Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1248/19.0T8SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONDIÇÕES DE EXIGIBILIDADE
DEVERES DE INFORMAÇÃO DOS BANCOS
Data do Acordão: 04/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 713º E 716º, Nº 1 CPC; DL 74-A/2017, DE 23/06; AVISO Nº 5/2017 DO BANCO DE PORTUGAL.
Sumário: 1. Para a exigibilidade da obrigação exequenda que não decorra do teor do título executivo é necessário alegar no requerimento executivo os factos que a corporizam, sob pena de falta de causa de pedir quanto a um dos requisitos da obrigação exequenda (art.º 713º do CPC).

2. A exequente/embargada, mutuante legalmente autorizada a conceder crédito a consumidores, deverá observar os especiais deveres de informação do cliente/consumidor que resultam, designadamente, do DL n.º 74-A/2017, de 23.6 e do Aviso n.º 5/2017 do Banco de Portugal.

3. Quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, o exequente deve fixar o seu quantitativo no requerimento inicial da execução mediante especificação e cálculo dos respectivos valores (art.º 716º, n.º 1 do CPC).

4. Verificada uma situação de iliquidez ou insuficiente determinação quantitativa da obrigação exequenda, sem que a irregularidade tenha sido corrigida na fase liminar da ação executiva (art.º 726º, n.º 4 do CPC), o executado, se a execução prosseguir sem que a falta do pressuposto seja sanada, poderá opor-se à execução (art.º 729º, alínea e) do CPC).

5. Não resta alternativa à rejeição da execução, com a consequente extinção da instância, se, incumpridas as obrigações contratuais pelos mutuários/consumidores, a exequente não os informou com a descrição detalhada dos montantes relativos a capital vencido e não pago, juros remuneratórios, comissões e despesas e respectivas datas de vencimento, bem como das taxas e base de incidência dos montantes devidos a título de juros moratórios (art.º 15º, n.º 2 do Aviso n.º 5/2017 do BP).

Decisão Texto Integral:



Apelação 1248/19.0T8SRE-A.C1

Relator: Fonte Ramos

Adjuntos: Alberto Ruço

                  Vítor Amaral

               Sumário do acórdão:

1. Para a exigibilidade da obrigação exequenda que não decorra do teor do título executivo é necessário alegar no requerimento executivo os factos que a corporizam, sob pena de falta de causa de pedir quanto a um dos requisitos da obrigação exequenda (art.º 713º do CPC).

2. A exequente/embargada, mutuante legalmente autorizada a conceder crédito a consumidores, deverá observar os especiais deveres de informação do cliente/consumidor que resultam, designadamente, do DL n.º 74-A/2017, de 23.6 e do Aviso n.º 5/2017 do Banco de Portugal.

3. Quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, o exequente deve fixar o seu quantitativo no requerimento inicial da execução mediante especificação e cálculo dos respectivos valores (art.º 716º, n.º 1 do CPC).

4. Verificada uma situação de iliquidez ou insuficiente determinação quantitativa da obrigação exequenda, sem que a irregularidade tenha sido corrigida na fase liminar da acção executiva (art.º 726º, n.º 4 do CPC), o executado, se a execução prosseguir sem que a falta do pressuposto seja sanada, poderá opor-se à execução (art.º 729º, alínea e) do CPC).

5. Não resta alternativa à rejeição da execução, com a consequente extinção da instância, se, incumpridas as obrigações contratuais pelos mutuários/consumidores, a exequente não os informou com a descrição detalhada dos montantes relativos a capital vencido e não pago, juros remuneratórios, comissões e despesas e respectivas datas de vencimento, bem como das taxas e base de incidência dos montantes devidos a título de juros moratórios (art.º 15º, n.º 2 do Aviso n.º 5/2017 do BP).

                        Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

Em 13.01.2020, M... e P... deduziram oposição por embargos à execução que lhes é movida por C..., S. A., pedindo a sua absolvição da instância (por inexigibilidade do título e iliquidez/ininteligibilidade da obrigação).

