Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1698/16.3PCCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO DAS PENAS; PENAS DE SUBSTITUIÇÃO
PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE; SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO; PROCEDIMENTOS JUDICIAIS TENDENTES A FAZER EXECUTAR A PENA
Data do Acordão: 06/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 122.º, N.ºS 1, AL. D), E 2, E 125.º, N.º 1, AL. A), DO CP
Sumário: I – O prazo de prescrição da pena começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que a tiver aplicado.

II – O prazo de prescrição da pena principal só se inicia com o trânsito em julgado da decisão de revogação da pena de substituição.

III – Tratando-se de pena autónoma, diferente da prisão, à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é aplicável o prazo de 4 anos previsto na alínea d) do n.º 1 do artigo 122.º do CP.

IV – Os procedimentos judiciais tendentes a fazer executar a pena – no caso, os actos que visam a homologação do plano de execução de trabalho elaborado pelos SRS –, não tendo eficácia suspensiva da prescrição, não podem ser incluídos no preceito da alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do CP.

Decisão Texto Integral:

Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo sumário n.º 1698/16...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., ... – ... – Juiz ..., por despacho, de 14.04.2021 foi a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido AA, em substituição da pena de 7 (sete) meses de prisão, revogada e determinado o cumprimento desta. Posteriormente, por despacho de 24.06.2021, que incidiu sobre requerimento apresentado pelo arguido (em 14.04.2021), invocando a prescrição da pena de substituição, o tribunal decidiu no sentido de não se encontrar prescrita a «pena principal».

2. Inconformado com a decisão proferida em 14.04.2021 recorreu o arguido, formulando as seguintes conclusões:

1.ª A presente motivação visa essencialmente discutir os fundamentos de facto e de direito que levaram o Tribunal a quo a decidir, a 14/04/2021, pela revogação da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade, decretada na sentença transitada em julgado a 02/02/2017, sendo em tal aresto o aqui recorrente condenado numa pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

Mas, antes de mais, como questão prévia,

2ª O prazo de prescrição normal da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade nos presentes autos é de quatro anos contados do trânsito em julgado da sentença que a determina.

3ª Tal prazo atingiu-se em 02/02/2021, sendo necessário verificar se alguma causa de interrupção ou suspensão determinou o seu alargamento temporal, considerando as causas legais e taxativas de interrupção e suspensão da prescrição das penas criminais – cfr. a respeito dessa taxatividade o decidido no Acórdão da Relação de Coimbra de 15/01/2020 (LUÍS TEIXEIRA).

4ª Ora, o condenado nunca iniciou o cumprimento e execução da pena de substituição nos presentes autos, conforme se comprova pelas informações da DGRSP nele constantes.

5ª Existe nos autos um plano de prestação de trabalho datado de 23/05/2017 que prevê o necessário cumprimento prévio das medidas de trabalho determinadas no âmbito dos processos 1808/15.... e 74/13.... para se poder sequer iniciar o cumprimento da pena dos presentes autos.

6ª Tal plano de trabalho não foi sequer homologado, ou não homologado, por despacho judicial, não se incidindo sobre esta qualquer pronúncia.

7ª Não se acham verificadas quaisquer causas de suspensão especificadas no art. 125º nº 1 porquanto:

a) Nenhuma disposição legal impediu o cumprimento ou o início da execução da pena de substituição;

b) O arguido não foi declarado contumaz nos presentes autos;

c) O arguido não esteve a cumprir qualquer pena ou medida de segurança privativas da liberdade;

d) O arguido não foi condenado em pena de multa.

8ª Não se acham, do mesmo modo, verificadas quaisquer causas de interrupção especificadas no art. 126º do CP, porquanto:

I. A execução da pena não chegou a efetivar-se ou sequer a iniciar-se;

II. O arguido não foi declarado contumaz nos presentes autos.

9ª Sendo relevante notar a natureza ativa do cumprimento da específica pena de substituição em causa nos autos – a de prestação de trabalho a favor da comunidade -, por oposição à índole tendencialmente passiva da pena de suspensão da execução da pena de prisão, em que o mero passar do tempo conta como tempo de execução.

10ª E que, no caso concreto dos presentes autos, todas as informações dadas pela DGRSP demonstram que a execução da pena não se chegou, sequer, a iniciar, não tendo sido homologado o plano pelo Tribunal a quo.

11.ª Para além disto, a suspensão da prescrição determinada no primitivo art. 7º nº 3 da Lei 1-A/2020, que regulou as medidas restritivas implementadas por efeito da pandemia COVID-19 entre 13 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, não se aplica à prescrição das penas e medidas de segurança em que os arguidos foram condenados antes do período pandémico porque isso seria uma clara violação da proibição da retroatividade in pejus da lei penal, atacando diretamente qualquer interpretação que o consinta o disposto no art. 29º nºs 1 e 4 da Lei Fundamental.

12ª De igual modo, a suspensão da prescrição determinada no mais recente art. 6º-B n.º 3 da Lei 1-A/2020, vigente entre 26 de janeiro de 2021 e 6 de abril de 2021, também se não aplica, no que à prescrição das penas diz respeito, às condenações transitadas em julgado em data anterior a 13 de março de 2020, pelos mesmos motivos.

13ª Tal posição tem sido largamente seguida na variadíssima literatura jurídica que se seguiu ao dealbar da pandemia e da legislação “pandémica” em Portugal, sendo disso exemplo RUI CARDOSO e VALTER BAPTISTA – in Cadernos do CEJ, “Estado de Emergência – COVID-19 Implicações na Justiça”, Abril de 2020, 11.3 – Jurisdição Penal e Processual Penal, Parte II (Prazos substantivos), ponto 6, pp. 533 a 536 – e, na jurisprudência, seguida pelos recentes Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/07/2020 (JORGE GONÇALVES), de 09/03/2021 (VIEIRA LAMIM), e da Relação de Évora de 23/02/2021 (ANTÓNIO CONDESSO).

