Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3484/18.7T8STB-A.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO
Descritores: ACTA DA ASSEMBLEIA GERAL
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Para ter o valor de título executivo, nos termos do artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, de 02.09, a acta da assembleia da administração conjunta de uma AUGI deve discriminar o concreto montante a pagar por cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pela mesma AUGI.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3484/18.7T8STB-A.E1

Relatório


(…) deduziu os presentes embargos de executado contra Administração Conjunta da AUGI do (…), invocando a inexistência de título executivo.

Os embargos foram recebidos.

A embargada contestou, concluindo que “o título executivo apresentado é certo, exigível e líquido, cumprindo os requisitos do art. 713.º do Código de Processo Civil”, e pugnando pela improcedência dos embargos.

Realizou-se uma tentativa de conciliação, na qual as partes declararam que não se opunham a que o tribunal proferisse decisão de mérito sem a realização de audiência prévia.

Foi proferida sentença que, julgando os embargos parcialmente procedentes, determinou o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 5.832,41, acrescida de juros à taxa legal contados desde 01.03.2018 até pagamento.

A embargante recorreu da sentença, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – A douta sentença é nula nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do CPC.

2 – O tribunal a quo não se pronunciou sobre questões levantadas pela apelante, sobre o seu incumprimento e, designadamente, sobre valores já pagos.

3 – Questões que constam no doc. nº 3 da oposição, carta enviada pela apelada à apelante em 16.12.2009, com o valor da taxa municipal por si já paga de € 2.417,77.

4 – Ao contrário do referido pela apelada, na sua resposta à oposição, no art. 78º, onde pede o pagamento de mais € 1.083,31.

5 – Sendo que tal valor se inclui na quantia exequenda, conforme se verifica no art. 79º desse articulado.

6 – Bem como relativamente ao valor € 12.808,32, constante de um extracto de conta com a descriminação dos pagamentos efectuados pela apelante.

7 – Enviado por um membro da comissão de administração da AUGI, ora apelada, o Eng. (…), para a apelante, em 07.02.2019 pelas 14.31 horas.

8 – Contrariando o valor referido pela apelada, comissão da administração de AUGI, como sendo o valor pago pela apelante de € 12.058,50.

9 – Se o tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre estas questões, por certo determinaria à apelada, esclarecimentos ou submeteria os autos a julgamento, apesar de as partes, em tentativa de conciliação, não se oporem a que o tribunal proferisse decisão de mérito sem realização de audiência prévia.

10 – A valoração de tais elementos carreados para os autos era de grande importância, por dizerem respeito a importâncias já pagas pela apelante e não reconhecidas pela apelada.

11 – Tem a apelante em crer, que se o tribunal a quo o tivesse feito, os embargos prosseguiriam para julgamento e era analisada a prova que aquela se propunha produzir.

12 – Porquanto estes factos acabariam por ser do conhecimento do tribunal a quo e o juiz a quo não teria decidido de forma precipitada, podendo assim proferir uma decisão mais justa e acompanhada pelo entendimento da nossa jurisprudência e doutrina.

13 – O que não aconteceu.

14 – Razão pela qual a apelante entende que a douta sentença ora recorrida padece da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do CPC.

15 – Também padece a douta sentença de nulidade nos termos do citado artigo, porquanto o juiz a quo não se pronunciou sobre a existência e completude da acta nº 35 (doc. nº 3 do requerimento executivo) como título executivo.

16 – Nem tão pouco sobre a existência e completude do doc. nº 4 do requerimento executivo como título executivo, como lhe competia.

17 – No entender da apelante, o juiz a quo não cuidou de verificar se tais documentos eram de facto títulos executivos, que sustentassem o prosseguimento da execução.

18 – Em parte alguma dos autos ou por documentos juntos, a apelada refere que as obras de urbanização já começaram, quando vão iniciar ou quando terminam.

19 – Razão pela qual entende a apelante, que do doc. nº 4, não se consegue conhecer o modo como foi calculada a quantia exequenda.

20 – Do conteúdo do doc. nº 4, dado como título executivo, entende a apelante não ser possível determinar qual o período considerado para efeitos de concretização do elemento “G” que constitui a fórmula para calcular a comparticipação nos custos de reconversão exigida a esta.

21 – Porquanto a fórmula aprovada, existente na parte inferior do doc. nº 4, refere tão só: “G - custo relativo à gestão do processo = 11,67€ “K” 212 meses com (IVA).

22 – Desconhecendo a apelante, por completo, a que anos e meses dizem respeito esses 212 meses.