Alegaram, em resumo: a exequente não comprovou a interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução; do requerimento executivo é impossível aferir a proveniência do montante peticionado, pretensamente em dívida, muito menos de que forma foi determinado e em que data se venceu; não foram cumpridas as obrigações decorrentes da aplicação do DL n.º 272/2012, de 25.10.

A exequente contestou, afastando a referida matéria de excepção, concluindo pelo prosseguimento da execução.

Por saneador-sentença de 21.10.2020, o Mm.º Juiz a quo julgou os embargos de executado totalmente procedentes, pelo que declarou extinta a acção executiva e ordenou o levantamento de toda e qualquer penhora determinada na acção executiva.

Inconformada, a exequente apelou formulando as seguintes conclusões:

....

            Remata pugnando pela improcedência dos embargos.

            Os executados responderam concluído pela improcedência do recurso.

            Ante o indicado acervo conclusivo, questiona-se e importa averiguar se falta o requisito da exigibilidade da obrigação exequenda (por falta de interpelação), mas, como se verá, acresce a problemática da liquidez/quantificação do montante exequendo.

II. 1. A 1ª instância considerou relevante a seguinte factualidade:[1]

....

2. Alega a exequente/embargada no requerimento executivo o seguinte:

I - Contrato de Mútuo n.º ...:

1. Conforme contrato de MÚTUO COM HIPOTECA assinado a 07/3/2007 que

...

22. Pelo que vê-se obrigado a Exequente a recorrer à presente via para se ressarcir do seu crédito.

3. Os executados/embargantes foram citados para a acção executiva a 11.12.2019 e a 16.01.2020.

4. E instauraram a presente Oposição à Execução a 13.01.2020.

            2. Vistos os autos, considera-se ainda o seguinte:

a) A exequente terá dirigido uma missiva aos executados, datada de 24.4.2019, comunicando-lhes a situação de incumprimento nos ditos dois contratos (“falta de pagamento de 4 e 8 prestações sucessivas, respectivamente”) e solicitando-lhes que, no prazo de 30 dias, procedessem ao pagamento das prestações em atraso, no valor de € 360,48 e €2 977,64, acrescidas da mora diária de €0,04 e €0,28, até integral pagamento, “sob pena da perda do benefício do prazo”, com o consequente “vencimento antecipado de todas as quantias disponibilizadas” por efeito da celebração dos contratos em causa.

b) Na parte final da mesma carta consignou-se: «Segue, ainda, em anexo, informação detalhada sobre o montante em dívida, as respetivas datas de incumprimento, os encargos associados a mora, o capital vincendo e valor residual que passa a vencido, se aplicável.» (sic) (cf. o documento de fls. 24 / “doc. n.º 1” junto com a contestação)[2]

c) Consta, a fls. 25, a reprodução das missivas datadas de 21.6.2019, que terão sido dirigidas a cada um dos executados, com o seguinte (e igual) teor: «Não obstante a nossa comunicação anterior, datada de 24.4.2019, persiste o incumprimento das obrigações de V.ª Exa. decorrentes dos contratos identificados em epígrafe, pelo que, na presente data, se invoca a perda do benefício do prazo, nos termos legalmente previstos. / Cabe informar que a perda do benefício do prazo determina o vencimento antecipado de todas as quantias disponibilizadas no âmbito dos referidos contratos, as quais ascendem, nesta data, a €15 127,62 (…) e €72.633,01 (…), respetivamente, sendo imediatamente devidas.» (cf. os “documentos n.ºs 2 e 3” juntos com a contestação)[3]

d) Estas duas últimas missivas não contêm qualquer outra menção, além da identificação dos contratos dos autos.

e) Desconhece-se a existência de qualquer documentação junta com as missivas supra referidas (datadas de 24.4.2019 e 21.6.2019).

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

            Relativamente à invocada inexigibilidade das obrigações exequendas –inexequibilidade dos títulos executivos com base na falta de alegação da exigibilidade das obrigações -, o Mm.º Juiz a quo, depois de aludir ao requisito da exigibilidade da obrigação exequenda previsto no art.º 713º do CPC e a parte da fundamentação (legal e doutrinal) do acórdão da RC de 13.11.2018-4990/17.6T8VIS-A.C1 (a respeito da “certeza, exigibilidade e liquidez” da obrigação exequenda)[4], concluiu, primeiro, que os dois mútuos bancários dos autos, em cumprimento, eram reembolsáveis em prestações mensais e sucessivas [cf. fls. II. 1. 2. 4. e 15., supra] e, depois, que “Lido, e relido, o requerimento executivo nele não se encontra uma única referência não conclusiva, muito menos uma alegação minimamente suficiente, sobre as razões factuais, contratuais e legais, pelas quais a Exequente/Embargada entende que – a 16.9.2019 – se encontram vencidos e são exigíveis aos Executados/Embargantes, os créditos” mencionados em II. 1. 1., supra [sobre se houve, ou não, e porquê, perda do benefício do prazo das dívidas liquidáveis em prestações e vencimento antecipado das prestações vincendas que tenha conduzido à exigibilidade imediata do pagamento de toda a dívida; e sobre como se alcança, à luz da execução contratual ocorrida, e de forma aritmeticamente compreensível, o cômputo dos montantes meramente indicados de capital, juros e outras quantias alegadamente em dívida].

            Explanou, ainda, o Mm.º Juiz a quo que a exigibilidade[5], requisito da obrigação exequenda, constitui elemento constitutivo da causa de pedir da acção executiva, e se não decorrer directamente do teor do título executivo (como acontece, por exemplo, nos títulos de crédito - obrigação abstracta e literal), é indispensável alegar no requerimento executivo a exigibilidade das quantias a cobrar, sob pena de falta de causa de pedir quanto a um dos requisitos da obrigação exequenda e de total ininteligibilidade (quanto à razão de ser dos concretos montantes pedidos) do pedido executivo formulado, o que gera a ineptidão do requerimento executivo e a nulidade de todo o processado [art.º 186º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do CPC].

            Por último, considerou-se, na 1ª instância, que a exequente/embargada, na qualidade de mutuante legalmente autorizada a conceder crédito a consumidores, deverá observar os especiais deveres de informação do cliente/consumidor que resultam, designadamente, do DL n.º 74-A/2017, de 23.6 e do Aviso n.º 5/2017 do Banco de Portugal (BP) - devendo, pois, transmitir, sempre, informação completa, verdadeira, actualizada, clara, objectiva e adequada aos conhecimentos do consumidor individualmente considerado -, sendo que, visto aquele requerimento executivo, não será possível considerar que a mesma tenha cumprido tais deveres de informação, porquanto, em caso de incumprimento das obrigações contratuais pelo Executado/Mutuário/Consumidor, a mesma mutuante estava/está obrigada a indicar-lhe em extracto bancário ou documento autónomo, nomeadamente: «a) A identificação atribuída pelo mutuante ao contrato de crédito; b) A data de vencimento das obrigações em mora e a duração do incumprimento, em número de dias, à data de emissão do extrato ou do documento autónomo; c) O montante total em incumprimento à data de emissão do extrato ou do documento autónomo, com descrição detalhada dos montantes relativos a capital vencido e não pago, juros remuneratórios, comissões e despesas e respetivas datas de vencimento; d) A identificação da taxa, da base de incidência do montante devido a título de juros moratórios e do montante de juros de mora calculado à data da emissão do extrato» [cf. o art.º 15º, n.ºs 1, alínea a) e 2, alíneas a) a d) do Aviso n.º 5/2017 do BP].

