Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1670/13.5TBPTM-J.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: ALTERAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Uma coisa é alterar o requerimento probatório, que pode abranger prova pericial, documental testemunhal, outra coisa, bem mais limitada, é alterar ou aditar o rol de testemunhas, que é, apenas, um dos segmentos do requerimento probatório.
Os tempos de apresentação desses pedidos também são diferentes.
Enquanto a alteração do requerimento probatório pode ocorrer na audiência prévia, quando a esta haja lugar, o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.
Decisão Texto Integral: Apelação 1670/13.5TBPTM-J.E1 (2ª Secção Cível)






ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA



No âmbito da ação declarativa com processo comum que (…) e (…), intentaram contra (…) e (…), a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Juízo Central Cível de Portimão – Juiz 3), encontrando-se a audiência de julgamento designada para os dias 16/01/2019 e 18/01/2019, vieram os réus, em 28/10/2018, apresentar requerimento solicitando ao abrigo do disposto nos n.º 2 do artº 423º do CPC a junção de vários documentos, “para prova de questões controversas que constam do despacho saneador”, bem como, em 08/01/2019, requerer o aditamento de mais duas testemunhas ao rol que haviam apresentado.
Por despacho de 15/01/2019 decidiu-se, por extemporaneidade, não admitir a alteração do rol solicitada pelos réus e foram, estes, convidados a informar quais os factos que pretendiam provar com cada um dos documentos oferecidos.
Em virtude de realização de 2ª perícia foi, por despacho de 15/01/2019, desconvocada a audiência final, afirmando-se que oportunamente seriam designadas novas datas.
Notificados da desconvocação da audiência final, através de requerimento de 15/01/2019, vieram os réus reiterar o pedido de aditamento de mais duas testemunhas ao rol que haviam apresentado.
Também, após solicitação do Juiz, por requerimento de 16/01/2019, vieram os réus prestar esclarecimentos sobre a junção de documentos requerida em 28/10/2018.
Em 05/02/2019, relativo às pretensões dos réus foi proferido despacho do seguinte teor:
“Fls. 1063
Considerando que a Audiência Final foi desconvocada e que as sessões ainda não têm data agendada, defiro o requerido, ao abrigo do disposto no artigo 598º, n.º 2, do Código de Processo. Notifique a parte contrária para exercer, querendo, o mesmo direito, no prazo de 05 dias – artigo 598º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
As testemunhas são a apresentar pela parte arrolante.
*
Fls.1065
Atentos os esclarecimentos apresentados, admito os documentos de fls. 979 a 1004 (com exceção do doc. 11, a fls. 998, por não revelar qualquer pertinência para o objeto dos autos).
O requerente justifica a apresentação tardia com o facto de os documentos serem posteriores à interposição da ação e à contestação. Assim se verifica em relação a alguns, mas não em relação à maioria, datados de 2011 e 2012. Pelo exposto, em relação aos documentos de fls. 984, 985, 996, 997, 999 e 1001 o fundamento apresentado não pode ser atendido.
Nos termos do disposto no artigo 423º, n.º 2, do Código de Processo Civil, admitem-se os documentos (com exceção do já referido) e condena-se o apresentante em multa de 2 Ucs.”
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Inconformada com esta decisão, veio a autora, interpor o presente recurso de apelação, terminando nas respetivas alegações, por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
I Em 24/04/2013 a Recorrente intentou a ação que originou os presentes autos;
II Em 23/10/2018 foi agendada a realização da audiência de discussão e julgamento para os dias 16 de Janeiro, pelas 14 horas e 18 de Janeiro, pelas 09 horas e 30 minutos;
III Em 28/12/2018, em período de férias judiciais, o Recorrido, juntou ao processo 15 (quinze) documentos, não invocando qualquer circunstância impeditiva de os juntar em data anterior.
IV Em 08/01/2019, o Recorrido requereu que fossem aditados ao seu Rol de testemunhas os seguintes nomes:
- (…)
- (…)
V É que, a considerar-se que o prazo de 20 (vinte) dias, a que fazem referência os artigos 423º, n.º 2 e 598º, n.º 2, do C.P.C., começa a correr em cada nova marcação, está-se a permitir que entre pela janela aquilo que o legislador não quis que entrasse pela porta;
VI A considerar-se que em cada adiamento que ocorra da audiência de discussão e julgamento começa a correr um novo prazo de 20 (vinte) dias está-se a incentivar todo o tipo de expedientes para que, com o objetivo de ir juntando documentos e novas testemunhas aos autos, se tente o adiamento da audiência de discussão e julgamento;
VII E podendo ser pedidas provas periciais cada vez que se junta um documento forjado, temos que o processo torna-se infindável, como demonstra, aliás, o presente processo.
VIII Nos termos do artigo 28º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, pelo que, o prazo a considerar inicia-se no dia 04 de janeiro, não foi, assim, manifestamente, respeitado o prazo mínimo de 20 dias a que aludem os artigos 423º, n.º 2 e 598º, n.º 2, do C.P.C.
IX Ao admitir o aditamento ao rol de testemunhas e a junção de documentos apresentados, o Tribunal a quo violou os artigos 137º, 423º, n.º 2 e 598º, n.º 2, do C.P.C.