23 – Sendo que, € 11,67 x 212 = € 2.474,04, quando o que está a ser pedido à apelante é no elemento “G” – € 3.092,55.

24 – Desconhecendo-se também quais as datas consideradas para o apuramento do elemento “GO”.

25 – Porquanto na fórmula aprovada, existente na parte inferior do doc. nº 4, refere tão só: GO – custo relativo à gestão de obras – € 25,14 “K”, 86 meses (com IVA).

26 – Desconhecendo a apelante por completo, a que anos e meses dizem respeito esses 86 meses.

27 – Porquanto € 25,14 x 86 = € 2.162,04, quando o que está a ser pedido à apelante é no elemento “GO” – € 2.702,55.

28 – Sendo que tal elemento é devido pelos comproprietários desde o início das obras e até à sua conclusão.

29 – Em parte alguma dos autos, a apelada demonstra que as obras já iniciaram, vão iniciar ou quando terminam.

30 – Nem tão pouco demonstra o levantamento e a posse do alvará de loteamento, sendo que para isso é necessário o pagamento das taxas municipais, que também não demonstra ter feito.

31 – Nem tão pouco se conhece o valor que foi tomado em consideração para o apuramento do elemento “T”.

32 – Porquanto em 16.12.2009, depois da aprovação do loteamento, a apelada entendia que a apelante tinha esse valor liquidado.

33 – O tribunal a quo não se pronunciou assim, quanto à questão da suficiência ou completude do doc. nº 4, como título executivo, nomeadamente, no que diz respeito a alguns factores constitutivos da fórmula.

34 – Factores esses essenciais para se apurar o valor da obrigação da apelante e, mais concretamente, o valor da quantia exequenda, já que o título executivo não faz convenientemente essa indicação.

35 – O pressuposto formal da acção executiva é sem dúvida a apresentação de um título executivo, por si só capaz de desencadear a tramitação dessa acção.

36 – Título executivo esse que tem que constituir ou certificar a existência de uma obrigação por parte do executado.

37 – Título executivo esse que tem que ter sempre os requisitos essenciais, formais e substanciais, legalmente exigidos.

38 – Não cabe ao julgador fazer uma interpretação da lei, extrapolando o seu espírito.

39 – Se assim não for, inexiste título executivo, o que constitui uma nulidade insanável, que é do conhecimento oficioso.

40 – Também a acta n.º 35 não constitui título executivo porquanto da leitura desta é impossível determinar qual a quantia a pagar pela apelante, por manifesta omissão acerca da concretização dos elementos que constituem a fórmula do respetivo cálculo.

41 – O doc. nº 4 dado como título executivo nos presentes autos não tem a força executiva que a apelada pretende que tenha.

42 – Nem faz presumir nele a existência de uma obrigação certa, líquida e exigível, devido à falta de concretização de vários elementos da fórmula.

43 – Entende a apelante que o tribunal a quo esteve mal, merecendo censura ao decidir como decidiu, deixando de se pronunciar sobre uma questão primordial que devia ter conhecido, ou seja, a suficiência ou completude do título executivo.

44 – Pelo contrário, concluiu pela suficiência do título executivo dado à presente execução, não se pronunciando pela falta de liquidação e certeza, não passíveis de suprimento no âmbito dos presentes autos.

45 – O que, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), primeira parte, do CPC, constitui uma nulidade da sentença, o que desde já se invoca e cuja anulação se requer.

46 – Razão pela qual, não pode a presente execução prosseguir, nas condições em que se encontra, devendo ser de declarada extinta.

A embargada contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:

I. O tribunal a quo entendeu, e bem, que os embargos eram parcialmente procedentes, pelo que deveria prosseguir a presente instância executiva.

II. Não se mostrando reunidas condições que poderiam colocar em causa a exequibilidade do título executivo em juízo, deverá prosseguir a instância executiva.

III. O tribunal veio a verificar que a executada é efectivamente comproprietária de avos indivisos de um prédio rústico inserido no perímetro da AUGI.

IV. Sendo o cálculo dos custos de reconversão efectuado segundo uma fórmula aprovada em assembleia geral, na qual estão definitos factores e não valores pré-fixados.

V. Para que esta se ajuste à dinâmica deste tipo de processo de reconversão urbanística.

VI. Deste modo, independentemente da alteração de um qualquer desses factores, caso esta venha a existir, a mencionada alteração não determinará a inviabilidade da referida fórmula de cálculo.