Daí, a ineptidão do requerimento executivo por falta de alegação da causa de pedir relativa à exigibilidade das obrigações exequendas [art.ºs 186º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 713º e 724º, n.º 1, alínea e) do CPC], o que determina a procedência dos Embargos de Executado, à luz do art.º 729º, alínea e) do CPC, e a extinção da acção executiva.

4. O descrito entendimento afigura-se correcto.

Não se baseando a execução em sentença ou em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, além dos fundamentos de oposição especificados no art.º 729º, na parte em que sejam aplicáveis - de entre os quais, o da “incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução” (alínea e)) -, podem ser alegados quaisquer outros que possam ser invocados como defesa no processo de declaração (art.º 731º do CPC).

A procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte (art.º 732º, n.º 4 do CPC).

5. O DL n.º 74-A/2017, 26.3[6], no seu art.º 8º, determina que a informação a prestar pelos mutuantes e, sendo o caso, pelos intermediários de crédito no âmbito da negociação, celebração e vigência dos contratos de crédito deve ser completa, verdadeira, actualizada, clara, objectiva e adequada aos conhecimentos do consumidor individualmente considerado, estando os mesmos obrigados a disponibilizá-la aos consumidores de forma legível.

Preceitua o mesmo diploma legal que durante a vigência do contrato de crédito, os mutuantes devem ainda prestar informação regular aos consumidores, nos termos, periodicidade e suporte a definir, mediante Aviso, pelo BP (art.ºs 22º, n.º 3) e que em caso de incumprimento do contrato de crédito pelo consumidor, o mutuante só pode invocar a perda do benefício do prazo ou a resolução do contrato se cumulativamente ocorrerem as circunstâncias seguintes: a) A falta de pagamento de três prestações sucessivas; b) A concessão, pelo mutuante, de um prazo suplementar mínimo de 30 dias para que o consumidor proceda ao pagamento das prestações em atraso, com a expressa advertência dos efeitos da perda do benefício do prazo ou da resolução do contrato, sem que este o faça (art.º 27º, n.º 1), competindo ao  mutuante e, se for o caso, ao intermediário de crédito, fazer prova do cumprimento das obrigações previstas no presente DL (art.º 36º).

6. No tocante à informação complementar em caso de incumprimento de obrigações contratuais, estabeleceu o Aviso do BP n.º 5/2017[7], nomeadamente:

- Em complemento à informação prevista nos artigos anteriores, o mutuante deve prestar, através de extracto ou em documento autónomo, informação específica na situação de incumprimento de obrigações contratuais por parte do consumidor (art.º 15º, n.º 1, alínea a));

- Em tal situação, o mutuante deve indicar: a) A identificação atribuída pelo mutuante ao contrato de crédito; b) A data de vencimento das obrigações em mora e a duração do incumprimento, em número de dias, à data de emissão do extracto ou do documento autónomo; c) O montante total em incumprimento à data de emissão do extracto ou do documento autónomo, com descrição detalhada dos montantes relativos a capital vencido e não pago, juros remuneratórios, comissões e despesas e respectivas datas de vencimento; d) A identificação da taxa, da base de incidência do montante devido a título de juros moratórios e do montante de juros de mora calculado à data da emissão do extracto (art.º 15º, n.º 2).[8]

- Compete aos mutuantes a prova da disponibilização ao consumidor da informação nos termos previstos nos art.ºs 10º a 16º do presente Aviso (art.º 17º, n.º 2).

7. As partes celebraram dois contratos de mútuo hipotecário, que consubstanciam os títulos executivos dados à execução, contidos na previsão do n.º 1 do art.º 703º do CPC.

            Os embargantes/executados/mutuários invocaram a inexigibilidade da prestação/obrigação exequenda (cf. o art.º 713º do CPC).

Sabemos que “se a obrigação tiver ´prazo certo`, só decorrido este a execução é possível, pois até ao dia do vencimento a prestação é inexigível”.[9]         

No caso em análise dúvidas não restam de que estamos perante uma obrigação a prazo.

