Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2525/10.0TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: AGENDE DE EXECUÇÃO
VENDA
OBRIGAÇÕES FISCAIS
Data do Acordão: 05/24/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 824.º E 825.º, N.º 1, ALÍNEA B), AMBOS DO CPC
Sumário: Em processo de execução é de considerar sem efeito uma venda de imóveis se o agente de execução considerar que ela “não chegou a verificar-se” com o fundamento de que não havia sido realizada a competente escritura notarial ou documento equivalente, uma vez que a compradora não havia dado cumprimento atempadamente à liquidação e pagamento de uma obrigação fiscal, que somente a si lhe era imputável
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                           *

1 – RELATÓRIO

Pendendo no Juízo de Execução de Ansião do T.J da Comarca de Leiria Execução instaurada por “Banco 1...” contra “L..., Lda.” e outros, teve lugar a adjudicação legal pelo Sr. Agente de Execução dos 4 imóveis penhorados, ao credor reclamante “Banco 2..., S.A.”.

Acontece que a reclamante/adjudicatária/Banco 2..., S.A., notificada pelo Agente de Execução para o cumprimento da liquidação das obrigações fiscais (guias de lMT, e guias de liquidação com pagamento do correspondente Imposto de Selo, uma vez que tinha sido dispensada do deposito do preço, relativa aos 4 imóveis), em 15.09.2016, até então ainda não demonstrado, ela nunca o efetuou, nem apresentou os solicitados comprovativos.

Face a tal, os também credores reclamantes AA e mulher, instaram quer o Tribunal, quer o Sr. Agente de Execução no sentido de que tivesse lugar a anulação do processamento da transmissão dos imóveis do Agente de Execução (“AE”) a favor da credora reclamante/Banco 2..., S.A., à data de 15/09/2016, iniciando-se um novo processo de venda.

Após algumas delongas, em 21.06.2021 (Ref. 97154405 Citius), o Tribunal de 1ª instância proferiu o seguinte despacho:

«I. Requerimento de 12 de abril:

Nada mais a acrescentar ao despacho prolatado.

Compete ao Senhor Agente de Execução dar regular andamento aos autos, nomeadamente, retirar as devidas consequências do não cumprimento das formalidades legais necessárias à formalização da venda por parte do adquirente, o que já deveria ter ocorrido, mas, diante dessa omissão e/ou letargia, foi determinado pelo Tribunal

Tudo sem prejuízo de ser conhecida a deserção da instância.

Notifique.

Comunique.»

                                                           *

Em 24.09.2021 (Ref. 8027291 Citius), vieram os ditos credores reclamantes AA e mulher, uma vez mais, requerer a aplicação do art. 825º/1/b) do CPC, junto do Tribunal e do AE.

Em 01.11.2021 (Ref, 8134316 CITIUS) o AE proferiu a seguinte decisão nos autos:

«DECISÃO

BB, agente de execução, nomeado no âmbito do processo executivo acima referenciado, vem tomar a seguinte decisão, que os faz nos termos s seguir exposto:

1ª- Encetada a venda através de negociação particular de vários imóveis, devidamente identificados e que as partes conhecem, motivo pelo qual fica dispensada a identificação dos mesmos, foi apresentada uma proposta de compra pela credora reclamante, Banco 2..., S.A., ficando esta dispensada do depósito do prego, atenta à sua qualidade, bem como, ao douto despacho de reclamação e graduação de créditos.

2ª- Esta proposta foi aceita pelo agente de execução em 15/09/2016, que notificou à credora reclamante, bem como ás restantes parte, nessa mesma data, tendo enviado via CTT (com registo) e eletronicamente, em 30/09/2016, a guia para pagamento das obrigações fiscais, que a reclamante veio a pagar somente em 12/05/2021, o que implicou que a escritura de compra e venda ou documento equivalente não tivessem sido concretizados.

3ª- A validade e eficácia da aceitação de propostas e adjudicação, está dependente da sua formalização por escritura pública ou documento particular autenticado, a que se refere o artigo 875º do Código Civil.

4ª- Como estamos na presença de uma venda por negociação particular, a transmissão das propriedades só ocorre com a realização do ato notarial ou documento equivalente, necessitando o AE, que a adquirente comprove a satisfação das obrigações fiscais ou a sua isenção, inerentes à transmissão, para o qual foi devidamente notificada, comprovativo sem ou qual o AE não pode dar cumprimento ao disposto no artº 827º do Código do Processo Civil.

