Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | GOMES DE SOUSA | ||
Descritores: | NÃO TRANSCRIÇÃO DA CONDENAÇÃO NO REGISTO CRIMINAL QUESTÃO NOVA | ||
Data do Acordão: | 04/13/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1 - O recorrente não pode solicitar em sede de recurso a não transcrição da condenação no registo criminal se essa questão não tiver sido decidida num ou noutro sentido pelo tribunal recorrido, com ou sem colocação da questão em primeira instância pelo recorrente. 2 - Revelando os autos que tal questão não foi colocada pelo recorrente ao tribunal da decisão, nem este, oficiosamente, dela conheceu, trata-se de questão nova no recurso e de que a Relação não pode conhecer. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
A - Relatório Na comarca de Portalegre - Juízo de Competência Genérica de Ponte de Sôr, J 2 - correu termos o processo comum colectivo supra numerado no qual o Ministério Público requereu o julgamento de (…) imputando-lhe a prática, como autor material, sob a forma consumada e em concurso real ou efetivo, de dois crimes de Ameaça agravada, previstos e puníveis pelos artigos 30º, número 1, 153º, número 1, e 155º, número 1, alínea a), todos do Código Penal (CP). O assistente (...) deduziu acusação particular contra o arguido (...), imputando-lhe a prática de um crime de injúria previsto e punível pelo artigo 180º, nº 1, do CP. O Ministério Público não acompanhou a acusação particular, mas proferiu acusação pública contra o arguido pela prática dos supracitados dois crimes de ameaça agravada p.p. pelos artigos 30º, nº1, 153º, nº1, e 155º, nº 1, al. a), todos do CP. O arguido requereu a abertura de instrução, invocando apenas a nulidade da acusação particular, em virtude de esta, alegadamente, não conter a narração factual dos elementos objetivos e subjetivos do crime de injúria. Realizado debate instrutório, foi proferida decisão instrutória (cfr. Refª 29406381) que concluiu que a acusação particular deduzida nos autos não continha a descrição dos factos integrantes dos elementos objetivos e subjetivos do tipo, necessária à verificação do crime de injúria imputado ao arguido, declarou a nulidade da acusação ao abrigo do disposto no artigo 283º, nº 3, al. b), ex vi do artigo 284º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, e, em conformidade, não pronunciou o arguido pela prática de um crime de injúria. * A final - por sentença lavrada a 22-10-2020 - veio o Tribunal recorrido a julgar a acusação pública procedente, por provada, decidindo: A) Condenar o arguido (…)pela prática, como autor material e em concurso real ou efetivo, de Dois crimes de Ameaça Agravada, p. e p. pelos artigos 30º/1, 153º/1, e 155º/1, alínea a), todos do Código Penal (CP), na pena concreta, para CADA UM dos Dois crimes ora em apreço, de 150 (CENTO e CINQUENTA) dias de Multa, com o quantitativo diário de € 6 (Seis Euros) tendo em atenção o vertido no artigo 47º/2 do Código Penal, o que perfaz o montante total de € 900 (Novecentos Euros); * O arguido, não se conformando com a decisão, interpôs recurso formulando as seguintes (transcritas) conclusões: 1ª. O presente recurso é de direito e tem como objeto a existência de crime continuado perante a matéria de facto dada como provada na douta sentença recorrida. * A Digna Procuradora no Tribunal recorrido respondeu ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo, com as seguintes conclusões: 1) A douta sentença ora em recurso foi devidamente fundamentada, seja de facto, seja de direito; * O Exmª Procurador-geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso. Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal. * B - Fundamentação: B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos: Da Acusação Pública sob a Refª 28800281 - No dia 13-06-2016, às 11h14 e às 11h22, o arguido, através do mesmo número de telemóvel (…), escreveu e enviou para o referido telemóvel, pertença do ora assistente (…) e com o número (…), duas mensagens com o seguinte texto: «filho da puta ja sei quem es, entao gostas bater em mulheres cobarde vamos ver se em homens es assim taõ mau meu cabrão, mal te caçe vais jurar nunca mais filho da puta!» e «violencia domestica e crime publico filho da puta qualquer pode denuncia, estou a aprensentar queixa agora, e vou te apanhar antes gnr cabraõ, te vieste ameacar e meter comigo e a acusar me de falsas merdas, agora te meteste comigo