E também não se poderá questionar que ficou acordado determinado plano de pagamento relativamente aos dois empréstimos que a entidade bancária concedeu aos executados, e tudo aponta no sentido de que estes deixaram de pagar as prestações respectivas.

8. Aparentemente, as partes acolheram o regime ínsito no art.º 781º, do CC, nos termos do qual “Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas”.

            Relativamente à interpretação da expressão legal “vencimento de todas” (de algum modo equivalente à expressão contratual “antecipadamente vencida toda dívida e exigir o seu imediato pagamento”; cf., ainda, II. 1. 2. 10. e 19., supra), discute-se na doutrina e na jurisprudência se o vencimento é imediato e automático, dispensando a interpelação do devedor, ou, numa orientação maioritária, se o vencimento significa apenas exigibilidade imediata de todas as prestações, sendo necessária a interpelação do devedor (exigibilidade imediata que não dispensa a interpelação do devedor).[10]

            Na referida segunda orientação, que se acolhe, desde logo por ser a que melhor se concilia com o regime previsto no art.º 805º do CC, enquanto não for feita esta interpelação em relação às restantes prestações, cujo prazo ainda não se tenha vencido, o devedor não fica imediatamente constituído em mora. Apenas torna possível que o credor exija, mediante interpelação do devedor, o cumprimento imediato da obrigação (com o pagamento imediato das restantes prestações).

            9. No caso em análise, importará indagar o se e o quando do não cumprimento do dito plano de pagamento escalonado no tempo, sendo que, se o prazo para cumprimento das restantes prestações deixou de existir como prazo indicativo de vencimento, cabia ao credor/exequente interpelar o devedor para exigir antecipadamente as restantes prestações.

Ainda que o banco mutuante não demonstre ter emitido qualquer declaração rescisória do contrato ou interpelado previamente os devedores para pagamento da totalidade da quantia mutuada e respectivos juros contratuais [e, diga-se, o referido em II. 2., supra e correspondentes “notas” aponta para a necessidade/conveniência de melhor prova quanto a esta matéria], e se considere que optou, perante o incumprimento, por instaurar a acção executiva com base nos contratos firmados, requerendo a citação dos executados para procederem ao pagamento da totalidade da dívida, então, não se poderá deixar de atribuir relevância à citação dos executados enquanto acto de interpelação conducente à exigibilidade imediata de todas as prestações devidas até final do prazo do contrato - o vencimento da totalidade da dívida ocorrerá com a citação dos executados.

            Neste enquadramento, as consequências do comportamento da exequente quanto à obrigação exequenda não assumem os contornos de inexigibilidade, mas reflectem-se (ou poderão reflectir-se) no conteúdo da mesma, relativamente aos juros moratórios sobre as prestações ainda não vencidas à data da citação, a partir da qual são devidos.[11]

            10. Esta a orientação a seguir, cientes de que os elementos disponíveis não elucidam com suficiente clareza o quando e demais circunstâncias do invocado inadimplemento contratual e da subsequente interpelação para cumprimento (por cessação do pagamento das prestações de reembolso/capital e respectivos juros dos mencionados mútuos), com a advertência legalmente prevista e a indicação de todos os elementos necessários à concretização dos valores (eventualmente) devidos.[12]

11. É obrigação ilíquida aquela que tem por objecto uma prestação cujo quantitativo não esteja ainda apurado.

O art.º 716º do CPC trata da liquidação da obrigação na acção executiva, aplicando-se a todos os casos em que a obrigação exequenda se apresente ilíquida em face do título executivo, referindo-se o n.º 1 à obrigação pecuniária ilíquida[13] – quando a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, o exequente deve fixar o seu quantitativo no requerimento inicial da execução, mediante especificação e cálculo dos respectivos valores.[14]

12. Verificada uma situação de iliquidez ou insuficiente concretização da determinação quantitativa da obrigação exequenda, sem que a irregularidade tenha sido corrigida na fase liminar da acção executiva (art.º 726º, n.º 4 do CPC), ao executado, se a execução prosseguir sem que a falta do pressuposto seja sanada, fica sempre salva a possibilidade de se opor à execução (art.º 729º, alínea e) do CPC).

