Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1664/18.4T8STR.E2
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
DEVER DE INFORMAR
RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉ-CONTRATUAL
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Nas vestes de intermediário financeiro, o Banco está vinculado a um feixe de deveres de entre os quais se destacam deveres de informação os quais são, de resto, uma decorrência do princípio da conduta transparente e leal previsto no supra referido artigo 304.º do CdVM;
2 - Nos deveres de informação a que o intermediário financeiro está vinculado há que distinguir o dever da informação prévia, isto é, informação que deve ser disponibilizada antes da tomada de decisão do investimento, a esta se referindo o artigo 312.º do CdVM;
3 - O cumprimento dos deveres de informação previstos para o momento que antecede a celebração do negócio implica informar com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que aqueles possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (cfr. artigo 7.º do CdVM);
4 – In casu, exigia-se que o Banco-réu, através do funcionário que contratou com o autor a subscrição das obrigações, tivesse prestado uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que lhe estava a propor, designadamente, dando-lhe conta de que a restituição quer do montante investido quer dos juros contratados depende sempre da “solidez financeira” da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis. Numa palavra, que o risco de não retorno do capital investido corria por conta do cliente (autor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios, cumprindo-lhe, ainda, informar o cliente que este não poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim entendesse;
5 - Os riscos do investimento em causa foram totalmente desconsiderados pelo réu, o qual ao transmitir ao autor que o “capital era garantido” e que o produto “era equivalente a um depósito a prazo” levou o autor a convencer-se, razoavelmente, que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as mesmas características de um depósito a prazo;
6 – O Banco, não tendo logrado ilidir a presunção de culpa que sobre si impendia (artigos 799.º do CC e 314.º, n.º 2, do CdVM), incorreu em responsabilidade civil pré-contratual.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1664/18.4T8STR.E2
(1.ª Secção)

Relator: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…) – Banco (…), SA, réu na ação declarativa de condenação que lhe foi movida por (…), interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo Central Cível de Santarém, Juiz 4, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual julgou a ação parcialmente procedente e, em conformidade, condenou o réu a pagar ao autor a quantia de cem mil euros, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento.
O autor tinha peticionado que (i) se declarasse que a aquisição ao réu do produto financeiro traduzido na compra de obrigação (…) Rendimento Mais 2006 foi levada a efeito no pressuposto de que o produto financeiro em causa se mostrava a coberto da garantia de reembolso do capital a 100% (ii) se declarasse que é da responsabilidade do Banco (…), S.A. o reembolso do capital reportado à aquisição por parte do autor da obrigação (…) Rendimento Mais 2006, no valor de € 100.000,00 (iii) se condenasse o réu Banco (…) a pagar ao autor a quantia indemnizatória de € 10.000,00 por danos morais sofridos pelo autor em consequência da informação falsa prestada pelo gerente de conta do balcão de (…). E, no entendimento de que o contrato é nulo, que se julgasse nulo o contrato de intermediação financeira celebrado entre autor e réu e se condenasse o Banco réu a restituir ao autor o valor de € 100.000,00, acrescido de juros, à taxa legal, desde 12.10.2015 e até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão, o autor alegou, em síntese, que, em abril de 2006, aplicou a quantia de € 100.000,00 em obrigações duas “(…) Rendimento Mais 2006” na sequência da informação que lhe foi prestada por parte de funcionário bancário dizendo-lhe que «aquela aplicação daria maior rendimento e a mesma segurança de um depósito a prazo, garantindo o Banco (…) o reembolso/retorno integral do capital investido, tendo, inclusive, o funcionário do banco réu (gerente da conta do autor) exibido ao autor um documento onde constava, entre outras condições, a do capital garantido a 100%. Mais referiu o dito funcionário que tal aplicação seria feita pelo prazo de 10 anos mas que o autor poderia, eventualmente, proceder ao seu resgate antecipado ao fim de cinco anos e que se, porventura, tivesse necessidade de levantar o dinheiro mais cedo, em qualquer altura o poderia fazer, bastando que o avisasse com dois ou três dias de antecedência». Afirmou ainda o autor que, em outubro de 2011, deslocou-se ao Banco (…) com vista a proceder ao resgate do capital investido e foi informado pelo Banco réu que só poderia proceder ao resgate no fim do prazo contratual (10 anos) e que, findo este prazo, foi informado que a aplicação financeira não tem cobertura de garantia de capital porque é uma subscrição de obrigações da (…)-Sociedade (…), SA e porque aquela sociedade está insolvente o resgate não lhe seria concedido, tendo de reclamar o montante a que se julga com direito no processo de insolvência.
O réu Banco (…) Português, SA apresentou contestação, por exceção e impugnação: deduziu a exceção dilatória de incompetência relativa em razão do território, a exceção dilatória de ilegitimidade processual ativa e a exceção perentória de prescrição do direito invocado; em sede de impugnação, o réu alegou que, à data da subscrição, a probabilidade da entidade emitente não cumprir era muito semelhante à do Banco (…) não cumprir, tendo em conta a estrutura acionista existente à data, podendo considerar-se que o investimento realizado pelo autor era um investimento seguro, não havendo qualquer indicação de risco de insolvência do emitente. Mais alegou que o Banco réu nunca transmitiu aos seus clientes, através dos seus funcionários, que o Banco garantia a emissão, tendo inclusive informado o autor, no momento da subscrição, de que as obrigações em causa eram emitidas pela sociedade que detinha o Banco Réu, que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa da (…) a partir do 5.º ano e sujeita a acordo prévio do Banco de Portugal e que a única forma do investidor liquidar este produto de forma unilateral seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado, mediante endosso, concluindo que não houve violação de qualquer dever legal de informação.
O autor pronunciou-se sobre as exceções invocadas.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador no qual foi julgada improcedente a exceção de incompetência territorial e relegado para final o conhecimento da exceção de prescrição.
Foi ainda fixado o valor da causa, identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida a sentença objeto do presente recurso.
Interposto recurso de apelação pelo Banco Réu, foi proferido acórdão por este Tribunal que anulou a sentença para ampliação da matéria de facto relativa ao dano consistente no não reembolso do valor investido na subscrição de duas obrigações (…) 2006.
Descido o processo à primeira instância, foram as partes notificadas para, no prazo legal, requererem o que tivessem por conveniente em termos probatórios, tendo ambas arrolado prova testemunhal.
Foi então reaberta a audiência final e produzida a prova arrolada/requerida pelas partes, após o que foi proferida nova sentença, que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Banco (…) Português, SA a pagar ao autor (…) a quantia de cem mil euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento, absolvendo-se o réu do demais peticionado.

