Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
802/19.4T8OLH.E1
Relator: ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: QUOTA SOCIAL
TITULARIDADE
CABEÇA DE CASAL
LEGITIMIDADE ACTIVA
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: - é ao representante comum dos contitulares de quota que cabe exercer os direitos inerentes à quota indivisa;
- os atos que extravasam tais poderes de representação são aqueles que se mostram elencados no regime definido no n.º 6 do artigo 223.º do CSC;
- a propositura de ação de anulação de deliberações sociais não constitui um ato de disposição, mas antes de simples administração;
- em caso de contitularidade por morte do sócio, o exercício dos direitos de sócio pelos herdeiros deverá ter lugar através de um representante comum e, se houver cabeça de casal, será esse o representante comum, designado por lei;
- existindo outros herdeiros para além dos habilitados, a cabeça-de-casal não se assume representante comum de todos os contitulares da quota, pelo que não tem legitimidade para a propositura da ação.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autora: (…)
Recorridos / Réus: (…) – Sociedade Comercial de (…), Lda. e (…)

A presente ação tem em vista a anulação de deliberações sociais tendo sido formulados os seguintes pedidos:
a) que seja declarada nula e ineficaz a deliberação de 10/03/2017 que determinou a alteração integral do pacto social da sociedade Ré;
b) que seja declarada nula e ineficaz a deliberação de 24/11/2017 que determinou a amortização da quota da Autora e dos restantes herdeiros,
Ou, caso assim não se entenda,
c) que seja declarada a anulabilidade das referidas deliberações de 10/03/2017 e 24/11/2017;
d) que seja determinado o cancelamento do registo das alterações efetuadas ao pacto social por força das referidas deliberações de 10/03/2017 (Inscrição … AP. …/20170619) e de 24/11/2017 (Menção …/2018-01-02).
Em sede de contestação, os RR invocaram a ilegitimidade da A, alinhando os seguintes argumentos:
- quando existe contitularidade por morte de um sócio que deixou herdeiros, o exercício dos direitos de sócio deverá ter lugar através de um representante comum deles e, se houver cabeça-de-casal será esse o representante comum designado por lei;
- a Autora é viúva de (…) e cabeça de casal da respetiva herança;
- não é, contudo, a representante comum de todos os herdeiros porquanto o de cujus possui, pelo menos, mais quatro herdeiros, que não se encontram identificados na Escritura de Habilitação de Herdeiros.
Ao que respondeu a Autora não reconhecer como herdeiros as pessoas referidas nas certidões dos assentos de nascimento juntas pelos Réus, desde logo porque tais documentos não provam que a pessoa neles identificada como pai seja o de cujus.

