Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
105/18.1T8STR.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: AMPLIAÇÃO DO ÂMBITO DO RECURSO
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
PLURALIDADE DE RÉUS
CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 10/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
1 - A ampliação do recurso prevista no art. 636.º, n.º 1, do CPC está reservada para as situações em que na decisão recorrida o tribunal decidiu questões, de facto ou de direito, de forma desfavorável à parte que requer a ampliação do recurso, embora o resultado final da ação lhe haja sido desfavorável.
2 - A nulidade da sentença decorrente da omissão de um ato processual, in casu, o previsto no art. 567.º, n.º 1, do CPC, pressupõe a relevância da desistência do pedido no que respeita aos 1.º e 2.º réus contestantes na subsequente tramitação da ação, concretamente, no que respeita aos efeitos da revelia das 3.ª e 4.ª rés.
3 – A desistência do pedido quanto aos litisconsortes contestantes não tem, a virtualidade de convolar a revelia inoperante das rés numa revelia operante porquanto a contestação de um dos litisconsortes aproveita sempre aos demais réus e a situação de revelia e os efeitos da mesma aferem-se no momento da contestação, perdurando até à decisão final do processo.
3 – A verificação da exceção inominada de autoridade de caso julgado, exige a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Não tendo a Autora participado nem sido chamada a intervir numa outra ação em que se decidiu sobre a nulidade, com fundamento em simulação absoluta, dos negócios jurídicos objeto da presente ação e não atuando ela na presente ação com a mesma qualidade jurídica dos autores daquela outra ação (art. 581.º, n.º 2 do CPC), não pode ser afetada no seu direito de peticionar pedido idêntico, e com a mesma causa de pedir, sob pena de violação do seu direito de defesa e do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC), ambos decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão independente e imparcial (art. 20.º da Constituição da República).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:


I. RELATÓRIO
I.1.
BB, autora na ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, movida contra CC e mulher, DD, Imobiliária EE Sociedade Unipessoal, Lda. e FF-Construções e Empreitadas, Lda. interpôs recurso do despacho-saneador-sentença proferido pelo Juízo Central Cível de Santarém, Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém o qual:
1) Julgou verificada a exceção inominada de autoridade do caso julgado em relação aos pedidos de nulidade, por simulação absoluta, dos negócios de compra e venda referidos nos arts. 18.º e 20.º da petição inicial e de cancelamento dos respetivos registos, absolvendo os réus da instância;
2) Julgou prejudicado o conhecimento da exceção de ilegitimidade ativa para arguir a simulação;
3) Julgou procedente a exceção de erro na forma de processo quanto ao pedido de reconhecimento de que a área do imóvel identificado no art. 8.º da petição inicial é de 5.508 m2 e declaração de inexistência da penhora realizada no âmbito do processo executivo n.º 8073/11.4TBOER a correr termos no Juízo de Execução, J2 Oeiras, n.º sobre 228 m2 do imóvel identificado no art. 8.º da Petição Inicial, e, em conformidade, absolveu os réus da instância.
4) Julgou improcedente o pedido de reconhecimento do direito vitalício da autora de uso e habitação do imóvel melhor identificado no art. 8.º da petição inicial, absolvendo os réus do mesmo.
5) Julgou improcedente o pedido (subsidiário) de condenação dos réus a pagarem à autora o montante de 64.500,00 € referente ao valor das benfeitorias úteis e necessárias executadas pela segunda, e de boa-fé, no imóvel identificado no art. 8.º da petição inicial, acrescido de juros legais vincendos contados a partir da citação dos réus e, consequentemente, absolveu estes do pedido.
6) Julgou improcedente o pedido de reconhecimento do direito de retenção da autora sobre o imóvel identificado no art. 8.º da petição inicial, absolvendo os réus do mesmo.

Na presente ação a autora/recorrente formulara os seguintes pedidos:
«1 – Se declare a nulidade, por simulação absoluta do negócio de compra e venda do prédio identificado no art. 18.º da petição inicial, desta petição e formalizado pela escritura pública junta sob o Doc. N.º 20, nos termos do art. 240, 286, 289 do CC.
2 – Consequentemente ser declarada a nulidade do negócio de compra e venda do prédio identificado no art. 8.º desta petição inicial e também junto sob o documento n.º 21, nos termos do art. 240, 286, 289 e ss. do CC.
3 – Ser consequentemente decretado o cancelamento de todos os registos de aquisição posteriores à aquisição registada em 2/2/94, a favor do falecido António M…, pela apresentação G.2, e nomeadamente os registos:
a) Da descrição n.º … – CR de Tomar – a hipoteca judicial com a AP 10 de 23/04/2007, a favor dos 1.º e 2.º R.R. e a constante ainda da AP n.º … de 24/04/2009, e a penhora de € 214.400,00 com Apresentação n.º … de 18/10/2011, sendo sujeitos ativos os mesmos RR.
b) Da mesma descrição n.º … – da Conservatória do Registo Predial de Tomar – o registo constante da Apresentação n.º … de 01/02/2010, aquisição a favor da 3.ª Ré Imobiliária.
c) Da descrição n.º … da Conservatória do Registo Predial de Tomar – a Hipoteca Judicial com a apresentação n.º … de 23/04/2009, a favor dos 1.º e 2.º RR e a constante ainda da apresentação n.º … de 18/10/2011 e da penhora de € 214.400,00, sendo sujeitos ativos os mesmos RR.
d) Da mesma descrição – … da Conservatória do Registo Predial de Tomar o registo de aquisição constante da apresentação n.º … de 1/02/2012 e a favor da 3.ª Ré Imobiliária.
4 – Todos os RR condenados a reconhecerem ser reconhecida à A. a legitimidade e interesse no pedido de reconhecimento das atrás mencionadas nulidades, uma vez que a mesma é titular do direito de uso e habitação do imóvel identificado no artigo 8.º e, assim, do direito de usufruto ao mesmo expressamente adquirido por usucapião (art. 286, 1439, 1440 e 1484 CC).
5 – Serem os RR condenados a reconhecerem à Autora o direito vitalício ao uso e habitação do imóvel identificado no artigo 8.º desta petição e assim ao seu usufruto vitalício adquirido por usucapião, tudo nos termos dos arts. 286, 1439, 1440 e 1484 do CC e com as legais consequências, nomeadamente também
6 – A serem consequentemente também cancelados os registos identificados no ponto 3 deste pedido.
E, caso tal não se mostre deferido, subsidiariamente, serem os RR condenados a:
7 – Pagarem à A. o montante dos € 64.500,00 referente ao valor das benfeitorias úteis e necessárias executadas pela A. de boa-fé no imóvel identificado no art. 8.º e descritas no art. 78.º desta petição inicial, valor acrescido de juros legais vincendos e contados a partir da citação dos RR.
8 - A reconhecerem o direito de retenção sobre o imóvel identificado no mesmo artigo 8.º da petição, enquanto tal montante relativo às benfeitorias não se mostrar pago à A. (art. 754.º e 759 CC).
9 – A reconhecerem que a área do imóvel é de 5508 m2, sendo assi inexistente a penhora dos autos em pelo menos 228 m2 e assim a mesma nula com as legais consequências.
10 – Todos os RR condenados em custas e tudo o mais que for devido.»