I.2.
O apelante Banco (…) Português, SA formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«I. O douto acórdão da Relação de Lisboa violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 7.º, 290.º, n.º 1, alínea a), 304.º-A e 312.º a 314.º-D e 323.º a 323.º-D e 327.º do CdVM e 4.º, 12.º, 17.º e 19.º do D.L. 69/2004, de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE e 364.º, 483.º e ss., 563.º, 628.º e 798.º e ss. do C.C.
II. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto de o Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado aos Autores (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era um produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.
III. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.
IV. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações (...) e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso.
V. O único risco que percebemos existe na emissão obrigacionista em causa é exatamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.
VI. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!
VII. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro ... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!
VIII. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à exceção de ser uma mera hipótese académica –, em 2006, dez anos antes!
IX.A (…) era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.
X. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da (…).
XI. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!
XII. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela (…) seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no (…).
XIII. O risco (…) ou risco (…), da perspetiva da insolvência era também equivalente!
XIV. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.
XV. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objetivamente razoáveis e previsíveis.
XVI. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…
XVII. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do titulo e correspondente ao respetivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!
XVIII.A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exatamente nos termos que vimos de expor.
XIX. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!
XX. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo suas obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.
XXI. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é suscetível de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artigo 236.º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.
XXII. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.
XXIII.O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exatas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.
XXIV.O grau de exatidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.
XXV. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.
XXVI. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.
XXVII. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.
XXVIII. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.
XXIX. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304.º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua atividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
XXX. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o artigo 312.º, nº 1, alínea a), do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.
XXXI. Tal redação refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.
XXXII. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!
XXXIII. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007, de 31/10, que aditou o artigo 312.º-E, n.º 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.
XXXIV. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do n.º 2 do artigo 312.º-E.
XXXV. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na atual redação do CdVM.
XXXVI. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.
XXXVII. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer fator extrínseco ao mesmo.
XXXVIII. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respetiva rentabilidade.
XXXIX. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!
XL. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!
XLI. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na atividade de intermediação financeira de receção e transmissão de ordens.
XLII.E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!
XLIII. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no artigo 312.º-E, n.º 1, do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objetivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjetivação em função do emitente!
XLIV. O artigo 312.º, alínea e), do CdVM refere-se apenas aos riscos da atividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.
XLV. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o ato de subscrição.
XLVI. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.
XLVII. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!
XLVIII. Do texto do artigo 799.º, n.º 1, do CC não resulta qualquer presunção de causalidade.
XLIX. E, de resto, nos termos do disposto no artigo 344.º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!
L. Se em abstrato, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor –, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.
LI. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da atividade de intermediação financeira, de receção e transmissão de ordens por conta de outrem –, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à receção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo típico e essencial do contrato e que é, portanto, suscetível de o caracterizar.
LII. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo típico ou não do acordo contratual entre as partes.
LIII. A única prestação principal neste contrato será a de receção e transmissão de ordens do cliente.
LIV. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.
LV. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!
LVI. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.
LVII. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no ato de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.
LVIII. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?
LIX. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!
LX. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efetivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspetiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.
LXI. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!
LXII. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito – uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação – e um concreto dano (que não hipotético)!
LXIII. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações e que é essa causa do seu dano!
LXIV. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.
LXV. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano
LXVI. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objetiva ao tempo da lesão.
LXVII. E nada disto foi feito!
LXVIII. A origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da (…) em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!
Termos em que se requer a V. Exas. que, revoguem a decisão recorrida absolvendo o Recorrente do pedido deduzido pelos Autores».

I.3.
O recorrido requereu a dispensa de contra-alegar de novo, remetendo para a sua anterior resposta às alegações de recurso, nas quais havia defendido a improcedência do recurso e a manutenção da sentença.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, nº 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).

II.2.
A questão que importa decidir consiste apenas em saber se se verificam os pressupostos da responsabilidade civil imputada ao recorrente.