VII. Mais confirmou o tribunal a quo, na sua douta sentença, que “A exequente procedeu ao cálculo dos custos de reconversão após a aprovação do loteamento e o deferimento do licenciamento de obras de urbanização, tendo os factores “STPT” e “STPL” sido considerados de acordo com a aprovação da licença de loteamento, e respectivas alterações.” (facto que não é contrariado pela documentação oferecida pela executada).

VIII. Embora, conforme resultou do edital da Câmara Municipal de Palmela, o projeto de reconversão encontrava-se aprovado por esta desde 2000, quatro anos antes da sobredita assembleia geral.

IX. Inexistindo assim qualquer condição que tenha impedido a aprovação de loteamento.

X. Mais se debruçou o tribunal a quo sobre a validade da acta da assembleia geral de comproprietários de 27/03/2004.

XI. Já quanto à execução das obras de reconversão e à aprovação das contas finais, deve em primeiro lugar atentar-se no artigo 15º, nº 1, da já mencionada lei, que estatui que compete à comissão de administração:

“c) Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projectos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização;

d) Elaborar e submeter à assembleia de proprietários ou comproprietários os orçamentos para execução das obras de urbanização, o relatório da administração conjunta e as contas anuais, intercalares, relativas a cada ano civil, e as contas finais.”

XII. Deverá ainda considerar-se que o artigo 16.º-C, n.º 1, da mesma lei, prescreve que as comparticipações nos encargos da reconversão são consideradas provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração conjunta.

XIII. O que foi constatado pelo tribunal a quo.

XIV. A título de exemplo, refira-se ainda o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 31/10/2013 disponível em www.dgsi.pt, o qual, respondendo à questão da existência de título executivo e debruçando-se em concreto sobre a mencionada acta de 27/03/2004, veio afirmar “Na verdade na medida em que a acta conta a fórmula de cálculo da contribuição devida pelo oponente para as despesas de execução da reconversão urbanística, não é exigível que na mesma constem os concretos valores, já que estes dependem de simples cálculo aritmético, atentos o facto de que os vários elementos da fórmula aprovada se fez corresponder determinada quantia”.

XV. No mesmo sentido, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22/03/2012 (Processo n.º 47/07.6TBSTB) disponível em www.dgsi.pt, o qual, debruçando-se sobre a questão da existência de título executivo e dissecando a mencionada acta de 27/03/2004 da assembleia geral de comproprietários da AUGI do (…), veio afirmar que “Deste modo, resultando da factualidade apurada que, estando determinado na acta da assembleia geral da AUGI do (…), realizada em 27/3/2004, qual a forma de cálculo das despesas supra referidas que os proprietários de cada um dos lotes devia pagar à comissão de administração, bem com que despesas eram essas, forçoso é concluir que a dívida em causa é exigível e determinável (por cálculo aritmético), pelo que, nos termos do citado art. 10º, nº 5, da Lei nº 91/95, a acta em causa constitui, necessariamente, título executivo”.

XVI. A questão da existência de título executivo consubstanciado na acta da assembleia geral de comproprietários de 27/03/2004 já foi positivamente confirmada pelos tribunais de 1ª instância, bem como pelo referido Tribunal da Relação de Évora.

XVII. Dúvidas não subsistindo quanto à existência de título executivo e/ou quanto à validade do mesmo, o que já foi amplamente confirmado pelos diversos tribunais e, superiormente, pelo Tribunal da Relação de Évora nos seus doutos acórdãos.

XVIII. Nesse sentido, vejam-se os doutos acórdãos do Tribunal da Relação de Évora datados de 18/12/2007 (Proc. nº 5120/04.0TBSTB), de 03/06/2008 (Processo n.º 5713/04.5TBSTB), de 22/03/2012 (Processo n.º 47/07.6TBSTB) e de 31/10/2013 (Proc. n.º 111/07.1TBSTB), disponíveis em www.dgsi.pt.

XIX. Os referidos acórdãos reconhecerem que o título consubstancia uma obrigação certa, líquida e exigível, ao aprovar a fórmula de cálculo do valor da comparticipação, a qual, por simples cálculo aritmético, resultará no montante individualizado de cada comproprietário.

XX. Concluindo, e pelo acima exposto podemos afirmar que o título executivo apresentado é válido, certo, exigível e líquido, cumprindo os requisitos do art. 713º do Código de Processo Civil, como foi confirmado na douta sentença agora em crise.

