Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2282/18.2T8STR-A.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
DESPEDIMENTO SEM JUSTA CAUSA
RETRIBUIÇÕES INTERCALARES
RETRIBUIÇÃO ILÍQUIDA
Data do Acordão: 04/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) o empregador tem o ónus de alegar e requerer até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, que sejam descontados os rendimentos auferidos pelo trabalhador até essa data e que não teria obtido caso não fosse o despedimento, por serem factos extintivos, sob pena de, não o fazendo, ficar definitivamente precludido o direito de que sejam deduzidos.
ii) os rendimentos auferidos pelo trabalhador após o encerramento da audiência de discussão e julgamento em primeira instância, podem ser invocados pelo empregador para fundamentar a oposição à execução ulterior, nos termos do disposto na al. g), do art.º 814.º do CPC, mesmo que a decisão judicial condenatória não lhes faça referência.
iii) quando o art.º 390.º n.º 1 do CT prescreve que o trabalhador tem direito “a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”, tem em vista as retribuições ilíquidas, sujeitas aos descontos legais – segurança social e IRS – pelo que o desconto a efetuar relativamente aos rendimentos auferidos pelo trabalhador tem em conta o seu montante ilíquido. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: C… (réu).
Apelada e recorrente subordinada: E… (autora).

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, J1.

1. No âmbito do processo n.º 2282/18.2T8STR foi proferida sentença a julgar a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento procedente, por provada e, consequentemente: a) Declarar ilícito o despedimento do qual a trabalhadora E… foi alvo; b) Condenar a empregadora C… no pagamento à trabalhadora da quantia de € 35 425 (trinta e cinco mil, quatrocentos e vinte e cinco euros), a título de indemnização por despedimento ilícito; c) Condenar a empregadora C… no pagamento à trabalhadora da quantia de € 1 300 (mil e trezentos euros), a título de subsídio de férias de 2018; d) Condenar a empregadora CEF- C… no pagamento à trabalhadora das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença.
Interposto recurso da sentença proferida no processo n.º 2282/18.2T8STR pela ré C…, foi proferido Acórdão a conceder provimento ao recurso, com revogação da al. b) do dispositivo condenatório da sentença recorrida, que se substitui pela condenação em indemnização substitutiva da reintegração equivalente a 20 (vinte) dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão judicial.
O Acórdão transitou em julgado em 07-10-2019.
Por apenso ao processo n.º 2282/18.2T8STR, a Exequente E… veio instaurar ação executiva para pagamento de quantia certa - dívidas de salários, diferenças salariais e indemnizações, contra a Executada C…, apresentando como título executivo Decisão judicial condenatória correspondente à sentença proferida nos autos principais, liquidando a quantia executiva no valor global de € 54 864,53.
Nos presentes autos, por requerimento de 20-11-2019, a Executada, C…, veio deduzir, oposição à execução mediante embargos, instaurada pela Exequente, peticionando a procedência da oposição com a extinção da execução, ou, subsidiariamente, com a redução da quantia exequenda a: a) € 23 617, a título de compensação por antiguidade; b) € 1 300 a título de subsídio de férias; e a c) € 612 a título de custas de parte para evitar uma nova execução, no total de € 25 533.
Alegou para o efeito e em síntese que a Exequente não cumpriu o ónus consignado no artigo 716.º do C.P.C., que o Tribunal da Relação reduziu a indemnização a vinte dias por cada ano de trabalho, o que significa que aquela quantia de € 35 425 tem de ser reduzida de um terço e, portanto, a quantia a pagar a este título é somente de € 23 617 e não a indicada pela Exequente; e que o Tribunal não condenou em custas de parte pelo que a quantia pedida a esse respeito, no valor de € 1 224, está além do título e não pode aqui ser executada.