II.3.
FACTOS
II.3.1.
A factualidade julgada provada pelo tribunal de primeira instância – com as alterações introduzidas por este tribunal de recurso – é a seguinte:
«2.1.1. O Autor era cliente do Réu na altura (…), na sua agência de Santarém, com a conta à ordem n.º (…).
2.1.2. Em data não concretamente apurada, mas situada entre Abril e Maio de 2006, o Autor dirigiu-se ao (...), agência de (…), pretendendo fazer uma aplicação num depósito a prazo.
2.1.3. Aí chegado, foi recebido pelo seu gestor de conta o qual, atuando em nome do mesmo, disse ao Autor que tinha uma aplicação equivalente um depósito a prazo com capital garantido e com rentabilidade assegurada e taxa fixa (alterado pelo tribunal da relação).
2.1.4. Consequentemente, o Autor subscreveu € 100.000,00 em obrigações (…), tendo assinado um documento denominado “Comunicação de Cliente” – cuja cópia consta a fls. 77 o qual, no canto superior direito ostenta o logotipo (…) – Banco (…), previamente preenchido pelo referido funcionário, através do qual é formalizada uma ordem de subscrição das referidas obrigações, e desmobilizado unidade de participações, sem que ao Autor fosse explicado que se tratava de obrigações da (…) – Sociedade (...).
2.1.5. Nunca os gerentes ou funcionários do Réu apresentaram ao Autor qualquer ficha técnica ou informação sobre as obrigações (…) 2006.
2.1.6. O Autor já anteriormente tinha adquirido valores mobiliários, sendo, no entanto, considerado pelo próprio Banco como um investidor com um perfil conservador.
2.1.7. O que motivou a autorização por parte do Autor para tal aplicação foi o facto de lhe ter sido dito pelo referido funcionário que o capital era garantido e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim entendesse (alterado pelo tribunal da relação).
2.1.8. Atuou, assim, convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo.
2.1.9. (eliminado pelo tribunal da relação).
2.1.10. A partir de data não concretamente apurada o Banco Réu deixou de pagar os juros respetivos.
2.1.11. As obrigações (…) 2006 foram emitidas pela (…), SGPS. S.A. 2.1.12. Verificado que se mostra vencido o prazo de 10 anos contratualmente estabelecido, é o aqui autor informado que a aplicação financeira em causa não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações (…)-Sociedade (...), SA e que uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no processo de insolvência.
2.1.13. Não tendo o autor sido reembolsado do valor de € 100.000,00 investido na subscrição de duas obrigações (…) 2006.
II.3.2.
Factos Não Provados
O tribunal de primeira instância julgou não provados os seguintes factos:
«2.2.1. O Autor confrontado com a ideia de perder todo o dinheiro que tinha investido na subscrição de Obrigações (…) 2006, passou noites e noites sem dormir, dias e dias sem conseguir exercer a sua atividade profissional, dias e dias de conflitualidade familiar com a sua filha, factos esses que criaram uma tal desestabilização no seio do seu agregado familiar, que ainda hoje, sofre de depressão e angústia decorrente da conduta do Réu, e
2.2.2. (…) viu agravada a sua situação de saúde.
2.2.3. No momento da subscrição o Autor foi informado que as obrigações em causa eram emitidas pela Sociedade que detinha o Banco Réu – a (…), Sociedade (...), SGPS, S.A.
2.2.4. E que o reembolso antecipado da emissão só era possível por iniciativa do (…) – Sociedade (...), S.A., a partir do 5º ano e sujeito a prévio acordo do Banco de Portugal.
II.4.
Apreciação do objeto do recurso
Está em causa no presente recurso a sentença do tribunal recorrido que julgou que o Banco-réu, na qualidade de intermediário financeiro, incumpriu deveres de informação que lhe eram impostos pelo artigo 312.º do Código de Valores Mobiliários e pelo artigo 77.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF – D/L n.º 298/92, de 31 de dezembro) na medida em que estando o Banco réu perante um investidor não qualificado deveria ter explicado ao autor que o produto financeiro que este adquiriu consistia numa subscrição de ações de uma outra entidade, bem como a liquidez do capital, o vencimento da retribuição, o prazo de reembolso e o prazo e vencimento de juros, o que não fez, e que o réu, através daquele funcionário, ao dizer que o produto em causa era garantido com reembolso do capital e respetivos juros, assumiu desta forma um compromisso perante aquele. Mais decidiu que não tendo o Banco-réu ilidido a presunção a que alude o artigo 304.º-A, n.º 2, do CDVM, incorreu na obrigação de restituir ao autor as quantias investidas.
O recorrente discordou da sua condenação, pondo em causa a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual que lhe foi imputada, alegando que: (i) não foi feita prova de que tivesse violado deveres de informação; (ii) qualquer direito que assistisse ao autor pela violação de deveres de informação estaria prescrito pois nos termos do artigo 324.º, n.º 2, do CdVM, o prazo de prescrição é de dois anos, salvo a existência de dolo ou culpa grave por parte do intermediário financeiro e não resulta dos factos provados qualquer facto que suporte a conclusão de que o Banco atuou com dolo ou culpa grave; (iii) a violação do dever de informação não implica qualquer presunção de ilicitude e não foi provado que se tivesse sido cumprido o dever de informação, o autor não teria realizado o investimento; (iv) não foi feita prova de que o Banco se quis vincular a uma obrigação jurídica ou que o funcionário do Banco tenha emitido uma declaração em moldes tais que tenha criado a aparência de ter uma efetiva vontade de se vincular perante o cliente.
Quid juris?
Está em causa nos autos a responsabilidade civil do réu decorrente do incumprimento de determinados deveres no quadro do exercício de atividades de intermediação financeira, incumprimento ligado ao dano por um nexo de causalidade.
Dano que, in casu, consiste no não reembolso do capital que o autor investiu na aquisição de duas obrigações (…) 2006, na data da respetiva maturidade.
O Banco-réu/apelante é uma instituição bancária e, por força do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo DL nº 298/92, de 31-12, incumbe aos seus administradores e funcionários proceder, nas relações com os clientes (e nas relações com outras instituições), com diligência, neutralidade, lealdade, discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados (artigo 74.º), bem como informar com clareza os clientes sobre os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos (artigo 77.º).