XXI. Pelo que não se vislumbram as alegadas razões para impugnação da matéria de facto, bem como para o consequente enquadramento jurídico por parte do tribunal a quo no âmbito da sua douta sentença.

XXII. A exequente/recorrida entende que a decisão ora em crise não merece qualquer reparo.

XXIII. E corrobora em absoluto o teor da decisão ora recorrida.

XXIV. Com a presente execução, a exequente visou obter a satisfação de um crédito, junto da executada.

XXV. Em contrapartida, com o presente recurso e com a anterior oposição, pretende a executada “sanear” todo o processo de reconversão urbanística da área urbana de génese ilegal do (…).

XXVI. O que ultrapassa, em muito, o alcance e natureza da presente acção executiva.

XXVII. A oponente sabe que a reconversão urbanística só pode ocorrer mediante verdadeira liquidez financeira por parte da AUGI.

XXVIII. Uma vez que a administração conjunta não detém outra forma de custear as despesas de reconversão urbanística sem ser por intermédio dos pagamentos dos comproprietários.

XXIX. Conforme resulta, aliás, do disposto no número 1 do artigo 16º-C da supra citada lei, ao referir que “as comparticipações nos encargos da reconversão são considerados provisões ou adiantamentos ...”.

XXX. Mais, é do conhecimento da executada que sem o pagamento das despesas de reconversão urbanística por parte dos comproprietários não poderá esta ser realizada.

XXXI. Com o presente recurso, a executada pretende furtar-se à sua obrigação legal de comparticipar nas despesas de reconversão urbanística.

XXXII. Bem sabendo que está obrigada ao pagamento dos custos de reconversão urbanística.

XXXIII. Não se verificando assim qualquer omissão de pronúncia, nulidade de sentença ou erro na apreciação dos factos provados e por provar.

XXXIV. Razões inexistindo para a mencionada oposição e para o presente recurso.

XXXV. Devendo manter-se, na íntegra, a decisão do tribunal a quo.

O recurso foi admitido.


Objecto do recurso


A questão fundamental a resolver consiste em saber se a execução foi instaurada sem título executivo.

Factualidade apurada


Na sentença recorrida, foram julgados provados os seguintes factos:

1. A exequente tem, entre outras, a atribuição de praticar os actos necessários à reconversão urbanística do solo e à legalização das construções integradas na AUGI de (…).

2. A favor da executada/embargante encontra-se registada, pela Ap. (…) de 13.01.2005, a aquisição de 315/29500 avos indivisos do prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º (…), integrado no perímetro classificado como AUGI do (…), sito da freguesia da Quinta do Anjo, concelho de Palmela.

3. O referido prédio faz parte da área urbana de génese ilegal (AUGI) de (…).

4. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de (…) realizada em 23.03.2002 fez aprovar a comissão de administração.

5. A assembleia geral de comproprietários da AUGI de (…), realizada em 27.03.2004, deliberou, além do mais, aprovar o orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis, no montante global de € 8.916.880,49.

6. A assembleia geral deliberou ainda sobre a seguinte proposta:

«1 - Que seja adoptada a seguinte fórmula na repartição dos custos de reconversão por lote:

CL = (P+G+GO)*K+((T+IE)/STPT)*STPL, em que:

CL = Custo da reconversão a imputar a cada lote;

P = Custo relativo à 1ª fase do processo (execução e aprovação dos projectos), no montante de € 762,66 (…), com IVA incluído;

G = Custo relativo à gestão do processo, no montante de € 11,67 (…), com IVA incluído, por cada mês, desde Julho de 2000 até à aprovação das contas finais;

GO = Custo relativo à gestão das obras, no montante de € 20,95 (…), a que acresce o IVA em vigor, por cada mês, desde o início das obras até à sua conclusão;

T = Valor das taxas a liquidar à Câmara Municipal de Palmela pela realização das infra-estruturas, adicionado ao de quaisquer outras obras que, legalmente, sejam devidas;

IE = Custo de todas as infraestruturas a realizar;

STPT = Área máxima total de construção atribuída ao loteamento no respectivo alvará;

STPL = Área máxima de construção atribuída ao respectivo lote no alvará de loteamento;

K = Índice relativo à dimensão dos lotes, de acordo com a tabela em anexo.

2 - Que seja estabelecido o dia 30 de Abril do corrente ano como data limite para o pagamento dos custos adicionais, calculados de acordo com o orçamento aprovado por esta assembleia, sem qualquer encargo adicional;

3 - Que seja estabelecido um prazo máximo de 30 meses, a contar dessa mesma data, como prazo limite para pagamento desses custos, desde que seja apresentado e aceite por esta Comissão no prazo de um mês um plano de pagamento e que, neste caso, que o valor em dívida sujeito a um encargo equivalente a 6% (…) ao ano.»

