Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1286/19.2T8OLH-J.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS EM INSOLVÊNCIA
PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS
CONCURSO
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em caso de concurso entre privilégios creditórios – laborais e hipotecários – deve proceder-se a rateio entre todas as verbas que beneficiam os créditos laborais, não podendo ser estes pagos com o produto da venda de apenas uma verba, a que beneficia o crédito garantido por hipoteca, sob pena de se violarem os princípios da proporcionalidade e igualdade – artigos 172.º, 173.º, 174.º, 175.º, 176.º, 177.º e 178.º do CIRE e artigo 16.º da Lei 75/2020, de 27-11.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1286/19.2T8OLH-J.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Recorrente: Caixa Geral de Depósitos, S.A.

Recorrida: Massa Insolvente de (…) – Indústria Corticeira, S.A.

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No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Comércio de Olhão – Juiz 1, no âmbito do processo de insolvência da (…) – Indústria Corticeira, S.A., foi proferida a seguinte decisão:
Nos presentes autos, veio o Sr. Administrador da Insolvência, em cumprimento do disposto no artigo 16.º da Lei n.º 75/2020, de 27.11, apresentar Mapa de Rateio Parcial das quantias depositadas à ordem da massa insolvente, nos termos constantes no requerimento com ref.ª 9052350 e que se dá por reproduzido.
A Caixa Geral de Depósitos, S.A. apresentou reclamação sustentando que o mapa de rateio não respeita a sentença de graduação de créditos e que o pagamento dos créditos laborais deverá ser imputado ao produto da venda de todas as verbas (uma vez que gozam de privilégio em relação a todas elas) e não apenas ao produto da venda da verba n.º 1, sobre o qual esta goza de garantia real, sob pena de assim ser prejudicada em relação aos demais credores.
Os credores de créditos laborais pugnaram pela improcedência da reclamação e pela manutenção do rateio parcial nos termos propostos pelo Administrador da Insolvência.
Cumpre apreciar e decidir.
Nos autos de apenso de reclamação de créditos foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos com o seguinte dispositivo “ (…) o Tribunal decide:
a) Homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo(a) Senhor(a) Administrador(a) da Insolvência, julgando-se os respectivos créditos verificados e reconhecidos;
b) Graduar os créditos reconhecidos, com satisfação pelo produto da liquidação dos bens apreendidos no processo, do seguinte modo e pela seguinte ordem:
Bens Imóveis – verbas n.º 1 do auto de apreensão:
1º- créditos privilegiados dos trabalhadores da Insolvente, deduzidos dos montantes já pagos pelo Fundo de Garantia Salarial, e Créditos laborais dos trabalhadores da Insolvente sub-rogados pelo Fundo de Garantia Salarial;
2º- créditos hipotecários de Caixa Geral de Depósitos, S.A.;
3º- créditos hipotecários de (…), S.A.R.L.;
4º- créditos comuns;
5º- créditos subordinados.
Bens Imóveis – verba n.º 2 do auto de apreensão:
1º- créditos privilegiados dos trabalhadores da Insolvente, deduzidos dos montantes já pagos pelo Fundo de Garantia Salarial, e Créditos laborais dos trabalhadores da Insolvente sub-rogados pelo Fundo de Garantia Salarial;
2º- créditos hipotecários de (…) – Sociedade de Garantia Mútua, S.A. e Caixa Geral de Depósitos, S.A.;
3º- créditos hipotecários de Caixa Leasing e Factoring, S.A.;
4º- créditos comuns;
5º- créditos subordinados.
Bens Móveis e Direitos sobre Marcas – verbas nºs 3 a 142 do auto de apreensão (com excepção das verbas nºs 5 e 75 que foram posteriormente excluídas da apreensão):
1º- créditos privilegiados dos trabalhadores da Insolvente, deduzidos dos montantes já pagos pelo Fundo de Garantia Salarial, e Créditos laborais dos trabalhadores da Insolvente sub-rogados pelo Fundo de Garantia Salarial;
2º- créditos garantidos por penhor de (…), S.A.R.L. sobre as verbas nºs 16 a 18, 20, 21, 26, 29, 30 a 33, 40 a 42, 45, 48, 49, 50 a 53, 55 a 58, 60, 76 e 89;
3º- créditos comuns;
4º- créditos subordinados.
c) Determinar que as custas da insolvência e dívidas da massa insolvente sejam satisfeitas em primeiro lugar através do produto da liquidação dos bens e direitos apreendidos, após o que será efectuado o pagamento dos créditos pela ordem estabelecida, rateadamente se necessário.”.
Com efeito, o rateio a efectuar deverá ter como base a sentença proferida (e transitada em julgado) e obedecer ao que ali se decidiu. E, naquela sentença, os créditos foram graduados autonomamente quanto a cada verba afectada por privilégio ou garantia (tal como se mais nenhum bem houvesse e por aí findasse a graduação).
Tendo em consideração regras legais de precedência, os créditos laborais (que gozam de privilégio imobiliário especial) têm preferência em relação à hipoteca da ora reclamante Caixa Geral de Depósitos, S.A., pelo que, o rateio feito pelo Sr. Administrador da Insolvência mostra-se correcto, porquanto o foi em conformidade com o dispositivo da sentença de verificação e graduação de créditos devidamente transitada em julgado (e que não poderá ser alterada).
Em face do exposto, declaro improcedente a reclamação apresentada pela Caixa Geral de Depósitos, S.A. e determino que os pagamentos sejam realizados nos termos propostos no Mapa de Rateio Parcial.
Notifique.
Custas do incidente a cargo da reclamante, que se fixa no mínimo legal.