14ª O recorrente já invocou, nos autos, a prescrição da pena de substituição, pelos motivos expostos, por requerimento datado de 14/04/2021 (Ref.ª CITIUS...), antes mesmo de ser notificado do despacho recorrido, que lhe revoga a pena substitutiva já prescrita.

Pelo que,

15ª Não se tendo verificado qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição da pena substitutiva de PTFC, e considerando a data do trânsito em julgado e o prazo prescricional de quatro anos, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 122º do CP, a pena de substituição determinada nos presentes autos atingiu a prescrição em 02/02/2021, prescrição que aqui novamente se invoca, como se invocou em 14/04/2021, com os efeitos extintivos da mesma legalmente previstos, prejudicando assim a possibilidade da sua revogação.

16ª Por conseguinte, prejudicada fica também a possibilidade de ressurgimento/execução da pena principal substituída de 7 meses de prisão.

 Sem prescindir, e por mera cautela de patrocínio, quanto às nulidades do art. 379º,

17.ª Mesmo que se não tivesse apercebido da possibilidade da prescrição da pena, a ocorrência dessa mesma prescrição criminal é um dado do conhecimento oficioso, e, portanto, sujeito, a pronúncia especificada por parte do Tribunal recorrido – cfr. Acórdão da Relação de Coimbra de 07/03/2018 (VASQUES OSÓRIO).

18ª O que, ao revogar a pena substitutiva sem primeiro resolver e tomar posição acerca da questão da prescrição, que, a verificar-se, prejudicaria a possibilidade de revogação, sendo uma questão do conhecimento oficioso sobre a qual se deveria pronunciar, feriu a decisão de revogação de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º nº 1 al. c) do CPP.

Mais,

19ª O arguido, por requerimento de 29/10/2020, na sua resposta à promoção de revogação do MP, invocou, nos pontos 16º a 19º a necessária substituição da PTFC, que se pretende revogar, por multa ou SEPP.

20.ª Nestes termos, está também a decisão recorrida ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º nº 1 al. c) do CPP, ao não decidir concretamente, de forma positiva ou negativa, sobre a requerida substituição da PTFC, ao abrigo do disposto no art. 59º nº 6 do CP.

Mais ainda,

21ª No mesmo requerimento de 29/10/2020, por cautela de patrocínio, para o caso que só por mera hipótese académica se considera, nos pontos 20º a 23º, suscitou que, caso fosse de proceder com a revogação da suspensão da pena, lhe fosse determinado o cumprimento dessa pena de prisão de 7 meses em regime de permanência na habitação.

22ª Nestes termos, está também a decisão recorrida ferida de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º nº 1 al. c), ao não decidir concretamente, de forma positiva ou negativa, da aplicação do regime de permanência na habitação, em caso de revogação da pena substitutiva.

Novamente sem prescindir, por cautela de patrocínio,

23ª Repetindo-se que não incidiu sobre o “plano de execução” de 23/05/2017 qualquer despacho, homologando-o ou não, nem qualquer pedido de alteração, verifica-se que o próprio Tribunal, no despacho recorrido, reconhece que estaria inviabilizada a possibilidade de iniciar o cumprimento da pena dos presentes autos.

24ª Mais reconhece que, segundo informação da DGRSP, “a EBT só o aceitaria a cumprir esta pena substitutiva se o mesmo completasse positivamente as execuções de trabalho nos outros processos pendentes”.

25ª Portanto, não apenas o início de cumprimento da pena nos presentes autos estaria condicionada ao cumprimento das horas de trabalho determinadas à ordem de outros autos, como estaria condicionada à avaliação positiva do trabalho do arguido, por parte da entidade à qual prestava o trabalho.

26ª Assim, dando-se por reproduzido o teor integral do requerimento de 29/10/2020 (Ref.ª CITIUS ...), relembrem-se três pontos, já ali assinalados:

i. Em primeiro lugar, na data em que o referido plano de execução condicionado chega aos autos, o arguido teria que cumprir, em execução sucessiva, um total de 930 horas, o que corresponde a cerca de 6 meses de trabalho em exclusivo;

ii. Em segundo, que o arguido já desde novembro de 2018 tinha suscitado o cúmulo jurídico das penas de cumprimento prévio à dos presentes autos, nos processos referidos no plano de execução, em especial, no processo 1808/15...., que corre termos no mesmo Juízo que os presentes, cúmulo que eliminaria as referidas penas substitutivas, e teria como consequência o início do cumprimento do presente – o que foi desconsiderado, estando neste momento a questão em recurso nesse Venerando Tribunal;

iii. Por fim, repetindo, o referido plano de execução nunca foi homologado, ou não homologado, pelo Tribunal a quo.

27ª Neste quadro, a tese da “recusa tácita” do Ministério Público, que assenta em pressupostos que o mesmo MP poderia ter evitado pela devida promoção da tramitação processual tendente ao cúmulo das penas de cumprimento prévio, sendo um conceito absolutamente estranho ao Direito Penal, não consente nem autoriza a revogação da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, por não consubstanciar nenhuma das alíneas do n.º 2 do art. 59º do CP.

28ª De facto, esta tese permitiria ao MP, sem preocupações com o ónus da prova que lhe cabe, no que toca à intencionalidade, subjacente à recusa de cumprimento, promover revogações de penas substitutivas sem as adequadas indagações e cumprimento dos procedimentos garantísticos para a execução das penas.

29ª Sendo certo que o Tribunal a quo, num primeiro momento, por despacho de 02/11/2020, não aderiu à tese do Ministério Público, não deixa de corresponder à verdade que tal despacho excede largamente o seu poder jurisdicional.

30ª Munido de um plano de execução condicionado a um cumprimento prévio de outras penas, sobre o qual não emitiu qualquer pronúncia, afigura-se algo estranho que o mesmo Tribunal, contrariando um plano que é da responsabilidade e competência da DGRSP (cfr. art. 496º do CPP) – e que ainda poderia ter não homologado, solicitando a realização de novo plano -, determine uma execução distinta daquela potencialmente prevista, sobrepondo-se às penas de cumprimento prévio.