5ª - Uma vez que a credora reclamante, não deu cumprimento à notificação que lhe foi feita para demonstrar ao AE ou nos autos, o comprovativo da liquidação e pagamento das obrigações fiscais ou da sua isenção, tendo deixado largos anos para o comprovar e sem a preocupação em formalizar o negócio:

DECIDO:

A transmissão das propriedades, a favor da compradora/credora reclamante, Banco 2..., S.A., não chegou a verificar-se, porquanto:

- não ter sido realizada a competente escritura notarial ou documento equivalente, uma vez que a credora reclamante, Banco 2..., S.A., não deu cumprimento, atempadamente, à liquidação e pagamento de uma obrigação fiscal, que somente a si lhe é imputável, condição necessária para formalizar validamente o negócio aceite.»

                                                           *

Na sequência oportuna, a Exma. Juíza de 1ª instância proferiu o seguinte despacho:

«1. Requerimento de 19 de outubro e requerimento de 25 de outubro:

Nada mais a acrescentar ao despacho de 19 de outubro.

2. Decisão do Senhor Agente de Execução de 01 de novembro:

A exposição não consubstancia qualquer decisão, mas apenas e tão somente, uma vez mais, o que já consta, diga-se, sobejamente dos autos.

Ou seja: o titulo – decisão – não corresponde ao conteúdo.

3. Uma vez que o credor Reclamante Banco 2..., S.A. veio, ao encontro do despacho proferido e tendo em vista evitar a deserção da instância, requerer a substituição do Senhor Agente de Execução, ao abrigo do disposto no artigo 763.º, n.º 4 do CPC, determino a substituição do Senhor Agente de Execução BB pelo Senhor Agente de Execução CC, seguindo os autos sob o impulso deste credor (sem prejuízo do n.º 5 do mesmo normativo legal).»

                                                           *

Inconformados, interpuseram recurso de apelação os credores reclamantes AA e mulher, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«A- Entendem, os Apelantes, não ter razão a Meritíssima Juíza a quo, que julgou incorrectamente os factos face à prova carreada aos autos, e correspondente direito adjetivo aplicado, errando, por conseguinte, na sua decisão tomada.

B) Em 02/06/2020, os recorrentes reclamaram nos autos executivos, a existência de vícios no cumprimento da Lei adjetiva aplicável, concernente ao processo de adjudicação legal dos 4 imóveis penhorados nos autos; e que melhor aperfeiçoaram em 18/11/2020 (Ref. 7247888)

C) Em 15/09/2016, foi a credora reclamante/adjudicatária/Banco 2..., S.A. notificada pelo Agente de Execução para o cumprimento da liquidação das obrigações fiscais (guias de IMT, e Imposto de Selo), que nunca fêz, nunca as efectou, nem as apresentou nos presentes autos como lhe competia.

D) Decorridos que estão mais de 5 (cinco) anos, a adjudicatária/Banco 2..., S.A. não cumpriu aquela imperativa formalidade legal, verificando-se à data de hoje, que esses 4 imóveis adjudicados, ainda se encontram titulados em nome da executada, conforme se verifica nas Certidões Prediais juntas aos autos.

E) Ora não tendo sido cumprido pela adjudicatária/Banco 2..., S.A. o artigo 825.º do CPC, de que foi legalmente notificada há mais de 4 anos, não poderá deixar de se aplicar a oficiosa cominação legal ínsita nas alíneas a) e b) do no 1 do art. 825.º do CPC;

F) Impondo o Direito, os legais efeitos decorrentes do incumprimento à faltosa credora reclamante/adjudicatária/Banco 2..., S.A., a saber:

a) a venda efectuada quanto a esta fica definitivamente sem efeito,

b) não podendo ser admitida a adquirir os mesmos bens,

c) perdendo o valor da caução constituída.

G) Devendo os autos prosseguir com a iniciação de um novo processo de venda dos 4 imóveis "através do modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ..." (a faltosa Banco 2..., S.A.), e na modalidade mais adequada, imparcial, isenta e rendável para todas as partes, ou seja, através de leilão electrónico, na plataforma www.e-leilões.pr. nos termos do art. 837.º do CPC, Portaria nº 282/2013 de 29/08 e Despacho 12624/2015 de 9/11.