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Não se conformando com o decidido, Caixa Geral de Depósitos, S.A. recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

I) Na sequência da sentença de declaração de insolvência da (…) – Indústria Corticeira, S.A., foram apreendidos nos autos os seguintes bens, cfr. Auto de Apreensão junto aos autos em 17.02.2020, a fls... do Apenso A (sendo certo que as verbas n.º 5 e 75 [bens móveis] foram posteriormente excluídas, cfr. decidido por douto despacho de 13.03.2020, a fls... do Apenso A):

- Verba n.º 1: Prédio Urbano – Edifício com 2 pavimentos, sendo o rés-do-chão, composto por armazém, 2 casas de banho e logradouro, e o 1º andar por escritórios, refeitório, balneário e vestiário, sito em (…). Descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo n.º (…), da Freguesia de São Brás de Alportel, Concelho de São Brás de Alportel. - Verba n.º 2: Prédio Urbano – Armazém térreo com logradouro, confronta a Norte - Estrada, Sul – (…), Nascente - Ribeiro e Poente – Proprietário, sito em (…). Descrito na Conservatória do Registo Predial de São Brás de Alportel sob o n.º (…) e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo n.º (…), da Freguesia de São Brás de Alportel, Concelho de São Brás de Alportel. - Verbas n.º 3 a 142: Bens móveis e direitos sobre marcas.

II) Na lista de créditos reconhecidos a que alude o artigo 129.º do CIRE, elaborada pelo Sr. Administrador de Insolvência, junta aos autos em 09.03.2020, a fls... do Apenso B, constam reconhecidos, para além de outros, os seguintes créditos, indicando-se apenas os créditos que relevam para a presente decisão:

- créditos privilegiados dos ex-Trabalhadores da insolvente: € 473.485,61 (valor global total);

- créditos hipotecários da CGD: € 1.214.454,05 garantidos por hipoteca constituída sob a Verba n.º 1 e € 62.375,40 garantidos por hipoteca constituída sob a Verba n.º 1;

- créditos garantidos por penhor da (…), S.A.R.L.: € 239.828,76 sobre as verbas nºs 16 a 18, 20, 21, 26, 29, 30 a 33, 40 a 42, 45, 48, 49, 50 a 53, 55 a 58, 60, 76 e 89;

III) Por douta sentença de verificação e graduação de créditos, proferida em 05.08.2020 a fls... do Apenso B, transitada em julgado, os créditos privilegiados dos ex-Trabalhadores da insolvente foram graduados em 1º lugar pelo produto da venda de todos os bens apreendidos e liquidados no âmbito do presente processo.

IV) Ora, não obstante os créditos privilegiados dos ex-Trabalhadores da insolvente terem sido graduados em 1º lugar pelo produto da venda de todos os bens apreendidos à ordem da massa insolvente, a verdade é que do teor do teor do Mapa de Rateio Parcial Obrigatório, elaborado ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 75/2020, de 27.11, junto aos autos principais, em 22.06.2021, resulta que a totalidade desses créditos privilegiados dos ex-Trabalhadores da insolvente, no montante de € 473.485,61, são integralmente pagos pelo produto da venda de apenas uma das verbas (verba n.º 1).