31ª Parece ao arguido, com a mesma salvaguarda do devido respeito, que está subtraído ao poder jurisdicional de um Tribunal decidir que o cumprimento da pena por si determinada se sobrepõe e ultrapassa o cumprimento das penas determinadas por outros Tribunais.

Todavia,

32ª O que estaria no poder do Tribunal recorrido era, verificando as dificuldades de cumprimento da pena e os condicionalismos assinalados pela DGRSP, lançar mão do expediente substitutivo do art. 59º nº 6 do CP e trocar a prestação de trabalho a favor da comunidade por uma multa, ou pela suspensão da execução da pena.

Ora,

33ª No quadro e pelos motivos descritos, entende o arguido não estarem verificados os pressupostos que permitem a revogação da pena substitutiva, sendo certo que, em primeira e mais importante perspetiva, o arguido entende que a pena substitutiva prescreveu a 02/02/2021 – dois meses e doze dias antes de o Tribunal a quo proferir o despacho recorrido, e dois meses e dezasseis dias antes do mesmo lhe ser notificado.

34ª Mas, para a hipótese académica de assim não se entender, existindo ainda uma condicionante de cumprimento prévio que impede o início de cumprimento da pena, nos presentes autos, deverá essa limitação ser solucionada pelo Tribunal a quo, lançando mão da “válvula de escape” do n.º 6 do mesmo art. 59º do CP e substituindo a pena de PTFC por multa ou por suspensão da execução da pena de prisão.

35ª Pelo que deve o despacho recorrido ser revogado e, caso não se ache verificada a prescrição da pena de substituição alegada, substituído por um que determine a substituição da pena substitutiva de PTFC por multa, ou, em alternativa, por suspensão da pena de prisão, conforme requerido e alegado nos pontos 16º a 19º do requerimento do arguido de 29/10/2020.

Sem prescindir, por mera cautela de patrocínio,

36ª De todo o modo, deve, pelo menos, a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma que determine o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, uma vez que o facto de o arguido não ter sequer iniciado o cumprimento, nas circunstâncias dos autos já relatadas, da pena substitutiva, não autoriza um juízo de prognose desfavorável quanto ao regime de permanência na habitação.

Termos em que,

Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, na procedência da prescrição da pena substitutiva alegada, deverá ser a mesma declarada, com as legais consequências.

Sem prescindir,

Na procedência das nulidades invocadas, sendo estas declaradas, deve o despacho em crise ser revogado, com as legais consequências.

Ou, quando assim não se entenda, e sem prescindir,

Deve ainda, na improcedência das nulidades invocadas, ser revogado o despacho recorrido, na parte em que revoga a pena substitutiva, sendo substituído por um que determine a substituição da pena de PTFC por multa, no quantitativo diário que se entenda por razoável, ou, em alternativa, por suspensão de execução da pena de prisão.

Ainda sem prescindir, por mera cautela de patrocínio,

Deve, pelo menos na parte em que determina a aplicação da pena de prisão efetiva, a decisão recorrida ser revogada e substituída por uma que determine o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação.

3. Não se conformando com o despacho proferido em 24.06.2021 uma vez mais recorreu o arguido, concluindo:

1ª A presente motivação visa essencialmente, por cautela de patrocínio, discutir os fundamentos que levaram o Tribunal a quo a proferir, em 24/06/2021, um despacho que não julga verificada a prescrição da pena principal de prisão aplicada nos autos, com fundamento em que a mesma, por ter sido substituída, não pode ser legalmente executada enquanto não for revogada.

2ª Não pondo em causa o raciocínio jurídico que conclui que a pena principal não prescreveu, a verdade é que o arguido invocou a prescrição da pena de substituição enquanto pena autónoma, e não da pena de prisão, o que, até à prolação do despacho recorrido, julgava ter ficado claro no seu requerimento de 14/04/2021 e na questão prévia invocada em recurso do despacho revogatório a 19/05/2021.

De todo o modo,

3ª Por cautela de patrocínio, para evitar futuras interpretações corretivas do despacho recorrido, o arguido interpõe o presente recurso para que seja apreciada a questão da prescrição invocada – questão que é do conhecimento oficioso e já foi invocada, em recurso, perante o Tribunal ad quem – e para que não se possa vir a invocar que transitou decisão do Tribunal a quo sobre a matéria.

Assim,

4ª O prazo de prescrição normal da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade nos presentes autos é de quatro anos contado do trânsito em julgado da sentença que a determina.

5ª Tal prazo atingiu-se em 02/02/2021, sendo necessário verificar se alguma causa de interrupção ou suspensão determinou o seu alargamento temporal, considerando as causas legais e taxativas de interrupção e suspensão da prescrição das penas criminais – cfr. a respeito dessa taxatividade o decidido no Acórdão da Relação de Coimbra de 15/01/2020 (LUÍS TEIXEIRA)

6ª Ora, o condenado nunca iniciou o cumprimento e execução da pena de substituição nos presentes autos, conforme se comprova pelas informações da DGRSP nele constantes.

7ª Existe nos autos um plano de prestação de trabalho datado de 23/05/2017 que prevê o necessário cumprimento prévio das medidas de trabalho determinadas no âmbito dos processos 1808/15.... e 74/13.... para se poder sequer iniciar o cumprimento da pena dos presentes autos.

8ª Tal plano de trabalho não foi sequer homologado, ou não homologado, por despacho judicial, não incidindo sobre esta qualquer pronúncia.

9ª Não se acham verificadas quaisquer causas de suspensão especificadas no art. 125º nº 1 do CP, porquanto:

a) Nenhuma disposição legal impediu o cumprimento ou o início da execução da pena de substituição;

b) O arguido não foi declarado contumaz nos presentes autos;

c) O arguido não esteve a cumprir qualquer pena ou medida de segurança privativas da liberdade;

d) O arguido não foi condenado em pena de multa.