Em 28-11-2019, por ser formalmente tempestiva e com base em fundamento de defesa admissível, sem prejuízo da ulterior pronúncia a exercer após o cumprimento do devido contraditório, foi proferido despacho a receber liminarmente a presente oposição à execução mediante embargos e a determinar a notificação da Exequente, para, em 20 dias, contestar, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 732.º, n.ºs 2 a 5 do CPC.
Regularmente citado, a Exequente, veio contestar a oposição à execução, alegando, em síntese, que deu cumprimento integral à liquidação, quer dos montantes fixados na 1.ª Instância – que não foram objeto de recurso/alteração – quer dos relativos ao Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, que as situações de extinção da execução encontram-se previstas no n.º 1 do art.º 849.º do C.P.C., sendo que, nenhuma delas enquadra a configurada pela embargante/ré, como pretensa causa de extinção; que a indemnização de € 31.200, liquidada na execução, corresponde aos 20 dias por cada ano de trabalho, tal como fixada pelo douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora; que jamais a embargante/ré requereu - como lhe incumbia ao abrigo da repartição do ónus da prova (n.º 2 do art.º 342.º C.C.) - a prova dos montantes efetivamente recebidos pela embargada/autora, após 1 de setembro de 2018; que, uma vez que tendo sido notificada, nos termos do n.º 1 do art.º 25.º do Regulamento de Custas Processuais, da nota discriminativa e justificativa de custas de parte, em 25.09.2019, a embargante/ré nada disse ou reclamou; que, por outro lado, sendo certo que ficou determinado pelo Tribunal da Relação de Évora, que a embargada/autora suportaria 1/3 das custas, a embargante/ré nada reclamou a esse título.
Terminou requerendo que, por manifesta falta de fundamento legal/factual, se julguem os embargos improcedentes, condenando-se a embargante como litigante de má-fé, nos termos alegados, em multa, bem como nas custas e demais encargos legais.
Atendendo à natureza declarativa do processo de oposição à execução, considerando os termos das alegações dos articulados quanto ao cálculo das parcelas indemnizatórias por confronto com o título executivo; o valor; relevando à viabilidade de conciliação entre as partes face ao reconhecimento parcial da obrigação de pagamento e sem prejuízo da apreciação dos fundamentos dos embargos; considerando a disponibilidade atual da agenda e o prazo meramente ordinatório de 30 dias, designou-se dia para a realização de audiência preliminar com as finalidades previstas no art.º 591.º n.º 1 do novo Código de Processo Civil, a qual decorreu com observância do legal formalismo.
Em 02-07-2020, e após a formulação dos requerimentos probatórios, foi proferido despacho saneador pelo qual se determinou o objeto processual, os temas de prova e o âmbito da prova a produzir.
Foi designada data para a realização de audiência de julgamento, tendo a audiência de julgamento decorrido como decorre da respetiva ata.
Após, foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Pelo exposto, em conformidade com as disposições legais e fundamentos citados, julgo parcialmente procedentes os presentes embargos de execução e, em consequência, determino a redução da quantia exequenda no valor de € 14 567,55€ (catorze mil quinhentos e sessenta e sete euros e cinquenta e cinco cêntimos), mais improcedendo os demais fundamentos dos embargos e absolvendo as partes do pedido de condenação em litigância de má-fé.
Custas pela Executada/Embargante e pela Exequente/Embargada, na proporção do respetivo decaimento e que se fixa em 4/5 para a Executada/Embargante e 1/5 para a Exequente/Embargada, nos termos do art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC e art.º 7.º n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2004, de 26 de fevereiro.

2. Inconformada, veio a executada/embargante interpor recurso de apelação motivado, com as conclusões que se seguem:
A - O recurso é limitado ao segmento da douta sentença referente aos salários intercalares executados pela trabalhadora desde 1 de setembro de 2018 até 9 de março de 2019.
B – A exequente contou os salários intercalares desde 1 de setembro de 2018 até ao trânsito em julgado da sentença.
C - O Meritíssimo Juiz recorrido apenas descontou os salários intercalares vencidos desde a prolação.