eu ja te conto um conto, anda ca dar um tiro ou matar anda filho da puta pede a gnr te encontro primeiro que eu, estas fodido!». - O arguido, ao atuar do modo acima descrito, fê-lo com o propósito concretizado e conseguido de provocar medo e inquietação ao ora assistente (...) e de prejudicar a sua liberdade de determinação, movimentação e atuação, o que conseguiu, já que o assistente acreditou que aquele tivesse intenção de o agredir e de atentar até contra a sua própria vida. - O arguido sabia que as aludidas expressões que dirigiu a (...) eram adequadas a causar-lhe insegurança, medo e receio por lesão da sua integridade física e até da sua própria vida, bem como eram adequadas a prejudicar a sua liberdade de determinação, movimentação e atuação. - O arguido agiu de modo livre, deliberado e consciente, e bem sabia que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei criminal. - O arguido é divorciado e tem um filho com vinte anos de idade, o qual não estuda e reside com sua (do filho) mãe. O mesmo arguido reside em casa pertença de um seu familiar, mas não paga qualquer montante a título de renda pela sua utilização. Exerceu a atividade profissional de vigilante/segurança privado na empresa (…), mas encontra-se desempregado há cerca de um ano. Neste período de desemprego ou ausência de ocupação regular, o arguido tem efetuado “biscates” nas áreas de atividade de eletricidade e de construção civil, sendo que está inscrito no Centro de Emprego e Formação Profissional. O arguido é titular, inscrito no registo, de veículo automóvel de marca e modelo (…) com cerca de vinte e quatro anos de antiguidade, e ainda de um outro veículo automóvel sem qualquer uso. O arguido tem como habilitações literárias o 11º ano de escolaridade. - O arguido não tem antecedentes. * B.1.2 – Não há factos não provados. * B.1.3 – Inexistindo recurso de facto é inútil reproduzir a fundamentação respectiva. * Cumpre conhecer Alega o recorrente como objecto do seu recurso três únicas questões, a existência de um só crime continuado, a medida concreta da pena e a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os nsº. 5 e 6 do artigo 10.º da Lei 37/2015. * B.2 – A letra da lei – consagrando desenvolvimentos dogmáticos adquiridos e incontestáveis - é clara quando estipula que o número de crimes se determina pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente – artigo 30º, nº 1 do Código Penal. Como o tipo penal imputado – o de Ameaça Agravada, p. e p. pelos artigos 30º/1, 153º/1, e 155º/1, alínea a), todos do Código Penal - foi preenchido duas vezes, dois são os crimes. Quanto à tese do crime continuado há um obstáculo para a sua aceitação, a constante do artigo 30º, nº 2 do Código Penal: a inexistência de uma “situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”. Não há! Não há diminuição considerável da culpa. Bem pelo contrário. Não há diminuição (considerável ou não) da culpa pois que, supondo o conceito de crime “continuado” a pluralidade criminosa deve ser “executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, critério distintivo conhecido e que afasta a ideia de que a simples reiteração da conduta permita falar em continuação criminosa para os efeitos do disposto no artigo 30º, nº 2 do Código Penal. Sendo incontestável que no caso ocorre uma realização plúrima do mesmo tipo de crime que é executada de forma essencialmente homogénea, não existe uma “situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, bem pelo contrário, a reiteração demonstra acréscimo de culpa. Recordando os ensinamentos do Prof. Eduardo Correia (“Direito Criminal”, II, Almedina, Coimbra, 1971, 208-211) o fundamento da diminuição da culpa encontra-se “no momento exógeno da conduta, na disposição exterior das coisas para o facto”. Na lição do Prof. Eduardo Correia (idem, 209) o pressuposto da continuação criminosa – a conversão da pluralidade em unidade de conduta, portanto - será a “existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”, A análise deverá passar, pois, pela supra referida letra do preceito em toda a sua plenitude, com o assento tónico a ser colocado nas circunstâncias exógenas da conduta, “na disposição exterior das coisas para o facto”. Em suma, no caso sub judicio serão factores exógenos (exteriores) ou endógenos (interiores) a propiciar a pluridade factual? Parece-nos indubitável que há (houve) uma disposição interior, um factor