Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
221/20.0T8MGL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANA CAROLINA CARDOSO
Descritores: CASSAÇÃO DO TÍTULO DE CONDUÇÃO
SISTEMA DE PONTOS
NE BIS IN IDEM
LIMITES DAS PENAS
ADEQUAÇÃO
PROPORCIONALIDADE
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 05/05/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MANGUALDE)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 148.º DO CE; ARTS. 18.º, N.º 2, 29.º, N.º 5, E 30.º, N.º 4, DA CRP
Sumário: Não padece de inconstitucionalidade material, por violação das disposições contidas nos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 5, e 30.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, a previsão normativa do artigo 148.º, n.º 4, al. c), do Código da Estrada.
Decisão Texto Integral:







Acórdão deliberado em conferência na 5ª seção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

1. Relatório

J. interpôs recurso da sentença proferida no processo de recurso de contraordenação n.º 221/20.0T8MGL, do juízo de competência genérica de Mangualde, Comarca de Viseu, que manteve a decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que determinou a cassação da sua carta de condução, com o n.º (…).

1.1. Sentença recorrida (transcrição da parte relevante para a apreciação do recurso):
“(…) Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos
a) Por sentença datada de 10/07/2017, transitada em julgado em 25/09/2017, o recorrente foi condenado no âmbito do processo sumário n.º49/17.4GAFAG, do Juízo Local de Competência Genérica de Trancoso, pela prática em 28/06/2017 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 69.º, n.º 1, al. a) e 292.º, n.º 1 do Código Penal, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 meses;
b) Por sentença datada de 23/09/2019, transitada em julgado em 23/10/2019, o recorrente foi condenado no âmbito do processo sumário n.º76/19.7GCTCS do Juízo Local de Competência Genérica de Trancoso, pela prática em 31/08/2019 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 69.º, n.º 1, al. a) e 292.º, n.º 1 do Código Penal, além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 10 meses;
c) Por decisão datada de 18/02/2020, proferida no processo de cassação n.º 895/2019, instaurado em 25/11/2019, a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária determinou a cassação da carta de condução n.º (…), de que o recorrente é titular, pela circunstância de o recorrente ter perdido todos os pontos de que dispunha;
d) Aquando das fiscalizações que deram origem aos autos de processo sumário referidos em a) e b) o recorrente não foi interveniente em qualquer acidente de viação, nem causou embaraços para o trânsito;
e) O recorrente é empresário em nome individual;
f) Dedicando-se às atividades de abertura de valas e poços, desaterros, limpeza de terrenos e plantações agrícolas;
g) Mantendo duas pessoas a trabalhar sob a suas ordens;
h) No exercício das atividades referidas em f) o recorrente contacta com clientes e com fornecedores e efetua transportes de materiais para os locais onde se encontram a ser executados os trabalhos;
i) O recorrente tem uma ampla experiência de condução, sendo considerado pelas pessoas que com ele circulam um condutor prudente e preocupado com a segurança rodoviária;
j) Mais sendo por elas considerado pessoa cumpridora das regras de trânsito;
k) Os veículos que o recorrente conduz encontram-se em excelentes condições de funcionamento, designadamente ao nível dos pneumáticos e do sistema de travagem, permitindo uma circulação segura;
l) O recorrente não retirou qualquer vantagem económica da prática dos factos que levaram à sua condenação nos autos de processo sumário referidos em a) e b);
m) O recorrente assumiu o pagamento de diversos créditos contraídos para a aquisição de máquinas destinadas ao exercício da atividade mencionada em f);
n) Não conseguindo em função da necessidade de pagar tais débitos retirar rendimentos para si;
o) O recorrente tem o 4.º ano de escolaridade;
p) Para além das condenações referidas em a) e b), o recorrente foi condenado:
i. Por sentença datada de 6/04/2011, transitada em julgado em 13/05/2011, proferida no âmbito do processo sumário n.º189/10.0GCSAT, do extinto Tribunal Judicial de Sátão, pela prática em 13/10/2010 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts.292.º, n.º 1 e 69.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 70 dias de multa à taxa €6,00, perfazendo o montante global de €420,00, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor de qualquer categoria pelo prazo de 8 meses;