D – A sentença autora solicitou o não pagamento de quaisquer salários intercalares.
E – A sentença revidenda considerou que na fase declarativa a ré não tinha alegado e provado que a autora auferira salários depois do despedimento, que não teria auferido caso não fosse despedida.
F – E aplicou esse regime louvando-se na Jurisprudência ao mesmo atinente.
G – Porém erradamente pois ficou provado na sentença do processo declarativo a ré tinha alegado e provado que a professora já tinha sido colocada na escola pública desde 1 de setembro de 2018, no Agrupamento de Escolas de Benavente.
H - O que se passou é que na sentença declarativa o Juiz depois de articular na matéria de facto tal facto (alínea K), não considerou esse facto na parte decisória, o que obriga à interpretação corretiva da sentença.
I – Essa interpretação apenas pode ser feita em sede de OPOSIÇÃO à execução, o que se fez.
J – Com a interpretação efetuada pelo Meritíssimo Juiz recorrido a trabalhadora recebe duas vezes, dois salários, por cada um dos meses de setembro, outubro, novembro, dezembro, de 2018 e janeiro, fevereiro e nove dias de março de 2019.
K – E a ré fica empobrecida nesse montante.
L – O que o legislador pretendeu com o n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho foi articular e definir os direitos de cada parte, por forma a que cada um recebesse o que tem direito, provado até pela devolução ordenada oficiosamente dos subsídios de desemprego recebidos.
M – É aliás o que a Justiça material pretende e da forma que se realiza: o trabalhador recebe os salários a que tem direito e só esses. No dizer da Lei, descontadas as quantias que não receberia caso não fosse despedido.
N – Há uma proibição ética e legal de ser pago duas vezes ao mesmo título ou seja, considera-se socialmente injusto que alguém receba duas vezes pela mesma razão, no caso, dois salários por cada mês de trabalho, ou porque realmente trabalhou e outro que não corresponde a trabalho mas que o Tribunal por errada aplicação da Justiça lhe dá sem contrapartida.
O – O Tribunal violou o artigo 390.º n.º 2 a) do Código do Trabalho, que deve ser interpretado no sentido de ser ordenado o desconto das quantias recebidas pelo trabalhador pelo trabalho noutra escola em conjunto com os salários intercalares.
P – Até porque foi a própria trabalhadora quem isto reconheceu ao articular na sua douta contestação: “articulado 24 – Deve, ainda a ré ser condenada no pagamento das retribuições que a autora deixou de auferir, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, os termos do n.º 1 do artigo 390.º do CT, com a dedução prevista na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo.
Q – Alegação admitida por acordo por não impugnação da ré.
Termos em que e nos melhores de Direito e com o douto suprimento de V.ª Ex.ª se requer a anulação da sentença substituindo-a por outra que declare que a autora não tem direito a receber quaisquer salários intercalares.