Não foram apresentadas alegações por parte dos recorridos.

Cumpre apreciar e decidir

O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar consiste em saber se devia ser admitida a alteração ao rol de testemunhas requerido pelos réus, bem como se deviam ser admitidos os documentos.

A matéria factual a ter em conta para apreciação questão é a que consta do relatório antecedente.

Conhecendo
A recorrente vem insurgir-se contra o despacho da Mª Juiz “a quo”, proferido em 05/02/2019, cujo teor se encontra reproduzido supra.
Na ótica da recorrente a sua discórdia relativamente a este despacho está relacionado com o despacho proferido pela Mª Juiz “a quo” em 23 de Outubro de 2018 do seguinte teor:
“Para audiência de Discussão e Julgamento designo os próximos dias 16 de Janeiro pelas 14 horas e de 18 de Janeiro, pelas 09 horas e 30 minutos, sem prejuízo do disposto no artº 151º, nº 2, do Código de Processo Civil.”
Consta dos presentes autos que os recorridos deram entrada no tribunal no dia 28/12/2018, de um requerimento onde requereram a sua junção aos autos de vários documentos para prova de questões controversas que constavam do Despacho Saneador.
E que notificaram o mandatário da recorrente do referido requerimento em 02/01/2019.
Também consta dos autos que em 08/01/2019, os recorridos requereram que fossem aditados ao seu rol de testemunhas os seguintes nomes: (…) e (…), reiterando, de novo, tal pretensão através de requerimento apresentado em 15/01/2019.
Vejamos então se assiste razão à recorrente.
É sabido que o CPC aprovado pela lei 41/2013, de 26 de junho, passou a impor às partes o ónus de apresentarem os seus requerimentos probatórios nos respetivos articulados – cfr. artºs 552º, nº 2 e 572, alínea d).
A alteração do requerimento probatório e o aditamento ou alteração ao rol de testemunhas vêm regulados no artº 598º do CPC, dizendo o nº 1 respeito à primeira situação e o nº 2 à segunda situação.
Convém desde já estabelecer a distinção entre as duas situações. Uma coisa é alterar o requerimento probatório, que pode abranger prova pericial, documental testemunhal, outra coisa, bem mais limitada, é alterar ou aditar o rol de testemunhas, que é, apenas, um dos segmentos do requerimento probatório.
Os tempos de apresentação desses pedidos também são diferentes.
Enquanto a alteração do requerimento probatório pode ocorrer na audiência prévia, quando a esta haja lugar, o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.
O artº 598º, nº 2, do CPC permite, portanto, que, até uma data muito próxima da audiência final, as partes substituam testemunhas constantes do rol que apresentaram no momento próprio, ou aditem testemunhas a esse mesmo rol, sem que se lhes exija qualquer justificação para a substituição ou para o aditamento.
Vejamos o que se passou nos presentes autos.
Se a referência para a contagem dos 20 dias a que alude o artº 598º, nº 2, do CPC for a data que se encontrava agendada para audiência de julgamento (16/01/2019 e 18/01/2019), o pedido de aditamento ao rol apresentado em 08/01/2019, é extemporâneo, por não ter respeitado esse prazo, tal como, aliás foi reconhecido por despacho de 15/01/2015. Mas se, se tomar por referência que a audiência de julgamento foi desconvocada por despacho proferido no dia 15/01/2019, e que não tinha, ainda, data agendada, então o aditamento ao rol de testemunhas solicitado (reiterado) através do requerimento de 15/01/2019 ter-se-á de considerar tempestivo, como foi entendido pela Mª Juiz “a quo” no despacho recorrido.
Quanto aos documentos estipula o artº 423º do CPC:
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”
A questão está em saber se os documentos têm de ser apresentados 20 dias antes da data designada para o início da audiência de julgamento ou nos casos em que a audiência seja interrompida ou adiada, as partes podem ainda apresentar documentos nos termos do nº 2 do artº 423º do CPC.
O artº 523º, nº 2, do CPC na redação anterior à reforma da Lei 41/2013, que corresponde com alterações ao nº 2 do atual artº 423º do CPC, permitia a apresentação até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento.
Com o atual, o nº 2 do artº 423º do CPC, o legislador fixou um regime idêntico ao já consagrado para a alteração do rol de testemunhas (atual artº 598º), em que o rol de testemunhas pode ser aditado ou alterado até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final.
Os direitos da parte contrária são, por sua vez, salvaguardados, na medida em que, uma vez notificada, pode também aditar ou alterar o seu rol de testemunhas nos 5 dias subsequentes à notificação do aditamento ou alteração.
Tenha-se em consideração ainda que estas testemunhas são sempre a apresentar (artº 598º, nº 3, do CPC) o que não acarreta para o tribunal, nem dispêndio, nem delongas processuais.
A questão do termo do prazo de 20 dias, tem de ser entendida relativamente à realização efetiva da audiência final e não à simples abertura da mesma ou ao seu adiamento.