Para sustentar os pedidos supra descritos a Autora alegou, em síntese, o seguinte: viveu em união de facto com António M…, falecido em 21.01.2003, de quem teve dois filhos, Vitor M… e Micael M…; nos autos de execução n.º 8073/11.4TBOER que corre termos no Juízo de Execução de Oeiras, movidos pelos réus CC e mulher contra as rés Imobiliária EE, Lda. e FF, Lda., foram penhorados um pavilhão destinado a oficina de reparação de automóveis, com logradouro e um barracão de rés-do-chão destinado a arrecadação e terra de cultura arvense oliveiras e figueiras, sito em Alto do Pintado, Vale da Torre, freguesia de Casais, concelho de Tomar, inscrito na matriz sob os arts. … e … urbanos e ….º da Secção P-rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º … e, ainda, um edifício destinado a armazém, com arrecadação, casa de banho e garagem, sito em vale da Torre, freguesia de Casais, concelho de Tomar, inscrito na matriz sob o art. ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º …; os imóveis descritos foram construídos pela autora e por António M…, na década de 1990, num prédio rústico composto de terra de semeadura e oliveiras, sito no lugar de Vale da …, freguesia de Casais, concelho de Tomar, inscrito então na matriz rústica sob o art. … e descrito sob o n.º … na Conservatória do Registo Predial de Tomar, o qual haviam adquirido a José C… e Irene N…, mediante escritura pública de compra e venda outorgada em 02.03.1981; por escritura outorgada em 2 de dezembro de 1993, a autora transmitiu a António M…, a metade que possuía do prédio rústico sito no lugar de Vale da Torre, freguesia de Casais, concelho de Tomar, inscrito então na matriz rústica sob o art. … e descrito sob o n.º … na Conservatória do Registo Predial de Tomar; mediante escritura pública outorgada em 28.11.2002, António M… declarou vender os imóveis descritos no art. 8.º da petição inicial à ré FF, ali representada pelo seu gerente Silvino F…, pelo preço de cem mil euros, e sobre os quais os réus CC e mulher registaram uma hipoteca judicial, em 23.04.2003, para garantia do crédito que detêm sobre a FF, no valor de 214.400,00 €; a sociedade FF, por escritura de compra e venda outorgada em 21.01.2010, declarou vender à ré Imobiliária EE, os referidos imóveis; a compra e venda realizada entre António M… e a FF foi um ato simulado para enganar os credores do primeiro, tendo ficado acordado entre António M… e Silvino F… que, mais tarde, quando os problemas financeiros estivessem resolvidos, o segundo os transmitiria de novo ao primeiro e o cheque movimentado por conta do preço voltou a ser depositado numa conta bancária do próprio Silvino F…; todos estes factos eram do conhecimento da autora e dos seus filhos; os dois imóveis nunca deixaram de estar na posse da autora e de Vitor M…, até à morte deste último, e, posteriormente, apenas da autora e de seus filhos, que ali continuaram a viver até ao presente e onde a autora exerce o comércio de venda de flores, artigos de jardinagem e outros produtos hortícolas; aquando da outorga dos contratos pelo quais a autora transmitiu a sua parte do imóvel a António M… e este declarou vender à FF os referidos imóveis, foi garantido à autora que nunca seria posto em causa o direito de usar, utilizar e viver naqueles imóveis, reconhecendo quer o referido Vitor M… quer o legal representante da FF o direito da autora de uso e habitação daqueles imóveis, o qual nunca foi posto em causa por quem quer que seja até à presente data; a partir de 02.03.1981, a autora e António Monteiro realizaram obras nos imóveis, solicitando para tal desiderato um empréstimo, em conjunto, à Caixa Económica Montepio Geral, no montante de 50.000,00 €, utilizaram-nos e pagaram as respetivas contribuições e despesas de água e energia elétrica, o mesmo sucedendo com os filhos da autora após o falecimento de António M…; a autora, após a morte de António M…, continuou, a suas expensas, a realizar obras de construções nos referidos imóveis, concretamente dois quartos de dormir e uma sala para cozinha no pavilhão existente no lado norte, fechou o pavilhão poente, construiu um telheiro em chapa e dois currais, arrumos e um furo de exploração de água e uma cobertura em metal, tudo no valor global de 64.500,00 € (empréstimo incluído); assiste-lhe o direito de retenção do imóvel até que aquele valor se mostre pago; nas descrições registrais n.ºs 2013 e 3766, os imóveis identificados no art. 8.º da petição inicial têm as áreas, respetivamente, de 3850 m2 e 1430 m2, num total de 5.280 m2 e a penhora incide sobre esta área, mas a implantação total do imóvel é de 5.508 m2.
Citados, apenas os réus CC e mulher contestaram a ação, e fizeram-no por exceção, invocando a autoridade de caso julgado, a ilegitimidade da autora para arguir a simulação e a inadmissibilidade do pedido relativo às áreas dos imóveis, e por impugnação, sustentando a inexistência de negócio simulado, a boa-fé dos réus, a inexistência de posse e das alegadas benfeitorias.
Os réus deduziram, também, pedido reconvencional, peticionando o reconhecimento do direito de propriedade da ré Imobiliária EE sobre os dois imóveis, bem como a condenação da autora em indemnização por litigância de má-fé.
A autora apresentou resposta às exceções invocadas, ao pedido de reconvenção e ao pedido da sua condenação como litigante de má-fé.
O tribunal de primeira instância proferiu despacho a indeferir o pedido reconvencional e foi designada data para a realização de uma audiência prévia.
Foi dada às partes a oportunidade de se pronunciarem, por escrito, sobre o mérito da causa relativamente aos pedidos de condenação dos réus no reconhecimento do direito vitalício de uso e habitação, benfeitorias e direito de retenção, direito que a autora e os réus contestantes exerceram.
Realizou-se a audiência prévia, no início da qual a autora/recorrente declarou desistir do pedido contra os réus CC e mulher, mantendo todos os pedidos em relação aos restantes réus. Na sequência de tal declaração, o tribunal a quo proferiu despacho no qual «determinou a extinção do direito que se pretendia fazer valer, nos termos dos artigos 283.º e 285.-º, do CPC» e, após, proferiu despacho-saneador-sentença, objeto do presente recurso.