H) Em 21/03/2021 (Ref. 96285733 Citius) o Tribunal a quo considerou não haver nulidade, mas sim a prática de uma eventual irregularidade, de que convidou o Senhor AE a pronunciar-se.

l) Em 2610312021 (Ref. 7554697 Citius), veio o AE informar o Tribunal que a proponente tinha sido notificada para proceder à liquidação e pagamento das obrigações fiscais, o que até ao momento o não tinha feito.

J) Em 21/06/2021 (Ref. 97154405 Citius), o Tribunal a quo proferiu o douto seguinte - sic :

" 1. Requerimento de 12 de abril:

Nada mais a acrescentar ao despacho prolatado.

Compete ao Senhor Agente de Execução dar regular andamento aos autos, nomeadamente, retirar as devidas consequências do não cumprimento das formalidades legais necessárias à formalização da venda por parte do adquirente, o que já deveria ter ocorrido, mas, diante dessa omissão e/ou letargia,foi determinado pelo Tribunal.

Tudo sem prejuízo de ser conhecida a deserção da instância.

Notifique.

Comunique."

K) Em 24/09/2021 e (Ref .8027291 citius), vieram os recorrentes, uma vez mais, requerer a aplicação do art. 825º/1/b) do CPC, ao Tribunal e AE;

L) Em 01/11/2021 (Ref. 8134316 CITIUS) o AE proferiu a decisão nos autos, no âmbito das competências que lhe estão atribuídas pelo Código de Processo Civil (art.ºs 719.º e 720.º).

M) O AE decidiu e aplicou a lei ao caso sub judice perante o reiterado incumprimento das formalidades legais da adjudicante/Banco 2..., S.A., a que coube a aplicação oficiosa do art. 825.º/1-a) e b) do CPC, ou seja, a anulação do processamento da transmissão à Banco 2..., S.A. datado de 15/09/2016.

N) Ora se douto Despacho de 21/06/2021 (supra transcrito) manda o AE decidir e exercer as suas competências no processo executivo, o Despacho recorrido proferido meses depois (24/11/2021) contraria-o totalmente, sem que seja fundamentado, nem alicerçado em qualquer preceito legal que lhe caiba;

O) O despacho recorrido, pretendeu anular a Decisão do AE (supra transcrita) e por isso, contra legen;

P) O despacho recorrido pretendeu ainda removê-lo e substitui-lo do processo, por sugestão/indicação da credora reclamante e faltosa adjudicante Banco 2..., S.A., e com a liberdade de escolha desta do seu próprio Agente de Execução (CC) para ocupar agora o lugar, o que com o devido respeito, que é muito, poderá gerar alguma parcialidade e incomodidade interpretativa aos demais credores reclamantes aqui recorrentes, bem como à exequente, na condução dos trabalhos futuros que terão que ser praticados pelo AE com absoluta rectidão, isenção e imparcialidade .

Q) A Decisão do Agente de Execução deverá ser considerada válida e eficaz no que respeita à confirmação dos notórios incumprimentos da faltosa adquirente Banco 2..., S.A. (com mais de 5 anos), com a consequente anulação do processamento da transmissão de 15/09/2016, dando lugar a um novo processo de venda dos 4 imóveis penhorados à ordem do presente processo executivo.

R) A Despacho recorrido ao remover e anular a Decisão do AE, viola, entre outros, as alíneas a) e b) do nº 1 do art. 825.º, art. 719.º, art. 720.º do Código de Processo Civil, e ainda o art. 20º n. 1 da CRP, aplicados ao caso sub judice.

Normas violadas: alíneas a) e b) do nº 1 do art. 825.º, art.º 719.º e 720.º do Código de Processo Civil, e art. 20º n. 1 da CRP.

Nestes termos e nos demais de Direito, e com o douto suprimento de Vossas Excelências,

A) deverá ser o douto despacho recorrido revogado e substituído por douto acórdão que julgue a apelação procedente;

e por consequência, seja ordenada:

B) a manutenção da Decisão proferida nos autos pelo senhor Agente de Execução, que teve como consequência a anulação da adjudicação/transmissão dos 4 imóveis à faltosa credora reclamante Banco 2..., S.A., por reiterado incumprimento dos arts. 824.º e 825.º do CPC;

C) a manutenção e o prosseguimento dos autos pelo senhor Agente de Execução nomeado desde o inicio pela Exequente nos presentes autos executivos - DR. BB – cumprindo todas as subsequentes formalidades legais até final.