II – O Objeto do Recurso
Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferido despacho saneador julgando procedente a exceção da ilegitimidade da A. na presente ação, absolvendo os RR da instância. Decisão que assenta no fundamento de que a cabeça-de-casal não pode, a não ser acompanhada dos demais herdeiros, requerer a suspensão de deliberações sociais, por este direito não caber no âmbito dos poderes de administração de que aquela dispõe.
Inconformada, a Autora apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue improcedente a exceção da ilegitimidade da Autora e determine o prosseguimento dos termos do processo. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos:
«1.º I – Objeto do recurso:
O presente recurso tem como objeto a sentença de fls. de 08/01/2022 que julgou a Autora, ora Recorrente, parte ilegítima para a ação, com a consequente absolvição dos Réus da instância.
2.º Não é esse o entendimento que se coaduna com o regime especial e imperativo do artigo 222.º, n.º 1, do CSC, ficando claro que o Tribunal a quo não cuidou de olhar e considerar a jurisprudência dominante e mais recente sobre a matéria, a qual vai no sentido de o exercício dos direitos de sócio deve ter lugar através de um representante comum, sendo o cabeça-de-casal o representante comum designado por lei.
3.º Assim elaborada, a sentença recorrida é errada, injusta e ilegal, nomeadamente por violação dos artigos 222.º, n.º 1, 223.º, n.º 1, do CSC, bem assim 2079.º e 2080.º, n.º 1, do CC, os quais não foram corretamente interpretados e aplicados pelo Tribunal a quo.
4.º II – Da alegada ilegitimidade da Autora:
Em sede de p.i., a Autora alegou e demonstrou que é viúva de (…), falecido em 24/09/2003, e cabeça de casal da respetiva herança aberta (cfr. certidão da escritura de habilitação de herdeiros de 08/02/2018, junta sob o doc. 1 da p.i.).
5.º Além da Autora, são herdeiros do falecido os filhos (…), (…), (…) e (…) – (cfr. doc. 1 da p.i.).
6.º A Autora juntamente com os referidos demais herdeiros são contitulares em comum e sem determinação de parte ou direito de uma quota na sociedade Ré no valor de € 4.987,99, estando a transmissão de quota registada através da menção de depósito …, de 08/02/2019 (cfr. certidão permanente de registo comercial junta sob o doc. 2 da p.i.).
7.º Logo na p.i. a Autora alegou que nos termos do artigo 222.º, n.º 1, do CSC, os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de um representante comum.
8.º Sendo doutrinal e jurisprudencialmente pacífico e assente que o representante comum só é nomeado pelos contitulares quando não for designado por lei ou disposição testamentária.
9.º No caso em que a quota se integra numa herança, existe norma que impõe um representante comum de todos os contitulares desse património, não havendo dúvidas que a lei estabelece para tal função o encargo de cabeça-de-casal, no artigo 2079.º do CC, nos termos do qual “A administração da herança, até à sua liquidação e partilha, pertence ao cabeça-de-casal.”
10.º Face ao disposto no aludido artigo 222.º, n.º 1, do CSC, a Autora, enquanto cabeça de casal e representante comum, tem legitimidade ativa para a dedução da presente ação, não se verificando, por conseguinte, a preterição de litisconsórcio necessário que o Tribunal a quo alude.
11.º É abundante a jurisprudência nesse sentido, cabendo aqui invocar, sem exaustão, uma parte dela:
i. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 18/01/2018:
“(…) 4. Nos casos em que a quota se integra numa herança, os herdeiros têm que exercer os direitos inerentes à quota através de um representante comum, como dispõem os artigos 222.º a 225.º do Código das Sociedades Comerciais, não o podendo fazer em conjunto, visto que esse exercício em conjunto traz inconvenientes à gestão da sociedade, no mundo comercial, onde imperam as necessidades de celeridade, agilização e simplificação.
5. Este representante comum só é nomeado pelos contitulares quando não for designado por lei ou disposição testamentária; no caso da herança o representante comum determinado por lei é o cabeça-de-casal.
6. Assim, os meros contitulares de uma quota inserida em herança jacente carecem de poderes para, por si, mesmo em conjunto (e sem ser através de representante comum) exercerem os direitos dos sócios, e logo estão também desprovidos de legitimidade para a dedução da ação de anulação de deliberação social” (cfr. acórdão proferido no âmbito do processo n.º 5728/15.8T8VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt).
ii. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19/06/2014:
“1. No exercício dos deveres de administração da herança e respetivos direitos, o cabeça-de-casal pode exercer direitos inerentes à quota societária, independentemente de ser ou não contitular, por, na qualidade de cabeça de casal ser, por designação legal, representante comum dos herdeiros (…)” (cfr. acórdão proferido no âmbito do processo n.º 785/09.9TYLSB.L1-6, disponível em www.dgsi.pt).
iii. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28/01/2013:
“I - Quando existe contitularidade por morte de um sócio que deixou herdeiros, o exercício dos direitos de sócio deverá ter lugar através de um representante comum deles e, se houver cabeça-de-casal será esse o representante comum designado por lei.
II - Um único contitular que não é representante comum não poderá propor ação de anulação de deliberação social” (cfr. acórdão proferido no âmbito do processo n.º 3618/12.5TBSTS-A.P1, disponível em www.dgsi.pt).
iv. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 28/09/2017:
“I - O direito à impugnação de determinadas deliberações não pode ser exercido por cada um dos contitulares individualmente considerados, apenas podendo sê-lo por um representante comum ou pelo cabeça de casal.
II - No caso, não estamos perante uma ilegitimidade ativa decorrente da falta de intervenção de outros sujeitos que devessem estar na lide, mas perante a circunstância de estar nela quem carece do direito de exercício, pois a outrem pertence esse mesmo direito” (cfr. acórdão proferido no âmbito do processo n.º 1396/14.2TJVNF.G1, disponível em www.dgsi.pt).
12.º O regime especial imperativo previsto nos artigos 222.º, n.º 1 e 223.º do CSC, o qual tem na sua “ratio” proteger o interesse da sociedade em haver uma unidade de atuação dos contitulares através do respetivo representante comum.
13.º A norma do artigo 222.º, n.º 1, do CSC é clara em afastar a intervenção dos contitulares por si, singularmente ou em conjunto, no exercício dos direitos perante a sociedade, quer por razões práticas (ex vi o n.º 2 daquela norma relativa às notificações), quer por razões de segurança.
14.º Em acréscimo da jurisprudência supracitada, no sentido do afastamento da possibilidade do exercício em conjunto dos direitos pelos herdeiros nos casos de contitularidade de quota integrada no acervo hereditário não partilhado e a necessidade destes serem exercidos através de representante comum, veja-se ainda os seguintes acórdãos:
 Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 05/15/2012 no processo n.º 720/11.4TYVNG.P1, relatora Márcia Portela, e de 03/10/2015 no processo n.º 560/14.9T8AMT.P1, relator M. Pinto dos Santos (“os direitos inerentes à quota indivisa não podem ser exercidos, junto da sociedade respetiva, por todos os contitulares da mesma, só podendo ser exercidos pelo representante comum destes”);
 Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11/05/2015 no processo n.º 3990/14.2TBBRG.G1, relatora Maria Dolores Sousa e de 05/04/2017, processo n.º 2983/16.0T8VNF.G1, Maria João Matos, salientando que “intervenção plural dos contitulares terá tendência a revelar-se embaraçosa para a atividade societária”.
15.º Acresce o recente acórdão do TRG de 18/01/2018 supracitado “a permissão do exercício em conjunto pelos herdeiros dos direitos da contitularidade da quota em relação à sociedade, coloca problemas que a solução legal expressamente desenhada não levanta, não se vendo razão para abrir a porta a tais inconvenientes, acobertando-se a omissão do ato de nomeação de representante ou de concessão de poderes especiais, sem nada que o justifique.
Com efeito, como se viu, a possibilidade de se prescindir do representante exigido por lei cria problemas de difícil resolução e que foram prevenidos pelo regime estipulado na lei e que nada faz neste caso afastar” (cfr. acórdão supra).
16.º Existindo imposição legal (artigo 222.º, n.º 1, do CSC) no sentido do exercício dos direitos inerentes à quota pelos seus contitulares através de representante comum, sendo ele o cabeça-de-casal designado por lei, mal andou o Tribunal a quo ao decidir daquela forma.
17.º Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outros, o disposto nos artigos 222.º, n.º 1, 223.º, n.º 1, do CSC, bem assim 2079.º e 2080.º, n.º 1, do CC, impondo-se, consequentemente, a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que determine o prosseguimento dos ulteriores do processo.»
Em sede de contra-alegações, os Recorridos pugnam pela manutenção da decisão recorrida aderindo aos fundamentos desta e salientando que, de todo o modo, a Recorrente não se apresentou neste processo como representante de todos os herdeiros do sócio falecido.