I.2.
A recorrente culmina as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
«1 - Nos termos do disposto no art° 567 do C.P.C. devem ser julgados como confessados os factos alegados, e por consequência as Rés FF e Imobiliária, condenadas no pedido, face à inoperância e ineficácia da sua contestação, perante a operada desistência do pedido em audiência prévia, quanto aos R.R CC e DD, e assim a ação julgada de imediato procedente com todas as legais consequências.
2 - É que o caso dos autos não configura situação de litisconsórcio necessário nos precisos termos do disposto no art.º 33 N° 1 e 2 do C.P.C
3- No caso dos autos o Meritíssimo Juiz não se pronunciou sobre tal questão, deduzindo sem mais saneador-sentença, o que constitui omissão de pronuncia nos precisos termos do disposto no art. 608 n° 2 do C.P.C e determina a nulidade da sentença nos precisos termos do disposto no art° 615 n.º l do C.P.C.
Mas sempre,
4 - A recorrente ser tida como terceira de boa fé, nos precisos termos do disposto no art. 242, 243 e 299 do C., o que já não sucede com os R.R contestantes, uma vez que não são adquirentes dos imóveis, a título oneroso.
Além do mais,
5 - Inexiste autoridade do caso julgado nos autos, uma vez que contrariamente ao consignado os pedidos e a causa de pedir não são exatamente os mesmos nesta ação nem a ação referida nos autos.
6 - A decisão foi tomada pelo tribunal sem ter em conta o efeito, da desistência do pedido efetivado na audiência prévia pela A. É que,
7 - Conforme resulta do anteriormente referido, não se impõe a aplicação ao caso dos autos o disposto no art. 291 do C.C. - Os R.R contestantes não são adquirentes a titulo oneroso -, como o foi no processo n° 846/12.7TBTMR. E, assim
8 - Tem de entender-se a alegada prova da A. sobre os imóveis identificados nos autos não contestada, e invocada desde o ano de 1980 até à presente data.
9 - Os factos alegados representam - o corpus e o animus - e a não serem tidos como assentes, o que não se aceita, sempre devem ser quesitados e levados a julgamento final, uma vez que constituem factos, além do mais suscetíveis de prova testemunhal.
10 - Possuidor, é quem, exerce os poderes de uma coisa (corpórea) com a intenção de o fazer nos termos do um direito real.
11 - Da titularidade do direito da propriedade, ou dos invocados direitos de usufruto uso e habitação vitalícia sobre os imóveis por parte da A., não decorre qualquer presunção de posse.
12 - Deve assim ser declarado de imediato a nulidade da compra e venda invocada nos autos, por inexistência de autoridade do caso julgado, e inoperância da contestação dos autos, e, por consequência ser invocada a procedência dos pedidos constantes dos pontos 1 a 6 da petição inicial. Mas, se assim se não entender,
13 - E sempre julgado procedente o pedido de condenação das Rés no pagamento do montante das benfeitorias reclamadas, e reconhecido o respetivo direito de retenção sobre os imóveis até bom e total pagamento do valor reclamado.
14 - A aliás douta sentença viola além do mais o disposto nos art°s 567, 608, 615 n.º 1 do C.P.C, arts. 242, 243, 291, 286, 334, 1296, 1439, 1440 e 1484 do C.C .
Termos em que face ao exposto, deve revogar-se a aliás douta sentença e substituir-se por outra que julgue de imediato procedente o pedido condenando as Rés, a reconhecê-lo, ou caso assim se não entenda, submeta a mesma a julgamento para prova dos factos impugnados, se for caso disso, com todas as legais consequências.»

I.3.
Os réus CC e DD apresentaram resposta às alegações de recurso, sustentando a improcedência do mesmo e requereram a ampliação do recurso, ao abrigo do art. 636.º, do CP, para apreciação do tipo de litisconsórcio dos autos «para prevenir a hipótese de o Tribunal ad quem entender que, no caso de litisconsórcio voluntário, a desistência é apta a produzir o efeito pretendido pela Recorrente».

I.4.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no art. 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (art. 608.º, n.º 2 e art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (arts. 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC).

II.2.
As questões que importa decidir são as seguintes:
1. Questão prévia: Ampliação do recurso.
2. Nulidade da sentença.
3. Exceção de autoridade de caso julgado.
4. Aplicabilidade do art. 291.º do Código Civil ao caso sub judice.