7. Consta o seguinte da acta da assembleia geral, logo após o texto da proposta referida no ponto anterior: «Apresentada esta proposta (…), face à indefinição quanto à STPL (área de construção) a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos comproprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área(s) de construção do(s) seu(s) lote(s) findo o qual se considerará a área prevista no actual projecto aprovado, atribuindo-se então o respectivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação».

8. As aludidas propostas foram aprovadas por maioria absoluta.

9. Em face da fórmula de cálculo aprovada e do plano de loteamento definido pela Câmara Municipal de Palmela, a exequente efectuou, em 01.02.2018, o cálculo relativo ao lote a atribuir à embargante, que terá o número 388, com a área de 306,00 m2 e com a STPL de 211,20, pela aplicação da fórmula e valores aprovados na assembleia geral de 27.03.2004, considerando a licença de loteamento aprovada, a que se refere o edital Nº 03/DAU-GRAGI/2010 de 30.07.2010, da Câmara Municipal de Palmela.

10. Do referido cálculo resulta que a comparticipação da embargante, com os custos de reconversão, ascende aos € 17.890,91.

11. Foi enviada ao embargante, pela exequente, uma missiva datada de 01.02.2018, na qual a primeira solicitou o pagamento da quantia de € 5.832,41, no prazo máximo de 15 dias, referindo que já tinha sido entregue a quantia de € 12.058,50.

12. A quantia de € 12.058,50 foi paga pela embargante em 2005 – admitido por acordo.

13. Por edital de 30.07.2010, foi tornada pública a aprovação pela edilidade camarária da licença de loteamento, e respectivas alterações, referente à reconversão da AUGI da Quinta do (…), por deliberação da Câmara tomada em reuniões de públicas de 13.12.2000, 18.10.2006 e 19.08.2009.

14. Por deliberação da Câmara Municipal de Palmela de 19.08.2009, foi aprovada a licença de loteamento e respetivas alterações, referentes à reconversão da AUGI da Quinta do (…).

15. Por despacho exarado pelo Sr. Vereador do Pelouro em 19.07.2009, no uso da competência subdelegada pela Sra. Presidente da Câmara (através do despacho nº. 20/2009 de 23.11), foi deferido o licenciamento de obras de urbanização.

16. Anteriormente ao envio da missiva a que se alude em 11, a exequente enviou cinco cartas para a embargante (para a mesma morada para onde foi remetida a missiva mencionada em 11.), datadas de 25.06.2008, 16.12.2009, 20.01.2010, 25.10.2010 e 20.12.2010, e em nenhuma delas reclamou da executada o pagamento de qualquer quantia.


Fundamentação


A questão fundamental a resolver consiste em saber se a execução foi instaurada sem título executivo, como a recorrente alega. Uma resposta afirmativa a esta questão implica a inutilidade das restantes que a recorrente suscita.

O artigo 10.º, n.º 5, do CPC, estabelece que toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os seus fim e limites. O artigo 724.º, n.º 4, al. a), do mesmo código, dispõe que o requerimento executivo deve ser acompanhado de cópia ou do original do título executivo, se o requerimento executivo for entregue por via eletrónica ou em papel, respectivamente. Portanto, o título executivo constitui pressuposto essencial da possibilidade de recurso ao processo executivo.

O artigo 703.º do CPC prevê, taxativamente, as espécies de títulos executivos. Entre elas, estão os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – n.º 1, al. d). O artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, de 02.09, que regula o processo de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal (AUGI), constitui uma dessas disposições especiais, ao estabelecer que a fotocópia certificada da acta que contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão constitui título executivo.

À semelhança das restantes espécies de títulos executivos, não basta a forma. Para possuir força executiva, a acta da assembleia da administração conjunta da AUGI deve ter determinado conteúdo. O citado artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95, descreve esse conteúdo como uma “deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão”. A questão que se coloca é a do grau de concretização dessa determinação.

Que não basta uma deliberação genérica no sentido de que os proprietários ou comproprietários das áreas abrangidas pela AUGI deverão comparticipar nas despesas de reconversão, é óbvio. Esse dever decorre da lei, mais precisamente do artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, da Lei n.º 91/95. A referida deliberação seria, além do mais, inútil.

