreto), não obsta a que o credor reclamante se faça pagar por isso,
20. Não implicando a catalogação do credito (ainda que garantido, e repare-se, não é essa a numenclatura em crise) como condicional à resolução e portanto ao cumprimento do PER.
21. Impondo sobre o credor a obrigação de informar em qual dos processos recebeu valores por ocasião do outro processo.
22. Evitando pois, a duplicação de recebimentos.
23. Devendo ser o presente recurso procedente.
24. Passando a constar na sentença de que se recorre:
a. “Julga-se parcialmente procedente a impugnação apresentada pela O(…I), S.A. e totalmente improcedente a impugnação apresentada pela devedora F(…), Lda. e, em consequência, reconhece-se o crédito da impugnante O(…), S.A., no valor de 5.777.863,02 Euros, como crédito garantido, passando a constar o credito do ora credor reclamante apenas como garantido, sem a designação de condição resolutiva.
 Neste particular, a 1.ª instância escreve:
(…) Concluindo-se assim, à luz da classificação dos créditos sobre a insolvência plasmada na alínea a) do n.º 4 do artigo 47.º do CIRE, impõe-se igualmente enquadrar o crédito da impugnante nos créditos garantidos, cabendo, por conseguinte, reconhecê-lo como tal. Naturalmente que o valor do mesmo terá de ser limitado aos valores garantidos pela hipoteca constituída, nos termos constantes da respectiva escritura pública. Ou seja, quanto ao valor do capital do crédito a reconhecer o mesmo deverá considerar-se limitado ao valor de 5.000.000,00 Euros, sendo sobre este valor que, depois, se impõe contabilizar (até ao montante global máximo de 6.550.000,00 Euros) os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal em vigor para as obrigações civis (de 4%), a contar desde a data do vencimento das livranças invocadas pela impugnante (os únicos que foram reclamados), ou seja, desde o dia 25/09/2015 – e que à data da impugnação, a 21/06/2019, ascendiam a 747.945,21 Euros – e o reclamado imposto de selo sobre os juros de mora – no valor de 29.917,81 Euros (as alegadas comissões em dívidas pela impugnante não constituem obrigações acessórias da obrigação garantida, não tendo, portanto fundamento no invocado contrato, pelo que as mesmas não são passíveis de ser aqui contabilizadas), tudo num total de 5.777.863,02 Euros. Em suma, em face de tudo quanto foi exposto, cabe julgar reconhecido o crédito da sociedade impugnante, O(…), S.A., pelo valor de 5.777.863,02 Euros, a classificar como crédito garantido, sujeito a condição resolutiva para efeitos do disposto no artigo 94.º do CIRE, consistente na eventual satisfação do crédito no âmbito do processo especial de revitalização da sociedade H(…) , S.A., com o n.º 670/17.0T8FND (…) No caso em apreço, caberá destacar que, recaindo sobre a verba n.º 1 do auto de apreensão duas hipotecas, uma legal, da Segurança Social e, outra, voluntária reconhecida à O(…), S.A., a primeira beneficia da anterioridade do registo, por ter sido objecto de apresentação para tal efeito a 25/05/2012, enquanto que a hipoteca que garante o crédito da O(…), S.A. apenas foi apresentada a registo a 12/04/2013 (…) Do produto da venda da verba n.º 1 (bem imóvel correspondente ao prédio misto denominado Quinta  (…) descrito na Conservatória do Registo Predial da (..) sob o n.º (…)/20100115) serão pagos, em primeiro lugar, o crédito laboral reconhecido a J(…); em segundo lugar, o crédito fiscal que goza de privilégio imobiliário especial, referente a IMI respeitante à verba em causa; em terceiro lugar, o crédito hipotecário do Instituto da Segurança Social, I.P.; em quarto lugar, o crédito hipotecário reconhecido à O(…), S.A., sendo, neste caso, de considerar que o mesmo se encontra sob condição resolutiva, consistente no pagamento do crédito no âmbito do PER da sociedade H(…) , S.A., com o n.º 670/17.0T8FND, pelo que, nos termos do artigo 94.º do CIRE, o mesmo deverá ser tratado como crédito incondicionado até ao momento em que a condição se preencha, sem prejuízo do dever de restituição dos pagamentos recebidos assim que se verifique a condição (…).
A 1.ª instância reconhece o crédito da sociedade impugnante, O(…), S.A., pelo valor de 5.777.863,02 Euros. Classifica-o como crédito garantido, sujeito, no entanto, a condição resolutiva para efeitos do disposto no artigo 94.º do CIRE, consistente na eventual satisfação do crédito no âmbito do processo especial de revitalização da sociedade H(…), S.A., com o n.º 670/17.0T8FND.