II.3.
II.3.1.
Factos provados
O tribunal recorrido julgou provados os seguintes factos:
a) Em 21 de Janeiro de 2003, faleceu António M…, com residência em Alto … nº …, Casais, Tomar.
b) Victor M… e Micael M… são filhos do falecido António M….
c) Elisabete M… é igualmente filha do falecido Victor M… mas repudiou a herança por óbito de seu pai, mediante escritura pública de 03 de Março de 2011, lavrada no Cartório Notarial do Seixal.
d) Por escritura pública, outorgada em 02 de Março de 1981, no Cartório Notarial de Tomar, o falecido António M… e a ora Autora BB declararam comprar a José C… e esposa Irene N… e estes declararam vender o prédio rústico composto de terra de semeadura e oliveiras, sito no lugar de Vale da …, freguesia de Casais, concelho de Tomar, naquela data inscrito na matriz rústica sob o artigo … e descrito sob o nº … na Conservatória do Registo Predial de Tomar, prédio originário com a área de 5280 m2.
e) Por escritura pública outorgada em 02 de Dezembro de 1993, no Cartório Notarial de Tomar, a ora Autora BB declarou vender a António M… e este declarou comprar a sua quota parte no prédio referido na alínea anterior.
f) Por escritura pública outorgada em 28 de Novembro de 2002, no Cartório Notarial de Tomar, António M… declarou vender à ora 4ª Ré “FF- Construções e Empreitadas Lda.”, pelo preço de €100.000,00, o prédio misto, composto de pavilhão destinado a oficina de reparação de automóveis, com 490 m2, logradouro como 300m2, barracão de rés-do-chão destinado a arrecadação, com 390 m2 e terra de cultura arvense, oliveiras e figueiras, com 2670 m2, no Vale da …, freguesia de Casais, do concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº …, registada a aquisição a favor do vendedor, inscrito na matriz sob os artigos … e … urbanos e … secção P rústico e o prédio urbano composto de edifício destinado a armazém com arrecadação, casa de banho e garagem com 360 m2 e logradouro com 1070m2, no mesmo sítio de Vale da …, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº …, com aquisição registada a favor do vendedor, inscrito na matriz sob o nº ….
g) Por escritura pública outorgada em 21 de Janeiro de 2010, no Cartório Notarial de ….., a ora ora 4ª Ré “FF- Construções e Empreitadas Lda.”, através do seu legal representante, declarou vender os imóveis identificados na alínea anterior, à ora 3ª Ré “Imobiliária EE Sociedade Unipessoal, Lda.” e esta declarou comprar os prédios descritos na alínea anterior.
h) Sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº … os ora 1º e 2º Réus CC e DD registaram provisoriamente hipoteca judicial para garantia do pagamento da quantia de €214.400,00.
i) Sobre os referidos prédios - … e … - e mediante a Ap. … de 24 de Abril de 2009 os ora 1º e 2º Réus CC e DD registaram hipoteca judicial para garantia do pagamento da quantia de €214.400,00 por dívida da sociedade e ora 4ª Ré“FF- Construções e Empreitadas Lda.” e, em 18/10/2011, no âmbito do processo executivo 8073/11.4TBOER do Juízo de Execução de Oeiras registaram a penhora a seu favor sobre os mesmos prédios.
j) Por apenso à execução n.º 8073/11.4TBOER referida na alínea anterior, Micael M… e Victor M… (filhos do falecido António M…) deduziram embargos de terceiros, na qual pediam que fosse declarada a nulidade dos contratos de compra e venda referidos na alíneas f) e g) (prédio 2013 e 3766) e a restituição da posse aos embargantes.
k) Por decisão de 04/01/2013 os embargos foram considerados improcedentes, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que, em síntese, concluiu:
- Estando alegado pelos embargantes que a simulação feita por seu pai visou frustrar os direitos dos seus credores e não prejudicar os herdeiros, eles não são herdeiros mas meros representantes do simulador, estando-lhe por isso vedada a invocação da nulidade proveniente da simulação contra terceiro de boa fé, nos termos revistos no nº1 do artigo 243º do CC;
- Mas, ainda que a simulação tivesse o intuito de prejudicar os herdeiros legitimários do simulador, estes só poderiam arguir a nulidade decorrente da simulação contra terceiro de boa fé se, estando em causa a aquisição onerosa de imóveis ou de móveis sujeitos a registo, a ação de declaração da nulidade for registada dentro dos três anos subsequentes à aquisição posta em crise, tal como previsto no artigo 291º CC.
l) Micael M… e Victor M… (filhos do falecido António M…) propuseram ação declarativa comum contra os mesmos Réus na presente ação, a qual correu termos sob o nº 846/12.7TBTMR no 3º Juízo do Tribunal Judicial de Tomar (atualmente Juízo Central Cível de Santarém – J3), pedindo que fosse declarada a nulidade, por simulação, dos negócios de compra e venda dos prédios descritos sob os nºs … e … da Conservatória do Registo Predial de Tomar [negócios esses supra referidos nas alíneas f) e g)], o cancelamento dos respetivos registos e subsidiariamente a condenação dos Réus a verem reconhecido o direito de propriedade dos então autores, sobre os prédios em causa, com fundamento em aquisição originária por usucapião.
m) A referida ação foi considerada improcedente por sentença datada de 24 de Abril de 2014, confirmada por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 22 de Outubro de 2015.
n) Na sentença em causa, decidiu-se além do mais que:
“.. ainda que se entendesse os autores como terceiros, o que desde já se afirma que não se tem esse entendimento, haveria que atender-se ao regime fixado no artº291º do CC, não sendo prejudicados os direitos adquiridos por terceiros quando a aquisição tivesse sido feita de boa fé, a título oneroso e registada antes da propositura e registo da ação que visa a declaração de nulidade do negócio simulado, sendo que os direitos de terceiro, apenas são salvaguardados se a ação for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.
No caso vertente o alegado negócio simulado terá ocorrido em 28/11/2002 e a venda pela FF Lda. à Imobiliária em 21/01/2010. A presente ação deu entrada em 15/06/2012 e nada é alegada pelos autores que permita que se entenda que a ré imobiliária conhecia o vício do negócio.
Porquanto, os autores só podiam prevalecer-se da nulidade da venda por simulação perante a referida ré, e os réus pessoas singulares, que são terceiros de boa fé, se tivesse registado esta ação no prazo de três anos após 21/01/2010, ou seja até 20/01/2013, o que não sucedeu, como resulta de fls. 234 (registo lavrado provisoriamente por dúvidas em 22/02/2013). Porquanto, também com base nesta argumentação, deveriam ser julgados totalmente improcedentes os mencionados pedidos”.

