Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | MÁRIO COELHO | ||
Descritores: | FALTA DE CITAÇÃO SUPRIMENTO DA NULIDADE | ||
Data do Acordão: | 10/24/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | 1. Considera-se suprida a nulidade de falta de citação quando o réu intervier no processo sem logo arguir essa omissão. 2. Constitui intervenção relevante para o aludido fim, pois pressupõe o conhecimento do processo, a junção de procuração forense. 3. Pressupõe, igualmente, conhecimento do processo a notificação de acórdão da Relação que revoga o despacho de indeferimento liminar e determina o prosseguimento do processo. 4. Como igualmente pressupõe esse conhecimento a dedução de oposição à execução, que não é conhecida por motivos imputáveis apenas ao executado, associados à falta de pagamento da taxa de justiça e multa decorrente dessa omissão. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Sumário: (…) Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo de Execução de Loulé, em execução com processo comum para pagamento de quantia certa instaurada por … (habilitada, após o seu decesso, por …) contra (…) e outro, veio este arguir a sua falta de citação, com a consequente anulação de todo o processado, incluindo as penhoras já realizadas. Visto que este requerimento foi indeferido, com fundamento em suprimento da nulidade de falta de citação, recorre o executado e conclui: A) O presente recurso vem interposto do Despacho que julgou sanada a nulidade por falta de citação do Recorrente. B) Para o efeito, o Tribunal a quo considerou que a junção de procuração forense e o facto de ter sido notificado de outros actos processuais, sem que tenha alegado a arguição da nulidade, sanou a respectiva nulidade, nos termos do artigo 189.º do CPC. C) Após analisar os factos dos autos de execução, o Tribunal a quo concluiu que: “Compulsados os autos é inequívoco reconhecer que, pese embora a informação apresentada, pelo SE delegado, sob a referência 1738875, informando ter-se procedido à citação dos executados, o certo é não se detecta nos autos qualquer comprovativo da citação, que se impunha, ante o indeferimento liminar do requerimento executivo, nos termos do disposto pelo n.º 3 do artigo 234.º-A do Código de Processo Civil … A decisão de indeferimento liminar foi, entretanto, revogada por douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 14 de Novembro de 2013, o que levou ao prosseguimento da execução, sem que também exista evidência de citação posterior do executado.” D) Atendendo os factos presentes nos autos e descritos no Despacho que ora se recorre, o ora Recorrente não concorda com o regime aplicável pelo Tribunal a quo quanto à nulidade do ato. Vejamos, E) O CPC prevê nos seus artigos 186.º e seguintes o regime geral sobre as nulidades dos actos. F) Por via do artigo 551.º, n.º 1, do CPC, as disposições previstas no processo declarativo são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações e desde que se mostrem compatíveis com a natureza da acção executiva. G) Não obstante a existência de tal previsão e remissão legal, o legislador previu expressamente um regime legal especial para a falta ou nulidade de citação do executado no artigo 851.º do CPC. H) A doutrina é clara quando refere que a lei especial quis consagrar um regime específico para determinado número de situações de facto. I) A existência do artigo 851.º do CPC demonstra a vontade inequívoca do legislador em consagrar para os processos executivos um regime diferente e específico quanto à nulidade da citação J) A lei especial prevalece sobre a lei geral, nos termos do artigo 7.º, n.º 3, do CC. K) Assim, não existindo qualquer remissão expressa deste regime especial para o regime geral das nulidades das citações, não pode, sem mais, aplicar-se o respectivo regime, sob pena de se desvirtuar as disposições legais e os direitos que o legislador quis salvaguardar. L) Ora salvo o devido respeito, o Tribunal a quo não poderia ter considerado sanada a respectiva nulidade, uma vez que o artigo 851.º do CPC confere ao executado o direito de invocar a nulidade de citação a todo o tempo. M) Aliás, o artigo 851.º, n.º 2, do CPC refere de forma expressa que se deverá, desde logo, conhecer da reclamação, ou seja, apreciar o mérito de tal reclamação. N) Ora, o Despacho proferido pelo Tribunal a quo reconheceu que não figura nos autos qualquer evidência da citação do Executado, mas acabou por não proferir uma decisão de mérito, mas tão só uma decisão meramente formal ao aplicar o artigo 189.º do CPC, ou seja, o regime geral. O) Não obstante, caso se aplique o regime geral, o que só à cautela e por mero dever de patrocínio se admite, no caso em apreço, estamos perante uma nulidade da citação e não perante uma nulidade da falta de citação, em virtude de ter ocorrido a preterição da totalidade das formalidades prescritas na lei, sendo a arguição de tal nulidade tempestiva. P) Estas situações distintas encontram-se expressamente previstas nos artigos 188.º e 191.º, n.º 1, do CPC. Q) Ora, o artigo 233.º do CPC exige que, após a afixação da nota de citação nos termos artigo 232.º, n.