V) Em vez de ser feita uma distribuição proporcional do produto da venda de todas as verbas apreendidas e liquidadas.

VI) O douto despacho recorrido, proferido nos autos em 25.08.2021, a fls…, julgou, em suma, improcedente a Reclamação tempestivamente apresentada pela CGD, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 75/2020, de 27.11, quanto ao Mapa de Rateio Parcial Obrigatório, com o único fundamento que aqui, com a devida vénia, se permite transcrever: «(...) o rateio feito pelo Sr. Administrador da Insolvência mostra-se correto, porquanto o foi em conformidade com o dispositivo da sentença de verificação e graduação de créditos devidamente transitada em julgado (e que não poderá ser alterada)».

VII) Ora, o pagamento da totalidade dos créditos reconhecidos aos ex-Trabalhadores da insolvente deve resultar da distribuição proporcial do produto da venda de todas as verbas apreendidas à ordem dos autos, uma vez que é suficiente para isso, e não apenas de uma, ao invés do que resulta do Mapa de Rateio Parcial Obrigatório.

VIII) Com efeito, se, por um lado, o valor de 80% do produto da venda das Verbas n.º 1, n.º 2, e Bens Móveis ascende a € 1.264.852,00, e por outro lado, o valor da totalidade dos créditos privilegiados dos ex-Trabalhadores da insolvente, reconhecidos, e graduados em 1º lugar pelo produto da venda de todos os bens e direitos apreendidos nos autos, ascende a € 473.485,61, então esse montante (de 80% do produto da venda das aludidas verbas) é mais do que suficiente para liquidar integralmente os créditos privilegiados dos ex-Trabalhadores da insolvente.

IX) A distribuição proporcional do produto da venda dos bens apreendidos, por um lado, não prejudica, em absolutamente nada, os créditos privilegiados dos ex-Trabalhadores da insolvente, uma vez que são integralmente pagos, e, por outro lado, respeita a douta sentença de verificação e graduação de créditos, proferida nos autos, e transitada em julgado.

X) Note-se que, ao invés do que parece resultar do douto despacho recorrido, a CGD nunca pretendeu, nem pretende, a alteração da douta sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos (como resulta do por si alegado nos artigos 3º, 4º,, 6º e 9º da Reclamação apresentada), com a qual, aliás, se conformou.

XI) Assim, o referido a esse propósito no despacho recorrido, carece, por esse motivo, de falta de fundamentação.

XII) Mas, mais do que isso, o Rateio Parcial Obrigatório, ao não proceder a uma distribuição proporcional do produto da venda de todos os bens apreendidos, como o deveria ter feito, está a prejudicar a Credora Hipotecária CGD, S.A., porquanto contempla um pagamento de valor inferior àquele que esta credora teria direito a receber, relativamente ao produto da venda da verba n.º 1, caso o pagamento dos créditos laborais tivesse sido também imputado ao produto da venda das demais verbas.

XIII) Como resulta dos cálculos que supra ficaram alegados, no Mapa de Rateio Parcial Obrigatório ora junto aos autos a CGD teria a receber um valor total de € 445.620,59, enquanto que num cenário de distribuição proporcional do produto da venda de todos os bens apreendidos, a CGD teria a receber € 598.396,97, sendo que, paralelamente, os créditos privilegiados dos ex-Trabalhadores seriam sempre integralmente pagos.

XIV) Acresce que, se no caso sub judice, existem mais bens apreendidos, e efetivamente liquidados, então a motivação constante do douto despacho proferido pelo Tribunal a quo, que procedeu a graduação “como se mais nenhum bem houvesse, e por aí findasse a graduação”, por não se reportar factualmente ao caso em apreço, carece de falta de fundamento.

XV) Note-se que, não se pretende que os ex-Trabalhadores da insolvente sejam pagos apenas por uma única verba, ao invés de outra. No caso dos autos, sendo o produto da venda suficiente, o pagamento da totalidade dos créditos reconhecidos aos ex-Trabalhadores da insolvente deve resultar da distribuição proporcional do produto da venda de todas as verbas apreendidas à ordem dos autos, e não apenas de uma.

XVI) Ademais, a Recorrente CGD, ao pugnar pelo entendimento supra alegado, não pretende colocar em crise o disposto no artigo 140.º, n.º 2, do CIRE. Com efeito, in casu, todos os bens apreendidos e liquidados têm concurso de direitos reais de garantia e privilégios creditórios, pelo que, não se poderá aplicar uma lógica que vai do especial para o geral.