Já suscita controvérsia a questão de saber se, para a acta ter o valor de título executivo, basta uma deliberação da assembleia que, nos termos do artigo 10.º, n.º 2, al. f), da Lei n.º 91/95, aprove os mapas e os respectivos métodos e fórmulas de cálculo, bem como as datas para a entrega das comparticipações referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º, ou se é exigível que tal deliberação discrimine o concreto montante a pagar por cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pela AUGI.

A jurisprudência tem-se dividido acerca desta questão. No acórdão proferido por esta Relação em 02.05.2019, no processo n.º 1078/18.6T8STB-A.E1, relatado por ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO e subscrito pelo relator do presente acórdão na qualidade de adjunto, foi seguida a orientação acima enunciada em segundo lugar, mais exigente no que concerne ao conteúdo da deliberação documentada na acta que se oferece como título executivo. É essa a orientação que seguimos também neste acórdão, por se mostrar a mais consentânea com as exigências de determinação do conteúdo da obrigação constante do título executivo.

No caso em apreciação neste recurso, a acta cuja cópia foi junta como título executivo documenta uma reunião da assembleia de proprietários e comproprietários de áreas abrangidas pela AUGI de (…) que teve lugar em 27.03.2004. Foi então deliberada a aprovação de um orçamento provisional das obras de urbanização, elaborado com base nos custos previsíveis dessas mesmas obras, bem como de uma fórmula matemática de repartição dos custos de reconversão por lote. Foi ainda deliberado o prazo de pagamento dos custos adicionais calculados de acordo com o referido orçamento provisional. Finalmente, “face à indefinição quanto à STPL (área de construção) a atribuir a cada lote, foi dado um prazo de 15 dias aos comproprietários que ainda o não fizeram para decidirem sobre a(s) área(s) de construção do(s) seu(s) lote(s) findo o qual se considerará a área prevista no actual projecto aprovado, atribuindo-se então o respectivo valor dos custos de reconversão por lote com base na fórmula em aprovação”.

Não foi, pois, discriminado o concreto montante definitivo a pagar por cada proprietário ou comproprietário, por referência aos lotes abrangidos pela AUGI. Nem isso era possível à data em que a referida reunião da assembleia teve lugar, pelo que se depreende da leitura da acta. Daí ter sido aprovada uma mera fórmula matemática com vista ao cálculo futuro da comparticipação de cada proprietário ou comproprietário, em função de elementos então desconhecidos. Consequentemente, não pode ser reconhecido o valor de título executivo à acta como tal junta ao requerimento executivo. Repetimos, esse valor apenas pode ser reconhecido à acta de uma reunião da assembleia em que se delibere aprovar a concreta comparticipação de cada proprietário ou comproprietário nas despesas de reconversão, com referência a cada um dos lotes. Apenas nesta última hipótese estaremos perante uma acta que “contém a deliberação da assembleia que determine o pagamento de comparticipação nas despesas de reconversão” para o efeito previsto no artigo 10.º, n.º 5, da Lei n.º 91/95.

Sem prejuízo da exposição anterior, cumpre fazer uma última observação. Na sentença recorrida, afirma-se que o montante dos custos de reconversão foi apurado de acordo com a fórmula aprovada, através de cálculo aritmético, e não é pelo facto de na acta não ser indicado o valor exacto dos custos de reconversão, mas apenas a fórmula que permite a sua determinação, que se deverá concluir que a mesma acta não é título executivo. Acrescentou-se que a referida fórmula foi utilizada na elaboração do documento n.º 4, onde se indicam os elementos considerados para se efectuar o apuramento dos custos de reconversão. Salvo o devido respeito, não encontramos justificação para estas asserções, seja no requerimento executivo, seja no documento, junto a este último, denominado “apuramento de custos de reconversão”, seja na própria sentença recorrida. Isto é, nem o requerimento executivo, nem o documento referido, nem a sentença recorrida, demonstram como, através da aplicação da fórmula aprovada na assembleia documentada na acta junta como título executivo e mediante simples cálculo aritmético, se chega ao valor constante dos dois primeiros como sendo devido pela recorrente.

Concluindo, o recurso deverá ser julgado procedente. A execução terá de ser julgada extinta por falta de título executivo.


Sumário

(…)

Decisão



Acordam os juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, revogando a sentença recorrida e determinando a procedência dos embargos de executado, com a consequente extinção da execução.

Custas pela recorrida.

Notifique.

Évora, 24 de Outubro de 2019

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

José Manuel Barata

Conceição Ferreira