Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1931/12.OTBACB–F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
DESPESA EXTRAORDINÁRIA
Data do Acordão: 01/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO COMÉRCIO DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 239.º, N.º 3, DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESA (DL N.º 53/2004, DE 18 DE MARÇO).
Sumário: Autorizada ao insolvente beneficiário da exoneração do passivo restante a realização de uma despesa extraordinária, o valor desta acumula ao valor fixado no âmbito da alínea b), subalíneas i) e ii), do art.º 239.º, n.º 3 do CIRE, já não até ao limite do rendimento do devedor referente ao mês em que se autoriza a despesa extraordinária, ultrapassando esta o tal rendimento mensal, mas até ao limite de um ano.
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

A 1.ª instância, no seguimento do requerimento apresentado pelos insolventes – de 22 de Maio de 2018 (ref citius ...) – despacha assim: “Considerando a exposta e documentada despesa, o carácter excepcional dessas despesas e a não oposição do Exmº Fiduciário e dos credores, entendemos ainda adequado, proporcional e necessário excepcionar do rendimento disponível que devia ter sido cedido pelos insolventes ao Exmº Fiduciário nos períodos de realização de tal despesa, para além do anteriormente fixado, o valor de €3236,50 nos termos e para os efeitos do disposto no art. 239º, nº 3, al. b), iii), do CIRE.

A questão trazida a estes autos:

Entendem os insolventes que o montante aceite a título de despesas extraordinárias, deverá ser descontado ao total do valor a entregar à fidúcia e não no cálculo somente de um ciclo mensal, pois, não se trata de despesas ordinárias e regulares, para isso existe o rendimento disponível fixado, mas sim de despesas autorizadas pelo Tribunal ao abrigo da subalínea iii) alínea b) do nº 3 do artigo 239º.

O Administrador Judicial, nomeado para intervir nos autos como fiduciário, notificado com a Ref.ª .... de 12-01-2021 do teor do douto despacho a fls. …, e em cumprimento do mesmo, vem informar que mantem a posição já manifestada no requerimento junto aos autos em 19/11/2020 com a Ref.ª ...., ou seja, considera que as despesas extraordinárias devem ser descontadas ao rendimento a ceder nos períodos em que estas são suportadas.

O Juízo de Comércio de Alcobaça profere a seguinte decisão:

“Parece-nos, salvo melhor opinião, que o modo de computar as despesas extraordinárias que os insolventes foram autorizados a fazer terá de ser interpretado tendo em conta a forma como é calculado o rendimento a ceder.

Cumpre apreciar e decidir

As obrigações a que os insolventes se encontram sujeitos encontram – se estabelecidas no artigo 239.º, n.º4, do CIRE.  Dispondo o artigo 239.º, n.º4, al.c), do CIRE que “Durante o período de cessão o devedor fica obrigado a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão”.  É patente que que as obrigações de entrega dos insolventes não poderão ser contabilizadas de forma anual (neste sentido Ac. do TRC, processo n.º 178/10.5TBNZR.c1 e Ac. do TRP, processo n.º 8215/13.5TBVNGF.p1, ambos consultáveis em www.dgsi,pt). Pelo que de igual forma as eventuais despesas extraordinárias também não podem ser computadas anualmente (ou durante o período de 5 anos da exoneração) como propugnado pelos insolventes. É a própria lei que impõe que as entregas sejam imediatas, logo que recebidos os respectivos rendimentos. E uma vez que, em regra, os rendimentos provenientes do trabalho são liquidados mensalmente, tal entrega assume carácter mensal. Ora se o cálculo do rendimento disponível, para efeitos de entrega ao fiduciário, tem por referência o valor mensal dos rendimentos auferidos pelos insolventes e não o valor anual de tais rendimentos, também as eventuais despesas terão de ser aferidas mensalmente.

Na verdade, não podemos confundir a periodicidade anual das informações do Sr. Fiduciário com as obrigações permanentes que advêm para os insolventes com o instituto da exoneração do passivo restante.