10ª Não se acham, do mesmo modo, verificadas quaisquer causas de interrupção especificadas no art. 126º do CP, porquanto:

i. A execução da pena não chegou a efetivar-se ou sequer a iniciar-se;

ii. O arguido não foi declarado contumaz nos presentes autos.

11ª Sendo relevante notar a natureza ativa do cumprimento da específica pena de substituição em causa nos autos – a de prestação de trabalho a favor da comunidade -, por oposição à índole tendencialmente passiva da pena de suspensão da execução da pena de prisão, em que o mero passar do tempo conta como tempo de execução.

12ª E que, no caso concreto dos presentes autos, todas as informações dadas pela DGRSP demonstram que a execução da pena não se chegou, sequer, a iniciar, não tendo sido homologado o plano pelo Tribunal a quo.

13ª Para além disto, a suspensão da prescrição determinada no primitivo art. 7º nº 3 da Lei 1-A/2020, que regulou as medidas restritivas implementadas por efeito da pandemia COVID-19 entre 13 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, não se aplica à prescrição das penas e medidas de segurança em que os arguidos foram condenados antes do período pandémico porque isso seria uma clara violação da proibição da retroatividade in pejus da lei penal, atacando diretamente qualquer interpretação que o consinta o disposto no art. 29º nºs 1 e 4 da Lei Fundamental.

14ª De igual modo, a suspensão da prescrição determinada no mais recente art. 6º-B nº 3 da Lei 1-A/2020, vigente entre 26 de janeiro de 2021 e 6 de abril de 2021, também não se aplica, no que à prescrição das penas diz respeito, às condenações transitadas em julgado em data anterior a 13 de março de 2020, pelos mesmos motivos.

15ª Tal posição tem sido largamente seguida na variadíssima literatura jurídica que se seguiu ao dealbar da pandemia e da legislação “pandémica” em Portugal, sendo disso exemplo RUI CARDOSO e WALTER BAPTISTA – in Cadernos do CEJ, “Estado de Emergência – COVID – 19 Implicações na Justiça”, Abril de 2020, 11.3 – Jurisdição Penal e Processual Penal, Parte II (Prazos substantivos), ponto 6, pp. 533 a 536 -, e, na jurisprudência, seguida pelos recentes Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/07/2020 (JORGE GONÇALVES), de 09/03/2021 (VIEIRA LAMIM), e da Relação de Évora de 23/02/2021 (ANTÓNIO CONDESSO).

16ª O recorrente já invocou, nos autos, a prescrição da pena de substituição, pelos motivos expostos, por requerimento datado de 14/04/2021 (Ref.ª CITIUS...), antes mesmo de ser notificado do despacho recorrido, que lhe revoga a pena substitutiva já prescrita.

Pelo que,

17ª Não se tendo verificado qualquer causa de suspensão ou interrupção da prescrição da pena substitutiva de PTFC, e considerando a data do trânsito em julgado e o prazo prescricional de quatro anos, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art. 122º do CP, a pena de substituição determinada nos presentes autos atingiu a prescrição em 02/02/2021, prescrição que aqui novamente se invoca, como se invocou em 14/04/2021, com os efeitos extintivos da mesma legalmente previstos, prejudicando assim a possibilidade da sua revogação.

18ª Por conseguinte, prejudicada fica também a possibilidade de ressurgimento/execução da pena principal substituída de 7 meses de prisão.

TERMOS EM QUE

Deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e, em consequência, revogado o despacho datado de 24/06/2021, e substituído por um que julgue procedente a prescrição da pena substitutiva alegada, devendo ser a mesma declarada com as legais consequências.


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Mais se refere, para os efeitos tidos por convenientes, e também por cautela de patrocínio, que mantém evidente interesse na apreciação do recurso interposto a 19/05/2021 (Ref.ª CITIUS...).

4. Os recursos foram admitidos.

5. A Ilustre Magistrada do Ministério Público, respondendo ao recurso interposto do despacho de 14.04.2021, concluiu:

· Inexiste prescrição da pena substitutiva ou principal;

· Inexistem nulidades ou omissões de pronúncia;

· O artigo 59º/6 do CP não tem aqui aplicação.

Termos em que deve negar-se PROVIMENTO ao recurso interposto pelo arguido, mantendo-se, na íntegra, o despacho recorrido, fazendo-se, desta forma, a desejada e costumada JUSTIÇA!

6. Já em resposta ao recurso interposto do despacho de 24.06.2021, o Ilustre Magistrado do Ministério Público concluiu:

1. Atualmente, é consensual na jurisprudência o entendimento que as penas de substituição (incluindo a prestação de trabalho a favor da comunidade) são penas autónomas, também suscetíveis de prescrição e cujo respetivo prazo prescricional é de quatro anos, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 1, alínea d), do Código Penal.

2. Após a condenação e trânsito da respetiva decisão que aplicou a pena substitutiva ao arguido, o Tribunal a quo encetou todas as diligências no sentido do cumprimento da pena e, apenas em face da recorrente inviabilização por parte do arguido, tal pena veio a ser revogada nos termos do artigo 59.º, n.º 2, alíneas a) e b), do Código Penal, sem que tivesse chegado sequer a iniciar-se a execução.

3. No caso dos autos, as razões pelas quais o recorrente não iniciou o cumprimento da pena de trabalho a favor da comunidade apenas a ele são de imputar.

4. A execução da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade depende da homologação judicial do plano de execução do trabalho elaborado pelos serviços de reinserção social – cfr. artigo 496.º do Código de Processo Penal -, sendo que, até à homologação do plano, aquela pena de substituição não é legalmente exequível.

5. Não podendo iniciar-se a execução dessa pena substitutiva nos termos da lei, aplica-se-lhe o disposto no artigo 125.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, ficando o prazo de prescrição suspenso desde o trânsito em julgado da pena principal até à decisão homologatória do plano de execução de trabalho a favor da comunidade.