II.3.2.
Extrai-se, ainda, dos autos que:
1) Na audiência prévia, o mandatário da autora, no uso da palavra, declarou o seguinte:
«Considerando o já decidido em sede de primeiro despacho-saneador e considerando o último entendimento quanto à validade da inscrição das penhoras nos imóveis objeto na presente causa, a autora desiste do pedido contra os 1.º e 2.º réus CC e DD, considerando a contestação pelos mesmos apresentada nos autos como inoperante face ao que dispõe o art. 283.º e o art. 288.º do C.P.C. por entendermos não estarmos perante um litisconsórcio necessário(negrito nosso)

2) Sobre aquela comunicação foi proferido despacho pelo tribunal a quo com o seguinte teor, relativamente ao qual não foi interposto recurso:
«A desistência do pedido é livre e, como tal, determina-se a extinção do direito que se pretendia fazer valer nos termos dos arts. 283.º e 285.º, do CPC. Quanto à contestação nada a determinar uma vez que a desistência do pedido não tem que ser fundamentada porque é livre.» (negrito nosso)

II.3.3.
Questão prévia
Ampliação do recurso
Os Réus CC e DD requereram a ampliação do recurso interposto pela autora de forma a que o tribunal aprecie o tipo de litisconsórcio dos autos «para prevenir a hipótese de o tribunal ad quem entender que, no caso de litisconsórcio voluntário, a desistência é apta a produzir o efeito pretendido pela recorrente» (sic).
Estabelece o art. 636.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe, Ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, que:
«No caso de pluralidade de fundamentos da ação ou da defesa, o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.»
A função e a utilidade da ampliação do objeto do recurso consiste em permitir à parte vencedora – em caso de recurso da decisão que lhe foi favorável ou parcialmente favorável - suscitar perante o tribunal de recurso, e para prevenir o risco de este último acolher os fundamentos invocados pelo recorrente, uma segunda apreciação dos fundamentos que invocou na primeira instância e que não hajam sido acolhidos pelo tribunal recorrido.
Dito de outra forma, a par do recurso da decisão pelo recorrente há um recurso dos fundamentos da ação ou a defesa pelo recorrido, estando a ampliação do recurso reservada para as situações em que na decisão recorrida o tribunal decidiu questões, de facto ou de direito, de forma desfavorável à parte que requer a ampliação do recurso, embora o resultado final da ação lhe haja sido desfavorável.
No caso sub judice a questão subjacente ao pedido de ampliação do recurso prende-se com os efeitos da desistência do pedido quanto aos 1.º e 2.º réus na tramitação da ação.
É que a recorrente sustenta que a desistência dos pedidos quanto aos 1.º e 2.º Réu, «reforçada com a alegação de que no caso dos autos não existe litisconsórcio necessário, tem o efeito de convolar a revelia inoperante das 3.ª e 4.ª Rés em revelia operante a qual implica a confissão dos factos articulados pela autora, nos termos do art. 567.º, n.º 1, do CPC.»
E os recorridos sustentam que existe uma situação de litisconsórcio necessário, pelo lado passivo.
Sucede, porém, que o tribunal a quo julgou que a contestação dos 1.º e 2.º réus aproveita aos restantes, não havendo, por isso, que julgar confessados os factos alegados pelas partes [1].
Pelo que não se verifica o pressuposto da requerida ampliação do pedido, a saber, que o tribunal recorrido tenha conhecido de questão em que a parte vencedora tenha decaído.
De qualquer modo sempre se dirá que o “tipo de litisconsórcio é irrelevante quanto ao aproveitamento da contestação de um dos litisconsortes porque aquela aproveita sempre aos demais réus, independentemente de o litisconsórcio ser necessário ou voluntário.
Em face do exposto, não se admite a ampliação do recurso.

II.3.4.
Nulidade da sentença
A recorrente sustenta que o juiz a quo não se pronunciou sobre os efeitos da desistência do pedido quanto aos 1.º e 2.º réus na tramitação da ação, «deduzindo sem mais saneador-sentença, o que constitui omissão de pronúncia nos precisos termos do disposto no art. 608.º, n.º 2 do CPC e determina a nulidade da sentença nos precisos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1 do CPC» (sic).
Ou seja, a recorrente sustenta que a omissão de pronúncia sobre os efeitos da desistência do pedido efetivada na audiência prévia afeta a validade do despacho-saneador-sentença proferido pelo tribunal na medida em que este «não teve em conta que aquela desistência permitiu a convolação da revelia inoperante das 3.ª e 4.ª rés em revelia operante o que implicava julgarem-se confessados os factos alegados pela autora/recorrente».
Vejamos se lhe assiste razão.
A inobservância das prescrições prescritas na lei para a prática dos atos processuais é suscetível de gerar nulidades, cujo regime está previsto nos arts. 186.º e ss. do CPC.
Prescreve o art. 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, sob a epígrafe Regras gerais sobre a nulidade dos atos, que «1-Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.2- Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.»
A nulidade processual a que alude o art. 195.º, n.º 1 do CPC pode gerar a anulação da sentença nos termos do art. 195.º, n.º 2, do CPC.
A verificação da nulidade prevista no art. 195.º, n.º 1, do CPC pressupõe, por conseguinte, e no que releva para o caso sub judice, que o tribunal haja omitido um ato prescrito pela lei.
No caso em apreço, na perspetiva da recorrente, o despacho-saneador-sentença é nulo porque foi proferido sem que o tribunal tivesse julgado como confessados os factos alegados nos termos do disposto no art. 567.º, do CPC perante a «operada desistência do pedido em audiência prévia quantos aos 1.º e 2.º réus e, assim a ação julgada de imediato procedente com todas as legais consequências».
O art. 567.º, n.º 1, do CPC prescreve que: «Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se citado regularmente na sua própria pessoa ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor».
A nulidade da sentença decorrente da omissão de um ato processual, in casu, o previsto no art. 567.º, n.º 1, do CPC, pressupõe a relevância da desistência do pedido no que respeita aos 1.º e 2.º réus na subsequente tramitação da ação, concretamente, no que respeita aos efeitos da revelia das 3.ª e 4.ª rés.
Porém, e ao contrário do que sustenta a recorrente, aquela desistência não teve, não tem, a virtualidade de convolar a revelia inoperante das 3.ª e 4.ª rés numa revelia operante.
A revelia, quer seja absoluta quer seja relativa[2], diz-se operante quando produz efeitos quanto à composição da lide e inoperante quando a falta de contestação nada implica quanto à decisão da causa.
As 3.ª e 4.ª Rés não contestaram a ação.
Os únicos Réus contestantes são aqueles relativamente aos quais ocorreu uma desistência do pedido.
Todavia, a contestação de um dos litisconsortes aproveita sempre aos demais réus, não relevando o tipo de litisconsórcio. E a situação de revelia e os efeitos da mesma aferem-se no momento da contestação, perdurando até à decisão final do processo. Por conseguinte, a desistência do pedido formulado contra apenas alguns dos réus e únicos contestantes não tem a virtualidade de produzir os efeitos pretendidos pela reconvinte. Aliás, assim o decidiu o acórdão do Tribunal da Relação do Porto invocado pela própria recorrente, datado de 21.09. 2010, proferido na apelação n.º 474/04.0TBOAZ-I.P1 e consultável em www.dgsi.pt.
Logo, o tribunal recorrido não tinha de julgar confessados os factos alegados pela autora em conformidade com o art. 567.º, do CPC e, por conseguinte, não ocorreu qualquer omissão de ato prescrito pela lei geradora da alegada a nulidade de sentença ao abrigo do art. 195.º, n.º 2, do CPC.
Ademais, a nulidade prevista no art. 195.º, n.º 1, do CPC, deve ser arguida logo no momento em que é cometida, se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, e enquanto o ato não terminar, ou, se não o estiver, no prazo de 10 dias a contar do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas, neste último caso, só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência (art. 199.º, n.º 1, do CPC).
A recorrente esteve representada pelo respetivo mandatário na audiência prévia, sem que este último tivesse arguido a nulidade processual agora invocada.
A impugnação que se poderia eventualmente enxertar no recurso que foi interposto da sentença proferida — ainda que condicionada nos termos previstos no art. 630.º, n.º 2, do Código de Processo Civil — seria apenas a relativa a uma eventual decisão que tivesse conhecido e decidido da arguição da nulidade processual agora invocada pelo recorrente.
Por todo o exposto, improcede este segmento do recurso.