XVII) Assim, sempre com o devido e merecido respeito, que é muito, resulta que do processo constam elementos que, por si só, implicavam necessariamente decisão diversa da proferida pelo douto Tribunal a quo.

XVIII) Ora, «ratear significa distribuir proporcionalmente» pelo que «assim, havendo rateio, terá de ser respeitada a regra da proporcionalidade» – cfr. Autora e obra supra citada.

XIX) Assim, a distribuição proporcional do produto da venda de todos os bens apreendidos, (i) preenche o escopo do processo de insolvência, (ii) respeita a douta sentença de verificação e graduação de créditos transitada em julgado, (iii) permite que os ex-Trabalhadores da insolvente recebem a totalidade dos créditos privilegiados, e (iv) impede que a Credora Hipotecária fique totalmente destituída do pagamento da quantia de € 152.776,38.

XX) A verdade é que, ao invés do que sucede no caso dos presentes autos, o Mapa de Rateio Parcial Obrigatório deverá contemplar a solução jurídica possível que permita o pagamento aos credores “na maior medida possível”, atenta a aludida finalidade do processo de insolvência, prevista expressamente no ponto 41 do preâmbulo do CIRE.

XXI) Saliente-se que, no caso da Credora Hipotecária CGD, para além do elevado prejuízo que já tem decorrente do incumprimento dos contratos reclamados nos presentes autos, o Mapa de Rateio Parcial Obrigatório impede ainda o recebimento da totalidade da quantia que lhe cabe de € 598.396,97, ou seja, em mais € 152.776,38 do que atualmente lhe é atribuído.

XXII) Por outro lado, o Estatuto do Administrador Judicial expressamente prevê como dever deste «(...) orientar sempre a sua conduta para a maximização da satisfação dos interesses dos credores em cada um dos processos que lhes sejam confiados» – artigo 12.º, n.º 2, da Lei n.º 22/2013, de 26.02, o que só será alcançado com uma distribuição proporcional do produto da venda de todos os bens apreendidos.

XXIII) Atento o que ficou alegado, e salvo o devido e merecido respeito, a douta decisão de 25.08.2021, a fls..., sofre de errada aplicação de Direito quando conclui no sentido inverso, impondo-se a sua revogação.

XXIV) A douta decisão recorrida fez, assim, menos correta interpretação e aplicação da lei, violando, designadamente, as normas constantes dos artigos 140.º, n.º 2, 174.º, 175.º e ponto 41 do preâmbulo, todos do CIRE, artigo 16.º, n.º 2, da Lei n.º 75/2020, de 27.11 e artigo 12.º, n.º 2, da Lei n.º 22/2013, de 26.02.

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser revogada a douta decisão recorrida e, em consequência, julgando-se a Reclamação apresentada pela CGD, S.A., ao Mapa de Rateio Parcial Obrigatório procedente, e, por via dela, seja ordenada a reformulação em conformidade daquele, sendo a totalidade dos créditos privilegiados reconhecidos aos ex-Trabalhadores da insolvente pagos por força da distribuição proporcional do produto da venda de todos os bens apreendidos, com as legais consequências, fazendo-se assim, como sempre, a acostumada Justiça.


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Foram dispensados os vistos.