D) o normal prosseguimento dos autos de execução nos exactos termos estipulados pelo art. 825.º nº 1, alínea b), do CPC, ou seja, no cumprimento da Decisão tomada pelo AE; sendo a venda judicial dos 4 imóveis feita na modalidade mais adequada, imparcial, isenta e rendável para todas as partes, ou seja, através de leilão electrónico, na plataforma www.e-leilões.pr, nos termos do art.837.º do CPC, Portaria nº 282/2013 de 29/08 e despacho 12624/2015 de 9/11.»

                                                                       *

Não houve contra-alegações.

                                                           *

            Porque a Exma. Juiz a quo não admitiu o recurso interposto, tal motivou Reclamação relativamente a essa não admissão, a qual foi apreciada e decidida singularmente pelo ora Relator, cuja decisão foi no sentido do deferimento dessa reclamação, com a consequente requisição a que alude o nº6 do art. 643º do n.C.P.Civil, tendo então subido os autos ao Tribunal da Relação de Coimbra para os subsequentes efeitos.

            Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre agora apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões são:

 - desacerto da decisão que indeferiu (considerou como inexistente) a decisão do Agente de Execução no sentido de que a transmissão dos imóveis a favor da compradora/credora reclamante Banco 2..., S.A. “não chegou a verificar-se” (em cumprimento do artigo 825º nº 1, alíneas a) e b) do CPC), e bem assim da decisão que, na imediata sequência daquela primeira, operou a remoção e substituição desse Agente de Execução por sugestão/indicação da credora reclamante e faltosa adjudicante Banco 2..., S.A., e com a escolha desta do seu próprio Agente de Execução?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade que interessa ao conhecimento do presente recurso, é, fundamentalmente, a que consta do Relatório que antecede.            

                                                                          *

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Questão do desacerto da decisão que indeferiu (considerou como inexistente) a decisão do Agente de Execução no sentido de que a transmissão dos imóveis a favor da compradora/credora reclamante Banco 2..., S.A. “não chegou a verificar-se” (-):

Rememoremos brevemente o que está em causa.

Como flui do relatório antecedente, sucedeu que em autos executivos nos quais tinha sido operada a venda de 4 imóveis penhorados a favor da compradora/credora reclamante Banco 2..., S.A., foi decidido pelo Agente de Execução que essa venda “não chegou a verificar-se”, isto como sanção pela circunstância do incumprimento da liquidação das obrigações fiscais (guias de lMT, e guias de liquidação com pagamento do correspondente Imposto de Selo) por parte dessa compradora/credora reclamante Banco 2..., S.A..

No entanto, a Exma. Juíza de 1ª instância, confrontada com um tal despacho/decisão do Agente de Execução, considerou o mesmo como inexistente.

Que dizer?

O normativo aplicável, a saber, o art.825º, nº1 do n.C.P.Civil, preceitua literal e expressamente o seguinte:

« Artigo 825.º

        Falta de depósito

1 — Findo o prazo referido no n.º 2 do artigo anterior, se o proponente ou preferente não tiver depositado o preço, o agente de execução, ouvidos os interessados na venda, pode:

a) Determinar que a venda fique sem efeito e aceitar a proposta de valor imediatamente inferior, perdendo o proponente o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou

b) Determinar que a venda fique sem efeito e efetuar a venda dos bens através da modalidade mais adequada, não podendo ser admitido o proponente ou preferente remisso a adquirir novamente os mesmos bens e perdendo o valor da caução constituída nos termos do n.º 1 do artigo anterior; ou

c) Liquidar a responsabilidade do proponente ou preferente remisso, devendo ser promovido perante o juiz o arresto em bens suficientes para garantir o valor em falta, acrescido das custas e despesas, sem prejuízo de procedimento criminal e sendo aquele, simultaneamente, executado no próprio processo para pagamento daquele valor e acréscimos.

(…)» [sublinhados nossos]

No caso, tendo o Exmo. A.E. sido interpelado a aplicar um tal normativo, veio o mesmo a proferir uma decisão através da qual determinou que «A transmissão das propriedades, a favor da compradora/credora reclamante, Banco 2..., S.A., não chegou a verificar-se».

Temos para nós que, ainda que imperfeitamente expresso, designadamente por deficiente formulação terminológica ou sintáxica, parece inequívoco que o Exmo. A.E. pretendia e quis determinar que ficava sem efeito a venda, ao abrigo do previsto no art. 825º, nº1, al. b) do n.C.P.Civil, na conjugação com o disposto no antecedente art. 824º do mesmo normativo.