II.3.5.
Autoridade de caso julgado
O tribunal a quo considerou que relativamente aos pedidos de declaração da nulidade dos negócios de compra e venda e cancelamento dos respetivos registos peticionados na presente ação e naquela que correu termos sob o n.º 846/12.7TBTMR a única diferença respeita aos sujeitos processuais uma vez que ali os autores são os filhos do falecido Vitor M… e nos presentes autos a autora é a mãe dos filhos daquele, sendo idêntica a causa de pedir em ambas as ações, mas que a falta de identidade de sujeitos, pelo lado ativo, não significa que o tribunal não esteja vinculado à decisão proferida no processo n.º 846/12.7TBTMR, estando-lhe vedado conhecer aqueles pedidos que na ação n.º 846/12.7 foram julgados improcedentes. E, consequentemente, absolveu os réus da instância quanto àqueles concretos pedidos.
Em contraponto, a recorrente alega que não se verifica a exceção inominada da autoridade do caso julgado uma vez que os pedidos e a causa de pedir na presente ação e na ação deduzida pelos seus filhos (ação que correu termos no 3.º juízo cível de Tomar, sob o n.º 846/12.7TBTMR) não são exatamente os mesmos. Diz a recorrente que «Para além da não existência do tríplice requisito do caso julgado formal – sujeitos, causa de pedir e pedido - a decisão daquela outra ação quanto aos seus objetos, não é resultante dos mesmos factos, nem o pedido que a A. é coincidente com o pedido dos aí AA. seus filhos.»
Vejamos se lhe assiste razão.
Estabelece o art. 619.º, n.º 1 do CPC, sob a epígrafe Valor da sentença transitada em julgado, que: «Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos arts. 696.º a 702.º».
O art. 621.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe Alcance do caso julgado, estabelece que: «A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga (…)».
Os normativos citados reportam-se ao chamado «caso julgado material», definido por Manuel Andrade[3] da seguinte forma: «Consiste em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão.»
O caso julgado material impede, portanto, que o mesmo ou outro tribunal, ou até outras autoridades, possam definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada. E visa garantir a certeza e segurança jurídicas, indispensáveis à vida de relação bem como o prestígio dos tribunais.
A impossibilidade de o tribunal, por virtude da força do caso julgado material, apreciar e decidir uma segunda vez a mesma pretensão, revela-se de duas formas, a saber:
1) Na inadimissibilidade da segunda ação, obstando a nova decisão de mérito da causa e impondo ao juiz a absolvição do(s) réu(s) da instância;
2) Na imposição da primeira decisão de mérito a outras decisões de mérito, ou seja, o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objeto posterior[4].
A primeira vertente do caso julgado material reconduz-se à exceção de caso julgado e a segunda à autoridade de caso julgado.
A verificação da exceção de caso julgado pressupõe, nos termos dos arts. 580.º e 581.º, do CPC, a «repetição de uma causa», a qual ocorre quando se propõe um ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, a qual já foi decidida por sentença que já não admite recurso ordinário.
De acordo com o disposto no art. 581.º, n.ºs 2, 3 e 4, do Código de Processo Civil, há identidade de:
a) “Sujeitos” quando as partes são as mesmas ainda que apenas pelo prisma da sua qualidade jurídica, ou seja, são partes para efeitos de caso julgado não apenas aquelas que intervieram no processo como aqueles que assumiram, mortis causa ou inter vivos, a posição jurídica de quem foi parte na causa depois de a sentença ter sido proferida e transitada em julgado.
b) “Pedido” quando numa e noutra se pretende obter o mesmo efeito jurídico;
c) “Causa de pedir”, quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico.
Em suma, ocorre exceção de caso julgado quando quem foi parte em ação anterior pretende obter o mesmo efeito jurídico dos mesmos factos jurídicos já deduzidos naquela.
Na chamada autoridade de caso julgado «são considerados efeitos secundários, indiretos ou excludentes que derivem da decisão transitada para outra sentença que, estando em relação de causalidade ou em relação de prejudicialidade com a primeira, disponha do mesmo bem jurídico ou de bem jurídico conexo.»[5]
Assim, «o caso julgado material pode valer em processo posterior como autoridade de caso julgado, quando o objeto da ação subsequente é dependente do objeto da ação anterior, ou como exceção de caso julgado, quando o objeto da ação posterior é idêntico ao objeto da ação antecedente (…)»[6] .
Coloca-se a questão de saber se a verificação da autoridade de caso julgado pressupõe, também ela, a tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir prevista no art. 581.º, do CPC.
Alberto dos Reis[7] defendia que a autoridade de caso julgado exige a verificação da tríplice identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. Também parece ser esse o entendimento de Maria José Capelo[8] quando afirma: «(…) a “força obrigatória” sobre a decisão de mérito pauta-se, nos termos do art. 671.º do CPC [art. 619.º do NCPC], pelos limites estabelecidos nos artigos 497.º e 498.º do mesmo Código [artigos 580.º e 581.º do NCPC]. Isto é, a “identidade” do objeto prejudicial na nova causa é uma identidade aferida de acordo com os limites objetivos (uma determinada pretensão fundada numa causa de pedir) e subjetivos (o dispositivo vinculará positivamente os sujeitos “abrangidos” pelo critério de identidade jurídica)».
No que respeita à identidade de sujeitos, Rui Pinto[9] escreveu: «(…) dados os limites subjetivos do caso julgado, é duvidoso se, nas relações de dependência ou prejudicialidade jurídica entre uma das partes e terceiro, se pode fazer valer a autoridade de caso julgado. Em suma: se há autoridade subjetiva do caso julgado, no sentido da decisão valer perante quem não foi parte no processo. (…) a regra é a de que o caso julgado apenas vale entre as partes, pelo que cabe à lei estabelecer mecanismos que garantam que todos os interessados de relações conexas estão na causa (litisconsórcio necessário legal do art. 33.º, n.º 1 do CPC) ou que os mesmos podem usar do caso julgado secundum eventum litis, como previsto nos arts. 522.º, 531.º, 538.º n.º 2 e 635.º CC. Na ausência desses mecanismos serão produzidas decisões que, apesar de serem teoricamente contraditórias, não são no plano dos efeitos práticos.»
Antunes Varela[10]escreveu: «A decisão proferida em qualquer ação judicial, uma vez transitada, adquire força de caso julgado, mas apenas entre as partes […] Esta regra comporta, no entanto, algumas exceções e necessita de ser adaptada ao condicionalismo especial de certas relações, como as obrigações solidárias.»
Segundo outra linha de entendimento, a autoridade do caso julgado não requer aquela tríplice identidade – neste sentido, entre outros, Acs. STJ de 13.12.2007, proferido na revista n.º 07A3739, de 06.03.2008, proferido na reista n.º 08B402, e de 23.11.2011, proferido na revista n.º 644/08.2TBVFR.P1.S1, todos consultáveis em www.dgsi.pt. No sumário do acórdão do STJ de 15-01-2013, proferido na revista n.º 474/04.0TBOAZ-I.P1, consultável em www.dgsi.pt, escreveu-se: «O alcance e a autoridade do caso julgado não se podem confinar aos rígidos contornos definidos nos arts. 497.º e ss. do CPC para a exceção do caso julgado, antes se devendo tornar extensivos a situações em que, não obstante a ausência formal da identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, o fundamento e razão de ser daquela figura jurídica estejam notoriamente presentes.»
No caso em apreço está provado que Micael M… e Vitor M…, ambos filhos de António M…, moveram contra CC, DD, Imobiliária EE, Sociedade Unipessoal, Lda. e FF-Construções e Empreitadas, Lda. uma ação declarativa comum a qual correu termos sob o n.º 846/12.7TBTMR, no Tribunal Judicial de Tomar, pedindo que fosse declarada a nulidade, por simulação, dos negócios de compra e venda dos prédios descritos sob os n.ºs … e … da Conservatória do Registo Predial de Tomar e o cancelamento dos respetivos registos e, subsidiariamente, a condenação dos réus a verem reconhecido o direito de propriedade daqueles autores sobre os referidos prédios com fundamento em aquisição originária por usucapião. Tal ação foi julgada improcedente por sentença já transitada em julgado.
Na presente ação um dos pedidos consiste, também, na declaração de nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda formalizado pela escritura pública outorgada em 28.11.2002 e, consequentemente, que seja decretado o cancelamento de todos os registos de aquisição posteriores à aquisição registada em 02.02.94 a favor do falecido António M… pela apresentação G2. Pedido que assenta na mesma causa de pedir e foi já apreciado e julgado improcedente por outro tribunal, com decisão transitada em julgado, no âmbito do processo n.º 846/12.7TBTMR.
Todavia, os sujeitos processuais ativos são diversos numa e noutra ação, pois a aqui Autora/recorrente não participou nem foi chamada a intervir na ação n.º 846/12.7TBTMR e não atua na presente ação com a mesma qualidade jurídica dos autores daquela outra ação (art. 581.º, n.º 2 do CPC). Com efeito, a aqui Autora/recorrente deve considerar-se «terceira» quanto ao decidido no âmbito do processo n.º 846/12.7TBTMR. E tanto basta, quanto a nós, para julgar improcedente a exceção inominada de autoridade de caso julgado, pois que, em nosso entender, esta exige a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir.
Não se olvida que o caso julgado material pode estender-se a «terceiros» ficando estes vinculados às consequências e efeitos de uma decisão. O prof. Miguel Teixeira de Sousa[11] aponta como exemplos de tais situações a identidade da qualidade jurídica entre a parte e o terceiro, a substituição processual, a titularidade pelo terceiro de uma situação jurídica dependente do objeto apreciado e a oponibilidade resultante do registo.
Porém, nenhuma destas situações se verifica no caso em apreço, pelo que a recorrente/autora não pode ser afetada no seu direito de peticionar a nulidade dos negócios jurídicos supra descritos e subsequente cancelamento de todos os registos de aquisição posteriores à aquisição registada em 02.02.94 a favor do falecido António M… em virtude de tais pedidos terem sido já decididos no âmbito da ação n.º 846/12.7TBTMR, sob pena de violação do seu direito de defesa e do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC), ambos decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão independente e imparcial (art. 20.º da Constituição da República).
Como tem sido proclamado pelo Tribunal Constitucional[12], do conteúdo do direito de defesa e do princípio do contraditório resulta que cada uma das partes deve poder exercer uma influência efetiva no desenvolvimento do processo, devendo ter a possibilidade de apresentar as razões de facto e de direito que sustentam a sua posição antes de o tribunal decidir questões que lhes digam respeito oferecer as suas provas e controlar as provas da parte contrária, tomando posição sobre umas e outras.
Concluindo, não se verificando identidade de sujeitos processuais nas duas ações em apreço, este segmento do recurso procede, necessariamente, julgando-se não verificada a exceção inominada de autoridade de caso julgado.
O que implica a revogação do despacho recorrido na parte em que julgou verificada a exceção inominada de autoridade de caso julgado.
Os autos deverão, por conseguinte, regressar à primeira instância para conhecimento da exceção de ilegitimidade ativa para arguir a simulação, exceção cujo conhecimento foi julgado prejudicado pelo tribunal a quo em virtude da decidida procedência da exceção de autoridade de caso julgado, e dos pedidos de declaração de nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda formalizado pela escritura pública outorgada em 2.12.1993, no Cartório Notarial de Tomar, de declaração de nulidade do negócio de compra e venda formalizado por escritura pública outorgada em 21.01.2010, e consequentemente, do pedido de cancelamento de todos os registos de aquisição posteriores à aquisição registada em 02.02.94 a favor do falecido António M…, pela apresentação G.2, caso a instância quanto a eles não se deva extinguir por outro motivo.
Fica, assim, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso perante este tribunal.