Não é controvertido que o autor – o qual já era cliente do réu (cfr. facto provado 2.2.1.) celebrou um negócio de aquisição de um produto financeiro, concretamente adquiriu duas (2) obrigações (…) Rendimento Mais 2006 emitidas pela Sociedade (…), SGPS, SA.
Negócio no qual o réu interveio como intermediário financeiro.
Logo, foi celebrado entre as partes um contrato de intermediação financeira[1] (negócio de cobertura) que teve por objeto a subscrição/aquisição, pelo autor, de duas obrigações emitidas pela Sociedade … (negócio de execução da relação de cobertura).
Contrato que é regulado pelas normas relativas ao exercício da atividade de intermediação financeira.
O contrato foi outorgado no primeiro semestre de 2006 (cfr. supra II.3.1), pelo que, à data, estava em vigor o Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, na redação anterior àquela que foi introduzida pelo D/L n.º 357-A/2007, de 31.10.
Prescreve o artigo 304.º do CdVM, na redação vigente à data dos factos, que o intermediário financeiro deve orientar a sua atividade no sentido de proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, observando os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
O dever de proteção dos legítimos interesses dos clientes implica, nomeadamente, um dever de recolha de todo um conjunto de informações sobre o conhecimento e experiência do cliente em matéria de investimento no que respeita ao tipo específico de produto ou serviço oferecido/solicitado de modo a permitir ao intermediário determinar se o produto/serviço de investimento considerado lhe é, ou não, adequado, bem como um dever de recolha de toda a informação sobre o instrumento financeiro que é proposto ao cliente de forma a ficar habilitado para ajuizar da adequação/desadequação entre um determinado produto/serviço de investimento e as características concretas do cliente.
«O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para ajuizar se certa transação é adequada ao cliente – suitability test – impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a profissionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência muito mais acentuado, devendo atuar como “diligentssimus pater famílias” não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve. […] como decorre do artigo 312.º-A, n.º 1, alíneas c) e d), do CVM, a informação divulgada pelo intermediário financeiro deve ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio; e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes» – vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.04.2018, processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt. (negritos e itálicos nossos).
Nas vestes de intermediário financeiro, o Banco-réu está vinculado a um feixe de deveres de entre os quais se destacam deveres de informação os quais são, de resto, uma decorrência do princípio da conduta transparente e leal previsto no supra referido artigo 304.º do CdVM.
Nos deveres de informação a que o intermediário financeiro está vinculado há que distinguir:
1) O dever da informação prévia, isto é, informação que deve ser disponibilizada antes da tomada de decisão do investimento, a esta se referindo o artigo 312.º do CdVM e que é aquela que releva para o caso sub judice;
2) O dever de informação sucessiva, ou seja, o dever de disponibilizar informação no âmbito da execução contratual.
O cumprimento dos deveres de informação previstos para o momento que antecede a celebração do negócio implica informar com clareza, lealdade e transparência os clientes acerca dos elementos caracterizadores dos produtos financeiros propostos para que aqueles possam tomar uma decisão de investimento esclarecida (cfr. artigo 7.º do CdVM). Com efeito, o artigo 7.º, n.º 1, do CdVM, sob a epígrafe Qualidade da informação, prescreve que: «1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.»
O critério de exigência da qualidade de informação contido na disposição normativa supra citada atende ao investidor médio e às suas necessidades para formar uma decisão de investimento esclarecida, valendo em geral para toda a informação obrigatória e ainda para a informação facultativa que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores — neste sentido, Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, 2011, 2.ª edição, p. 688.
O artigo 312.º do CdVM enuncia os concretos deveres de informação a que o intermediário financeiro está adstrito, vinculando este último a prestar “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, incluindo os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, esclarecendo, no seu n.º 2, que a extensão e a profundidade da informação a prestar devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência que o cliente tiver. Com o comando contido nesta disposição normativa pretende-se que o intermediário financeiro obtenha a informação preliminar relevante em relação ao cliente de modo a assegurar que toda a informação prestada subsequentemente seja adequada, porque completa e objetiva, na perspetiva das necessidades de esclarecimento do cliente em concreto.
Como é referido por Gonçalo André Castilho dos Santos[2] «São precisamente as avaliações e recomendações prestadas pelos intermediários financeiros que habitualmente motivam os investidores a fundamentar a sua decisão inicial de investimento ou a modificar uma decisão anterior. (…) A crescente complexidade dos serviços e dos produtos financeiros não só justifica uma gradual sofisticação da informação que tenha de vir a ser recolhido e tratada para efeitos de formulação de juízos sobre a qualidade e quantidade dos investimentos em mercado, como também implica, em termos exponenciais, que os custos e riscos envolvidos nessa operação sejam proibitivos para a esmagadora maioria dos investidores, em geral, e dos clientes, em particular. Esta envolvente repercute-se numa especial posição de confiança e dependência do cliente face ao profissional do mercado que, enquanto intermediário financeiro, assume funções significativas na gestão do património daquele.»
E como se salienta no Ac. STJ de 25.10.2018, processo n.º 2581/16.8T8LRA.C2.S1, publicado em www.dgsi.pt: «[…] apesar da alteração legislativa entretanto ocorrida, como resulta da comparação entre o regime inicial e a disciplina agora vigente, por via os princípios gerais conformadores do cumprimento obrigacional e da cláusula geral da boa-fé, torna-se imperioso concluir que, desde sempre, a lisura contratual e as regras hermenêuticas no domínio da responsabilidade contratual impunham – e impõem – que o intermediário financeiro seja diligente na prestação de informações que permitam ao cliente ficar consciente dos riscos envolvidos em qualquer operação financeira realizada» (itálicos nossos).

