Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
93/21.7T8SRP.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- Compete ao requerente da insolvência a alegação e prova dos factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência (artigo 23.º/1, do CIRE e artigo 342.º/1, do CC), e, quando o requerente é um credor, para além da alegação de um ou mais dos factos que servem de base à presunção legal, tem ainda de justificar a origem, natureza e montante do crédito (artigo 25.º).
II.- Feita esta prova, caberá ao requerido o ónus da prova da sua solvência, como resulta do artigo 30.º/3 e 4, do CIRE.
III.- Não se tendo demonstrado a verificação de qualquer dos factos-índice a que aludem as alíneas a), b), c) e g), i) e ii), do artigo 20.º/1, do CIRE, ou seja, que existe uma suspensão generalizada de pagamento de obrigações; que, pelo seu montante e circunstâncias do incumprimento, se revela que a requerida está impossibilitada de satisfazer a generalidade das suas obrigações; que há abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce atividade principal e que se verifica incumprimento, nos últimos seis meses, das obrigações tributárias e das contribuições e quotizações para a segurança social, o pedido de insolvência não pode proceder.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 93/21.7T8SRP.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…) – Comércio de Tintas, Lda.

Recorrido: Sociedade Comercial (…), Lda.
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No Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Instância Local – Secção de Competência Genérica de Serpa, (…) – Comércio de Tintas, Lda. peticionou a declaração de insolvência da Sociedade Comercial (…), Lda., tendo, a final, sido proferida a seguinte decisão:
Em face do exposto, julgo a ação improcedente, por não provada e, em consequência, absolvo a Requerida do pedido.
Custas a cargo da Requerente, com taxa de justiça reduzida a metade.

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Não se conformando com o decidido, (…) – Comércio de Tintas, Lda. recorreu da sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

a) No dia 29/06/2021, a Recorrente deu entrada do pedido de declaração de insolvência da Sociedade Comercial (…), Lda.

b) A recorrida regularmente citada não deduziu oposição.

c) Tendo sido proferido despacho de indeferimento liminar do requerido de onde se retira como fundamento que “não sendo de presumir que pelo não pagamento de dois créditos de valor reduzido, tal evidencie a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.

d) A petição inicial não foi objeto de indeferimento liminar de acordo com artigo 27.º do C.I.R.E..

e) Não tendo havido respeito, com a prolação desta decisão, pelo prazo legal de 3 dias.

f) O tribunal ad quo, não obstante a admissão dos fatos pela recorrida, não dá como provado os pontos 5), 13), 26), 29), 32) da petição inicial, os quais preenchem a previsão constante do artigo 20.º/1, a), b), e) e g), do C.I.R.E..

g) Ao não admitir a produção de prova testemunhal, o tribunal ad quo impediu de fazer a sua prova violando as disposições previstas no artigo 20.º/1 a), b), e), e g), do C.I.R.E. e artigo 615.º/1, d), do C.P.C., padecendo a presente sentença de nulidade a qual desde já se invoca para os devidos efeitos legais.

h) De igual forma, o aqui recorrente solicita a notificação da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como junto da Segurança Social de forma a obter uma informação atualizada dos montantes em dívida.

i) O tribunal ad quo ao indeferir a pretensão do recorrente impediu o mesmo de fazer a sua prova.

j) Ao decidir como decidiu, o tribunal ad quo violou o artigo 342.º do C.C., 417.º, 495.º e ss e artigo 615.º/1, d), do C.P.C., padecendo de igual forma a presente decisão de nulidade.

k) No caso sub judice não é aplicável o artigo 30.º/5, do C.I.R.E., nem tão pouco o artigo 12.º do C.I.R.E..

l) Inexistia motivo para dispensar a audição da legal representante da requerida.

m) Ao aplicar o artigo 30.º/5, do C.I.R.E., o Tribunal ad quo violou o estatuído nos artigos 12.º e 30.º/5, do C.I.R.E..

n) Não existe no C.I.R.E. um quantum mínimo para requerer a insolvência de alguém.