Cumpre apreciar se a legitimidade ativa se encontra assegurada através da intervenção singular da A nesta ação.

III – Fundamentos
A – Dados a considerar
1 – A Autora instaurou a presente ação em nome próprio;
2 – Invocou a qualidade de herdeira e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu marido (…), que foi titular da quota na sociedade Ré;
3 – Apresentou certidão da escritura de habilitação de herdeiros da qual consta que, para além da Autora, são herdeiros do falecido os filhos (…), (…), (…) e (…);
4 – Invocou que ela e os identificados herdeiros são contitulares em comum e sem determinação de parte ou direito de uma quota na sociedade Ré no valor de € 4.987,98, e que a referida transmissão de quota se encontra registada, nesses precisos termos;
5 – (…) é filho de (…), e neto de (…) e (…) – cfr. doc. de fls. 50;
6 – (…) é filha de (…), e neta de (…) e (…) – cfr. doc. de fls. 53;
7 – (…) é filho de (…) , e neto de (…) e (…) – cfr. doc. de fls. 55;
8 – (…) é filha de (…), e neta de (…) e (…) – cfr. doc. de fls. 58;
9 – (…) faleceu a 24/09/2003 no estado civil de casado com (…), era filho de (…) e de (…) – cfr. certidão do assento de nascimento junta.
Os documentos de fls. 50 a 60 consistem nas certidões dos serviços do registo civil enviadas eletronicamente ao processo, não se afigurando existir fundamento para junção dos originais – cfr. artigo 4.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, na versão atualizada.