Sumariando:
1 - A ampliação do recurso prevista no art. 636.º, n.º 1, do CPC está reservada para as situações em que na decisão recorrida o tribunal decidiu questões, de facto ou de direito, de forma desfavorável à parte que requer a ampliação do recurso, embora o resultado final da ação lhe haja sido desfavorável.
2 - A nulidade da sentença decorrente da omissão de um ato processual, in casu, o previsto no art. 567.º, n.º 1, do CPC, pressupõe a relevância da desistência do pedido no que respeita aos 1.º e 2.º réus contestantes na subsequente tramitação da ação, concretamente, no que respeita aos efeitos da revelia das 3.ª e 4.ª rés.
3 – A desistência do pedido quanto aos litisconsortes contestantes não tem, a virtualidade de convolar a revelia inoperante das rés numa revelia operante porquanto a contestação de um dos litisconsortes aproveita sempre aos demais réus e a situação de revelia e os efeitos da mesma aferem-se no momento da contestação, perdurando até à decisão final do processo.
3 – A verificação da exceção inominada de autoridade de caso julgado, exige a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir. Não tendo a Autora participado nem sido chamada a intervir numa outra ação em que se decidiu sobre a nulidade, com fundamento em simulação absoluta, dos negócios jurídicos objeto da presente ação e não atuando ela na presente ação com a mesma qualidade jurídica dos autores daquela outra ação (art. 581.º, n.º 2 do CPC), não pode ser afetada no seu direito de peticionar pedido idêntico, e com a mesma causa de pedir, sob pena de violação do seu direito de defesa e do princípio do contraditório (art. 3.º do CPC), ambos decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão independente e imparcial (art. 20.º da Constituição da República).