o) Inclusive, caso não sejam apurados bens suficientes para satisfazer o pagamento, o processo é imediatamente encerrado por insuficiência de massa, ao abrigo do artigo 39.º do C.I.R.E..

p) A decisão proferida viola assim o artigo 27.º, n.º 1 e o artigo 39.º, ambos do C.I.R.E., bem como todo o regime da insolvência por ser um entrave ao início de todo o processo e da sua natureza.

q) O indeferimento liminar do presente processo veda logo à partida qualquer tentativa de satisfação dos créditos dos credores e a posterior descoberta da verdade inerente ao regime da insolvência que permite um alargamento das responsabilidades.

r) A decisão proferida viola, assim, o artigo 27.º, n.º 1, o artigo 39.º, ambos do C.I.R.E..

s) Verifica-se, ainda, a violação do artigo 20.º, n.º 1, do C.I.R.E., bem como do artigo 30.º, n.º 1, do C.I.R.E., a contrario e do n.º 5 do mesmo artigo, devendo ter sido declarada a insolvência da requerida de modo imediato, de acordo com os prazos do referido artigo.

t) Sendo, ainda, a decisão proferida pelo tribunal a quo nula considerando o estatuído no artigo 615.º/1, d), do C.P.C., nulidade que desde já se invoca para os devidos efeitos legais.

u) O pedido cumpre os requisitos elencados no artigo 20.º, n.º 1, do C.I.R.E., prevendo este artigo exatamente a falta de ativo da requerida.

v) A decisão proferida pelo tribunal a quo desvirtua os preceitos do regime da insolvência.

w) A decisão do tribunal a quo violou as seguintes disposições legais: 20.º/1, 27.º/1, 30.º/4, 5, a contrario, 36.º, 39.º, 230.º, 232.º do C.I.R.E. e artigo 615.º/1, alínea d), do C.P.C..

Nestes termos e nos melhores de direito do douto suprimento requer a V.ª Ex.ª digne admitir o requerido julgando o presente recurso procedente por provado, e em sua consequência deverá ser declarada a insolvência da Sociedade Comercial (…), Lda. fazendo assim inteira e sã justiça.


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O Ministério Público, contra-alegou concluindo:

1. Veio o recorrente referir que o facto de a Mm.ª Juiz não notificar a Autoridade Tributária e Aduaneira a impediu de fazer prova dos factos e, consequentemente, existe uma nulidade da decisão proferida, sendo que se impunha declarar o devedor insolvente.

2. Contudo, era ao recorrente que cabia alegar e provar os factos que alegava em sede de petição inicial, tendo existido um convite ao aperfeiçoamento, onde se encontrava descrito que a petição inicial continha factos genéricos e conclusivos, sendo que a própria parte em requerimento posterior não veio suprir o referido e solicitou novamente ao Tribunal a quo que oficiasse a Autoridade Tributária e Aduaneira.

3. Não o tendo feito, sempre caberia indeferir a pretensão do recorrente, bem assim como julgar a ação improcedente por não provada e absolver a requerida, uma vez que não se encontravam preenchidos qualquer um dos factos índice do artigo 20.º do CIRE.

4. Com efeito, entende o Ministério Público que a decisão recorrida não merece qualquer reparo, devendo o recurso ser julgado improcedente.

Face ao supra exposto e pelos fundamentos invocados, entende-se que deverá ser negado provimento ao recurso interposto e, em consequência, manter-se o despacho proferido, assim se fazendo Justiça.


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Foram dispensados os vistos.