ii. Por sentença datada de 17/05/2013, transitada em julgado em 17/06/2013, proferida no âmbito do processo sumário n.º 98/13.1GTVIS, do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu, pela prática em 10/05/2013 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts.292.º, n.º1 e 69.º, n.º1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão, substituída pela prestação de 150 horas de trabalho a favor da comunidade, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor de qualquer categoria pelo prazo de 4 meses. (…)
O Direito
A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária determinou a cassação da carta de condução n.º (…), titulada pelo recorrente.
A decisão administrativa fundou-se no facto de o recorrente ter sido condenado, por sentenças transitadas em julgado, proferidas nos autos de processo sumário n.º 49/17.4GAFAG e nos autos de processo sumário n.º 76/19.7GCTCS, ambos do Juízo Local de Competência Genérica de Trancoso, pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez em penas acessórias de proibição de conduzir veículos a motor, tendo-lhe sido subtraída a totalidade dos doze pontos que lhe haviam sido atribuídos, o que tem como consequência necessária a cassação do seu título de condução.
Sobre esta matéria dispõe o art.121.º-A, n.º 1 do Código da Estrada que “a cada condutor são atribuídos doze pontos”.
A propósito do sistema de pontos e cassação do título de condução, preceitua o art.148.º, n.º 1 do Código da Estrada que “a prática de contraordenação grave ou muito grave prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtração de pontos ao condutor na data do caráter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos: a) a prática de contraordenação grave implica a subtração de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efetuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contraordenações graves; b) a prática de contraordenação muito grave implica a subtração de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contraordenações muito graves”, adiantando o n.º 2 que “a condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor”, o n.º 3 que “quando tiver lugar a condenação a que se refere o n.º 1, em cúmulo, por contraordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia, a subtração a efetuar não pode ultrapassar os seis pontos, exceto quando esteja em causa condenação por contraordenações relativas a condução sob influência do álcool ou sob influência de substâncias psicotrópicas, cuja subtração de pontos se verifica em qualquer circunstância”, o n.º 4 que “a subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos: a) obrigação de o infrator frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes; b) obrigação de o infrator realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos; c) a cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor” e o n.º 10 que “a cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do n.º4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução”.
No caso em apreço, tendo o recorrente sido condenado por sentenças transitadas em julgado em 25.09.2017 e 23.10.2019, proferidas nos autos de processo sumário n.º 49/17.4GAFAG e nos autos de processo sumário n.º 76/19.7GCTCS pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez em penas acessórias de proibição de conduzir veículos a motor, viu ser-lhe subtraída a totalidade dos doze pontos que lhe haviam sido atribuídos, o que tem como consequência necessária a cassação do seu título de condução.
Para o efeito foi organizado o competente processo autónomo, no qual, confirmada a verificação daqueles pressupostos, a autoridade administrativa proferiu a referida decisão de cassação, sendo que é pressuposto da cassação do título de condução o trânsito em julgado das sentenças condenatórias em penas acessórias de proibição de conduzir e não o cumprimento das penas acessórias que lhe foram aplicadas.
Verificados os respetivos pressupostos impunha-se, como decidiu a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, a cassação da carta de condução do recorrente.
*
Da alegada inconstitucionalidade
Invoca o recorrente na impugnação judicial por si apresentada a inconstitucionalidade material do art.148.º do Código da Estrada.
Ora, cremos não merecer acolhimento o entendimento expresso a tal propósito pelo recorrente.
O recorrente sustenta a invocada inconstitucionalidade no desrespeito pelo princípio ne bis in idem, pelo caso julgado, na automaticidade da decisão de cassação do título de condução e na violação dos princípios da necessidade, proporcionalidade e da culpa.