III. DECISÃO
Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente a Apelação e, consequentemente:
1 – Revoga-se o despacho-saneador na parte em que julgou procedente a exceção inominada de autoridade de caso julgado;
2 - Ordena-se o prosseguimento dos autos para conhecimento:
2.1. Da exceção de ilegitimidade ativa para arguir a simulação; e
2.2. Dos pedidos de declaração de nulidade, por simulação absoluta, do negócio de compra e venda formalizado pela escritura pública outorgada em 2.12.1993, no Cartório Notarial de Tomar, de declaração de nulidade subsequente do negócio de compra e venda formalizado por escritura pública outorgada em 21.01.2010 e do pedido de cancelamento dos registos de aquisição posteriores à aquisição registada em 02.02.94 a favor do falecido António M…, pela apresentação G.2, caso a instância, quanto a eles, não se deva extinguir por outro motivo.
3 – Julga-se prejudicado, por ora, o conhecimento das demais questões suscitadas pela recorrente.
As custas de parte devidas na presente instância recursiva são devidas pela recorrente.

Notifique.

Évora, 24 de outubro de 2019,
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato
Mata Ribeiro

__________________________________________________
[1] Na decisão recorrida extrai-se o seguinte segmento: «Por requerimento de fls. 480 e ss. veio a Autora manter que dada a não contestação por parte da 3.ª e da 4.ª rés e, sendo a ré Imobiliária a única titular inscrita, devem ser considerados confessados os factos e, como tal, a ação deve ser considerada procedente. Relativamente à falta de contestação da 3.ª e 4.ª rés, cumpre apenas referir que não implica que se devam considerar confessados os factos. A contestação dos 1.º e 2.º réus aproveita aos restantes e os mesmos têm inequivocamente interesse na resolução do litígio.»
[2] A revelia diz-se absoluta quando o réu não pratica qualquer ato na ação pendente e é relativa se o réu não contesta mas pratica em juízo qualquer outro ato processual, nomeadamente, a constituição de mandatário judicial.
[3] Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1976, p. 304.
[4] Miguel Teixeira de Sousa, O Objeto da Sentença e o Caso Julgado Material, BMJ n.º 325, 1983, pp. 168 e ss.
[5] Rui Pinto, Novos Estudos de Processo Civil, Petrony, p. 126.
[6] Miguel Teixeira de Sousa Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit., pp. 178-179.
[7] Código de Processo Civil Anotado, volume III, 3.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, 1981, p. 139.
[8] A Sentença entre a Autoridade e a Prova, Em busca de traços distintivos do caso julgado civil, 2016, reimpressão, Almedina, p. 63.
[9] Novos Estudos de Processo Civil, 2017, Petrony Editora, p. 129.
[10] Das Obrigações em Geral, volume I, 5.ª edição, Almedina. Coimbra, p. 734.
[11] Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, 2.ª edição, Lex, pp. 594-595.
[12] Vd., entre outros Acórdãos n.ºs 1185/96 e 1193/96.