Sendo certo que tendo tal sido denominado de “Decisão”, parece inegável e insofismável que o é, pois que até o “dispositivo” foi expressamente apresentado na sequência do termo verbal “Decido”.

Em todo o caso, a assim se não entender, isto é, a subsistir o entendimento de que não havia sido proferida uma “Decisão” com o dito conteúdo e sentido, ou que a mesma estava deficientemente efetuada ou era equívoca, então a solução que se impunha era a de interpelar o Exmo. A.E. a completar ou corrigir o respetivo despacho, porque isso se impunha ao abrigo do princípio da cooperação que norteia o processo civil (cf. art. 7º do n.C.P.Civil), e que se encontra manifestado até no art. 146º do mesmo normativo, com entendimento transponível para este efeito.

Assim, não pode ser sancionada a 2ª parte do despacho de que se pretendia recorrer, a saber, «2. Decisão do Senhor Agente de Execução de 01 de novembro: A exposição não consubstancia qualquer decisão, mas apenas e tão somente, uma vez mais, o que já consta, diga-se, sobejamente dos autos. Ou seja: o titulo – decisão – não corresponde ao conteúdo», pois que, injustificadamente, esse despacho sob recurso considerou ser inconsequente e não constituir qualquer decisão a dita “Decisão” do Exmo. A.E..

Assim como não pode subsistir a subsequente parte desse despacho.

E com isto já entramos na apreciação sobre a dita 3ª parte do despacho de que se pretendia recorrer, a saber, «3. Uma vez que o credor Reclamante Banco 2..., S.A. veio, ao encontro do despacho proferido e tendo em vista evitar a deserção da instância, requerer a substituição do Senhor Agente de Execução, ao abrigo do disposto no artigo 763.º, n.º 4 do CPC, determino a substituição do Senhor Agente de Execução BB pelo Senhor Agente de Execução CC, seguindo os autos sob o impulso deste credor (sem prejuízo do n.º 5 do mesmo normativo legal).»

Vejamos então.

Estaria legitimada “in casu” a opção de operar a remoção e substituição desse Agente de Execução por sugestão/indicação da credora reclamante e faltosa adjudicante Banco 2..., S.A., e com a escolha desta do seu próprio Agente de Execução?

Cremos que a resposta em boa medida já se adivinha.

Na verdade, face à resposta vinda de dar quanto ao despacho antecedente, a conclusão necessária e lógica é a de que a conduta processual do Exmo. A.E. em funções [BB] não merecia a censura que lhe foi feita e que se traduziu na remoção e substituição do mesmo.

Por outro lado, resultando igualmente da resposta dada quanto ao despacho antecedente que ficou sem efeito a transmissão das propriedades dos 4 imóveis em causa a favor da compradora/credora reclamante, Banco 2..., S.A., dado o incumprimento da mesma, naturalmente que não pode ser tutelado nem legitimado um subsequente impulso dos autos por parte desta, nomeadamente face ao Agente de Execução que validamente obstaculizou a concretização da aquisição por parte dessa compradora/credora reclamante por um tal motivo (incumprimento desta).

Donde a revogação também deste despacho, sendo de manter consequentemente em funções o dito Agente de Execução, Sr. BB.

Nestes termos procedendo o recurso.

                                                           *

(…)

*

6 – DISPOSITIVO

            Pelo exposto, decide-se a final, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida, nas suas duas partes, substituindo-a por outra que considera válida a decisão proferida pelo Exmo. A.E. Sr. BB, em 01.11.2021, a qual tem o sentido de que, ao abrigo do previsto no art. 825º, nº1, al. b) do n.C.P.Civil, ficou sem efeito a venda dos 4 imóveis penhorados por ela visados, a favor da compradora/credora reclamante Banco 2..., S.A., mais se mantendo esse mesmo Exmo. A.E. Sr. BB em funções, a quem incumbe promover os ulteriores termos dos autos, nomeadamente tendo em vista a nova venda judicial desses 4 imóveis, a ter lugar pela modalidade tida por mais conveniente e ajustada.

            Sem custas o recurso.

                                                                       *

                                                 Coimbra, 25 de Maio de 2022   

                                                        Luís Filipe Cravo

                                                      Fernando Monteiro

                                                         Carlos Moreira




[1] Relator: Des. Luís Cravo
   1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
   2º Adjunto: Des. Carlos Moreira