Por outro lado, e na ponderação do instituto, nunca podemos perder de vista que este sacrifício imposto aos devedores tem, no entanto, o reverso que é de os libertar das dívidas decorrido esse período, permitindo-lhes recomeçar de novo, totalmente desonerados, com o inevitável prejuízo para os credores.

Por todo o exposto, decide-se pelo indeferimento do requerido pelos insolventes”.

Os Requerentes/Insolventes, A. e B. , não se conformando com a decisão, interpõe o seu recurso, assim concluindo:

(…)

2. Do objecto do recurso

Entendem os insolventes, que o montante aceite a título de despesas extraordinárias deverá ser descontado ao total do valor a entregar à fidúcia e não no cálculo somente de um ciclo mensal, pois, não se trata de despesas ordinárias e regulares, para isso existe o rendimento disponível fixado, mas sim de despesas autorizadas pelo Tribunal ao abrigo da subalínea iii) alínea b) do nº 3 do artigo 239º.

Será assim?

A 1.ª instância entende que não, justificando, assim, a sua posição:

“(...)  Parece-nos, salvo melhor opinião, que o modo de computar as despesas extraordinárias que os insolventes foram autorizados a fazer terá de ser interpretado tendo em conta a forma como é calculado o rendimento a ceder (…)

As obrigações a que os insolventes se encontram sujeitos encontram-se estabelecidas no artigo 239.º, n.º4, do CIRE. Dispondo o artigo 239.º, n.º4, al.c), do CIRE que “Durante o período de cessão o devedor fica obrigado a entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão”.

É patente que que as obrigações de entrega dos insolventes não poderão ser contabilizadas de forma anual (neste sentido Ac. do TRC, processo n.º 178/10.5TBNZR.c1 e Ac. do TRP, processo n.º 8215/13.5TBVNGF.p1, ambos consultáveis em www.dgsi,pt). Pelo que de igual forma as eventuais despesas extraordinárias também não podem ser computadas anualmente (ou durante o período de 5 anos da exoneração) como propugnado pelos insolventes.

É a própria lei que impõe que as entregas sejam imediatas, logo que recebidos os respectivos rendimentos. E uma vez que, em regra, os rendimentos provenientes do trabalho são liquidados mensalmente, tal entrega assume carácter mensal. Ora se o cálculo do rendimento disponível, para efeitos de entrega ao fiduciário, tem por referência o valor mensal dos rendimentos auferidos pelos insolventes e não o valor anual de tais rendimentos, também as eventuais despesas terão de ser aferidas mensalmente.

Na verdade, não podemos confundir a periodicidade anual das informações do Sr. Fiduciário com as obrigações permanentes que advêm para os insolventes com o instituto da exoneração do passivo restante.

Por outro lado, e na ponderação do instituto, nunca podemos perder de vista que este sacrifício imposto aos devedores tem, no entanto, o reverso que é de os libertar das dívidas decorrido esse período, permitindo-lhes recomeçar de novo, totalmente desonerados, com o inevitável prejuízo para os credores (...)”

Avaliando.

Conforme o art.º 239.º, n.º 3 do CIRE, “Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) Do que seja razoavelmente necessário para: i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional; iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor”.

A subalínea i) da citada alínea b) visa salvaguardar o direito fundamental do devedor – e respectivo agregado familiar – a uma sobrevivência minimamente condigna, determinando que fica excluído do rendimento disponível o valor que, em termos de razoabilidade, se deva ter como necessário para prover ao seu sustento minimamente digno. A subalínea ii), determinando que fica excluído do rendimento disponível o valor que seja razoavelmente necessário para o exercício pelo devedor da sua actividade profissional visa salvaguardar e assegurar a possibilidade de o devedor angariar rendimentos com o produto do seu trabalho que lhe permitam prover ao seu sustento – e do seu agregado – e satisfazer algum do seu passivo, evitando-se, desta forma, que, por não dispor do valor necessário para assegurar as despesas inerentes à sua actividade profissional, o devedor fique impossibilitado de angariar rendimentos, pondo em causa a sua subsistência e eliminando – ou reduzindo – a possibilidade de os credores obterem a satisfação (ao menos parcial) dos seus direitos. Sob a alçada da subalínea iii) ficam as despesas que, não se integrando nas duas subalíneas anteriores, visam assegurar a satisfação de concretas necessidades que, por variadas razões - designadamente em função de uma concreta doença, patologia ou condição física - são essenciais para o devedor - ou para algum dos elementos que compõem o seu agregado familiar - e que, pela sua natureza e relevância, devam prevalecer sobre o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos.