3. A exequente/embargada apresentou resposta e recurso subordinado com as conclusões seguintes:
1ª – Vem o presente recurso interposto do segmento decisório da douta Sentença, que ordenou a dedução à quantia exequenda, do montante de € 14 567,55, relativos a rendimentos auferidos pela R., após a cessação do contrato de trabalho com a Embargante, no período entre 08.03.2019 e 07.10.2019;
2ª – Desde logo, neste particular, na contabilização dos rendimentos relativos a outubro de 2019, o Mmº Juiz considerou um proporcional de 24 dias a deduzir (pag.16 – rodapé), quando resulta manifesto que o deveria ter feito apenas com relação aos primeiros 7 dias, perfazendo um proporcional de € 379,95;
3ª - Assim, tendo em conta o montante apurado na Decisão, de € 1 260,72, verifica-se um erro de € 880,77, que corresponde a excesso de dedução, que importará, desde logo, abater ao valor fixado, passando o mesmo, numa primeira fase, para € 13 686,78;
4ª – Acresce que, tal como decretado na sentença, os valores considerados para dedução correspondem aos montantes ilíquidos auferidos pela R., nos meses em causa, como bem se constata do confronto entre a relação apresentada na pag.16 (rodapé) e os recibos correspondentes aos meses em questão, juntos aos autos;
5ª – Salvo melhor opinião, tal decisão viola o preceituado na al. a), do n.º 2, do art.º 390.º, do Código do Trabalho (CT), que dispõe que às retribuições que o trabalhador deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, se deduzem as importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
6ª – Sendo lógico concluir que os valores que a R. não receberia, se não ocorresse o despedimento, são os valores líquidos constantes dos recibos juntos aos autos e não os valores brutos, objeto dos descontos legais efetivamente concretizados;
7ª – Porque, como se afigurará pacífico, os montantes descontados / retidos à R., não podem ser consideradas receitas suas;
8ª – A decisão recorrida viola, assim, o princípio da restauração ou reconstituição natural, visado no n.º 1, do art.º 390.º, do CT, por decretar o desconto em excesso, nas retribuições a pagar, de € 4 210,54, montante relativo aos descontos efetuados à R., reportado ao período de 08.03.2019 a 07.10.2019 – sendo março e outubro considerados na proporção dos dias determinados - e que configuraria enriquecimento sem causa da recorrida, na medida deste valor;
9ª – Contexto em que se entende, também por força do concluído em 3ª, que o valor a deduzir nas retribuições devidas e, consequentemente, a abater à quantia exequenda, deverá ser corrigido para € 9 476,64.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido da procedência do recurso subordinado e improcedência do recurso principal.
Notificado, não obteve resposta.

5. Dispensados os vistos por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso.
Questões a decidir: a questão que se coloca nos dois recursos é a liquidação das remunerações intercalares.

II – FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
Factos provados
1. No âmbito do processo n.º 2282/18.2T8STR, encerrada a audiência de julgamento de discussão e julgamento em 8 de março de 2019 foi proferida sentença a julgar a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento procedente, por provada e, consequentemente: a) Declarar ilícito o despedimento do qual a trabalhadora E… foi alvo; b) Condenar a empregadora C… no pagamento à trabalhadora da quantia de € 35 425 (trinta e cinco mil, quatrocentos e vinte e cinco euros), a título de indemnização por despedimento ilícito; c) Condenar a empregadora C… no pagamento à trabalhadora da quantia de € 1 300€ (mil e trezentos euros), a título de subsídio de férias de 2018; a d) Condenar a empregadora C… no pagamento à trabalhadora das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, condenando a ré empregadora em custas.
2. Interposto recurso da sentença proferida no processo n.º 2282/18.2T8STR pela ré C…, foi proferido Acórdão a conceder provimento ao recurso, com revogação da al. b) do dispositivo condenatório da sentença recorrida, que se substitui pela condenação em indemnização substitutiva da reintegração equivalente a 20 (vinte) dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, até ao trânsito em julgado da decisão judicial, condenando as partes em custas na proporção de 2/3 pela empregadora e de 1/3 pela trabalhadora.
3. O Acórdão transitou em julgado em 07-10-2019.
4. O contrato de trabalho iniciou-se em 01-09-1994, tendo mediado, desde esta data, até 26-09-2019, 25 anos e 26 dias.
5. A Exequente auferia a retribuição mensal ilíquida de € 1 950.
6. A Executada remeteu à trabalhadora missiva datada de 15 de junho de 2018, com o seguinte teor: “Na continuação da informação que lhe foi transmitida pessoalmente pela direção desta escola, vimos por este meio, e de forma mais formal, comunicar que a rescisão do seu contrato de trabalho com esta entidade terá efeitos a partir do dia 31 de agosto de 2018. Antes da data da cessação de contrato solicita-se que contacte a direção do C… para acerto das questões relativas à indemnização, subsídio de desemprego e outras. Bem como à formalização de um acordo de revogação do contrato de trabalho nos termos do artigo 349.º do Código do Trabalho, com fundamento na alínea d) do n.º 1 do artigo 9.º e n.º 4 do artigo 10.º ambos do Decreto-Lei nº 220/2006 de 3 de novembro.
