Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
62/21.7T8BJA.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: DOENÇA PROFISSIONAL
RETRIBUIÇÃO
SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- Na reparação emergente de doenças profissionais, as indemnizações e as pensões são calculadas com base na remuneração devida ao doente no ano anterior à cessação à exposição ao risco, ou à data do diagnóstico final da doença, se este a preceder, entendendo-se por retribuição anual, nos termos previstos pelo artigo 111.º, n.º4, alínea a) da Lei n.º 98/2010, de 4 de setembro, as 12 retribuições mensais ilíquidas acrescidas dos subsídios de Natal e de férias e outras atribuições pecuniárias que o trabalhador tenha direito com carácter de regularidade.
II- O subsídio de alimentação que o empregador se obriga a pagar mensalmente, num montante prefixado, constitui uma prestação certa e regular relacionada com a prestação efetiva de trabalho e, como tal, integra o conceito de retribuição de referência previsto no artigo 111.º da LAT.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
J., patrocinado pelo Ministério Público, intentou contra o Instituto da Segurança Social, IP – Departamento de Proteção Contra os Riscos Profissionais, a presente ação emergente de doença profissional, requerendo a fixação, por decisão judicial, da natureza e grau de incapacidade que se encontra afetado em razão de doença profissional.
O processo seguiu a tramitação que resulta dos autos e que é do conhecimento das partes.
Por fim, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto o Tribunal decide.
A - Fixar em 6% a IPP (incapacidade permanente parcial), que afeta o autor, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, advinda do padecimento de DOENÇA PROFISSIONAL consistente em raquialgia residual por agravamento de atitude escoliótica e lombociatalgia L5-S1, bilateral.
B – Fixar em € 10.536,48 (dez mil, quinhentos e trinta e seis euros e quarenta e oito cêntimos), a INDEMNIZAÇÃO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA ABSOLUTA devida pelo réu ao autor no período de 13.09.2019 e 12.01.2021;
C – Fixar em € 5.402,62 (cinco mil, quatrocentos e dois euros e sessenta e dois cêntimos), a PENSÃO ANUAL devida ao autor pelo réu desde 12.01.2021;
D – Fixar em € 4.331,09 (quatro mil e trezentos e trinta e um euros e nove cêntimos) o valor do SUBSÍDIO POR ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE a pagar de uma só vez pelo réu ao autor;
E - Quantias às quais acrescerão os juros legais devidos desde a data de vencimento da pensão e subsídio (13.01.2021) até efetivo e integral pagamento.
Custas pelo réu.
Fixo à ação o valor de € 20.270,19 (vinte mil duzentos e setenta euros e dezanove cêntimos) – [€ 10.536,48 + € 5.402,62 + € 4.331,09] – cfr. art. 120º, nº 1 do C.P. Trabalho, em conjugação com a Tabela anexa à Portaria nº 11/2000, de 13 de janeiro.
Registe, notifique e, oportunamente, cumpra o disposto no n.º 2 do artigo 155º do Código de Processo do Trabalho.»
Não se conformando com o decidido, veio o réu interpor recurso para esta Relação, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A.Vem o presente recurso interposto da douta Sentença do Tribunal a quo, que decidiu julgar procedente a ação e, em consequência: «(…)B - Fixar em € 10.536,48 (dez mil, quinhentos e trinta e seis euros e quarenta e oito cêntimos), a INDEMNIZAÇÃO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA ABSOLUTA devida pelo réu ao autor no período de 13.09.2019 e 12.01.2021; C - Fixar em € 5.402,62 (cinco mil, quatrocentos e dois euros e sessenta e dois cêntimos), a PENSÃO ANUAL devida ao autor pelo réu desde 12.01.2021; D – Fixar em € 4.331,09 (quatro mil e trezentos e trinta e um euros e nove cêntimos) o valor do SUBSÍDIO POR ELEVADA INCAPACIDADE PERMANENTE a pagar de uma só vez pelo réu ao autor;(…)».