Tendo o legislador optado no CIRE, na determinação do rendimento disponível a ceder pelo insolvente ao fiduciário, por um critério geral e abstracto - do que não seja necessário para assegurar o “sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar”-, pretendeu que o mesmo fosse objecto de casuística densificação, por forma a respeitar a diferenciada realidade do caso concreto  - incluindo a sua adequação ao momento histórico e ao ambiente social em que é aplicado; e essa casuística densificação é incompatível com qualquer fórmula matemática, de automática e invariável aplicação - nomeadamente, de uma retribuição mínima mensal garantida por cada membro do agregado familiar do insolvente, ou de uma qualquer capitação matemática fixa que lhes seja aplicável.

O que pretende o legislador - tem a sua fonte na lei, embora concretizada por decisão judicial:

Em primeiro lugar, que a exoneração do passivo restante não assenta na desresponsabilização do devedor. Implica empenho e sacrifício do devedor no sentido de que deve comprimir ao máximo as suas despesas, reduzindo-as ao estritamente necessário, em contrapartida do sacrifício imposto aos credores na satisfação dos seus créditos, por forma a se encontrar um equilíbrio entre dois interesses contrapostos - está em causa a conciliação de dois interesses conflituantes: de um lado, o interesse dos credores dos insolventes/requerentes da exoneração e, de outro, os dos insolventes/requerentes. A sua harmonização prática impõe uma redução do nível de vida dos insolventes, conforme com as circunstâncias económicas em que se encontram e que estão na base da declaração de insolvência.

A fixação de um rendimento indisponível para os credores não visa assegurar a manutenção do padrão de vida anterior à declaração de insolvência, mas apenas uma vivência minimamente condigna, cabendo ao beneficiado pela solução legal adequar-se à especial condição em que se encontra, ajustando as despesas ou encargos e o seu nível de vida, em geral e na medida do possível, à realidade em que se encontra –neste preciso sentido, o Acórdão desta Relação de 31-01-2012, relatado por Carlos Marinho, disponível in www.dgsi.pt.

Depois, não havendo rendimento disponível – com referência ao mês - não há cessão de rendimentos, pelo que, não nasce a favor do devedor o direito de compensar ou de deduzir, nos rendimentos futuros, a ausência de rendimentos ou rendimentos inferiores ao que foi estabelecido como o razoavelmente necessário para o sustento dele e da família – nestes incluídas as demais despesas.

Com efeito, só se compreenderia tal direito de compensação ou de dedução se se configurasse a subalínea i) da alínea b), do n.º 3 do artigo 239.º do CIRE como uma “garantia de rendimento” a favor do devedor ao longo do período da cessão. Sucede que não é este o sentido da garantia de tal norma. Ela não garante rendimentos ao devedor. O que ela garante é que uma parcela dos seus rendimentos, havendo-os, não será atingida pela cedência ao fiduciário. Garante-se uma “exclusão” se houver rendimentos.

Por isso, a citada norma do artigo 239.º, tem de ser lida com o sentido de que o apuramento dos rendimentos objecto de cessão para efeitos da alínea c) do n.º 4 do artigo 239.º do CIRE deve ser feita por referência aos rendimentos do devedor e ao período de um mês - a introdução de um mecanismo correctivo em que se decida que, nos meses em que os rendimentos sejam inferiores ao valor do ordenado mínimo nacional, a entrega do montante não é realizada é suficiente para garantir a equidade concreta normativamente exigida.