O intermediário financeiro tem sobre si um dever de iniciativa: deve informar-se sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar – Ac. STJ de 10.04.2018, processo n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt.

Em síntese, o dever de informação pré-contratual favorece uma esclarecida e consciente formação da vontade de contratar daquele que estava carenciado de elucidação – Manuel Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Coleção Teses, Almedina, p. 486. Acrescenta este autor que a função primordial dos deveres pré-contratuais consiste em proporcionar aos sujeitos contratantes as bases adequadas de uma decisão minimamente consciente e livre, função coadjuvada pelo dever de evitar declarações suscetíveis de induzir em erro pois estas podem repercutir-se numa formação deficiente da decisão de contratar.

Escalpelizado o dever de informação a que o Banco-réu estava adstrito na sua relação com o autor, quer na qualidade de intermediário financeiro, quer na relação Banco-cliente, cumpre analisar o regime de responsabilidade do respetivo incumprimento.

O incumprimento do dever de informação é suscetível de gerar responsabilidade civil pré-contratual e contratual, nos termos do artigo 314.º do CdVM, normativo que, sob a epígrafe Responsabilidade Civil, prescreve o seguinte:

«1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública. 2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação».
O artigo 304.º, n.º 2, estabelece a imposição de um elevado padrão de diligência e uma presunção de culpa se o dano for causado no âmbito de relações contratuais e pré-contratuais, quando causado pela violação de deveres de informação.
O incumprimento dos deveres de informação é, portanto, suscetível de gerar responsabilidade civil pré-contratual e contratual, a primeira prevista no artigo 227.º do Código Civil, cujo n.º 1 prescreve que: «Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte».
O dever pré-contratual de informar é violado quando, por ação ou omissão, uma das partes induz a outra em erro suscetível de ser invocado também como fundamento de anulação do contrato[3]. Se o erro for provocado com dolo basta que a informação incorreta tenha sido essencial para a decisão de contratar, podendo respeitar a qualquer elemento do contrato. Quando a violação do dever de informação disser respeito a informação sobre o objeto do contrato que foi determinante para a decisão de contratar ou de contratar nos termos em que se contratou, o contrato pode ser anulado nos termos do artigo 247.º, ex vi do artigo 251.º, podendo, todavia, aquele que foi induzido em erro optar por manter o contrato em vigor, reclamando, porém, uma indemnização pelos danos sofridos.
Os requisitos da responsabilidade civil quer pré-contratual quer contratual são os previstos no artigo 798.º do Código Civil, a saber: (i) o facto voluntário; (ii) a ilicitude; (iii) a culpa; (iv) o dano; (v) o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano.
O “facto voluntário”, enquanto comportamento dominável pela vontade, pode revestir a forma da ação ou a da omissão.
A “ilicitude” resulta da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro e essa desconformidade traduz-se na inexecução da obrigação para com o cliente. No caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como por exemplo, o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.
A “culpa”, para efeitos de responsabilidade do intermediário financeiro, consiste na não adoção de uma conduta que o agente poderia e deveria ter adotado, de acordo com o comando legal. Como referido supra, nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa presume-se (artigo 304.º, n.º 2, do CdVM).
Para serem indemnizáveis os danos devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (nexo de causalidade).
Prescreve o artigo 563.º do Código Civil que «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», ou seja, não fora o incumprimento. Neste normativo está consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.
Em nosso entendimento, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano sofrido não se presume[4] e, como facto constitutivo que é do direito do autor tem de ser por este demonstrado, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Quando algum dos deveres pré-contratuais é culposamente violado, o lesado tem direito a ser indemnizado.
O âmbito da obrigação de indemnizar por violação de deveres pré-contratuais não é pacífico.
A este propósito, é costume distinguir o dano negativo ou dano de confiança do dano positivo ou dano de cumprimento. Fala-se, então, de uma indemnização pelo interesse contratual negativo e de uma indemnização pelo interesse contratual positivo.
Na indemnização pelo interesse contratual positivo visa-se ressarcir o prejuízo traduzido na não concretização das expectativas acalentadas pelo sujeito com a realização do contrato; aqui, a indemnização cobre o dano de “não cumprimento” dessas expectativas.
Na indemnização pelo interesse contratual negativo, visa-se ressarcir o prejuízo que o sujeito não teria sofrido não fora a celebração do contrato. No campo pré-contratual, visa-se ressarcir o prejuízo que o sujeito não teria tido não fora a violação de deveres pré-contratuais. Nas palavras de Carneiro da Frada, ob. cit., p. 496, «a indemnização não visa constituir um sucedâneo para a frustração de expectativas, mas colocar o lesado na situação que existiria se não fosse a infração de certo dever que não tem por objeto a realização de expectativas mas prevenir ou dissipar convicções infundadas ou, então, não as provocar».
Tendo presente todo o exposto vejamos se, in casu, se verificam os pressupostos da responsabilidade civil obrigacional no que respeita à conduta do réu/recorrente.
Provou-se que o autor era considerado pelo Banco um investidor com perfil conservador (facto provado 2.1.6.) e que, em data situada entre abril e maio de 2006, aquele dirigiu-se ao (…) com o objetivo de fazer uma aplicação num depósito a prazo (facto provado n.º 2.1.2).