Desde logo, afirma o recorrente que tendo já sido julgado e condenado pelos factos respeitantes aos autos de processo sumário n.º 49/17.4GAFAG e de processo sumário n.º 76/19.7GCTCS não pode ser novamente sancionado, agora com aplicação da sanção de cassação do seu título de condução, sob pena de violação do princípio ne bis in idem.
A este propósito diga-se que do quadro legal resulta que com o sistema da carta por pontos teve o legislador o propósito de incutir no espírito dos condutores uma mais completa perceção sobre as consequências das infrações de trânsito, incluindo, agora, para efeitos de cassação do título de condução não só os ilícitos contraordenacionais graves e muito graves como outrossim os crimes rodoviários, entre eles a condução de veículo em estado de embriaguez, cuja prática tem como consequência o desconto de metade dos pontos inicialmente atribuídos a cada condutor, o que ocorre independentemente da pena acessória imposta pelo tribunal pelo cometimento do crime rodoviário.
O que está em causa é a inidoneidade para a condução de veículos com motor decorrente das anteriores condenações por crimes rodoviários, não estando em causa um novo sancionamento pela prática dos crimes anteriores, mas o sancionamento pela prática reiterada de contraordenações, graves ou muito graves, ou ilícitos criminais, que revela a inidoneidade para o exercício da condução. Às penas e sanções acessórias já aplicadas acresce agora uma outra sanção que já não pune os factos (as concretas contraordenações ou crimes) praticados, mas a perigosidade, a ineptidão, a inidoneidade entretanto reveladas (cfr., neste sentido, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º4289/18.0T8PBL.C1, disponível in www.dgsi.pt.).
O princípio ne bis in idem encontra-se consagrado no art.29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa que dispõe que “ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”, dele resultando quer a proibição de duplo julgamento, quer a proibição de dupla punição pelo mesmo crime.
Como se refere no mencionado aresto, cuja fundamentação subscrevemos, na situação em apreço inexiste uma duplicação de factos, pois que são distintos os fundamentos que conduziram à aplicação das penas acessórias (correspondentes a cada um dos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez), por um lado, e da medida de cassação da carta de condução, por outro lado, sendo diferentes as finalidades que presidem a umas e outra, motivos pelos quais não ocorre violação do caso julgado e/ou do princípio ne bis in idem.
Por outra parte, refira-se que a cassação do título de condução encontra a sua justificação num comportamento que representa uma perigosidade acrescida do agente no exercício da condução e na necessidade de reforçar o sistema com uma reação (no caso de natureza administrativa) que vá para além da pena acessória, a qual se veio a revelar insuficiente à sensibilização do infrator no sentido de adequar o exercício da atividade perigosa, em que se traduz a condução, às normas.
Mais se diga que ao invés do alegado pelo recorrente não se pode falar em “automaticidade”, pois que a medida em causa tem, por um lado, subjacente uma ponderação já anteriormente levada a efeito e, por outro lado, não dispensa o controlo dos pressupostos suscetíveis de conduzirem à sua aplicação (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.05.2018, proferido no âmbito do processo n.º644/16.9PTPRT-A.P1, disponível in www.dgsi.pt.).
Todo o sistema da carta por pontos, quer em função da natureza da infrações, quer em função do respetivo número, quer dos pontos (de número variável) a subtrair, dependente da gravidade da infração, não sendo indiferente na apreciação o período de tempo sem que o infrator registe contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária na recuperação de pontos, respeita o princípio da proporcionalidade, encontrando justificação, nos termos sobreditos, numa maior perigosidade, com o que resulta observado o princípio da necessidade.
Constituindo embora uma reação automática, a cassação do título de condução não isenta a administração da verificação dos respetivos pressupostos, domínio, como já antes referido, em que assume a maior relevância a natureza dos ilícitos, as vezes por que foram praticados, o número de pontos que, em consequência, resultaram subtraídos, o tempo, entretanto, decorrido capaz de conduzir à respetiva recuperação, não se vendo fundamento na alegação quer da violação da proibição do efeito automático das penas, quer do princípio da culpa ou perigosidade.
Perante o que fica dito, improcede a inconstitucionalidade arguida pelo recorrente.