A maioria dos acórdãos publicados depois da reforma de 2013, tem este entendimento. Veja-se, Ac. do TRP de 15/11/2018 no processo 11465/17.1T8PTR-B.P1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “O prazo limite para a apresentação de documentos (bem como o da alteração do rol de testemunhas) tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência.” Ac. TRG de 17/12/2015 no processo 3070/09TJVNF-B.G1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “1- Prevendo o artº 598º, nº 2, do CPC, que o rol de testemunhas pode ser alterado ou aditado até vinte dias antes da data em que se realize a audiência de julgamento, refere-se o texto legal á realização efetiva da audiência. II- Assim, uma vez adiada a mesma, será tempestivo tal aditamento se ocorrer até vinte dias antes da sua efetiva realização na nova data designada para o início do julgamento.” Ac. do TRC de 08/09/2015 no processo 2035/09.9TBPMS-A.C1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “O prazo de 20 dias a que alude o artº 598, nº 2, do CPC, refere-se à data da efetiva realização da audiência de discussão e julgamento, pelo que a possibilidade de alteração ou aditamento do rol de testemunhas como que se “renova” relativamente a cada uma das novas marcações que venham a ter lugar.” Ac. do TRC de 14/12/2016, no processo 3669/14.5T8VIS.C1, disponível em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: “O prazo de vinte dias, previsto no artº 598º, nº 2, do NCPC, para aditamento ao rol de testemunhas tem como referência a efetiva realização do julgamento, ainda que anteriormente, tenha ocorrido abertura da audiência final, com tentativa de conciliação, seguida de suspensão, sem produção de quaisquer provas, para conclusão das negociações entre as partes e designação de nova data para realização da audiência.”
Quanto à junção dos documentos no referido prazo de 20 dias antes da realização da audiência final, o Ac. do TRP de 17/12/2014, no processo 436/13.7TTVNG-A.P1, decidiu: “O prazo de 20 dias antes da realização da audiência previsto no artº 423º, nº 2, do CPC para a junção de documentos, após os articulados, deve ser contado tendo como referência a realização da audiência e o uso daquela faculdade cabe tanto quando ocorre um adiamento (ainda que verificado logo após a sua abertura) como uma repetição da audiência.
Entendemos, pois, que o prazo limite para a apresentação dos documentos (bem como o da alteração do rol de testemunhas) tem por referência não a data inicialmente designada para a audiência final, mas a data da efetiva realização da audiência, quer haja adiamento ou continuação da audiência (cfr. neste sentido Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código Processo Civil Anotado, vol. II, 3ª edição, 241 e 675/676).
No mesmo sentido se pronunciam Paulo Pimenta in Processo Civil Declarativo, 2014, 351 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida in Direito Processual Civil, vol. II, 2ª ed., 281.
De resto, como resulta do preambulo da Lei nº 41/2013, que aprovou o atual CPC, uma das principais finalidades do legislador, foi evitar que formalismos processuais impeçam a descoberta da verdade material e, por isso, as normas que fixam preclusões processuais têm de ser interpretadas em consonância com o principio da prevalência do mérito, evitando que formalismos processuais obstem à descoberta da verdade.
Voltando ao caso dos presentes autos, verificamos que a Mº juiz “a quo”, no despacho proferido em 15/01/2019, considerou extemporâneo o requerimento apresentado pelos recorridos em 28/12/2018, face à data que se encontrava designada para julgamento (dias 16 e 18 de janeiro de 2019), uma vez que não respeitavam o prazo de 20 dias que a lei estabelece.
Mas, nesse mesmo despacho declarou sem efeito as datas anteriormente designadas para a realização da audiência final, tendo em conta a realização de uma segunda perícia que fora ordenada por este tribunal da Relação e ordenou que as novas datas seriam designadas após a realização da segunda perícia.
Daí que no despacho proferido em 05/02/2019, tenha considerado admissível o aditamento ao rol de testemunhas, bem como considerou também os documentos cuja junção havia sido requerida.
Temos, assim que face à jurisprudência e doutrina dominantes, bem andou a Mª Juiz “a quo” ao ter admitido tal prova, nesse momento posterior, uma vez que a audiência de julgamento tinha ficado sem efeito e ainda não estava agendada nova data para a audiência se iniciar.
Nestes termos a decisão recorrida é de manter, irrelevando, assim as conclusões formuladas.


DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Sem custas na presente instância, atendendo a que a recorrente procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso recursivo e não tendo havido resposta às alegações, não há lugar a pagamento de custas de parte.
Évora, 24 de Outubro de 2019
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes