Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
424/20.7PBSTR-B.E1
Relator: PROENÇA DA COSTA
Descritores: ART.340º DO CPP
Data do Acordão: 09/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O art. 340 do CPP não pode ser interpretado no sentido de permitir a correção de lapsos, erros ou omissões dos intervenientes processuais que não cuidaram, nos prazos e momentos legalmente previstos, de indiciar os meios de prova, julgados necessários à prova da sua pretensão.
Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora.
No âmbito dos autos de Processo Comum Singular, com o n.º 424/20.7PBSTR, a correrem termos pela Comarca de Santarém - Juízo Local Criminal de Santarém - Juiz 2, o M.mo Juiz veio, por despacho datado de 26.04.2021, admitir, por legal e tempestivo, o rol de testemunhas indicado pela assistente MJLS.

Inconformado com o assim decidido traz o arguido LMMP o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:

A). Vem o presente recurso interposto do douto despacho de 26/04/2021, Ref. 86419441, proferido pelo Tribunal a quo, que admitiu, “por legal e tempestivo, o rol de testemunhas indicado pela assistente”.

B). Com efeito:

B.1. A assistente, aquando da dedução do seu pedido de indemnização civil não arrolou quaisquer testemunhas (cfr. requerimento apresentado em 30/12/2021- Ref.7371879);

B.2. Pelo que deixou precludir o respectivo direito (art 79, nº 1do CPP)

B.3. Do mesmo modo a assistente não usou da faculdade prevista no art. 284 do CPP, pelo que, igualmente, deixou precludir o direito de indicar meios de prova complementares aos indicados na acusação do Ministério Público.

C). O art. 340 do CPP, visando em exclusivo a fase da audiência de julgamento e após esta iniciada, tem carácter excepcional, exigindo que os meios de prova a produzir nessa fase processual e a coberto de tal normativo legal, não só se revelem necessários à descoberta da verdade e boa decisão de causa, mas sejam supervenientes ou, no limite que se demonstre que a sua junção/produção nos autos não tenha sido possível no momento próprio (art. 79, nº 1, 284 e 315, todos do CPP).

D). As testemunhas constantes do rol apresentado pelo assistente em 21/04/2021, foram por ela indicadas e ouvidas ainda em fase de inquérito (cfr. autos de inquirição de fls.167, 181 e 197 dos autos) pelo que nenhuma razão se vislumbra para a sua não indicação atempada, designadamente aquando da dedução do pedido de indemnização civil.

E). O art. 340 do CPP não pode ser interpretado no sentido de permitir a correcção de lapsos, erros ou omissões dos intervenientes processuais que não cuidaram, nos prazos e momentos legalmente previstos, de indiciar os meios de prova, julgados necessários à prova da sua pretensão.

F). O douto despacho recorrido, ao admitir, por legal e tempestivo, o rol de testemunhas remetido aos autos pela assistente em 21/04/2021 (Ref. 38622291), violou o disposto nos arts. 79, nº 1, 284 e 340, todos do CPP, pelo que o mesmo deve ser revogado e substituído por outro que não admita o referido rol, por ilegal e extemporâneo.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogado o douto despacho recorrido, por violação do disposto nos arts. 79 nº 1, 284 e 340, todos do CPP, ordenando-se a não admissão do rol de testemunhas apresentado pela assistente.

Respondeu ao recurso o Magistrado do Ministério Público, entendendo que o recurso deve ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra o despacho recorrido.

Também a assistente MJLS respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência, com a consequente manutenção do despacho recorrido.

Nesta Instância, o Sr. Procurador Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

É do seguinte teor o despacho revidendo:

Admito, por legal e tempestivo, o rol de testemunhas indicado pela assistente.

A testemunha residente fora do município de Santarém, é ouvida através de videoconferência no tribunal de residência.

Como consabido são as conclusões retiradas pelo recorrente da sua motivação que definem o objecto do recurso.

E olhando às conclusões apresentadas pelo impetrante, vemos que a questão trazida a pretório se prende em saber se deve, ou não, admitir-se o rol de testemunhas apresentado pela assistente MJLS.

Porém, antes de nos adentrarmos na análise do recurso, importa fazer um excurso pelos actos processuais que conduziram à prolação do despacho sob censura.