Como supra se referiu, no caso em apreço resultou demonstrado que por sentenças transitadas em julgado em 25.09.2017 e 23.10.2019, proferidas nos autos de processo sumário n.º49/17.4GAFAG e nos autos de processo sumário n.º76/19.7GCTCS, o recorrente foi condenado pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez em penas acessórias de proibição de conduzir veículos a motor, e viu ser-lhe subtraída a totalidade dos doze pontos que lhe haviam sido atribuídos, o que tem como consequência necessária a cassação do seu título de condução.
Tais condenações revelam a inidoneidade do recorrente para a condução de veículos com motor.
Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 3/12/2019, proferido no âmbito do processo n.º1525/19.OT9STB.E1, disponível in www.dgsi.pt., “apenas quando está em causa a cassação do título de condução no âmbito do artigo 101.º do C.P. é necessário formular um juízo sobre a potencial perigosidade (al. a) do n.º 1) ou inaptidão para a condução do infrator (al. b) do n.º 1) para se decidir, ou não, pela aplicação de tal medida de segurança. Não já assim quando se trata da cassação do título de condução nos termos do artigo 148.º do Código da Estrada, no âmbito do qual a mesma decorre necessária e automaticamente da verificação de zero pontos na carta do infrator, resultante de condenações anteriores em penas acessórias de proibição de conduzir. Tal entendimento em nada ofende qualquer preceito constitucional, designadamente, os arts.18.º, n.º 2, 32.º, n.ºs 4, 5, 7 e 10, 29.º, n.º 5, 30.º, n.º 4, 27.º, n.º 2 e 202.º da Constituição da República Portuguesa”.
No mesmo sentido se pronunciou, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/11/2019, proferido no âmbito do processo n.º186/19.0T8CTB.C1, disponível in www.dgsi.pt..
Mais se refira que para além de tais condenações o recorrente foi já anteriormente condenado em outras duas ocasiões pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, designadamente no âmbito dos autos de processo sumário n.º189/10.0GCSAT (sentença datada de 6/04/2011, transitada em julgado em 13/05/2011, por factos praticados em 13/10/2010) e dos autos de processo sumário n.º98/13.1GTVIS (sentença datada de 17/05/2013, transitada em julgado em 17/06/2013, por factos praticados em 10/05/2013).
E não obstante tais condenações não poderem ser consideradas na decisão administrativa de cassação do título de condução do recorrente, na medida em que proferidas antes da entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.º 116/2015, de 28 de Agosto, ao Código da Estrada, o certo que não podem deixar de ser salientadas pelo tribunal no que respeita à conclusão da supra apontada inidoneidade do recorrente para a condução de veículos com motor.
Diga-se, ainda, que não relevam para a decisão da impugnação a circunstância de o recorrente necessitar da sua carta de condução no exercício da sua atividade profissional.
Destarte, a generalidade dos cidadãos necessita no seu quotidiano de conduzir, sem que isso possa obstar a que sejam sancionados pelo cometimento de infrações estradais.
E o mesmo se refira no que concerne às circunstâncias de o recorrente ter uma ampla experiência de condução, ser considerado pelas pessoas que com ele circulam um condutor prudente e preocupado com a segurança rodoviária e ser considerado pessoa cumpridora das regras de trânsito.
Com efeito, o que releva são as condenações sofridas pelo recorrente nos autos de processo sumário n.º49/17.4GAFAG e nos autos de processo sumário n.º76/19.7GCTCS e a conclusão da inidoneidade do recorrente para a condução de veículos com motor, sendo ainda irrelevante o facto em resultado do cometimento dos ilícitos criminais o recorrente não ter sido interveniente em acidente de viação, e o mesmo se diga, adiante-se, se tivesse ficado demonstrado, que não ficou, que o recorrente tivesse cometido os crimes de condução de veículo em estado de embriaguez que sustentaram tais condenações por negligência, pois que, como resulta do preceituado no art.292.º, n.º1 do Código Penal, tal crime é também punido a título negligente.
Mais não importa o facto de os veículos em que o recorrente circula se encontrarem em excelentes condições de funcionamento, designadamente ao nível dos pneumáticos e do sistema de travagem, permitindo uma circulação segura.
Perante o que fica dito, improcede, na íntegra, a impugnação apresentada por J., impondo-se a manutenção da decisão proferida pela entidade administrativa (…)»