6. Assim, verificou-se nos autos a suspensão do prazo de prescrição prevista no artigo 125.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, por referência ao artigo 57.º, n.º 2, ex vi artigo 59.º, n.º 3, do mesmo código.

7. Destarte, à data do despacho aqui parcialmente posto em crise, não havia ocorrido a prescrição da pena substitutiva.

8. Não foram violados quaisquer preceitos legais ou princípios de direito.

9. Pelo que deverá o recurso improceder na sua totalidade, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

Assim, se fará JUSTIÇA!

7. Na Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer pronunciando-se no sentido de nenhum dos recursos interpostos merecer provimento.

8. Cumprido o n.º 2 do artigo 417.º do CPP, reagiu o recorrente, contrariando o sentido do (s) parecer(es) supra, pugnado pela procedência dos recursos.

9. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cabendo decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objeto dos recursos

Tendo presente as conclusões, pelas quais se delimita o objeto do recurso, sem prejuízo de eventuais questões de conhecimento oficioso, no caso em apreço importa decidir:

Recurso interposto do despacho de 14.04.2021: se (i) se encontra prescrita a pena substitutiva; (ii) enferma o despacho de nulidade por omissão de pronúncia; (iii) não estão reunidos os pressupostos para a revogação de pena de prestação de trabalho a favor da comunidade; (iv) deveria ter sido a mesma substituída por multa, em alternativa suspensa na sua execução ou, em derradeira hipótese, determinado o cumprimento da prisão em regime de permanência na habitação.

Recurso interposto do despacho de 24.06.2021: se ocorre a prescrição da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.

2. As decisões recorridas

Segue-se a transcrição dos despachos recorridos.

- Despacho de 14.04.2021:

“Nos presentes autos, por sentença transitada em julgado, em 02.02.2017, o arguido AA foi condenado na pena de 7 meses de prisão, substituída por 210 horas de PTFC, pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. a) e 69.º, n.º 1, al. c) ambos do Código Penal, ex vi artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código da Estrada.

Relativamente à pena acessória de proibição de conduzir, verifica-se estar esta cumprida, não obstante ainda não ter sido julgada extinta.


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Cumpre apreciar e decidir

Dispõe o artigo 59.º, n.º 2, al. a) e b) do Código Penal que “o tribunal revoga a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e ordena o cumprimento da pena de prisão determinada na sentença se o agente após a condenação: a) se colocar intencionalmente em condições de não poder trabalhar; e b) se recusar, sem justa causa, a prestar trabalho, ou infringir grosseiramente os deveres decorrentes da pena a que foi condenado”.

Por isso, a revogação da medida de trabalho a favor da comunidade não pode ser encarada como uma mera formalidade, antes impõe uma avaliação sobre se o juízo de prognose que esteve na sua base foi, definitivamente, colocado em causa pela subsequente atuação do arguido, de modo a implicar aquela revogação: em função das conclusões obtidas na apreciação judicial dessa atuação e do circunstancialismo que a envolve se decidirá do benefício ou inconveniente da revogação, em conformidade com os princípios da proteção de bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade, afinal, as finalidades consagradas no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal.

Dando cumprimento a tal objetivo e com vista à averiguação dos pressupostos enunciados no n.º 2 do citado artigo 59º do Código Penal, prescreve o artigo 498.º do Código de Processo Penal, além do mais, que “o tribunal pode solicitar informação aos serviços de reinserção social para o efeito do disposto no n.º 1 do artigo 59º do Código Penal” e que à “suspensão provisória, revogação, extinção e substituição é correspondentemente aplicável o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 495.º

Por sua vez, o n.º 2 deste artigo 495.º preceitua que “o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoias e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente”.

Dir-se-á apenas que a jurisprudência tem decidido que o contraditório imposto pelo artigo 495º, n.º 2 do Código de Processo Penal, ter-se-á por cumprido com a notificação do defensor do arguido.

Vejamos.

A DGRSP, logo em 24 de fevereiro de 2017, veio informar que o arguido aí não compareceu para a elaboração do respetivo plano de execução.

Sendo notificado para aí comparecer com a advertência decorrente do artigo 59º, nº 2, al. a) do CP, foi apurado que tinha outras penas da mesma natureza a cumprir no âmbito dos processos nºs 1808/15.... e 74/13.....

Não estando a cumprir as horas de trabalho que ai lhe haviam sido determinadas, inviabilizava assim a possibilidade de iniciar o cumprimento da pena dos autos.

Sendo o arguido notificado para comparecer em Tribunal a fim de esclarecer os motivos justificativos do incumprimento, ele não o fez e, por intermédio do seu Ilustre Mandatário, apresenta um atestado médico datado de 03.10.2017 que refere um período de doença entre 01.08.2017 e 15.10.2017.

No que diz respeito à execução da pena de substituição aplicada ao arguido, temos de ponderar o seguinte.

O arguido mantém-se na situação de incumprimento neste processo, sendo de acrescentar que a EBT só o aceitaria a cumprir esta pena substitutiva se o mesmo completasse positivamente as execuções de trabalho nos outros processos pendentes, o que definitivamente se verifica não ter ocorrido.

Contudo, por despacho com a ref. ...33, de 18.01.2021, foi dada ao arguido a derradeira hipótese de cumprir a PTFC, sendo que a DGRSP, por ofício com a ref. ...37, de 02.02.2021, veio informar que o arguido não se apresentou, nem comunicou com a DGRSP.

O arguido não pode imputar ao Tribunal que não lhe tenham sido dadas todas as oportunidades para que cumprisse a condenação destes autos. Pelo contrário, resulta que o arguido nunca demonstrou efetiva recetividade ao cumprimento desta pena de substituição, chegando-se a esta altura sem que tenha sequer procurado iniciar a PTFC.