Ora, sendo um crédito condicional aquele que, existindo, não pode ainda ser exigido, pelo facto de não se ter ainda por verificada a condição, o Tribunal do Fundão vai buscá-la à existência do PER da H(…), SA.
Dispõe a norma do artigo 50.º do CIRE que:
“1-Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível”.
A redacção dada ao art.º 50º pela Lei nº 16/2012 de 20/04, ao referir que se consideram créditos sob condição suspensiva e resolutiva aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força de lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico, não pretende introduzir o sentido de que a decisão judicial enquanto acto jurídico constitui ela própria uma condição, mas sim que se levam em linha de conta as condições declaradas no próprio teor de uma decisão judicial.
Por isso, com todo o respeito pelos argumentos e o decidido pelo senhor juiz do Juízo do Comércio do Fundão, parece-nos, no entanto, que a razão está do lado da apelante credora.
Uniformizando procedimentos, seguimos o decidido pelo Acórdão desta Relação de 1.6.2020 – relator Arlindo Oliveira – publicado em www.dgsi.pt:
“O n.º 1 do artigo 50.º do CIRE define crédito sob condição resolutiva como aquele cuja subsistência se encontra sujeita à verificação ou não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
Quando no n.º 1 do artigo 50.º se refere a subsistência do crédito está a referir-se a subsistência da fonte do crédito (negócio jurídico ou outra fonte). Um crédito sob condição resolutiva é um crédito cuja fonte produz de imediato efeitos jurídicos, mas que pode ser resolvido se a condição se verificar.
É por ser este o sentido do n.º 1 do artigo 50.º que o artigo 94.º do CIRE, relativo aos efeitos da falência sobre os créditos sob condição suspensiva, diz que, no processo de insolvência, os créditos sobre a insolvência sujeitos a condição resolutiva são tratados como incondicionais até ao momento em que a condição se preencha, sem prejuízo do dever de restituição dos pagamentos recebidos, verificada que seja a condição.
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE, Anotado, 3.ª Edição, a pág. 443, nota 4, na anotação ao artigo 94.º: “Se o crédito está sujeito a condição resolutiva, isso significa que o respectivo título produz de imediato os seus efeitos, que serão, todavia, resolvidos, em regra retroactivamente, se a condição se verificar. Por outras palavras, na pendência da condição o negócio jurídico é eficaz e o direito pode ser exercido, sem prejuízo de o seu titular dever agir, ao fazê-lo, segundo os ditames da boa fé.
O artigo 94.º, ao tratar o crédito sob condição resolutiva como incondicional até a verificação da condição, não está mais do que a dar seguimento aquele regime. E o mesmo se diga quando, verificada a condição, impõe ao credor o dever de restituir os pagamentos que lhe tenham sido feitos”.

Ora bem. O crédito do Banco tem a sua fonte, tem a sua origem, no contrato de mútuo. Dos factos provados não resulta que este contrato esteja sujeito a qualquer condição resolutiva, por força da lei, decisão judicial ou negócio jurídico (…)  Quando, numa situação como a dos autos, além do insolvente houver outros devedores solidários, o regime a aplicar é o do n.º 1 do artigo 519.º do CC (parte final) e o dos artigos 95.º e 179.º, ambos do CIRE.
E assim, o credor pode reclamar a totalidade do seu crédito do devedor insolvente e reclamar o pagamento integral dos outros devedores solidários (e pode-o fazer tanto em processo de execução como em processos de insolvência dos devedores solidários).
Claro que ele não pode receber duas vezes. Por isso é que o artigo 179.º do CIRE contém cautelas para evitar duplos pagamentos, quando além do insolvente outro ou outros devedores se encontrarem também insolventes”.
Como refere a apelante, (…) tal como, a solidariedade da obrigação, a ora credora reclamante entende que a par de ser crédito classificado com natureza garantida, o mesmo não está sujeito à condição identificada.
Em primeiro lugar a H(…) enquanto beneficiária do PER, incumpriu em toda a linha com as obrigações assumidas no âmbito do contrato para com a Recorrente e ainda, para com os restantes credores.
Encontrando-se em situação económica difícil apresentou-se ao PER onde os credores reclamaram créditos. Culminando na sua aprovação e homologação.
O facto de existir um PER a jusante, não implica que a montante haja uma outra forma de ressarcimento por parte do Credor, cabendo a si a comunicação aos autos do recebimento dos autos anteriores. Evitando um duplo recebimento.