1.2. Recurso do arguido (conclusões que se transcrevem integralmente):
«I- Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo tribunal a quo e datada de 03.11.2020 e que julgou totalmente improcedente o recurso de contraordenação apresentado pelo recorrente, julgando não estarem verificadas nenhuma das inconstitucionalidades invocadas pelo recorrente e, consequentemente, manteve na íntegra a decisão proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que determinou a cassação da carta de condução do recorrente com o n.º (…).
II- Decidindo manter na íntegra a decisão administrativa de cassação do título de condução, proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, com fundamento na aplicação do disposto no artigo 148º, n.º4, alínea c), n.º 10 e n.º 11 do Código da Estrada, a sentença recorrida viola os artigos 18º, n.º 2, 29º, n.º 5 e 30º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa, pois que as citadas normas do Código da Estrada e a sua aplicação infringem o disposto na Constituição da República Portuguesa ou os princípios nela consignados e consagrados nos referidos dispositivos constitucionais.
III– Com efeito, no plano jurídico substantivo resulta do artigo 148º, n.º 4, alínea c), n.º 10 e n.º 11 do Código da Estrada, que a perda de pontos decorre direta e automaticamente de condenação em pena acessória de proibição de conduzir, independentemente da coima concretamente aplicada ou do grau de culpa concretamente apurado, bem como da perda da totalidade de pontos decorre a cassação do título de condução.
IV– Estas normas do Código da Estrada são inconstitucionais e tal inconstitucionalidade deverá ser declarada por violação: a) do n.º 2 do artigo 18º da CRP, por delas se retirar que é fundamento bastante da cassação do título de condução a subtração automática de pontos, sendo os efeitos decorrentes da cassação manifestamente sancionatórios, não revestirem qualquer natureza pedagógica, de satisfação de necessidades de prevenção ou ressocialização, nem qualquer limitação ao necessário, adequado e proporcional para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; b) do n.º 5, do artigo 29º da CRP, porquanto a determinação da cassação do título de condução constitui-se como uma condenação suplementar e acrescida do mesmo sujeito, já que decorre de condenação anterior pelos mesmos factos ilícito/criminais, bastando-se apenas no somatório automático dos pontos, o que significa violação do principio ne bis in idem; c) do n.º 4 do artigo 30º da CRP, pelo facto de a determinação da cassação do título condução implicar automaticamente a proibição de conduzir veículos e dificultar o direito ao trabalho e a prover à subsistência, não atendendo o normativo em referência à finalidade das penas e medidas de segurança.
V– Por força da declaração de inconstitucionalidade, que se requer seja declarada nos autos, das normas referidas do Código da Estrada, serão, consequentemente, as mesmas inaplicáveis como fundamento da cassação do título de condução do ora recorrente, pelo que, deve ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, e substituída por outra que, dando provimento ao presente recurso nos termos ora formulados, absolva o arguido e ora recorrente da decisão de cassação do seu título de condução.»

1.3. Resposta do Ministério Público: pugna pela total improcedência do recurso.
1.4. No parecer a que alude o art. 416º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador da República nesta Relação acompanhou a resposta do Ministério Público em 1ª instância, concluindo pelo não provimento do recurso do arguido.

2. Questões a decidir no recurso
O objeto do recurso encontra-se limitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo da necessidade de conhecer oficiosamente a eventual ocorrência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410º do Código de Processo Penal (jurisprudência fixada pelo Acórdão do STJ n.º 7/95, publicado no DR, I Série-A, de 28.12.1995).
São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso, pelo que se ficam aquém, a parte da motivação que não consta das conclusões não é considerada, e se forem além também não são consideradas, porque a motivação das mesmas é inexistente (v. Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, 2015, págs. 335-336).

Atendendo às conclusões recursivas apresentadas, a única questão suscitada prende-se com a invocada inconstitucionalidade do artigo 148º, n.º 4, alínea c), n.º 10 e n.º 11 do Código da Estrada.

3. Conhecimento do recurso
A Lei n.º 116/2015, de 28 de agosto, que alterou o Código da Estrada, instituiu o denominado sistema de carta de condução por pontos, dispondo o art. 121º-Aº do referido Código, sob a epígrafe “Atribuição de pontos”:
“1 - A cada condutor são atribuídos doze pontos.
2 - Aos pontos atribuídos nos termos do número anterior podem ser acrescidos três pontos, até ao limite máximo de quinze pontos, nas situações previstas no n.º 5 do artigo 148.º
3 - Aos pontos atribuídos nos termos dos números anteriores pode ser acrescido um ponto, até ao limite máximo de dezasseis pontos, nas situações previstas no n.º 7 do artigo 148.º”
Por sua vez, o art. 148º dispõe o seguinte:
1 - A prática de contraordenação grave ou muito grave, prevista e punida nos termos do Código da Estrada e legislação complementar, determina a subtração de pontos ao condutor na data do caráter definitivo da decisão condenatória ou do trânsito em julgado da sentença, nos seguintes termos:
a) A prática de contraordenação grave implica a subtração de três pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência ou ultrapassagem efetuada imediatamente antes e nas passagens assinaladas para a travessia de peões ou velocípedes, e de dois pontos nas demais contraordenações graves;
b) A prática de contraordenação muito grave implica a subtração de cinco pontos, se esta se referir a condução sob influência do álcool, condução sob influência de substâncias psicotrópicas ou excesso de velocidade dentro das zonas de coexistência, e de quatro pontos nas demais contraordenações muito graves.
2 - A condenação em pena acessória de proibição de conduzir e o arquivamento do inquérito, nos termos do n.º 3 do artigo 282.º do Código de Processo Penal, quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281.º do Código de Processo Penal, determinam a subtração de seis pontos ao condutor.
3 - Quando tiver lugar a condenação a que se refere o n.º 1, em cúmulo, por contraordenações graves e muito graves praticadas no mesmo dia, a subtração a efetuar não pode ultrapassar os seis pontos, exceto quando esteja em causa condenação por contraordenações relativas a condução sob influência do álcool ou sob influência de substâncias psicotrópicas, cuja subtração de pontos se verifica em qualquer circunstância.
4 - A subtração de pontos ao condutor tem os seguintes efeitos:
a) Obrigação de o infrator frequentar uma ação de formação de segurança rodoviária, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha cinco ou menos pontos, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes;
b) Obrigação de o infrator realizar a prova teórica do exame de condução, de acordo com as regras fixadas em regulamento, quando o condutor tenha três ou menos pontos;
c) A cassação do título de condução do infrator, sempre que se encontrem subtraídos todos os pontos ao condutor.
5 - No final de cada período de três anos, sem que exista registo de contraordenações graves ou muito graves ou crimes de natureza rodoviária no registo de infrações, são atribuídos três pontos ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de quinze pontos, nos termos do n.º 2 do artigo 121.º-A.
6 - Para efeitos do número anterior, o período temporal de referência sem registo de contraordenações graves ou muito graves no registo de infrações é de dois anos para as contraordenações cometidas por condutores de veículos de socorro ou de serviço urgente, de transportes coletivo de crianças e jovens até aos 16 anos, de táxis, de automóveis pesados de passageiros ou de mercadorias ou de transporte de mercadorias perigosas, no exercício das suas funções profissionais.
7 - A cada período correspondente à revalidação da carta de condução, sem que exista registo de crimes de natureza rodoviária, é atribuído um ponto ao condutor, não podendo ser ultrapassado o limite máximo de dezasseis pontos, sempre que o condutor de forma voluntária proceda à frequência de ação de formação, de acordo com as regras fixadas em regulamento.
8 - A falta não justificada à ação de formação de segurança rodoviária ou à prova teórica do exame de condução, bem como a sua reprovação, de acordo com as regras fixadas em regulamento, tem como efeito necessário a cassação do título de condução do condutor.
9 - Os encargos decorrentes da frequência de ações de formação e da submissão às provas teóricas do exame de condução são suportados pelo infrator.
10 - A cassação do título de condução a que se refere a alínea c) do n.º 4 é ordenada em processo autónomo, iniciado após a ocorrência da perda total de pontos atribuídos ao título de condução.
11 – A que, tenha sido cassado o título de condução não é concedido novo título de condução de veículos a motor a qualquer categoria antes de decorridos dois anos sobre a efetivação da cassação.
12 – A efetivação da cassação do título de condução ocorre com a notificação da cassação (…)”

O art. 149º do Código da Estrada, na redação conferida pela dita Lei n.º 116/2015, estabelece ainda o seguinte:
1 – Do registo de infrações relativas ao exercício da condução, organizado nos termos de diploma próprio, devem constar:
a) Os crimes praticados na condução de veículo a motor e respetivas penas e medidas de segurança;
b ) As contraordenações graves e muito graves praticadas e respetivas sanções;
b) A pontuação atualizada do título de condução.
2- Para efeitos do disposto na alínea c) do número anterior, o Ministério Público comunica à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária os despachos de arquivamento de inquéritos que sejam proferidos nos termos do n.º 3 do artigo 282º do Código de Processo Penal quando tenha existido cumprimento da injunção a que alude o n.º 3 do artigo 281º do Código de Processo Penal (…)”