Nos autos em presença, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido LMMP, imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, p. e p. no artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Cód. Pen.

MJLS, ofendida nos autos, veio, a 30.12.2020, requerer a sua constituição como assistente e bem assim requerer a abertura da Instrução relativamente ao arquivamento dos autos pelo M.P., na parte em que não acusou por factos- que indica – passíveis de integrar a prática pelo arguido de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, como se impunha se estivesse em causa, v.g., a previsão do artigo 153.º do Cód. Penal (ameaça).

Na mesma data -30.12.2020 - MJLS veio deduzir contra LMMP pedido de indemnização civil, ao abrigo do disposto no art.º 71.º, do Cód. Proc. Pen., pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 2704,00, sendo € 204,00, a título de danos patrimoniais e € 2500,00, a título de danos não patrimoniais, bem como juros de mora, à taxa lega, desde a notificação.

(. Não foi indicada qualquer prova).

Por despacho judicial, datado de 10.02.2021 e na parte que ora importa, veio rejeitar-se o requerimento de abertura de instrução da assistente, por inadmissibilidade legal.

MJLS veio, por requerimento, datado de 21-4-2021, requerer ao abrigo do disposto no art.º 340.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen, a admissão do rol de testemunhas; o qual foi deferido por despacho ora sob censura.

Como decidir?

Importa reter que MJLS intervém nestes autos nas vestes de ofendida, a qual vem constituir-se asistente.

Desta feita pode vir deduzir, enquanto demandante, pedido de indemnização civil contra LMMP, nas vestes de demandado civil, cfr art.º 74.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen.

E ao fazê-lo pode, de acordo com o estatuído no art.º 79.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen., apresentar provas.

Como supra se deu nota no requerimento em que deduziu pedido de indemnização civil contra o demandado civil não apresentou quaisquer provas.

Requereu a abertura de instrução – mas não deduziu acusação contra o arguido LMMP, podendo fazê-lo, de harmonia com o referido no art.º 284.º, do Cód. Proc. Pen.

Requerimento de abertura de instrução que mereceu despacho de rejeição, por inadmissibilidade legal.

Só em tais momentos processuais, em geral, pode o assistente vir aos autos juntar prova.

Porquanto, não se vislumbra em que outro momento processual possa vir juntar aos autos qualquer prova, até por não lhe ser aplicado o disposto no art.º 315.º, do Cód. Proc. Pen.

Podendo, no entanto, excepcionalmente, juntar prova, ns termos do art.º 340.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen.

Sendo que a apresentação posterior de prova - seu arrolamento – tenha de assentar na necessidade da inquirição requerida, v.g., por a mesma se mostrar de bom relevo para a apreciação e decisão da causa.

Sendo que a natureza excepcional do arrolamento posterior, tenha de se ficar a dever a circunstância superveniente, ocorrida em momento posterior àquele correspondente à apresentação normal da prova pelo sujeito processual no processo, pois só assim se justifica a sua apresentação após aquele momento.

E que razões apresentou a assistente/ofendida para que a predita prova pudesse vir a ser objecto de admissão nos autos.

Lido e relido o requerimento em que se requer a admissão da prova testemunhal, nada se invoca, a respeito, limitando-se a invocar o disposto no art.º 340.º, n.º 1, do Cód. Proc. Pen., para ver deferida a sua pretensão.

O bastante para que não se pudesse vir admitir o predito rol de testemunhas, como ocorreu no caso vertente.

Ademais, as testemunhas cuja audição se requer foram ouvidas no âmbito dos autos de inquérito.

Ora, de acordo com o estatuído no art.º 340.º, n.º 4, al. ª a), do Cód. Proc. Pen., o requerimento de prova é ainda indeferido se for notório que as provas requeridas já podiam ter sido juntas ou arroladas com a acusação ou a contestação, exceto se o tribunal entender que são indispensáveis à descoberta da verdade e boa decisão da causa.

Sem curar de outras razões ou considerandos, importa concluir pela procedência do recurso, com a consequente revogação do despacho recorrido.

Termos são em que Acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar o despacho recorrido.

Sem custas, por não devidas.

(texto elaborado e revisto pelo relator).

Consigna-se que o presente Aresto tem voto de conformidade da Sra. Desembargadora Fernanda Palma.