Provou-se, ainda, que o funcionário do Banco-réu – que naquela altura interagiu profissionalmente com o autor no que respeita ao negócio de aquisição/subscrição das obrigações (…) 2006 – disse ao segundo que «tinha uma aplicação equivalente a um depósito a prazo, com capital garantido e com rentabilidade assegurada e taxa fixa»; aquele funcionário transmitiu também ao autor que este poderia levantar o capital e respetivos juros «quando assim entendesse». Também se provou que não foi, então, explicado ao autor que a “aplicação” em causa se tratava de obrigações da Sociedade (…), não lhe tendo sido apresentada a ficha técnica ou informações sobre as “Obrigações (…) 2006” (cfr. supra II.3.1). O que levou o autor a convencer-se de que estaria a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo (facto provado 2.1.8). Segurança que implicava, na perspetiva do autor, o retorno do capital investido (como sucede nos depósitos a prazo).
Os depósitos a prazo – uma das modalidades de depósitos de disponibilidades monetárias nas instituições de crédito – são exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, podendo, todavia, as instituições de crédito conceder aos seus depositantes, nas condições acordadas, a sua mobilização antecipada (artigo 1.º, n.º 4, do D/L n.º 430/91, de 02.11 – Regime Jurídico das Contas de Depósito).
Os depósitos a prazo não mobilizáveis antecipadamente são apenas exigíveis no fim do prazo por que foram constituídos, não podendo ser reembolsados antes do decurso desse mesmo prazo (artigo 1.º, n.º 5, do D/L n.º 430/91).
No depósito bancário a prazo, o Banco surge como o “devedor” perante o cliente (credor) que lhe entrega as respetivas poupanças. Mesmo nas modalidades de depósito bancário em que ao depositante não é permitido exigir a todo o tempo os valores depositados, neste tipo de contrato o interesse do cliente reside na disponibilidade sobre o tipo de bem entregue, na possibilidade de cumprimento, pelo depositário, do dever de restituição daquele bem. O que sucede nos contratos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente é que, além do interesse típico do depositante, há também o interesse comercial do depositário, permitindo-se ao Banco a gestão dos recursos disponibilizados pelo período de tempo acordado, mediante o pagamento de juros.
Em suma, o que subjaz ao depósito bancário é um desejo do cliente na preservação/conservação das disponibilidades monetárias de que é titular, combinando-as, se possível, com a sua frutificação. Daí que o Banco tenha sempre de restituir as quantias que lhe foram entregues, acrescidas, ou não, de remuneração.
«[…] Assim, a possibilidade de restituição das disponibilidades monetárias entregues pelo depositante inspira um conjunto de deveres prudenciais a cargo dos bancos, de natureza legal e/ou administrativa, destinados a salvaguardar esse interesse. Mostra-o, ainda, a garantia legal, há muito ou tradicionalmente, conferida, em maior ou menor medida, aos depósitos bancários, nomeadamente através do fundo de garantia dos depósitos […]. Não devem esquecer-se mecanismos especiais – incluindo normas de direito público ou, pelo menos, de interesse e ordem pública – para garantir a liquidez dos bancos, para assegurar a sua solvabilidade, e regras da atividade bancária que pretendem salvaguardar, para os clientes, os seus depósitos das contingências próprias da atividade de crédito a que se dedicam os bancos»[5].
Ora, in casu, aquilo que o autor adquiriu, mediante proposta de um funcionário do Banco, foram obrigações, produto distinto do depósito a prazo e cujas características não foram comunicadas nem tão pouco explicadas ao autor.
Como já referimos no Acórdão de 05.12.2019, proferido por este Tribunal no âmbito da apelação n.º 2472/18.8T8STR.E1[6] «no contrato de depósito bancário, o Banco (depositário) tem a obrigação de restituir quantia idêntica à depositada, findo o prazo do depósito, acrescido de juros, caso hajam sido convencionados. No depósito bancário o valor depositado será sempre disponibilizado quando solicitado pelo cliente, não obstante a eventual perda dos frutos do depósito, mesmo nos casos de depósito a prazo não mobilizáveis antecipadamente. E quando os depósitos da instituição de crédito se tornam indisponíveis, o reembolso dos depósitos é garantido pelo Fundo de Garantia de Depósitos [7] até ao valor global dos saldos em dinheiro de cada depositante, em conformidade com o limite estabelecido na lei.
Em todas as modalidades de depósito bancário predomina o interesse do depositante, daí que haja uma segurança que é procurada pelos clientes nas instituições bancárias para a conservação das suas poupanças e recursos[8]. Embora haja interesse do depositante numa remuneração pelo depósito, o objetivo principal é a preservação de certas disponibilidades monetárias em favor do depositante.
A subscrição de uma obrigação é um investimento; através da sua aquisição, os investidores aplicam as suas poupanças visando uma remuneração do capital investido mais elevada, embora também com mais riscos do que aqueles que resultariam de outras aplicações do capital, designadamente, através de depósitos a prazo.
As entidades emitentes colocam no mercado, pelo melhor preço que consigam obter, os valores mobiliários que emitem no intuito de conseguirem formas alternativas de financiamento da sua atividade sem os custos do recurso ao crédito.
As “obrigações” representam um direito de crédito sobre a entidade emitente (artigo 348.º do Código das Sociedades Comerciais) o que implica que é aquela que fica obrigada a restituir ao titular da obrigação (credor obrigacionista) quer o montante que lhe é mutuado quer os juros respetivos, quando convencionados, restituição que dependerá sempre da «solidez financeira» da entidade emitente […] O que não sucede, como referido supra, com os depósitos bancários. Aqui, com a transmissão da propriedade dos valores depositados, transfere-se para o depositário o risco associado ao perecimento dos bens entregues e este não deixa de estar adstrito a uma dívida de restituição de valor, em certo montante».