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A questão que importa decidir é a de saber se os créditos dos trabalhadores, credores privilegiados, devem ser pagos com a totalidade do produto do primeiro bem apreendido ou se o pagamento deve ser distribuído proporcionalmente pelo valor da venda de todos os bens apreendidos.
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A matéria de facto a considerar é que consta do Relatório.
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Conhecendo.
Como resulta da decisão em crise, foi proferida sentença de graduação de créditos quanto a dois bens imóveis (verbas n.º 1 e 2 do auto de apreensão) bem como sobre bens móveis e direitos (verbas 3 a 142, exceto as verbas 5 e 75 que foram excluídas da apreensão).
O Sr. Administrador da Insolvência, em cumprimento do disposto no artigo 16.º da Lei 75/2020, de 27-11, apresentou Mapa de Rateio Parcial das quantias depositadas à ordem da massa insolvente, segundo o qual os créditos laborais deveriam ser todos pagos pelo valor da verba 1.
O tribunal a quo deferiu esta pretensão, o que mereceu reclamação do credor CGD, S.A., ora recorrente, reclamação que foi indeferida e motivou a presente apelação.
Compulsados os autos verifica-se que os trabalhadores da insolvente beneficiam de privilégio sobre todas as verbas, tendo o tribunal a quo decidido que se procedesse ao pagamento da totalidade dos créditos laborais com o valor da venda da verba 1.
Mas esta verba garante também o pagamento de um crédito hipotecário de que beneficia a Caixa Geral de Depósitos, S.A., ora recorrente, e que poderá não ser pago se os créditos laborais não forem distribuído proporcionalmente por todas as verbas sobre as quais também beneficiam de privilégio creditório.
Dos autos resulta também que a mesma situação ocorre com a verba n.º 2 (crédito hipotecário da … – Sociedade de Garantia Mútua, S.A., Caixa Geral de Depósitos, S.A. (2º lugar) e de Caixa Leasing e Factoring, S.A. (3º lugar)) e as verbas nºs 16 a 18, 20, 21, 26, 29, 30 a 33, 40 a 42, 45, 48, 49, 50 a 53, 55 a 58, 60, 76 e 89 que garantem o pagamento de créditos da (…), S.A.R.L., garantidos por penhor.
O Mapa de Rateio Parcial das quantias depositadas à ordem da massa insolvente, elaborado pelo sr. AI, foi elaborado em cumprimento do artigo 16.º da Lei 75/2020, de 27-11, que dispõe o seguinte:
Mapa de Rateio Parcial das quantias depositadas à ordem da massa insolvente,
1- Em todos os processos de insolvência pendentes à data da entrada em vigor da presente lei é obrigatória a realização de rateios parciais das quantias depositadas à ordem da massa insolvente, desde que, cumulativamente:
a) Tenha transitado em julgado a sentença declaratória da insolvência e o processo tenha prosseguido para liquidação do ativo pela forma prevista nos artigos 156.º e seguintes do CIRE;
b) Esteja esgotado o prazo de impugnação da relação de credores previsto no artigo 130.º do CIRE sem que nenhuma impugnação tenha sido deduzida, ou, tendo-o sido, se a impugnação em causa já estiver decidida, seja nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 131.º do CIRE seja por decisão judicial, aplicando-se o disposto no n.º 1 do artigo 180.º do CIRE caso a decisão não seja definitiva;
c) As quantias depositadas à ordem da massa insolvente sejam iguais ou superiores a 10 000 (euro) e a respetiva titularidade não seja controvertida.
2 - O administrador da insolvência elabora o mapa de rateio referido no número anterior e procede à sua publicação na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt, dispondo a comissão de credores, caso tenha sido nomeada, e os credores de 15 dias, contados desde a data da publicação, para se pronunciarem sobre o mesmo.
3 - Findo o prazo referido no número anterior, caso não seja deduzida oposição fundamentada, nem o juiz manifeste, em 10 dias, a sua discordância com o mesmo, o mapa de rateio torna-se definitivo, devendo o administrador da insolvência proceder, de imediato, ao pagamento aos credores, acautelando o pagamento integral das dívidas da massa insolvente e com respeito pelo previsto nos artigos 180.º e 181.º do CIRE.
4 - Caso seja deduzida oposição fundamentada pela comissão de credores, por qualquer credor, no prazo previsto no n.º 2, ou manifestada discordância pelo juiz, cabe a este decidir os pagamentos que considere justificados.