Releva, aqui, o estatuído no n.º 2 do art. 148º transcrito, nos termos do qual se prevê a perda de seis pontos nos casos em que o condutor tenha sido condenado na pena de sanção acessória de proibição de conduzir, ou nos casos em que tenha havido arquivamento do inquérito no âmbito da suspensão provisória do processo, com cumprimento da injunção prevista no art. 281º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
No n.º 4 do mesmo art. 148º encontram-se previstas as consequências resultantes das perdas de pontos, esclarecendo a alínea c) que a perda total de pontos importa a cassação do título de condução.
No caso dos autos, tendo o recorrente sido condenado, por sentenças transitadas em julgado, posteriormente à entrada em vigor das citadas alterações ao Código da Estrada, pela prática de dois crimes de condução de veículo em estado de embriaguez, em penas acessórias de proibição de conduzir veículos motorizados, conforme consta dos factos provados, viu ser-lhe subtraída a totalidade dos 12 pontos que lhe haviam sido atribuídos, o que tem como consequência necessária a cassação do título de condução.
Prevendo o transcrito art. 148º, para além das causas de retirada de pontos da carta de condução, a atribuição de novos pontos, caberá ainda referir não ter decorrido, entre as condenações sofridas pelo recorrente, o período necessário à atribuição de mais pontos, conforme prevê o n.º 5 da norma em causa.
Invoca o recorrente que o disposto no art. 148º, n.ºs 4, al. c), 10 e 11 viola os artigos 18º, n.º 2, 29º, n.º 5 e 30º, n.º 4 da Constituição da Republica Portuguesa. Vejamos:

O art. 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa estabelece que a lei só pode restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Ora, a compressão do direito do recorrente de ser titular de carta de condução, prevista no art. 148º, n.º 4, al. c), do Código da Estrada, tem na sua base o confronto deste direito com o direito dos outros cidadãos em circularem na vida pública com segurança, assumindo aqui particular relevo as medidas legislativas adotadas para prevenção e combate à sinistralidade rodoviária, nomeadamente o combate às atividades suscetíveis de elevar o perigo na condução e, em consequência, a sinistralidade – como sucede com a condução sob o efeito do álcool ou de substâncias psicotrópicas.
Resultando da sinistralidade rodoviária a ameaça dos direitos à vida e à saúde, o direito do recorrente a ser titular da carta de condução cede perante aquele, que constitui o direito supremo de qualquer pessoa.

Em segundo lugar, o art. 29º, n.º 5, da Lei Fundamental consagra que “Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime” (ne bis in idem). Este princípio visa assegurar que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez em virtude da prática dos mesmos factos.
No entanto, não é o que sucede in casu.
O recorrente foi condenado nos processos sumários n.ºs 49/17.4GAFAG e 76/19.7GCTCS pela prática de crimes de condução em estado de embriaguez, tendo-lhe em ambos sido aplicada a pena acessória de proibição de conduzir, nos termos do art. 69º, n.º 1, al. a), do Código Penal.
O processo administrativo instaurado contra o recorrente pela Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária, que desaguou na cassação da sua carta de condução, teve como objeto não a prática daqueles crimes, mas antes “o registo de infrações relativas ao exercício da condução a perda de pontos em virtude das sucessivas penas acessórias até ao total esgotamento dos créditos inicialmente concedidos, e a consequente inaptidão do recorrente para a condução decorrente do risco causado por aquelas condutas criminosas para a segurança rodoviária” (cf. Ac. desta Relação de Coimbra de 13.11.2019, Des. Vasques Osório, proc. 186/19.0T8CTB.C1, em www.dgsi.pt).
Na verdade, assentando a cassação administrativa da carta de condução num juízo de perigosidade acrescida daquele concreto condutor no exercício da condução, decorrente da sucessiva prática de crimes ou contraordenações suscetíveis de colocar em risco valores jurídicos considerados mais elevados, a sua génese não reside na prática dos factos anteriormente julgados, mas antes no juízo, baseado em regras fixadas, de que as penas acessórias aplicadas foram insuficientes para sensibilizar o infrator “no sentido de adequar aquela atividade perigosa, em que se traduz a condução, às normas” (cf. Ac. desta Relação de 6.11.2019, Des. Maria José Nogueira, proc. 4289/18.0T8PBL-C1; cf. ainda o Ac. de 15.1.2020, proc. 576/19.9T9GRD.C1, no qual a presente relatora foi adjunta, os Acs. da Relação de Évora de 20.10.2020, proc. 218/20.T8TMR.E1, e de 3.12.2019, proc. 1525/19.0T0STB.E1, o Ac. da Relação de Guimarães de 27.1.2020, proc. 2302/19.31T8VCT.G1, em www.dgsi.pt).
Desta forma, a cassação da carta de condução devido à perda de pontos não constitui uma nova condenação pela prática dos mesmos factos – crimes de condução em estado de embriaguez -, não se mostrando violado o principio ne bis in idem.