endógeno, justificativo das condutas, um plano gizado para a pluralidade criminosa proveniente da personalidade do arguido revelada nos factos 1 e 2. Como afirma o Prof. Eduardo Correia, subentendendo-se a adaptação de linguagem, “sempre que se prove que a reiteração, menos que a tal disposição das coisas, é devida a uma certa tendência da personalidade do criminoso, não poderá falar-se em atenuação da culpa e fica, portanto, excluída a possibilidade de existir um crime continuado”. [1] Há, portanto, pluralidade criminosa e não há que fazer aplicação do disposto no artigo 30º, nº 2 do Código Penal. Razão pela qual é improcedente a invocação de existência de crime continuado. * B.3 – Quanto às penas aplicadas e como mera decorrência do anteriormente decidido haverá que encarar a necessidade de aplicação de duas penas parcelares. Estas foram aplicadas pelo tribunal recorrido em 150 dias face à previsão da pena de multa até 240 dias do artigo 155º/1, alínea a), todos do Código Penal. Ora, os critérios do tribunal recorrido na definição das duas penas parcelares são correctos e claros não suscitando qualquer dúvida quanto à fixação dos dias de multa, que face ao praticado teriam que assumir maior gravame do que o pretendido pelo recorrente, e até o quantum monetário diário se mostra fixado quase no mínimo, o que tudo está de acordo quer com o dolo directo com que o arguido actuou, o grau elevado de ilicitude e a sua débil situação económica. Que invoca em essência o recorrente em sua defesa? O ser primário e o estar desempregado, critérios que o tribunal recorrido utilizou de forma explícita e também se percebe imediatamente de forma quase intuitiva do montante diário da pena de multa e pela fixação dos dias de multa abaixo da barreira dos duzentos dias. Por fim vem o recorrente peticionar a não transcrição da condenação no Registo Criminal e quanto esse tema haverá que afirmar o seguinte. Apesar de o recorrente assentar o seu pedido nos números 5 e 6 do artigo 10º da Lei 37/2015, quer-nos parecer que pretende formular o pedido à luz do artigo 13º do mesmo diploma. De facto, aqueles normativos do artigo 10º são meramente “regulamentares” do conteúdo da transcrição, enquanto o artigo 13º é o preceito que permite e aponta os requisitos necessários à não transcrição ao estatuir que “os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os ns. 5 e 6 do artigo 10.º“, sob reserva de inexistência de condenação posterior. Mas essa decisão pressupõe em termos processuais – e porque estamos em sede de recurso – que a questão tenha sido decidida num ou noutro sentido pelo tribunal recorrido com ou sem colocação da questão em primeira instância pelo recorrente. Ora, os autos revelam que tal questão não foi colocada pelo recorrente ao tribunal da decisão nem este, oficiosamente, dela conheceu, pelo que se trata de questão nova no recurso e de que esta Relação não pode conhecer. Já neste sentido se decidiu neste TRE por acórdão de 08-04-2014 (proc. nº 8/13.8GBPTG.E1, sendo relator o então Desembargador Sénio Alves) - «A decisão de não transcrição da condenação nos certificados a que aludem os arts.º 11.º e 12.º da Lei n.º 57/98, de 18.08, na redacção que lhes foi dada pela Lei n.º 114/2009, de 22.09, pode ser tomada em sentença ou em despacho posterior autónomo. Porém, formulado o respectivo pedido antes de proferida a sentença, nesta há-de o juiz emitir pronúncia sobre o mesmo, porquanto se trata de questão directamente colocada à sua apreciação, sob pena de tal peça ficar inquinada da nulidade a que se refere o art. 379.º, n.º 1, al. c) do CPP.» Assim como já havia sido anteriormente decidida pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-01-2009 (proc. 1700/08-2, sendo relator o Desemb. Cruz Bucho) - «III- A questão da transcrição da condenação no boletim de registo criminal deve ser suscitada em primeira instância, onde pode ser conhecida na sentença ou em despacho posterior, e não em recurso na Relação». Em função do que se acaba de expor o recurso deve ser declarado improcedente. ** C - Dispositivo Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto. Custas pelo recorrente com o mínimo de UCs. (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado) Évora, 13 de Abril de 2021 João Gomes de Sousa Nuno Garcia __________________________________________________ [1] - In “Unidade e Pluralidade de Infracções”, Teses, Almedina, 1983, pag. 251. |