13. Na situação em análise, perante o estado dos autos e a dimensão da irregularidade em causa, não resta alternativa à rejeição da execução proposta, com a consequente extinção da instância[15] - além do mais, os elementos juntos aos autos [que terão sido comunicados aos executados – cf. II. 2., supra] não contêm a necessária descrição detalhada dos montantes relativos a capital vencido e não pago, juros remuneratórios, comissões e despesas e respectivas datas de vencimento, bem como das taxas e base de incidência dos montantes devidos a título de juros moratórios (cf. o cit. art.º 15º, n.º 2 do Aviso n.º 5/2017 do BP).[16]

Esta a questão,  não alegada (no recurso)[17], que verdadeiramente releva.

14. Também nada será de objectar à derradeira asserção da decisão recorrida: a exequente sempre poderá demandar novamente os executados com base nos mesmos títulos executivos, desde que apresentados através de um requerimento executivo em sejam devidamente alegados os factos que integram a causa de pedir da obrigação exequenda, pedido e causa de pedir que possam ser objecto de contraditório em sede própria (Oposição à Execução) e em plena igualdade substancial das Partes quanto aos ónus e preclusões que impendem sobre cada uma delas.

15. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela exequente/apelante.

                                                                     Coimbra, 20/04/2021

[1] Assente “por confissão (art.º 46º CPC), por acordo das Partes e/ou não impugnação (art.º 574º/2 CPC), ou por documento bastante (art.ºs 371º e 376º CC)”.
[2] Foram reproduzidos, a fls. 26 (“doc. n.º 4” junto com a contestação), dois avisos de recepção que o executado assinou, como “destinatário”, em 29.4.2019, ficando por esclarecer as cartas registadas (máxime, os concretos “registos postais”) a que respeitam.
[3] Encontra-se reproduzido, a fls. 26 verso (“doc. n.º 4” junto com a contestação), um aviso de recepção que menciona a executada como “destinatária” e assinado em 01.7.2019, mas não se evidencia/clarifica, pelo menos, a correspondente carta registada.
[4] Publicado no “site” da dgsi.
   Aí se concluiu, citando Rui Pinto, que «Se o título executivo tem a natureza jurídica de condição formal da realização coactiva da prestação, a certeza, a liquidez e a exigibilidade da obrigação têm a natureza jurídica de condição material da realização coactiva da prestação».

[5] Assim definida, no mesmo aresto, recorrendo ao ensinamento do mesmo Autor: «A exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deve ser cumprida de modo imediato e incondicional após a interpelação do devedor (…) portanto, em termos simples, obrigação exigível é a obrigação que está em tempo de cumprimento - obrigação actual».
[6] Diploma que aprovou o regime dos contratos de crédito relativos a imóveis, estabelecendo nomeadamente as regras aplicáveis ao crédito a consumidores garantido por hipoteca ou por outro direito sobre coisa imóvel, e procedeu à transposição parcial para a ordem jurídica interna da Directiva n.º 2014/17/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 04.02.2014, relativa a contratos de crédito aos consumidores para imóveis destinados a habitação.
[7] Publicado no DR n.º 184/2017, 1º Suplemento, Série II, de 22.9.2017, sendo o disposto nos seus art.ºs 12º a 17º aplicável ao caso em análise (art.º 20º, n.º 2 do Aviso).

[8] Prevê o n.º 3 do mesmo art.º que nos casos em que o incumprimento de obrigações contratuais pelo consumidor esteja abrangido pelo Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI), previsto no DL n.º 227/2012, de 25.10, a prestação de informação prevista no número anterior aplica-se apenas após a extinção do PERSI nos termos constantes do art.º 17º daquele diploma legal.