7. No âmbito da ação principal, a Exequente, na qualidade de autora, na sequência da notificação das doutas decisões do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo do Trabalho J1 e do Tribunal da Relação de Évora veios apresentar Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte, reclamando da ré o valor de € 1 224.
8. A ré C… foi notificada da Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte, nada tendo dito ou requerido.
9. A Exequente celebrou contrato de Trabalho com o Agrupamento de Escolas de Benavente para o ano letivo de 2018/2019 e, em setembro de 2018, iniciou funções no Agrupamento de Escolas de Benavente.
10. A Exequente celebrou contrato de Trabalho com o Agrupamento de Escolas de Benavente para o ano letivo de 2019/2020.
11. De setembro de 2018 a outubro de 2019 a Exequente auferiu retribuições intercalares, nomeadamente:
i) setembro de 2018: retribuição mensal ilíquida de 1.614,03€ e líquida de 1120,83€;
ii) outubro de 2018: retribuição mensal ilíquida de 1.623,57€ e líquida de 1130,37€;
iii) novembro de 2018: retribuição mensal ilíquida de 2.126,40€ e líquida de 1.559,59€;
iv) dezembro de 2018: retribuição mensal ilíquida de 1.614,03€ e líquida de 1120,83€;
v) janeiro de 2019: retribuição mensal ilíquida de 1.614,03€ e líquida de 1120,83€;
vi) fevereiro de 2019: retribuição mensal ilíquida de 1.614,03€ e líquida de 1126,83€;
vii) março de 2019: retribuição mensal ilíquida de 1.614,03€ e líquida de 1123,83€;
viii) abril de 2019: retribuição mensal ilíquida de 1.609,26€ e líquida de 1119,06€;
ix) maio de 2019: retribuição mensal ilíquida de 1.618,80€ e líquida de 1128,6€;
x) junho de 2019: retribuição mensal ilíquida de 3.123,12€ e líquida de 2142,72€;
xi) julho de 2019: retribuição mensal ilíquida de 1.628,34€ e líquida de 1138,14€;
xii) agosto de 2019: retribuição mensal ilíquida de 2.529,66€ e líquida de 1766,86€;
xiii) setembro de 2019: retribuição mensal ilíquida de 1.614,03€ e líquida de 1123,83€;
xiv) outubro de 2019: retribuição mensal ilíquida de 1.628,34€ e líquida de 1138,14€.

B) APRECIAÇÃO

B1) Recurso principal
O art.º 390.º do CT prescreve:
1 - Sem prejuízo da indemnização prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento.
2 - Às retribuições referidas no número anterior deduzem-se:
a) As importâncias que o trabalhador aufira com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b) A retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da ação, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento;
c) O subsídio de desemprego atribuído ao trabalhador no período referido no n.º 1, devendo o empregador entregar essa quantia à segurança social.

A apelante discorda da liquidação dos salários intercalares executados pela trabalhadora desde 1 de setembro de 2018 até 9 de março de 2019, pois entende que o tribunal recorrido atribuiu dois salários por cada mês durante o período de tempo em referência.
A empregadora, ora executada, na fase declarativa do processo, aquando da apresentação do articulado motivador ou até à audiência de julgamento, não alegou que a trabalhadora auferiu rendimentos após o despedimento, nem requereu o que quer que fosse sobre esta matéria.
O recebimento de rendimentos pelo trabalhador após o despedimento e que não receberia caso este não tivesse ocorrido, constitui um facto extintivo do direito do trabalhador receber da empregadora as remunerações intercalares correspondentes, pelo que impende sobre esta o ónus de alegar tal recebimento, pelo menos sob a forma condicional se não tiver conhecimento concreto que tal esteja a ocorrer.