Não podemos esquecer que pese embora a H(…) esteja em PER,  a F (…) Lda. está insolvente. Onde o imóvel apreendido, propriedade da Insolvente, vai à venda na insolvência.
Se a F(…) é solidariamente responsável, com hipoteca sobre o imóvel que vai à venda, então, não pode a credora ficar dependente a tout court do incumprimento da H(…) no âmbito do seu PER. Numa longa espera ad aternum, até que haja pagamento, ou não. Que pode ser daqui a 2 anos, 3, 5 anos.
Ficando a insolvência pendente, para na eventualidade, transferir o valor. Assim sendo, o credito da O(…), graduado como garantido, não deve ser afetado por condição resolutiva alguma, sob pena de subverter-se as regras da solidariedade e, sobretudo, das regras do ressarcimento coercivo acrescido dos fundamentos do instituto da insolvência no seguimento da sua liquidação. A garantia assumida pela Insolvente é legitima e encerra no seu espirito a garantia pelo pagamento da obrigação incumprida.
Questão diferente seria se a insolvente estivesse também em PER o que, de certo modo, levaria à suspensão da liquidação e ao recebimento do seu valor. O que não é o caso.
Sendo a Insolvente devedora solidária, responde nos mesmos moldes e, pelo património que a si estiver acometido pelo instituto do direito de propriedade. Se a insolvente está insolvente, preparando-se os autos para prosseguir a liquidação, A credora reclamante tem direito a receber o seu crédito, pelo lugar que lhe competir e não sujeita a qualquer condição resolutiva”.
Tal só não aconteceria se este crédito estivesse a ser pontualmente cumprido, o que não se demonstra nos autos, podendo, por isso, ser exigido de imediato à insolvente.
Assim, impõe-se concluir, que o crédito da apelante O(…) SA, ora em apreciação, não está sujeito a condição resolutiva, pelo que, nesta parte, não pode manter-se a decisão recorrida.

As conclusões (sumário):
1. Sendo a novação um facto extintivo da obrigação acionada, a intenção de novar e a expressa manifestação dessa intenção, têm que ser alegadas e provadas por quem a invoca, nos termos da norma do artigo 342.º n.º 2 do Código Civil;
2. Nos termos das normas dos artigos 405.º e 406.º as partes têm a faculdade de fixar livremente o conteúdo dos contratos – desde que não contrários à lei -, incluindo nestes as cláusulas que lhes aprouver, devendo ser pontualmente cumpridos. Esta é a regra. Tudo o que seja excepção a este princípio, nomeadamente limitações decorrentes da lei ou vícios na formação do contrato, terá de ser alegada e demonstrada perante o julgador;
3. Nos termos do artigo 6º, nº3 do Código das Sociedades Comerciais “ considera-se contrária ao fim da sociedade a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo/ Impende sobre a sociedade garante que invoca a nulidade da garantia por si prestada com o objectivo de se fazer valer de tal nulidade para não ter de cumprir a obrigação garantida, o ónus de alegação e prova da inexistência de interesse próprio, ou seja, o ónus da prova dos requisitos da existência da tal invalidade do acto, de que se pretende aproveitar, sendo que a razão principal para tal reside na circunstância de que ninguém melhor do que a própria sociedade que presta a garantia, poderá certificar que a mesma foi prestada no seu próprio interesse e esta é a posição maioritária do Supremo Tribunal de Justiça”- por todos, o Acórdão do STJ de 12.3.2019/conselheira Ana Paula Boularot, retirado do site www.dgsi.pt ,é esse entendimento que seguimos, confirmando a decisão da 1.ª instância.
4.  Quando, numa situação como a dos autos, além do insolvente houver outros devedores solidários, o regime a aplicar é o do n.º 1 do artigo 519.º do Código Civil (parte final) e o dos artigos 95.º e 179.º, ambos do CIRE. Assim, o credor pode reclamar a totalidade do seu crédito do devedor insolvente e reclamar o pagamento integral dos outros devedores solidários (e pode-o fazer tanto em processo de execução como em processos de insolvência dos devedores solidários). Não pode é receber duas vezes. Por isso é que o artigo 179.º do CIRE contém cautelas para evitar duplos pagamentos, quando além do insolvente outro ou outros devedores se encontrarem também insolventes”.
3.Decisão
Na parcial procedência do recurso, revogamos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio do Fundão no segmento em que sujeitou a condição resolutiva o crédito da credora O(…) SA, confirmando-a no demais decidido.
As custas ficam a cargo da massa insolvente.
Coimbra,4 de Maio de 2021
(José Avelino Gonçalves - Relator)
(António Freitas Neto- 1.º adjunto)
(Paulo Brandão – 2.º adjunto)