B – O Direito
A Autora apresentou-se a intentar a presente ação de anulação de deliberações sociais arrogando-se da qualidade de cabeça-de-casal na herança do sócio (…), enquanto representante legal dos herdeiros, contitulares em comum e sem determinação de parte ou direito de uma quota na sociedade Ré.
Nos termos do disposto no artigo 222.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais (CSC), os contitulares de quota devem exercer os direitos a ela inerentes através de representante comum. Ora, o representante comum, quando não for designado por lei ou disposição testamentária, é nomeado (…) pelos contitulares – artigo 223.º, n.º 1, do CSC. O representante comum pode exercer perante a sociedade todos os poderes inerentes à quota indivisa, salvo o disposto no n.º 6 do artigo 223.º do CSC – artigo 223.º, n.º 5, do CSC. É que, exceto quando a lei, o testamento, todos os contitulares ou o tribunal atribuírem ao representante comum poderes de disposição, não lhe é lícito praticar ato que importem a extinção, alienação ou oneração da quota, aumento de obrigações e renúncia ou redução dos direitos dos sócios – n.º 6 do artigo 223.º do CSC.
Em face do citado regime legal, é o representante comum dos contitulares de quota que exerce os direitos inerentes à quota indivisa. Os atos que extravasam tais poderes de representação são aqueles que se mostram elencados no regime definido no n.º 6 do artigo 223.º do CSC. Trata-se de normativo que regula especificamente a restrição dos poderes do representante comum, pelo que não cabe aqui lançar mão de normas atinentes à administração / disposição de coisas ou patrimónios comuns. A propositura de ação de anulação de deliberações sociais não constitui um ato de disposição que, nos termos especificados no n.º 6 do artigo 223.º do CSC, impeça a aplicação da regra do artigo 222.º, n.º 1, do CSC, mas antes de simples administração.[1]
Por conseguinte, o representante comum pode propor, nessa qualidade e desacompanhado dos demais contitulares, ações de anulação de deliberações sociais.
A representação comum caberá, por força da lei, ao cabeça-de-casal?
A resposta é afirmativa.
Se a contitularidade, sem determinação de parte ou direito, decorre do direito a património hereditário indiviso, cabe ao cabeça-de-casal a representação comum dos contitulares. Na verdade, “quando o artigo 223.º, n.º 1, do CSC se refere à designação do representante comum «por lei», sem dúvida que pretende abarcar no seu dispositivo o artigo 2087.º, n.º 1, do CC, onde se lê que o «cabeça-de-casal administra os bens próprios do falecido e, tendo este sido casado em regime de comunhão, os bens comuns do casal». Logo, e por decorrência legal, as funções de representante comum da quota integrada em herança ainda indivisa pertencem ao cabeça-de-casal.”[2] Em caso de contitularidade por morte do sócio, o exercício dos direitos de sócio pelos herdeiros deverá ter lugar através de um representante comum e, se houver cabeça de casal, será esse o representante comum designado por lei.
Esta posição merece acolhimento maioritário na doutrina e na jurisprudência – cfr. Alexandre de Soveral Martins, Contitularidade de Participações Sociais: algumas notas, in Direito das Sociedades em Revista, Ano 3, Volume 5, 2001, págs. 25/39, a pág. 34; Raúl Ventura, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª edição, pág. 517; Pinto Furtado, Deliberações dos Sócios – Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, 2003, pág. 432; Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação de António Menezes Cordeiro, 2.ª edição, pág. 651; Ac. do TRP de 18/10/2005 (Alberto Sobrinho), Ac. do TRP de 11/12/2006 (Marques Correia), Ac. do TRP de 21/12/2006 (José Ferraz), Ac. do TRP de 26/02/2009 (Pinto de Almeida), Ac. do STJ de 06/10/2009 (Nuno Cameira), Ac. TRC de 21/06/2011 (Carlos Gil), Ac. do TRP, de 15/05/2012 (Márcia Portela), Ac. do TRP de 28/01/2013 (José Eusébio Almeida), Ac. do TRL de 16/09/2014 (Maria Manuela Gomes), Ac. do TRL de 11/11/2014 (Cristina Coelho), Ac. do TRG de 30/06/2016 (Helena Melo).[3]
Atenta a escritura de habilitação de herdeiros outorgada a 08/02/2018, a Autora resultou instituída cabeça-de-casal da herança do seu falecido marido relativamente aos herdeiros ali identificados, ela própria e seus filhos (…), (…), (…) e (…). Por via disso, relativamente à quota social indivisa, a Autora passou a assumir, por força da lei, a qualidade de representante comum daqueles contitulares, dispondo de legitimidade para instaurar a ação de anulação de deliberações sociais em representação daqueles contitulares.
Apurou-se, no entanto, que o falecido sócio deixou outros herdeiros, os seus filhos (…), (…), (…) e (…), cuja habilitação não consta da mencionada escritura pública. Relativamente a estes herdeiros (cfr. artigos 2131.º e seguintes do CC e 2156.º e seguintes do CC), a Autora não foi instituída cabeça-de-casal. Acresce que a Autora, ao afirmar não os reconhecer como herdeiros do seu falecido marido, não se assume representante desses herdeiros. Por conseguinte, não pode ser tomada como tal.
É certo que se alcança do registo comercial que os herdeiros identificados na escritura de habilitação são contitulares em comum e sem determinação de parte ou direito da quota na sociedade Ré que pertencia a (…), com relevância em face do regime inserto no artigo 11.º do Código do Registo Comercial (CRC). Porém, como os factos sujeitos a registo, ainda que não registados, podem ser invocados entre as próprias partes ou seus herdeiros (artigo 13.º, n.º 1, do CRC), a presunção decorrente do artigo 11.º do CRC resulta desprovida de efeito.
Conclui-se, portanto, que a Autora não se apresenta na ação como representante comum de todos os herdeiros.
Verifica-se a exceção da ilegitimidade ativa, o que implica na absolvição dos Réus da instância – artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e) e 278.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Improcedendo as conclusões da alegação do presente recurso, cabe manter a decisão recorrida, embora com fundamento diverso.

As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo: (…)

IV – DECISÃO
Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.

*

Évora, 9 de junho de 2022
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Ana Margarida Leite

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[1] Ac. do STJ de 06/10/2009 (Nuno Cameira).
[2] Ac. do TRG de 04/05/2017 (Maria João Matos).
[3] Acolhendo-se, em grande parte, o que vem enunciado no acórdão identificado na nota anterior.