A empregadora nada alegou ou requereu sobre esta matéria.
Sobre esta questão a jurisprudência é unânime quanto ao ónus que recai sobre a empregadora de, pelo menos sob a forma condicional, alegar que o trabalhador está a auferir rendimentos ou que os poderá auferir, em virtude do despedimento.
Neste sentido, o acórdão do STJ de 25.03.2010[1]:
“I - A dedução prevista no art.º 13.º n.º 2, al. b), da LCCT, visa aproximar, na medida do possível, o montante condenatório ao prejuízo suportado em concreto pelo trabalhador, assim se evitando situações, eticamente reprováveis, de dupla captação de rendimentos.
II - A dedução dos rendimentos do trabalho auferidos pelo trabalhador em atividades iniciadas posteriormente ao despedimento constitui um facto extintivo do direito do autor; daí que se imponha que essa problemática fique resolvida, por regra e sob a iniciativa alegatória – ao menos condicional – do empregador, na ação que afirme a ilicitude do despedimento.
III - Assim: se os “rendimentos paralelos” estiverem provados e quantificados naquela ação, a respetiva sentença deduzi-los-á aos salários intercalares, condenando o empregador em quantia certa; se essa quantificação não resultar apurada, a condenação reportar-se-á ao que vier a ser posteriormente liquidado, nos termos do art.º 661.º n.º 2 do CPC; porém, se a questão não tiver sido sequer suscitada pela parte a quem incumbe o respetivo ónus, fica irremediavelmente precludida a faculdade de vir a operar-se a dedução no tocante a rendimentos porventura auferidos entre o despedimento – por atividade iniciada após a sua efetivação – e o encerramento da discussão em 1.ª instância.
IV - Todavia, os “rendimentos paralelos”, desde que reportados ao período subsequente àquele encerramento, podem e devem fundamentar a oposição à execução ulterior, nos termos do disposto na al. g), do art.º 814.º do CPC, sendo, neste caso, indiferente que a sentença declarativa lhes dedique, ou não, expressa pronúncia.
V - Não tendo a ré suscitado, na ação declarativa, a questão da dedução dos rendimentos auferidos pelo trabalhador em atividades iniciadas após o despedimento, apenas poderão ser atendíveis, como fundamento de oposição à execução, os rendimentos que aquele haja auferido desde a data do encerramento da discussão em 1.ª instância e a data da prolação do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que sentenciou em definitivo a ação declarativa, o que impõe seja coligido o acervo factual pertinente segundo as várias soluções plausíveis de direito e não de acordo com o entendimento específico do julgador das instâncias”.
O tribunal de primeira instância seguiu este entendimento em relação aos salários vencidos entre 01.09.2019 e 08.03.2019. Este período de tempo é anterior ao encerramento da audiência de julgamento, o qual ocorreu nesta última data.
Assim, não tendo a empregadora alegado ou requerido o que quer que fosse sobre esta questão até esta data, fica definitivamente precludido o direito de extinguir ou reduzir o montante dos salários intercalares até 08.03.2019.
Termos em que a apelação da executada/embargante improcede e se confirma a sentença recorrida, nesta parte.

B2) O recurso subordinado

A trabalhadora, apelada, veio subordinadamente recorrer “do segmento decisório da douta sentença, que ordenou a dedução à quantia exequenda, do montante de € 14 567,55, relativos a rendimentos auferidos pela R., após a cessação do contrato de trabalho com a embargante, no período entre 08.03.2019 e 07.10.2019”.
Começa por concluir que em outubro de 2019 só deveriam ter sido descontados sete dias e não 24 dias.
A apelante tem razão, uma vez que a decisão judicial transitou em julgado em 07.10.2019. A empregadora só está obrigada a pagar os sete primeiros dias de outubro de 2019, sendo este o período de tempo que deve ser considerado para efeitos de cálculo das retribuições intercalares.
