Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1446/20.3T8STR-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: CONTAGEM DO PRAZO DE PROPOSITURA DA ACÇÃO
CADUCIDADE
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Consta da alínea a) do n.º 1 do artigo 373.º do CPC que o prazo de 30 dias, estabelecido para a propositura da ação, se conta da data em que o requerente tiver sido notificado do trânsito em julgado da decisão que haja ordenado a providência cautelar;
II – Contando-se esse prazo desde a data da notificação ao requerente do trânsito em julgado daquela decisão, o mesmo não começa a correr antes efetuada tal notificação.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1446/20.3T8STR-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Santarém
Juízo Central Cível de Santarém


Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:


1. Relatório

No procedimento cautelar de arrolamento que constitui o processo principal, requerido por (…) contra (…) e marido, (…), arrolamento que foi decretado por acórdão proferido por esta Relação em 09-08-2021, vieram os requeridos, em 26-01-2022, requerer a declaração de caducidade da providência, com fundamento no disposto no artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Por despacho de 26-01-2022, foi determinada a notificação da requerente para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pelos requeridos.
A requerente apresentou resposta a 10-02-2022, sustentando que não foi notificada do trânsito em julgado da decisão que ordenou a providência, pelo que não se iniciou o invocado prazo de caducidade, pugnando pelo indeferimento do requerido.
Por despacho de 14-02-2022, foi indeferida a requerida declaração de caducidade da providência cautelar decretada, com base na falta de cumprimento da notificação a que alude o artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil.
Inconformados, os requeridos interpuseram recurso deste despacho, pugnando pela respetiva revogação e substituição por decisão que declare a caducidade da providência cautelar decretada, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1. Tal como flui do n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico.
2. A decisão a quo não sopesou criteriosamente a sucessão de notificações constantes dos autos, designadamente a datada de 13DEZ2021 com o seguinte teor: “aguardem os autos o impulso a cargo da requerente, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do CPC
3. O periculum in mora constituiu o traço típico do processo cautelar, modelando-o, é ele que determina a maioria das características gerais dos procedimentos cautelares, pelo que atendendo à urgência e receio de que seja causada uma lesão grave e de difícil reparação, não pode merecer provimento o comportamento da requerente, ao protelar, no tempo, o instaurar a acção principal, quando temos que a decisão que julgou parcialmente procedente o procedimento cautelar transitou em 04OUT2021, sendo que, nos termos do disposto no artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC o procedimento cautelar se extingue e, quando decretada a providência caduca “se o requerente não propuser a acção da qual a providência depende dentro de 30 dias contados da data em que lhe tiver sido notificado o transito em julgado da decisão que a haja ordenado
4. Aliás, já notificada a requerente, do despacho proferido em 19NOV2021, que a nomeou fiel depositária, condicionando tal nomeação, à prévia prestação de caução correspondente ao valor dos bens, não tendo sido apresentada qualquer impugnação, continuou a requerente a nada fazer, a não dar qualquer impulso processual aos autos.
5. Portanto, durante 80 dias a requerente não praticou qualquer acto, não deu qualquer impulso processual aos autos!
6. Bem sabendo a requerente, pois, em 13DEZ2021 foi, para tanto, advertida, de que os autos aguardavam, precisamente, o seu impulso processual!
7. Ao 81º dia após o transito da decisão que julgou parcialmente procedente a providência, vem a requerente apresentar novo arrazoado, com o único intuito de se eximir ao prévio pagamento de caução…
8. Invocada a caducidade do procedimento, vem a requerente dizer que, se aguarda a notificação do transito em julgado… Ora, a negligência da requerente (falta de impulso processual mesmo após advertida), não pode deixar de ser sopesada, pois, apenas devido à sua incúria e imprevidência o processo não andou.
9. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não sopesou o teor do despacho datado de 13DEZ2021, que, explicitamente, refere que os autos aguardam o impulso processual da requerente!
10. E qual seria o impulso que se aguardava? Das duas uma, ou bem que a requerente prestava prévia caução do valor dos bens (ponderando o despacho de 19NOV2021e o facto de ter sido a requerente a indicar, desde início, o valor dos vários bens) ou bem que instaurava a acção principal! E o que fez a requerente? Nada! Continuou a aguardar… A aguardar, claro, com enorme receio de que o património fosse, a qualquer título, dissipado…
11. Acresce que não podemos olvidar que as providências cautelares representam uma intromissão grave na esfera jurídica dos requeridos, daí a sua instrumentalidade e provisoriedade, daí o terem, sob pena de caducidade, de ser seguidas pela acção principal, de serem consideradas processos urgentes, precisamente por o tempo merecer aqui, uma especial importância.
12. O tempo é na vida do direito um importante factor, um grande modificador de relações jurídicas, o comportamento da requerente, ao não dar impulso processual aos autos, conduz, necessariamente, á extinção do seu direito processual
13. Ao decidir como decidiu, pela não verificação da caducidade do procedimento, o Tribunal a quo apenas contribui para uma maior instabilidade e insegurança no domínio da Justiça, pois não tendo sido proposta a acção principal, sendo que, após transito, foi a requerente notificada de que os autos aguardavam o seu impulso, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º do CPC, há muito se encontrava decorrido o prazo fixado no artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC, tendo caducado a providência cautelar decretada.
14. Pelo expendido deve a decisão proferida ser revogada e ser substituída por outra que reconheça a verificação da caducidade do procedimento cautelar, com a consequente extinção do direito processual da requerente à providência cautelar parcialmente decretada.»
A requerente apresentou contra-alegações, pronunciando-se no sentido da manutenção do decidido.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se deveria ter sido declarada a caducidade da procidência cautelar.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Tramitação processual
Relevam para a apreciação da questão suscitada na apelação, além dos elementos elencados no relatório supra, ainda os seguintes elementos constantes dos autos:
i) por despacho de 19-11-2021 (notificado aos mandatários das partes por transmissão eletrónica de dados efetuada através do Citius na mesma data), foi a requerente nomeada fiel depositária dos bens a arrolar, tendo a nomeação ficado condicionada à prévia prestação de caução correspondente ao valor dos bens que estão em causa;
ii) por despacho de 13-12-2021 (notificado aos mandatários das partes por transmissão eletrónica de dados efetuada através do Citius na mesma data), foi determinado o seguinte: Aguardem os autos o impulso a cargo da requerente, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do C.P.C.;
iii) por despacho de 14-02-2022, foi ordenado o cumprimento da notificação a que alude o artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC;
iv) por transmissão eletrónica de dados efetuada através do Citius a 15-02-2022, foi dirigida notificação ao ilustre mandatário da requerente, da qual consta, além do mais, o seguinte: Fica deste modo V. Ex.ª notificado, relativamente ao processo supra identificado, de que a decisão que ordenou a providência, devidamente notificada, transitou em julgado no dia 04.10.2021, sendo que o procedimento cautelar caduca se, no prazo de 30 dias, contados da presente notificação, não propuser a ação da qual a providência depende (artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil). (…).