Por outro lado, de acordo com o disposto nos artigos 172.º, 173.º, 174.º, 175.º, 176.º, 177.º e 178.º do CIRE, são três os requisitos a que tem de obedecer um rateio parcial:
a) - A existência em depósito de quantia que assegure a distribuição de, pelo menos, 5% do valor dos créditos a reembolsar (privilegiados, comuns ou subordinados);
b) - A salvaguarda do pagamento das dívidas da massa em conformidade com o disposto no artigo 172.º do CIRE;
c) - O respeito pela hierarquia dos créditos a satisfazer.
No caso dos autos todos os requisitos se encontram preenchidos, sendo certo que nenhuma das partes colocou tal questão em causa.
Assim sendo, o artigo 175.º do CIRE deve ser aqui trazido à colação porque dispõe que o pagamento dos créditos privilegiados é feito à custa dos bens não afetos a garantias reais prevalecentes, com respeito pela prioridade que lhes caiba, e na proporção dos seus montantes, quanto aos que sejam igualmente privilegiados.
Como dispõe o artigo 174.º do CIRE, cautelarmente, para os créditos comuns, anteriormente à venda é estimado o saldo, devendo as quantias continuar depositadas pelos rateios que lhes correspondam até à confirmação do saldo efetivo.
O que tem aplicação também quanto aos créditos privilegiados como o estipulam os nºs 1 e 2 do artigo 174.º, aplicável ex vi do n.º 2 do artigo 175.º.
Assim sendo, havendo concurso entre vários créditos privilegiados (laborais e hipoteca), os pagamentos dos respetivos créditos devem ser proporcionalmente repartidos entre os valores que se obtiverem na venda dos respetivos bens, devendo ficar as quantias depositadas até à confirmação do saldo efetivo.
Sobre a questão, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris, 2015, página 653, em anotação ao artigo 175.º, esclarecem que “(…) a regra da igualdade é totalmente compatível com a da prioridade dos créditos a que o preceito manda atender ao pagamento. Quando haja que cuidar de créditos com privilégio do mesmo grau, sem que, todavia, o produto a distribuir possa satisfazer a todos por inteiro, então há lugar a rateio, pela proporção dos montantes de cada um em concorrência.”
Significando que, a manter-se a decisão recorrida, o credor garantido pela hipoteca poderia não ver o seu crédito satisfeito caso os créditos laborais fossem pagos apenas com o produto da venda da verba n.º 1, restando-lhe concorrer como credor comum quanto às restantes verbas, onde encontraria credores com outras garantias (outra hipoteca e penhores) que, como é evidente, também seriam pagos em primeiro lugar.
Um crédito que beneficiava de garantia e, por isso, também privilegiado, seria relegado para crédito comum, em clara violação dos princípios da proporcionalidade e igualdade.
Por esse motivo, os créditos privilegiados laborais devem ser pagos pelo produto da venda de todas as verbas acerca das quais beneficiam de privilégio creditório, mediante rateio, pela proporção de cada um em concorrência.
O crédito garantido por hipoteca da ora apelante será pago pela parte que restar da verba n.º 1 que não for necessária para pagar, após rateio, os créditos laborais crédito comum.
De onde se conclui que o rateio parcial assim efetuado não prejudicará nem beneficiará os diversos tipos de credores, ou seja, atinge-se o escopo da lei.
A tese defendida pela apelante merece provimento, pelo que o despacho em crise deve ser revogado e substituído por outro que julgue a Reclamação apresentada pela C.G.D., S.A., ao Mapa de Rateio Parcial Obrigatório procedente e ordene a sua reformulação, sendo a totalidade dos créditos laborais privilegiados e reconhecidos da insolvente pagos por força da distribuição proporcional do produto da venda de todos os bens apreendidos.
No mesmo sentido, cfr. Ac. TRG de 01-07-2021, Sandra Melo, Processo n.º 956/14.6TBVRL-W.G1:
1- Pelo artigo 16.º da Lei n.º 75/2020 estatui-se a obrigatoriedade da realização de rateios parciais em todos os processos de insolvência pendentes que, cumulativamente, observem o seguinte conjunto de circunstâncias:
a - tenham visto transitar em julgado a sentença declaratória da insolvência;
b- tenham prosseguido para liquidação do ativo pela forma prevista nos artigos 156.º e seguintes do CIRE;
c- esteja esgotado o prazo de impugnação da relação de credores previsto no artigo 130.º do CIRE sem que nenhuma impugnação tenha sido deduzida, ou havendo impugnação, se a impugnação em causa já estiver decidida (aplicando-se as chamadas “cautelas da prevenção”, se a decisão não for definitiva);
d - As quantias depositadas à ordem da massa insolvente sejam iguais ou superiores a 10.000 (euro) e
e- a titularidade dessa quantia não esteja controvertida.
2- Tudo, sem prejuízo, de haver que salvaguardar o pagamento das dívidas da massa em conformidade com o disposto no artigo 172.º do CIRE e manter o respeito pela hierarquia dos créditos a satisfazer, de forma a que o rateio parcial não prejudique, nem beneficie, os diversos tipos de credores.
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Sumário:

(…)


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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação procedente e revoga o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que ordene a reformulação do Mapa de Rateio Parcial Obrigatório, sendo a totalidade dos créditos laborais pagos por força da distribuição proporcional do produto da venda de todos os bens apreendidos.
Custas pela recorrida.
Notifique.

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Évora, 13-01-2022

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Emília Ramos Costa