º 4, do CPC, é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando. R) Conforme é referido no próprio Despacho recorrido, não figurava nos autos qualquer comprovativo que demonstre o cabal cumprimento desta obrigação legal do agente de execução. S) Tal exigência visa salvaguardar os interessados de todos intervenientes processuais, bem como garantir que não são preteridas formalidades que obstem à legítima defesa dos executados. Talvez por esta razão, à cautela, os agentes de execução têm por prática juntar aos autos fotografias que comprovam a afixação do edital em determinada morada. T) Aquando da diligência da penhora de bens móveis na residência do executado, ora Recorrente, ocorrida em 11.12.2018 (ou seja, 5 anos após a alegada citação por via edital do executado), a agente de execução entregou ao ora Recorrente a notificação após penhora, o edital da citação por afixação e o auto de penhora elaborado no local. U) Devido à confusão instalada nos autos e à falta de documentação junta no portal Citius, o Tribunal a quo ordenou à agente de execução a junção dos documentos entregues ao executado em tal diligência, os quais foram juntos aos autos em 07-03-2019. V) Salvo o devido respeito, tais documentos demonstram que somente em 11.12.2018 o aqui Recorrente tomou conhecimento, de forma clara e inequívoca, dos documentos que alegadamente foram afixados no seu domicílio para efeitos da sua citação para os presentes autos de execução. W) Por outras palavras, o aqui Recorrente exerceu, tempestivamente, o seu direito de arguição da nulidade da citação, uma vez que só nessa data o mesmo tomou conhecimento dos termos em que a sua citação terá sido efectuada. X) O Recorrente não poderia se pronunciar, em momento prévio, sobre a nulidade de um ato, que, aparentemente, ainda não tinha sido praticado ou sobre o qual o ora Recorrente ainda não tinha tomado conhecimento (não figuravam nos autos provas de tal facto). Y) A arguição de nulidade de um ato futuro seria o equivalente a apresentar oposição à penhora sobre um bem que ainda não foi penhorado. Mais, Z) Contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo, não se poderá considerar a junção de procuração forense ou a prática de qualquer ato por parte do anterior advogado do Executado/Recorrente como uma intervenção no processo para efeitos de se considerar sanada a nulidade de falta de citação ou nulidade de citação. AA) No caso em apreço, o então advogado do Recorrente não tinha poderes especiais para recepcionar qualquer citação, pelo que a agente de execução sempre teria de citar, nos termos legais, o executado, aqui Recorrente. BB) Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 25-01-2007, no âmbito do processo n.º 06B4531 e o Acórdão recentemente proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 24-04-2018, no âmbito do processo n.º 608/10.6TBSRT-B.C1. CC) Assim, uma interpretação contrária colocaria o Recorrente numa situação precária, na qual seria sempre preferível não juntar qualquer procuração forense nos autos, sob pena de este ver serem precludidos os seus direitos, legal e constitucionalmente consagrados, sem ter oportunidade de contestar tais factos. DD) Acresce que, considerar-se efectuada uma citação, sem o cumprimento das formalidades processuais que permitem ao executado apresentada a sua defesa, consciente de todos os factos relevantes, ou sanada uma eventual nulidade, mediante a junção de procuração forense, viola manifestamente o direito à defesa constitucionalmente prevista nos artigos 2.º e 20.º da Constituição da República Portuguesa. Nesse sentido veja-se o Acórdão n.º 678/98 do Tribunal Constitucional. EE) Saliente-se que, o anterior mandatário do Executado – Dr. (…) – teve a sua inscrição cancelada da Ordem dos Advogados, por falta de idoneidade moral para o exercício da profissão, conforme melhor descrito nos respectivos embargos de executado, tendo este substabelecido, após o respectivo cancelamento, os seus poderes forenses (ou inexistência deles) à Dra. (…). FF) Nestes termos, atendendo às informações ora carreadas no processo, nomeadamente no apenso de embargos de executado, entende o aqui Recorrente que o Tribunal a quo deveria, com base no princípio de equidade, acautelar os direitos do executado, principalmente, e conforme referido no Despacho ora recorrido, porque não existiam quaisquer elementos comprovativos da citação do executado. GG) Atendendo ao supra exposto, e sempre salvo o devido respeito, não se demonstra sanada a nulidade da citação, pelo que o Despacho em apreço deverá ser revogado e substituído por outro que analise a questão sub judice e profira uma decisão de mérito, declarando a nulidade da citação do Executado, ora Recorrente, anulando-se tudo o que na execução se tenha praticado posteriormente a esse ato, nos termos e para os efeitos do artigo 851.º do CPC. Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deverá ser dado provimento ao recurso interposto, devendo, em consequência, ser revogado o Despacho proferido pelo Tribunal a quo, por erro na determinação da norma aplicável e numa errada interpretação e aplicação das normas aplicáveis, substituindo-se por douto Acórdão que declare a nulidade da citação do Executado e determine a anulação de todo o processado após aquela citação. |