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posto em causa na apelação o despacho que considerou não verificada a caducidade da providência de arrolamento decretada no processo principal, invocada pelos requeridos com fundamento na previsão do artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
A 1.ª instância baseou a decisão proferida, isto é, o indeferimento da requerida declaração de caducidade da providência cautelar, na falta de cumprimento da notificação a que alude o artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Nas alegações de recurso, os apelantes não põem em causa a falta da notificação a que alude o mencionado preceito, sustentando, porém, que, tendo a decisão que ordenou o arrolamento transitado em julgado a 04-10-2021, face ao despacho de 13-12-2021 – no qual se determinou: Aguardem os autos o impulso a cargo da requerente, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 1, do C.P.C. –, impõe-se a prolação de decisão diversa da ora recorrida, por entenderem, conforme consta da conclusão 13.ª, que «há muito se encontrava decorrido o prazo fixado no artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC, tendo caducado a providência cautelar decretada».
Cumpre apreciar.
Sob a epígrafe Relação entre o procedimento cautelar e a ação principal, dispõe o artigo 364.º, n.º 1, do CPC, que, exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é sempre dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva; acrescentam os n.ºs. 2 e 3 do citado preceito que, requerido antes de proposta a ação, é o procedimento apensado aos autos desta, logo que a ação seja instaurada, e requerido no decurso da ação, deve o procedimento ser instaurado no tribunal onde esta corre e processado por apenso.
Nos termos do artigo 373.º do CPC (aplicável ao procedimento de arrolamento por força do estatuído no artigo 376.º, n.º 1, do mesmo código), sem prejuízo do disposto no artigo 369.º quanto à inversão do contencioso, o procedimento cautelar extingue-se e, quando decretada, a providência caduca, entre outros casos, se o requerente não propuser a ação da qual a providência depende dentro de 30 dias, contados da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a haja ordenado – cfr. alínea a) do n.º 1 do citado preceito.
Da análise destes preceitos decorre que, não tendo sido decretada, como não o foi no caso presente, a inversão do contencioso (cujo regime não é aplicável ao procedimento de arrolamento, conforme artigo 376.º, n.º 4, do CPC, a contrario), o procedimento cautelar constitui sempre dependência de uma ação em que o autor faz valer o direito que, através do procedimento cautelar, visa acautelar antecipadamente.
Face ao objeto da apelação, cumpre apreciar se, à data da prolação do despacho recorrido, havia decorrido o prazo fixado na invocada alínea a) do n.º 1 do artigo 373.º do CPC.
Consta expressamente da citada alínea a) que o prazo de 30 dias, estabelecido para a propositura da ação, se conta da data em que o requerente tiver sido notificado do trânsito em julgado da decisão que haja ordenado a providência.
Como tal, mostra-se deslocada a argumentação constante das alegações apresentadas pelos apelantes, na parte relativa aos supostos efeitos decorrentes do despacho de 13-12-2021 em sede da contagem do prazo em apreciação, o que carece de fundamento legal e não tem em conta a previsão expressa constante do preceito em apreciação.
Ora, encontra-se assente, e não vem posto em causa pelos apelantes, que, à data da prolação do despacho recorrido, não havia sido notificado à requerente o trânsito em julgado do acórdão que ordenara o arrolamento, notificação que veio a ser posteriormente efetuada nos termos indicados no ponto iv) de 2.1..
Se o prazo se conta desde a data da notificação ao requerente do trânsito em julgado da decisão que ordenou a providência e se tal notificação não havia ainda sido efetuada, dúvidas não há de que o prazo não tinha começado a correr, o que naturalmente impede se conclua que havia já decorrido.
Assim sendo, mostra-se acertada a decisão recorrida, ao considerar não verificada a caducidade da providência de arrolamento decretada no processo principal, invocada pelos requeridos com fundamento na previsão do artigo 373.º, n.º 1, alínea a), do CPC.
Nesta conformidade, cumpre julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.


Em conclusão: (…)


3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
Évora, 09-06-2022
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Vítor Sequinho dos Santos
(1.ª Adjunto)
José Manuel Barata
(2.º Adjunto)