Verificamos assim que o arguido, com o seu comportamento omissivo, revelou que se frustrou o juízo de prognose efetuado pelo tribunal à data da condenação, nunca iniciando a execução da pena, nunca contactando a DGRSP para o efeito, o que configura uma inequívoca recusa tácita, sem justa causa, de prestar trabalho a favor da comunidade, integrando, pois, a primeira causa de revogação da pena a que alude o artigo 59.º, n.º 2, b) do Código Penal.

Tem ainda pendentes de julgamento os processos 220/17.... e 197/17.... (cfr. artigos 59º, n.º 2, al. c) e 3 e 57.º, n.º 2 ambos do Código Penal).

Do certificado de registo criminal resultam nove condenações.

Conhecida a preferência do legislador pelas penas não detentivas e a sua cruzada contra as penas de prisão, sobretudo as de curta duração, a revogação da prestação de trabalho a favor da comunidade com a consequente reposição da pena de prisão primitivamente substituída tem de ser perspetivada como uma solução extrema dentro do condicionalismo apertado do artigo 59º, n.º 2 do Código Penal.

A conduta do arguido demonstra que a sua culpa é intensa, evidenciando uma personalidade indiferente à reação criminal, pois demonstrou total ausência de interesse pelo processo, apesar de notificado para tal, pelo que é forçoso concluir que os pressupostos que estiveram na base da substituição da pena de prisão pela prestação de trabalho a favor da comunidade não foram alcançados.

Desta forma, ao contrário do que alega o arguido, no requerimento que apresentou nos autos, apenas ao próprio se pode imputar a responsabilidade de não cumprimento desta pena de substituição da pena de prisão. Além do que toda a atividade criminal evidenciada no seu registo criminal significa que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade aplicada ao arguido nos presentes autos não foi suficiente para que enveredasse por uma conduta conforme ao direito.

O não cumprimento da prestação de trabalho emerge como grosseira e altamente indesculpável a conduta do arguido. Acresce que não adiantou aos autos qualquer causa, própria ou alheia, para a indisponibilidade em que o mesmo se colocou em relação às atribuições do Tribunal e respetivos serviços da DGRSP, com vista ao prosseguimento da execução de tal medida.

Na verdade, o arguido não aproveitou a oportunidade que lhe foi concedida, tendo frustrado a aplicação desta pena substitutiva decretada nestes autos. Aliás, entende-se que nenhum elemento existe no processo que demonstre que o arguido, de forma efetiva, interiorizou o desvalor das suas ações, de modo que o Tribunal consiga formular um juízo de prognose positivo, bem pelo contrário.

A mera ameaça de prisão, com a substituição pela prestação de trabalho comunitário, não realizou de forma adequada as finalidades da punição, não dissuadindo o arguido da prática de novos ilícitos criminais, sendo revelador de uma postura em desconformidade com a Ordem Jurídica, demonstrando uma personalidade alheadora das regras sociais e jurídicas que nos regem.

Pelo exposto, decide-se revogar a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, e, em consequência ordena-se o cumprimento da pena de 7 (sete) meses de prisão determinada na sentença.


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Atenta a data do trânsito em julgado da sentença, notifique o arguido, através do seu Ilustre mandatário para, querendo, alegar o que tiver por conveniente.

Após abra vista.”


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- Despacho de 24.06.2021

“O arguido vem invocar a prescrição da pena substitutiva, conforme requerimento que apresentou com a ref. ...62.

A Digna Procuradora da República pronunciou-se no sentido que tal pena não se mostra prescrita, atento o disposto no artigo 125.º, n.º 1, al. a) e 57.º, n.º 2 ambos do Código Penal.

Cumpre apreciar e decidir

Dispõe o artigo 125º, nº 1, al. a) do CP que “a prescrição da pena e da medida de segurança suspende-se, para além dos casos previstos na lei, durante o tempo em que:

a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar”.

Ora, a partir do momento em que ao arguido lhe é substituída a pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, o tribunal ficou impedido de executar a pena de prisão, o mesmo é dizer que aquela pena não era exequível, nos termos do artigo 125º, n.º 1, al. a) do Código Penal.

Nestes autos, o arguido manteve-se na situação de incumprimento, sendo de acrescentar que a EBT só o aceitaria a cumprir esta pena substitutiva se o mesmo completasse positivamente as execuções de trabalho nos outros processos pendentes, o que definitivamente se verifica não ter ocorrido.

Como tal, entende-se que a pena principal aplicada ao arguido ainda não prescreveu, o que se determina.

Notifique.


*

No mais, como se promove.”

3. Apreciação

Pese embora a ordem pela qual os recursos foram interpostos, uma vez que a decisão que vier a incidir sobre a prescrição da pena é suscetível de prejudicar o conhecimento das demais questões colocadas, iremos iniciar pelo conhecimento do segundo recurso, não obstante no primeiro também haja sido, a título de questão prévia, a mesma invocada, pois trata-se de problemática sobre a qual incidiu o despacho de 24.06.2021, objeto daquele.

Foi o mesmo proferido na sequência do requerimento apresentado pelo arguido (ora recorrente) em 14.04.2021, invocando a prescrição da pena de trabalho a favor da comunidade (210 horas) que lhe foi aplicada por sentença transitada em julgado em 02.02.2017, em substituição da pena de 7 (sete) meses de prisão.

Sucede, porém, que o despacho em crise, identificando, embora, a exceção suscitada pelo arguido – prescrição da pena substitutiva – acaba por decidir no sentido de não se mostrar prescrita a pena principal, assistindo, assim, razão ao recorrente enquanto refere traduzir-se a questão colocada na extinção, por prescrição, da pena de substituição, coisa diferente da prescrição da pena principal.

E aqui chegados, antes mesmo de se enfrentar os aspetos relevantes do processo, importa, desde logo, esclarecer se a questão da prescrição se pode colocar em relação às penas de substituição.