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A questão que importa decidir é a de saber se, em face da matéria de facto provada, está preenchido algum dos factos índice de cuja verificação depende a decretação da insolvência.
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A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:
Factos provados.
1. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica ao comércio de tintas e produtos similares;
2. A Requerida tem por objeto social: atividades especializadas de construções diversas, coberturas, plataformas, grades, portas, janelas em ferro, alumínio e aço-inox; todo o tipo de agricultura, semear, colher, de todos os tipos de cereais, leguminosas, flores, ervas aromáticas, tomates; criação e venda de todo o tipo de animais, gado bovino, ovino, caprino, aves, coelhos; todo o tipo de produtos alimentares, bebidas, cervejas, sumos, ginjinha de Óbidos; sandes, bolos, paios, chouriços, presuntos, queijos, morcelas, azeitonas, tremoços; fornecimento de espaço e refeições quentes ou frias para todo o tipo de eventos, festas de aniversários, casamentos, comunhões, baptizados, grupos de amigos, confraternizações;
3. A gerência da Requerida é exercida por (…);
4. No exercício da sua atividade comercial, a Requerente forneceu bens que originaram a emissão das seguintes faturas:
Fatura n.º (…), vencida em 31.11.2012, pelo valor de € 299,54;
Fatura n.º (…), vencida em 30.12.2012, pelo valor de € 1.520,97;
Fatura n.º (…), vencida em 19.11.2013, no valor de € 74,00;
5. Para obter o pagamento das referidas quantias, a Requerente propôs procedimento de injunção, ao qual foi atribuído o número de processo 172471/13.1YIPRT e que correu termos no Juízo Local Cível de Santa Maria da Feira, J1.
6. Nessa sede, foi proferida sentença que conferiu força executiva ao requerimento injuntivo apresentado pela Requerente.
7. No exercício da sua atividade comercial a Requerente forneceu vários artigos à Requerida, tendo emitido as seguintes faturas:
Fatura n.º (…), emitida em 31.01.2012, pelo valor de € 701,31;
Fatura n.º (…), emitida em 08.02.2012, pelo valor de € 999,01;
Fatura n.º (…), emitida em 29.02.2012, pelo valor de € 645,59;
Fatura n.º (…), emitida em 31.03.2012, pelo valor de € 1.144,24;
Fatura n.º (…), emitida em 30.04.2012, pelo valor de € 653,63;
Fatura n.º (…), emitida em 31.07.2012, pelo valor de € 1.353,16;
Fatura n.º (…), emitida em 31.08.2012, pelo valor de € 406,54;
Fatura n.º (…), emitida em 28.09.2012, pelo valor de € 1.042,44;
8. Para pagamento dos bens adquiridos e discriminados nas faturas elencadas no ponto anterior, a Requerida entregou à Requerente um cheque com o número (…), emitido a 28-02-2013, no valor de € 2.210,44 (dois mil e duzentos e dez euros e quarenta e quatro cêntimos), sacado sobre a instituição bancária Banco Espírito Santo, conta n.º (…).
9. Apresentado a pagamento, o referido cheque foi devolvido com a menção de “furto”.
10. Com vista à obtenção do pagamento da quantia mencionada em 8., a Requerente intentou processo executivo contra a Requerida, o qual corre termos sob o número 56688/13.0TBVFR no Juízo de Execução de Oliveira de Azeméis – J2. 11.
Nessa sede apurou-se que a Requerida é proprietária dos seguintes bens:
veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi, modelo Canter (…), com matrícula (…), inicialmente registada no ano de 1999 e sobre o qual está registada uma penhora a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social;
veículo automóvel ligeiro de mercadorias, marca Mitsubishi L200 (…), com matrícula (…), inicialmente registada no ano de 1997, e sobre o qual está registada uma penhora a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social;
12. São credores da Requerida:
Meo – Serviços de comunicações e multimédia, S.A, no valor de € 2.936,26 (dois mil e novecentos e trinta e seis euros e vinte e seis cêntimos);
A Requerente, no valor de € 2.446,03 (dois mil e quatrocentos e quarenta e seis euros e três cêntimos);
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Factos não provados.
Não ficaram por provar quaisquer factos.
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Conhecendo.
De acordo com o disposto no artigo 3.º/1, do CIRE, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”, acrescentando o n.º 2 do mesmo preceito legal que “as pessoas colectivas e os patrimónios autónomos, por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis”.