Considerando que no mês de outubro de 2019 a trabalhadora auferia a retribuição mensal ilíquida de €1 628,34, a quantia a descontar relativamente aos sete dias é no valor de € 379,95.
Assim, em vez de descontar € 1 260,74, relativamente ao proporcional de 24 dias, o desconto será apenas de € 379,95, proporcional a sete dias.
Resulta do exposto, que a quantia a deduzir é no montante de € 14 187,60 (€ 14 567,55 - € 379,95).
A trabalhadora conclui ainda que o tribunal recorrido descontou o valor ilíquido das retribuições, mas que deveria descontar apenas o valor líquido, sob pena de violar o princípio da restauração natural previsto no art.º 390.º do CT, o que configura enriquecimento sem causa da recorrida, na medida deste valor.
A lei não diz se as retribuições intercalares são líquidas ou ilíquidas.
O art.º 276.º n.º 3 do CT prescreve que até ao pagamento da retribuição, o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual constem a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber.
Resulta desta norma jurídica que o empregador está obrigado a mencionar no recibo de vencimento as quantias a reter relativas à segurança social e imposto sobre o rendimento (e eventualmente outras), ficando seu fiel depositário e obrigado a entregá-las às entidades correspondentes, como prescreve o art.º 98.º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares.
O mesmo se passa em relação às retribuições intercalares. Estas são rendimento, nos termos do art.º 2.º do CIRPS e não estão excecionadas.
O empregador está obrigado a emitir recibo com os requisitos enumerados no art.º 276.º n.º 3 do CT e a entregar ao trabalhador apenas a quantia líquida. Não ocorre um enriquecimento injustificado do empregador, uma vez que está legalmente obrigado a entregar as quantias retidas às autoridades respetivas. O trabalhador não sai empobrecido, uma vez que estaria sempre sujeito à incidência da taxa única relativa à segurança social e ao imposto sobre o rendimento.
Quando o art.º 390.º n.º 1 do CT prescreve que o trabalhador tem direito “a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento”, tem em vista o seu pagamento como se o trabalhador estivesse ao serviço. Estando o trabalhador ao serviço, está obrigado a efetuar os descontos legais para a segurança social e a título de imposto sobre o rendimento. Não existe qualquer justificação legal ou de justiça material para que o trabalhador deixe de efetuar os descontos nos termos legais.
O acórdão do STJ, de 17.06.2010[2], decidiu precisamente neste sentido:
“Embora o referido n.º 1 do art.º 437.º (correspondente ao atual 390.º n.º 1), ao estatuir que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, não refira se o valor da retribuição a considerar é a retribuição ilíquida ou líquida, resulta da letra da lei que a retribuição em causa corresponde à quantia que o trabalhador deixou de auferir, isto é, a quantia ilíquida que deve entender-se como retribuição do trabalho e sobre a qual incidem os descontos legais”.
Termos em que improcede parcialmente o recurso subordinado e se confirma a sentença recorrida quanto a esta questão.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação da embargante/empregadora improcedente e procedente parcialmente o recurso subordinado da apelada/trabalhadora e reduzir o montante a deduzir para € 14 187,60 (catorze mil, cento e oitenta e sete euros e sessenta cêntimos), confirmando quanto ao mais a sentença recorrida.
Custas pela embargante no recurso de apelação principal e na proporção do decaimento por ambas as partes no recurso subordinado.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 15 de abril de 2021.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
______________________________________
[1] Ac. STJ, de 23.03.2010, processo n.º 690/03.2TTAVR-B.C1.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[2] Ac. STJ, de 17.06.2010, processo n.º 173/07.1TTMAI.S1. No mesmo sentido, Ac. STJ, de 24.02.2010, processo n.º 333/07.5TTMAI-A.S1, ambos em www.dgsi.pt/jstj.