   Refere-se, v. g., nas comunicações reproduzidas a fls. 41 e 48, que o PERSI (referente aos executados) terá sido extinto em 16.01.2019 e 23.5.2019, relativamente ao executado e à executada, respectivamente.
[9] Vide J. Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, pág. 107.
[10] Na interpretação menos exigente deste normativo, a falta de pagamento de uma das prestações acordadas, na falta de normativo especial (veja-se, por exemplo, o art.º 934º do CC), determina o vencimento automático e antecipado de toda a dívida, sendo desnecessária a interpelação do devedor para proceder ao pagamento da totalidade do montante então em dívida e cujo pagamento havia sido acordado em prestações - neste sentido, I. Galvão Telles, Direito das Obrigações, 5ª edição, Coimbra Editora 1986, págs. 237 e seguintes e, entre outros, o acórdão da RL de 05.5.1998, in CJ, XXIII, 3, 77.
   Noutra interpretação, mais exigente, resultaria desta norma uma mera exigibilidade antecipada do montante em dívida no momento em que ocorresse a falta de pagamento de uma das prestações, o que não dispensaria a posterior interpelação do devedor para proceder ao pagamento da totalidade do montante ainda em dívida - neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, 4ª edição, Almedina, 1997, págs. 31 e seguinte; Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição - reimpressão -, Coimbra Editora, 1997, págs. 52 e seguintes e M. J. Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, págs. 1017 e seguintes; entendimento também seguido, nomeadamente, pelos acórdãos do STJ de 19.6.1995, 01.10.1996 e 06.02.2007-processo 06A4524, publicados, respectivamente, na CJ-STJ, III, 2, 133; BMJ 460º, 702 e “site” da dgsi.

[11] Neste sentido, cf., de entre vários, os acórdãos da RL de 15.5.2012-processo 7169/10.4TBALM-A.L1-7 e da RC de 27.5.2015-processo 6659/12.9TBLRA-A.C1 e 23.01.2018-processo 954/13.7TBLSA-C.C1 [subscrito pelo relator e o 1º adjunto, assim sumariado: «1. Nas dívidas liquidáveis em prestações, de acordo com o regime previsto no art.º 781º, do CC, o não pagamento de uma delas não importa a exigibilidade imediata de todas, cabendo ao credor interpelar o devedor para proceder ao pagamento da totalidade da dívida. 2. A falta de emissão da declaração rescisória do contrato de empréstimo liquidável em prestações celebrado com os executados (por falta de pagamento), não determina a inexigibilidade da obrigação exequenda porquanto a citação dos executados, no âmbito da execução instaurada, consubstancia a interpelação conducente à exigibilidade e vencimento da totalidade da dívida. 3. As consequências do comportamento do exequente quanto à obrigação exequenda reflectem-se, porém, relativamente ao montante dos respectivos juros moratórios, que serão devidos desde a citação quanto às prestações ainda não vencidas nessa data.»], publicados no “site” da dgsi.  
[12] E bem assim, por exemplo, se foi respeitado o comando referido na “nota 8”, supra.
[13] Vide J. Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 99 e seguintes e 114.

[14] Dispõe o referido normativo: “Sempre que for ilíquida a quantia em dívida, o exequente deve especificar os valores que considera compreendidos na prestação devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.”

[15] Sobre a matéria, vide, nomeadamente, J. Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 113, 121 e 189 e Rui Pinto, A Acção Executiva, 2018, AAFDL Editora, págs. 238, 240 e 253.

[16] De resto, a simples comparação dos montantes indicados, por exemplo, em II. 1. 1. e II. 2. alínea c), supra, apontam para a existência de discrepâncias/incongruências, reclamando a devida explicitação da razão de ser de tais valores.
[17] Cf. o ponto I., in fine, supra.