Finalmente, o art. 30º, n.º 4, que “Nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos”.
A automaticidade da cassação tem pressuposta uma ponderação que foi anteriormente efetuada pelo legislador, bem como o controlo das condições exigidas para a sua aplicação.
Por esclarecedor, louvamo-nos na análise da Relação do Porto (Ac. de 9.5.2018, proc. 644/16.9PTPRT-A.P1, Des. Mota Ribeiro, em www.dgsi.pt):
O sistema de pontos “traduz apenas uma técnica utilizada pelo legislador para sinalizar em termos de perigosidade os efeitos que determinadas condutas ilícitas penais ou contraordenacionais podem vir ou não a ter no futuro, (…) reavaliação essa que poderá culminar com a aplicação de uma medida de segurança, mais precisamente com a decisão de cassação da respetiva carta de condução. (…) o sistema de pontos tem um sentido essencialmente pedagógico, seja pela subtração de pontos efetuada proporcionalmente em função da gravidade de uma infração concretamente cometida, seja pela sua concessão, nos termos supra referidos, estimulando desse modo o condutor para comportamentos estradais de índole positiva, sendo que aquela subtração, a designadamente a que está diretamente em causa nos presentes autos, ocorre como efeito automático da infração cometida, sem que assuma, no entanto, em si, qualquer natureza sancionatória, sendo apenas reflexo ou um índice da gravidade da infração cometida e do relevo que esta possa ter no somatório de outras, tendo em vista aferir a dada altura a perigosidade do titular da licença de condução, em termos de saber se esta última se deve ou não manter, nos termos em que foi concedida pela administração. O sistema de pontos será assim também um sistema que permitirá à administração aferir se o titular da licença de condução reúne ou não as condições legais para poder continuar a beneficiar dela. (…) (entendeu) o legislador introduzir limitações no exercício da liberdade individual de modo a garantir em certas atividades um determinado padrão de competência técnica, fazendo-o através de atos que são pressuposto da atribuição daquela licença de condução; enquanto que a segunda (cassação) se traduz numa medida de segurança, também de caráter administrativo, que pressupõe um juízo prévio de inaptidão para o exercício da condução, relativamente a alguém que já havia obtido a concessão de autorização/habilitação para conduzir, mas cujas condutas, material e processualmente determinadas, com respeito pela estrutura acusatória do processo, assim como pelas garantias de defesa e controlo jurisdicional efetivos, vieram revelar a existência daquela inaptidão, e em respeito, portanto, das normas constitucionais (…).
No mesmo sentido, afirma-se no Ac. do Tribunal Constitucional n.º 260/2020 (DR n.º 147/2020, II Série, de 30.7.2020) que “a atribuição de título de condução pela República Portuguesa não tem um caráter absoluto e temporalmente indeterminado. Existe, assim, como que uma avaliação permanente, através da adição ou subtração de pontos, da aptidão do condutor para conduzir veículos a motor na via pública. Ou seja, em rigor, num tal sistema, o título de condução nunca é definitivamente adquirido, antes está permanentemente sujeito a uma condução negativa referente ao comportamento rodoviário do seu titular. O direito de conduzir um veículo automobilizado não é incondicionado” (sublinhado nosso).
Assim, tendo em consideração que o sistema de carta de condução por pontos prevê, em função da gravidade da infração do condutor, a retirada de pontos, em número variável; e considera o período temporal sem registo de infrações a favor do condutor, acrescentando-lhe pontos e permitindo, desse modo, que recupere os eventualmente perdidos; impõe-se concluir que respeita os princípios da necessidade e da proporcionalidade.

Conclui-se, pelas razões expostas, pela conformidade das normas constantes do artigo 148º, n.º 4, alínea c), n.º 10 e n.º 11 do Código da Estrada, com os princípios e imposições constitucionais vigentes.

iii. Decisão
Pelas razões expostas, nega-se provimento ao recurso, e confirma-se integralmente a sentença recorrida.


Custas a cargo do recorrente, fixando em 4 UC’s a taxa de justiça (arts. 513º, n.º 1, do CPP, e tabela III anexa ao RCP).

Coimbra, 5 de maio de 2021

Ana Carolina Veloso Gomes Cardoso (relatora)

João Bernardo Peral Novais (adjunto)