Nas palavras do acórdão do STJ de 9.3.2021, “O instituto da exoneração do passivo restante não tem por finalidade precípua garantir ao devedor o recebimento de um certo montante a título de sustento, pelo que o devedor não goza da garantia da intangibilidade do montante estabelecido para seu sustento.

Se a cessão do rendimento disponível e o montante arbitrado ao devedor a título de sustento foram estabelecidos numa base mensal pelo tribunal, não pode o apuramento do rendimento disponível ser feito numa base anual. Se em determinado mês o rendimento do insolvente não alcança o montante que lhe foi arbitrado para sustento, nem por isso lhe assiste o direito de, mediante “compensação” ou “ajuste de contas”, não entregar ao fiduciário o excesso que se verifique nos demais meses.

A interpretação do art. 239.º, n.º 4, al. c), do CIRE no sentido de impor ao devedor a obrigação de entregar imediatamente/mensalmente os rendimentos recebidos ao fiduciário sem operar a compensação dos rendimentos com os montantes auferidos nos meses anteriores e posteriores não viola os arts. 1.º, 67.º e 205.º, n.º 2, da CRP”- www.dgsi.pt .

Assim, não haverá que atender às concretas despesas comprovadas ou meramente alegadas pelo insolvente, procurando-se antes a determinação do que é razoável gastar para prover ao seu sustento e do seu agregado familiar que, eventualmente, tenha a seu cargo - Como se afirma no Acórdão desta Relação de 31.01.2012, não pode existir qualquer correspondência entre o valor a fixar e o montante global das despesas indicadas pelo devedor, por falta de suporte legal – relatado por Carlos Marinho e disponível in www.dgsi.pt.

“O critério decisivo, para excluir rendimentos da cessão ao Fiduciário, está no que é necessário, num plano de normalidade, razoabilidade, comedimento e sobriedade, para um sustento minimamente digno, independentemente do trem de vida que se teve – e que porventura até pode ter gerado ou contribuído para a situação de insolvência – e/ou se aspira a manter; e isto – o que é indispensável para um sustento minimamente digno – é um dado da experiência comum (que é suposto os tribunais portugueses conhecerem e que é um meio de prova – cfr. art. 351.º do C. Civil) – Acórdão desta Relação de Coimbra de 4.2.2020, relatado por Barateiro Martins.

Neste âmbito entram, digamos, as despesas ditas normais.

E as despesas extraordinárias?

As eventuais despesas extraordinárias deverão ser atendidas pelo tribunal, já não no âmbito do ponto i), mas com recurso ao disposto na al. iii) que determina a exclusão de outras despesas ressalvadas pelo juiz, a requerimento do devedor, onde se inserirão despesas extraordinárias por doença aguda ou crónica, incapacidade e outras.

Ou seja, o juiz, pode, ainda, a requerimento do devedor, excluir do rendimento a ceder, outras despesas extras posteriores, desde que sejam demonstradas e comprovadas.

Por isso, perante situações de emergência devidamente comprovadas, essencialmente relacionadas com a saúde, o julgador deve admitir alguma maleabilidade no princípio de que as entregas devem ser feitas mensalmente, se o ponto de referência para a determinação do rendimento in/disponível for o salário, autorizando-as caso a caso.

Foi o que fez a 1.ª instância ao autorizar a despesa em causa nestes autos.

Mas, como afirmam os apelantes, “contabilizar as despesas em causa, apenas num único mês, viola o disposto no referido artigo, porquanto, na prática, impede que as mesmas sejam efetivamente dispensadas”. Ou seja, no velho aforismo, “dá-se com uma mão e tira-se com a outra”.

É na fixação do sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar e na (não) autorização da despesa extraordinária, que o julgador terá de ser mais exigente, na observância dos seguintes princípios:

i) A exoneração do passivo restante não assenta na desresponsabilização do devedor; ii) Implica empenho e sacrifício do devedor no sentido de que deve comprimir ao máximo as suas despesas, reduzindo-as ao estritamente necessário; iii) A fixação de um rendimento indisponível não visa assegurar a manutenção do padrão de vida anterior à declaração de insolvência, mas apenas uma vivência minimamente condigna, cabendo ao beneficiado pela solução legal adequar-se à especial condição em que se encontra, ajustando as despesas ou encargos e o seu nível de vida, em geral e na medida do possível, à realidade em que se encontra.