A “classificação” da prestação de trabalho a favor da comunidade (artigo 58.º do C. Penal) como pena de substituição, autónoma da pena principal (substituída) não nos merece reserva. Com efeito, como a propósito do projeto de 1963 e do Código Penal de 1982, refere Figueiredo Dias, não visaram os mesmos colocar em crise os critérios definitórios das penas principais (penas de prisão e penas de multa), mas antes “chamar, por este modo, a atenção para que, segundo o seu pensamento politico-criminal, também as «novas» penas, diferentes da de prisão e da de multa, são «verdadeiras penas» - dotadas, como tal, de um conteúdo autónomo de censura, medido à luz dos critérios gerais de determinação da pena (art. 72.º) -, que não meros «institutos especiais de execução da pena de prisão» ou, ainda menos, «medida de pura terapêutica social», para concluir: “(…) não pode deixar-se de dar razão à conceção vazada no CP, aliás continuadora da tradição doutrinal portuguesa segundo a qual substituir a execução de uma pena de prisão traduz-se sempre em aplicar, na vez desta, uma outra pena. O que sucede é que estas outras penas não relevam tanto da divisão entre penas principais e penas acessórias, quanto conformam uma categoria nova, com o seu sentido e a sua teleologia próprias: a categoria das penas de substituição. Penas estas que, podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas, radicam todavia, tanto histórica como teleologicamente, no atrás referido (…) movimento politico-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas da liberdade, nomeadamente de penas curtas de prisão». – [cf. “Direito Penal Português, AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO CRIME”, AEQUITAS, págs. 90-91].

A consideração das penas de substituição, entre as quais se inclui a de prestação de trabalho a favor da comunidade, como verdadeiras penas autónomas tem conduzido a um consenso alargado – posto que exceção feita aos crimes de genocídio, contra a humanidade, de guerra e de agressão (cf. Lei n.º 31/2004, de 22 de julho), não existem penas imprescritíveis - sobre a necessidade de distinguir entre a prescrição da pena de substituição e a prescrição da pena principal, ou seja, no caso que ora nos ocupa, entre a prescrição da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (pena substitutiva) e a prescrição da pena de prisão (pena substituída), tal como aplicadas na sentença condenatória transitada.

Isto posto, vejamos a situação concreta.

O arguido/recorrente, por sentença transitada em julgado em 02.02.2017, foi condenado na pena de 7 (sete) meses de prisão, substituída por 210 horas de PTFC, pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea c), ambos do Código Penal, ex vi do artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código da Estrada.

O prazo de prescrição da pena começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que a tiver aplicado – cf. artigo 122.º, n.º 2, do Código Penal.

Tratando-se de uma pena autónoma, diferente da prisão, à pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não são de aplicar os prazos de prescrição das penas previstos nas alíneas a) a c) do artigo 122.º, antes sim o da alínea d), reservado aos “restantes casos”; significa, pois, que é de 4 anos o respetivo prazo de prescrição – [cf., embora por referência à suspensão da execução da pena de prisão, o acórdão do STJ, de 13.02.2014 (proc. n.º 1069/01.6PCOER-B.S1)].

Não se ignorando o entendimento no sentido de não ser defensável – por poder contender com o princípio da culpa - a posição que, em abstrato, sustenta a aplicação do disposto na al. d), do n.º 1, do artigo 122.º do Código Penal à pena de substituição, advogando, antes, caberem na mesma tão só as penas de prisão inferiores a dois anos (suspensas ou não na sua execução, para além das penas de multa) - [cf. o acórdão do STJ de 28.02.2018 (proc. n.º 125/97.8IDSTB-A.S1)] – raciocínio que poderia colher aplicação em caso de pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade -, em função da pena de prisão ao caso aplicada (sete meses), trata-se de questão que não se coloca.

Definido o início do prazo de prescrição da pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, situando-se no caso que nos ocupa em 02.02.2017, manifesto é que sobre o mesmo já decorreu o prazo definido na alínea d), do n.º 1, do artigo 122.º, sem que antes haja transitado em julgado (tão pouco tenha sido proferido) o despacho (de 14.04.2021) que procedeu à revogação da pena substitutiva e determinou o cumprimento da prisão (substituída), sobre o qual incide um dos recursos interpostos. Caso a decisão de revogação (respetivo transito) tivesse sido anterior à completude do prazo de prescrição da pena de substituição, a questão não se colocaria já que a partir de então relevante seria o decurso do prazo de prescrição da pena principal.

Contemplando o instituto da prescrição das penas as “figuras” da suspensão e da interrupção, conforme respetivamente artigos 125.º e 126º do Código Penal - malgrado o despacho recorrido se mostrar direcionado à prescrição da pena principal, cujo prazo, como resulta do que ficou dito, nem sequer começou a correr - importa indagar se no decurso do processo se verificou alguma das causas legalmente contempladas, idóneas a suspender e/ou interromper o prazo de prescrição.

A discussão, conforme decorre dos termos do recurso e, bem assim, da posição sufragada pelo Ministério Público, gira em redor da causa de suspensão prevista na alínea a), do n.º 1, do artigo 125.º, do Código Penal, não sendo de equacionar, face aos elementos constantes do processo, outra causa de suspensão, mostrando-se, igualmente, arredado o funcionamento de qualquer das alíneas do n.º 1, do artigo 126.º do mesmo diploma.

De acordo com aquele preceito “1 – A prescrição da pena (…) suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) Por força da lei, a execução não puder começar ou continuar a ter lugar”.

O Ilustre magistrado do Ministério Público, sustentando depender a execução da pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade da homologação judicial do plano de execução de trabalho elaborado pelos serviços de reinserção social (cf. artigo 496.º do CPP), o que no caso não se verificou, defende ter ocorrido a dita causa de suspensão, ou seja o prazo de prescrição da pena substitutiva ter-se-ia de considerar suspenso desde o trânsito em julgado da sentença condenatória até à decisão homologatória do plano de execução de trabalho; posição esta, contrariada pelo recorrente, ao qual se nos afigura assistir razão.