Resulta do exposto que o funcionário do Banco réu, que, sublinha-se, tomou a iniciativa de propor ao autor a subscrição de obrigações (…) 2006, prestou ao autor informações não verdadeiras, desde logo porque as “obrigações” não são um produto equivalente aos depósitos a prazo e constituem um investimento com riscos superiores aos dos depósitos a prazo, não podendo o capital investido e respetivos juros serem levantados quando o cliente assim o desejar. O que aquele funcionário do Banco Réu não podia deixar de saber.
Pendia sobre o réu o dever de esclarecer o autor sobre as reais características de um produto denominado “obrigações” e sobre os riscos que a operação envolvia. Não se pretende que a informação exigível sobre o risco da operação fosse a de que a entidade emitente (…) poderia vir a ser declarada insolvente – como o veio a ser, alguns anos depois -, até porque não foi alegado que essa fosse uma hipótese que já estivesse no horizonte conhecido do Banco recorrente, resultando, ao invés, da prova testemunhal produzida que até «se vivia um clima de confiança».
Ainda que não se olvide que nos depósitos bancários também há o risco de insolvência da entidade depositária, tal risco sempre é atenuado pela existência do Fundo de Garantia de devolução de depósitos consagrado no Regime Jurídico das Instituições Financeiras.
Exigia-se que o Banco-réu, através do funcionário que contratou com o autor a subscrição das referidas obrigações, tivesse prestado uma informação detalhada e verdadeira sobre o tipo de investimento que lhe estava a propor, designadamente, dando-lhe conta de que a restituição quer do montante investido quer dos juros contratados depende sempre da “solidez financeira” da entidade emitente e que não há fundo de garantia nem mecanismos de proteção contra eventos imprevisíveis. Numa palavra, que o risco de não retorno do capital investido corria por conta do cliente (autor), não estando o Banco obrigado a restituir-lhe o valor investido nem a pagar-lhe os juros respetivos, com capitais próprios. Cumprindo-lhe, ainda, informar o cliente que este não poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim entendesse.
Os riscos do investimento em causa foram totalmente desconsiderados pelo réu, o qual ao transmitir ao autor que o “capital era garantido” e que o produto “era equivalente a um depósito a prazo” levou o autor a convencer-se, razoavelmente, que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as mesmas características de um depósito a prazo. Deveria o réu ter esclarecido o autor que ao afirmar que o autor «poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim entendesse», não estava a dizer que o Banco lhe pagaria aqueles valores com capitais próprios, como sucede com os depósitos a prazo.
Não se diga, como faz o recorrente, que «não estamos aqui a discutir uma qualquer característica própria do instrumento financeiro, ou sequer uma qualquer insondável e complexa figura jurídica ou financeira – trata-se aqui de saber que sempre que contrato com alguém posso não ver cumprida a prestação de que sou credor! E pela simples razão que ao subscrever as referidas obrigações o autor tornou-se credor de uma entidade terceira – a (…) – e não do próprio Banco, o qual, portanto, não tem o dever de restituição dos valores investidos, como teria se se tratasse de um depósito a prazo. O que, repete-se, não foi explicado ao autor. Pelo contrário, ao afirmar que o produto «era equivalente a um depósito a prazo», que «o capital era garantido» e que o autor «poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim entendesse», o réu fez asserções que induziram o autor em erro, levando-o a crer que o produto cuja aquisição lhe estava a ser proposta era tão seguro e garantido como um depósito a prazo, o que, mesmo para aquela altura (portanto, antes da crise financeira de 2007) não correspondia à verdade, pois o retorno do capital estava dependente da solidez financeira da entidade emitente.
Como se afirma no sumário do Ac. STJ de 10.04.2018, acima citado, «nos casos em que o cliente é induzido a investir pelo banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança, não é mesmo certo que qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro».
É, pois, para nós manifesto que o réu violou deveres de informação que são decorrência dos princípios de lealdade, transparência e de respeito pelos interesses do cliente que devem nortear o exercício da atividade de intermediação financeira e com essa violação causou indevidamente no autor uma determinada confiança que o levou a adquirir as duas obrigações (…) 2006.
O Banco recorrente também não logrou ilidir a presunção de culpa que sobre si impende (artigo 799.º do CC e 314.º, n.º 2, do CdVM).
Sabendo o réu que o autor era um investidor de perfil convencional, o Banco réu teve uma conduta pró-ativa, propondo ao autor a subscrição de obrigações com o argumentário de que o investimento proposto era idêntico a um depósito a prazo, com capital garantido, o que foi razoavelmente entendido pelo autor (artigo 236.º do Código Civil) como sendo um produto com um grau de segurança equivalente ao depósito a prazo e omitindo o Banco réu que quem tinha a obrigação de reembolsar o autor do capital investido e respetivos juros era a (…) – entidade emitente – e que o retorno do investimento sempre dependeria da solidez financeira daquela pelo que o risco de não retorno do investimento corria exclusivamente por conta do autor, não se pode senão concluir que o réu atuou com culpa grave.
«Atento o padrão de exigência imposta ao intermediário financeiro no que concerne ao dever de informar em sede pré-contratual e contratual, e considerando que a sua atuação se afere pelo padrão do diligentissimus pater famílias, o Réu é passível de um acentuado grau de censura: o seu dever de informar, integrando o cerne da prestação, implicava um escrupuloso dever de diligência, pelo que a atuação, intencionalmente omissiva de informação, que era devida, exprime culpa grave» – Ac. STJ de 10.04.2018, publicado em www.dgsi.pt.