Mas, autorizada a despesa extraordinária, o valor desta acumula ao valor fixado no âmbito da alínea b) i) e ii) do art.º 239.º, n.º 3 do CIRE, já não até ao limite do rendimento do devedor referente ao mês em que se autoriza a despesa extraordinária, se esta ultrapassar o tal rendimento mensal, mas até ao limite de um ano – parece-nos um prazo adequado e justo, no confronto dos princípios deste procedimento supra enunciados.

Procedem, assim, as conclusões do apelante, revogando-se o decidido pelo Juízo de Comércio de Alcobaça.

As conclusões (sumário):

1) A exoneração do passivo restante não assenta na desresponsabilização do devedor. Implica empenho e sacrifício do devedor no sentido de que deve comprimir ao máximo as suas despesas, reduzindo-as ao estritamente necessário, em contrapartida do sacrifício imposto aos credores na satisfação dos seus créditos, por forma a se encontrar um equilíbrio entre dois interesses contrapostos;

2) A fixação de um rendimento indisponível não visa assegurar a manutenção do padrão de vida anterior à declaração de insolvência, mas apenas uma vivência minimamente condigna, cabendo ao beneficiado pela solução legal adequar-se à especial condição em que se encontra, ajustando as despesas ou encargos e o seu nível de vida, em geral e na medida do possível, à realidade em que se encontra;

3. A subalínea i) da citada alínea b) do artigo 239.º n.º 3, visa salvaguardar o direito fundamental do devedor – e respectivo agregado familiar – a uma sobrevivência minimamente condigna, determinando que fica excluído do rendimento disponível o valor que, em termos de razoabilidade, se deva ter como necessário para prover ao seu sustento minimamente digno. A subalínea ii), determinando que fica excluído do rendimento disponível o valor que seja razoavelmente necessário para o exercício pelo devedor da sua actividade profissional visa salvaguardar e assegurar a possibilidade de o devedor angariar rendimentos com o produto do seu trabalho que lhe permitam prover ao seu sustento – e do seu agregado – e satisfazer algum do seu passivo, evitando-se, desta forma, que, por não dispor do valor necessário para assegurar as despesas inerentes à sua actividade profissional, o devedor fique impossibilitado de angariar rendimentos, pondo em causa a sua subsistência e eliminando – ou reduzindo – a possibilidade de os credores obterem a satisfação (ao menos parcial) dos seus direitos. Sob a alçada da subalínea iii) ficam as despesas que, não se integrando nas duas subalíneas anteriores, visam assegurar a satisfação de concretas necessidades que, por variadas razões - designadamente em função de uma concreta doença, patologia ou condição física - são essenciais para o devedor - ou para algum dos elementos que compõem o seu agregado familiar - e que, pela sua natureza e relevância, devam prevalecer sobre o interesse dos credores na satisfação dos seus créditos;

4. Mas, autorizada a despesa extraordinária, o valor desta acumula ao valor fixado no âmbito da alínea b) i) e ii) do art.º 239.º, n.º 3 do CIRE, já não até ao limite do rendimento do devedor referente ao mês em que se autoriza a despesa extraordinária, se esta ultrapassar o tal rendimento mensal, mas até ao limite de um ano.


3.Decisão
Assim, na procedência do recurso, alteramos a decisão proferida pelo Juízo de Comércio de Alcobaça - Juiz 2, no sentido de que, autorizada a despesa extraordinária, o valor desta acumula ao valor fixado no âmbito da alínea b) i) e ii) do art.º 239.º, n.º 3 do CIRE, já não até ao limite do rendimento do devedor referente ao mês em que se autoriza a despesa extraordinária, ultrapassando esta o tal rendimento mensal, mas até ao limite de um ano.

Sem custas.

 

Coimbra, 11 de Janeiro 2022

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(António Freitas Neto- 1.º adjunto)

(Paulo Brandão – 2.º adjunto)