O n.º 1 do artigo 20.º do CIRE preceitua: “a declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes casos:
Neste seguimento, elenca este preceito um conjunto de factos ou hipóteses presuntivas da situação de insolvência, designadamente:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sua sede ou exerce a sua principal actividade, relacionadas com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i. Tributárias;
ii. De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii. Créditos emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv. Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência.
g) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado”.
Deste modo, o que é relevante para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Através dos “factos-índices” ou “presuntivos”, elencados nas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º, o legislador estabeleceu presunções juris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor, pelo que, feita a prova pelo requerente de alguma das situações ali previstas, caberá ao requerido o ónus da prova da sua solvência, como se extrai do artigo 30.º, nºs 3 e 4 (neste sentido, Carvalho Fernandes e João Labareda, in “CIRE Anotado, Quid Juris 2005, Vol. 1º, páginas 132/133 e ss.”, Ac. do TRP de 26-10-06 e 12-04-07 e do TRC de 20-11-2007 e de 15-04-2008.
Nesses termos, compete ao requerente da insolvência a alegação e prova dos factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência, (artigo 23.º/1, do CIRE e artigo 342.º/1, do CC), e quando o requerente é um credor, para além da alegação de um ou mais dos factos que servem de base à presunção legal, tem ainda de justificar a origem, natureza e montante do crédito (artigo 25.º).
Este inciso prescreve que quando o pedido não provenha do próprio devedor, o requerente da declaração de insolvência deve justificar na petição a origem, natureza e montante do seu crédito, ou a sua responsabilidade pelos créditos sobre a insolvência, consoante o caso, e oferecer com ela os elementos que possua relativamente ao ativo e passivo do devedor, devendo ainda oferecer todos os meios de prova de que disponha.
Feita esta prova, caberá ao requerido o ónus da prova da sua solvência, como se extrai do artigo 30.º, nºs 3 e 4, do CIRE.
No caso dos autos provou-se que a recorrida é uma sociedade comercial que tem por objeto atividades especializadas de construções diversas, coberturas, plataformas, grades, portas, janelas em ferro, alumínio e aço-inox; todo o tipo de agricultura, semear, colher, de todos os tipos de cereais, leguminosas, flores, ervas aromáticas, tomates; criação e venda de todo o tipo de animais, gado bovino, ovino, caprino, aves, coelhos; todo o tipo de produtos alimentares, bebidas, cervejas, sumos, ginjinha de Óbidos; sandes, bolos, paios, chouriços, presuntos, queijos, morcelas, azeitonas, tremoços; fornecimento de espaço e refeições quentes ou frias para todo o tipo de eventos, festas de aniversários, casamentos, comunhões, batizados, grupos de amigos, confraternizações;
A argumentação da recorrente vai no sentido de que, os factos dados como provados, permitem concluir que se verificou uma paralisação generalizada no cumprimento das obrigações vencidas; que se verifica uma falta de cumprimento de obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revela a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações vencidas; que se verifica o abandono do local da sede empresarial; que se encontra demonstrada uma situação da frustração da ação executiva por falta de bens penhoráveis suficientes e, por último, que se verifica o incumprimento, nos últimos seis meses, das obrigações tributárias e das contribuições e quotizações para a segurança social – (alíneas a), b), c), e) e g) i) e ii) do artigo 20.º/1, do CIRE).
Quanto às alíneas a) e b) a recorrente limitou-se a argumentar que tem um crédito sobre a requerida no valor de € 2.446,03 e, que, para além disso, existe também um crédito no valor de € 2.936,26 a Meo – Serviços de Telecomunicações.
Atendendo à vastidão do objeto social da requerida, estas duas verbas relevam-se de fraco significado para que, do seu não pagamento atempado, se possa concluir por uma impossibilidade generalizada de cumprir as obrigações a que se encontra adstrita, pelo que se não mostram verificados os factos índice respetivos.