Com efeito, se é certo que uma vez aplicada a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade o tribunal solicita aos serviços de reinserção um plano de execução, a elaborar no prazo de 30 dias (cf. artigo 496.º, n.º s 1 e 2 do CPP), já não nos parece defensável considerar que enquanto o mesmo não for elaborado e homologado se suspenda, ex vi da alínea a), do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal, o prazo de prescrição da pena. Neste particular acompanhamos o entendimento que resulta do acórdão do STJ de 30.09.2015 (proc. 53/11.6PKLRS-A.S1), cujo teor, na parte pertinente, ora se transcreve: «(…) quando na alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal se estabelece que a prescrição da pena suspende-se durante o tempo em que por força da lei a execução não puder começar ou continuar a ter lugar, não pretende o legislador, obviamente, referir-se às vicissitudes procedimentais e processuais inerentes ao próprio processo onde foi imposta a pena e à ordem do qual a mesma deve ser executada e cumprida, sob pena de a prescrição se dever ter por suspensa, grosso modo, perante qualquer ato ou incidente processual.

(…)

De acordo com o artigo 115.º, do Projeto da Parte Geral do Código penal de 1985, discutido na 33.ª sessão da Comissão Revisora, em 4 de maio de 1964, constituía causa de interrupção da pena a prática de qualquer ato da autoridade competente que visasse fazê-la executar.

No decurso daquela sessão o Professor Gomes da Silva, seguido pelo Dr. Guardado Lopes, disse entender que um qualquer ato da autoridade competente – ato que pode ser até “de tabela” – é insuficiente para fazer reviver a pena e não deve pois interromper a prescrição. Certo é que, apesar de o autor do Projeto, Prof. Eduardo Correia, ter retorquido não lhe parecer que pudesse deixar de atribuir-se relevo, para efeitos de interrupção da prescrição, aos atos da autoridade competente tendentes a fazê-la executar, a verdade é que a versão originária do Código Penal de 1985, mais concretamente o seu artigo 124.º (interrupção da prescrição), não corresponde ao artigo 115.º, do Projeto, sendo que ali se limitou drasticamente o âmbito deste, tendo passado a assumir relevo para efeitos da prescrição da pena, apenas, os atos praticados pela autoridade competente destinados a fazê-la executar, se a execução se tornar impossível por o condenado se encontrar em local donde não possa ser extraditado ou de onde não possa ser alcançado.

Certo é que com a revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de março, deixaram até de constituir motivo de interrupção da prescrição da pena, conforme decorre do atual artigo 126º, aqueles concretos atos praticados pela autoridade destinados a fazer executar a pena, conquanto o Dr. Lopes Rocha, na 43ª sessão da Comissão de Revisão (…), tivesse sugerido, sem êxito, que se acautelasse o caso de ser pedida, a país estrangeiro, a execução de uma sentença penal portuguesa, situação em que, a seu ver, deveria ocorrer efeito interruptivo desde o início do “processo de delegação”.

Daqui decorre, indiscutivelmente, que os procedimentos os atos processuais que visam a execução da pena não têm eficácia interruptiva e, obviamente, muito menos suspensiva, não podendo pois ser incluídos no preceito da alínea a) do n.º 1 do artigo 125.º do Código Penal.

(…)».

Afastado, assim, o funcionamento, como causa de suspensão do prazo prescrição da pena, da homologação do plano de trabalho (homologação essa, que nunca teve lugar no âmbito do processo), situando-nos no estrito domínio da prescrição temos dificuldade em compreender o papel a desempenhar pelo artigo 57.º, n.º 2, ex vi do artigo 59.º, n.º 3 do Código Penal (vide a resposta ao recurso), norma, cuja relevância se prende com a extinção da pena em virtude de distintos fatores, que não a prescrição.

Considerando a data do trânsito em julgado da sentença (02.02.2017) que condenou o ora recorrente na pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade e, bem assim, o prazo de prescrição correspondente (quatro anos), não tendo ocorrido qualquer causa de suspensão e/ou de interrupção do mesmo, impõe-se concluir por se mostrar a dita pena substitutiva prescrita, causa de extinção que à data do despacho proferido em 14.04.2021 já se verificava. Dir-se-á, contudo, que mesmo para quem defenda a aplicação da específica causa de suspensão resultante das “Leis Covid” (Leis n.º 1-A/2020, de 19.03 e n.º 4-B/2021, de 01.02), não tendo ocorrido o trânsito em julgado da decisão revogatória da pena de substituição (também esta sob recurso) a conclusão não seria diferente, pois nem o “desconto” do tempo de suspensão ali previsto poderia obstar à extinção, por prescrição, da pena (substitutiva), pese embora verificada em momento posterior.

Independentemente da “qualificação” que nos mereça a conduta processual do condenado, resulta do processo uma tramitação, com o devido respeito, errática, de avanços e recuos que contribuiu para o respetivo desfecho.

A procedência do recurso do despacho de 24.06.2021 conduz a que não possa manter-se a decisão, proferida em 14.04.2021 determinando a revogação da pena substitutiva e o cumprimento da pena (principal) de prisão, também ela objeto de recurso, cuja apreciação resulta prejudicada.

III. Dispositivo

 Termos em que acordam os juízes que compõem este tribunal:

1. Na procedência do recurso interposto do despacho de 24.06.2021, em julgar extinta por prescrição a pena substitutiva de prestação de trabalho a favor da comunidade em que o recorrente AA foi condenado e em consequência julgar destituído de efeito o despacho proferido em 14.04.2021 enquanto, decidindo pela revogação da pena substitutiva, determinou o cumprimento da pena de sete meses de prisão;

2. No mais, não contemplado no número que antecede, julgar prejudicada a apreciação do recurso interposto do despacho de 14.0.2021.

Sem tributação.

Texto processado e revisto pela relatora.

Coimbra, 15 de Junho de 2022

Maria José Nogueira (Relatora)

Isabel Valongo (Adjunta)

Alberto Mira (Presidente da Secção)