Provou-se também que o que motivou a autorização por parte do Autor para tal aplicação foi o facto de lhe ter sido dito pelo referido funcionário que o capital era garantido e que poderia levantar o capital e respetivos juros quando assim entendesse. O que não veio a suceder, pois provado está que na data de vencimento do prazo contratualmente estabelecido, o autor foi informado que a aplicação financeira em causa não tem cobertura de garantia de capital, que é uma subscrição de obrigações (…)-Sociedade (...), SA e que uma vez que a referida sociedade se mostra insolvente, tal resgate não lhe será concedido, podendo e devendo reclamar o montante a que se julga com direito no processo de insolvência, pelo que o autor não foi reembolsado do valor de € 100.000,00 investido na subscrição de duas obrigações (…) 2006.

No caso, se o Banco réu tivesse cumprido o dever de informação que lhe incumbia, esclarecendo o autor sobre as verdadeiras e relevantes características do produto financeiro que lhe estava a propor, o autor não teria acalentado uma falsa representação do produto financeiro, falsa representação que o levou a contratar com o Banco Réu nos termos em que o fez (adquirindo duas obrigações … 2006).

Como supra assinalámos, a indemnização devida ao autor é aquela que visa colocar este último na situação em que ele se encontraria se o negócio não tivesse sido celebrado (indemnização pelo interesse contratual negativo).

Se o negócio não tivesse sido celebrado, o autor não teria desembolsado cem mil euros na aquisição das duas obrigações (…). Logo, o valor da indemnização devida ao autor, como bem entendeu o juiz a quo, corresponde ao valor de aquisição das duas obrigações – cem mil euros – e a tal valor acrescerão juros de mora, calculados desde a data da citação e até integral pagamento.

A sentença sob recurso não merece, pois, censura, improcedendo a apelação.

Sumário: (…)


III. DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, mantendo a sentença recorrida.
As custas são da responsabilidade do apelante.
Notifique.
DN.


Évora, 9 de setembro de 2021
Cristina Dá Mesquita
José António Moita
Silva Rato



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[1] Contrato que consiste num negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor) relativo à prestação de atividades de intermediação financeira – José Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, 2009, Almedina, p. 573.
[2] A responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, Almedina, Coimbra, 2008, p. 135.
[3] Carlos Ferreira de Almeida, Contrato I, Conceito. Fontes. Formação, 4.ª Edição, Almedina, 2008, p. 211.
[4] No sentido de que o nexo de causalidade não se presume, devendo ser demonstrado através da matéria de facto, vd. acórdãos do STJ de 24.01.2019, processo n.º 2406/16.4T8LRA.C1.S1, de 13.09.2018, processo n.º 13809/16.4T8LSB.L1.S1 e de 06.11.2018, processo n.º 6295/16.0T8LSB.L1.S1, todos publicados em www.dgsi.pt.
[5] Manuel Carneiro da Frada, Crise Financeira Mundial e Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito vs Contratos de Gestão de Carteiras, ROA, ano 69, III/IV, julho/setembro 2009, Lisboa.
[6] Publicado em www.dgsi.pt.
[7] O qual se encontra regulado nos artigos 154.º e ss. do Regime Geral das Instituições de Crédito.
A garantia de depósitos foi regulada pela Diretiva n.º 94/19/CE, do Parlamento e do Conselho, de 30 de maio de 1994 a qual foi transposta para a ordem jurídica interna pelo D/L n.º 246/95, de 14 de setembro, o qual introduziu alterações ao RGIC.
[8] Manuel Carneira da Frada, Crise Financeira Mundial e a Alteração das Circunstâncias: Contratos de Depósito vs. Contratos de Gestão de Carteiras, ROA, ano 69, III/IV, julho/setembro 2009, Lisboa.