Quanto à alínea c), resultou apenas provado que a empresa já não labora no local onde a recorrente forneceu os bens que recebeu da recorrente, mas nada se apurou quanto ao motivo dessa alteração, pelo que tal factualidade é também insuficiente para o preenchimento do facto-índice.
Quanto à alínea e), que se refere à frustração da ação executiva por falta de bens penhoráveis, constata-se que se encontram penhoradas duas viaturas para pagamento de dívidas da segurança social, mas não se sabe qual o valor destas dívidas nem se, do produto da venda destes bens, pode ou não ser paga também a dívida da recorrente.
O que equivale por dizer que também e não mostra verificado este facto-índice.
Por fim, quanto à alínea g), i) e ii) refere-se ao incumprimento, nos últimos 6 (seis) meses, das obrigações tributárias e das contribuições e quotizações para a segurança social, não foram alegadas nem demonstradas quaisquer dívidas à Autoridade Tributária ou à Segurança Social, quer quanto ao valor quer quanto às datas de vencimento.
O que leva a concluir que também se não demonstrou a factualidade que integraria este facto-índice.
Nenhum dos factos-índice se demonstrou, pelo que não é exigível à requerida que alegue e prove a sua solvência.
Não se tendo provado qualquer facto-índice bem andou o tribunal a quo na decisão de indeferir a providência de insolvência da requerida.
Neste sentido, Ac. TRC de 26-05-2009, Proc.º 602/09.0TJCBR.C1:
I – O conceito básico ou nuclear de insolvência traduz-se na impossibilidade de cumprimento pelo devedor das suas obrigações vencidas, conforme estatui o artigo 3.º, n.º 1, do CIRE: “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas”.
II - O que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
III - Através dos “factos-índices” ou “presuntivos” elencados nas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, o legislador estabeleceu presunções juris tantum de verificação da situação de insolvência do devedor, pelo que, feita a prova pelo requerente da alguma de alguma das situações ali previstas, caberá ao requerido o ónus da prova da sua solvência, como se extrai do artigo 30.º, nºs 3 e 4.
IV - Compete ao requerente da insolvência a alegação e prova dos factos que integram os pressupostos da declaração de insolvência, por meio de petição escrita (cfr. artigo 23.º, n.º 1, do CIRE, e artigo 342.º, n.º 1, do CC) e quando o requerente é um credor, para além da alegação de um ou mais dos factos que servem de base à presunção legal, tem ainda de justificar a origem, natureza e montante do seu crédito (artigo 25.º).
V - De entre as pessoas que estão legitimadas para requerer a insolvência (cfr. artigos 18.º, 20.º e 296.º, n.º 2, do CIRE) encontram-se os credores do devedor.
VI - Na verdade, dispõe-se no artigo 20.º, n.º 1, que a declaração de insolvência pode ser requerida “(…) por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito (…)”.
Por outro lado, atendendo a que a petição de insolvência não mereceu oposição da requerida, os factos foram considerados confessados (artigo 574.º/2, do CPC, ex vi do artigo 17.º/1 e 35.º/5, do CIRE), por força do cominatório semipleno, sendo certo que, apesar de confessados os factos (não sendo também admissível a inquirição de testemunhas para confirmar factos confessados), isso não implica necessariamente a prolação de sentença de insolvência, uma vez que têm de verificar-se em concreto um ou mais factos-índices acima referidos, o que foi efetuado pelo tribunal a quo, não merecendo, por isso, a decisão qualquer censura.
Acresce que a recorrente foi convidada a aperfeiçoar a petição inicial (Despacho de 19-09-2021, Referência: 32057743), o que não mereceu o seu acolhimento, não se verificando, em consequência, quaisquer das nulidades ou irregularidades arguidas pela apelante.
Assim sendo, improcedem integralmente as conclusões da recorrente o que implica a confirmação da decisão recorrida.
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Sumário:

(…)


***
DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga improcedente a apelação e confirma a sentença recorrida.

Custas pela recorrente – Artigo 527.º C.P.C.
Notifique.

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Évora, 13-01-2022

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Emília Ramos Costa