B. Afigura-se ao Recorrente, que o Tribunal a quo, para assim decidir, incorreu numa errada apreciação da prova e na sua valoração e na interpretação dos factos e do direito, daí se justificando a interposição do presente recurso. Vejamos,
C. O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: «(…)i) No dia 2/1/2019, o Autor e a Bos, Ldª celebraram acordo mediante o qual o Autor foi admitido para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da Bos,Ldª, para desempenhar as funções de técnico de manutenção informática mediante o pagamento da remuneração base mensal de 650€, acrescida de subsídio de alimentação, no valor diário de 6€; (…)k) No dia 2/1/2019, o Autor começou a trabalhar para a Bos, Ldª, nos referidos termos, desempenhando as suas funções na zona da margem Sul do Tejo, Setúbal, Grândola e Santiago do Cacém, reparando equipamentos informáticos dos clientes da Ré, designadamente, entidades bancárias, o que fez ininterruptamente, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, até outubro de 2019; (…)n) Em
resultado do referido agravamento o autor esteve totalmente incapacitado para o trabalho entre 13.09.2019 e 12.01.2021.(…)»
D. Face aos factos provados entendeu o Tribunal recorrido, considerar para efeitos de cálculo da pensão anual e vitalícia, o valor da RR no montante de €10.552,00, valor relativamente ao qual, salvo o devido respeito, não poderá o Recorrente concordar. Porquanto, de acordo com o n.º 1 do artigo 111.º da Lei nº 98/2009, de 04.09:“Na reparação de doença profissional, a retribuição de referência a considerar no cálculo das indemnizações pensões corresponde à retribuição anual ilíquida devida ao beneficiário nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a precede.”, ora, a Retribuição de Referência apurada pelo Tribunal a quo [(650x14m) +€6x22x11)] no caso 10.552,00€ não coincide com o Histórico Mensal da Segurança Social, pois, o Recorrido não tem doze meses de remunerações nem de subsídios (Natal e Férias) na empresa Bos, Lda., daí que, salvo o devido respeito, o Recorrente tenha apurado uma remuneração média mensal no valor de 693,70€, correspondente ao período de 09/2019 a 01/2019, período esse de nove meses, que consta do extrato de remunerações do Recorrido e durante o qual este auferiu remunerações junto da Bos, Lda., e não nos doze meses,
ficcionados na douta Sentença recorrida;
E. Donde, salvo melhor e douta opinião em sentido diverso, deveria a Sentença recorrida ter considerado, como valor de referência para o cálculo 9.711,80€ e nunca o valor de 10.552,00€, como por manifesto erro de julgamento, considerou.
F. O Tribunal a quo, além do mais, considerou o subsídio de refeição «(…)devido por cada dia de trabalho efetivamente prestado, o montante a que o trabalhador tem direito a receber é o correspondente a 22 dias uteis por mês, durante 11 meses (uma vez que não é recebido no mês de férias) e, isso, foi o que foi tido em conta na sentença ao considerar que a pensão devida pela IPP de que o Recorrido padece decorrente de doença profissional deve ser calculada com base na retribuição anual de €9.904,00 [€621 x 14 + €5,00 x 22 x 11].», entendimento com o qual o Recorrente não pode concordar, uma vez que, de acordo com o descrito na alínea l) do n.º 2, e do n.º 3, do artigo 46.º “Delimitação da base de incidência contributiva”, do CRC do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei n.º 110/2009, de 16 de setembro, integram a base de incidência contributiva os valores dos subsídios de refeição, quer sejam atribuídos em dinheiro, quer em títulos de refeição, nos mesmos termos previstos no CIRS, sendo considerados rendimentos de trabalho os subsídios de refeição na parte em que excedem o limite legal estabelecido (atualmente 4,77€) ou que excedam em 60% sempre que os respetivos subsídios sejam atribuídos através de vales de refeição. Ora, no caso vertente, tal como resulta do Histórico Mensal das Remunerações do Recorrido, registadas na aplicação SISS, apenas foi considerado o excedente aos 4,77€, de acordo com o artigo atrás descrito.
G. Quanto ao valor 10.536,48€ de ITA, por Doença Profissional a indemnizar o Recorrido, no período de 13.09.2019 a 01.09.2019, o Tribunal a quo calculou da seguinte forma: “Calcula-se a remuneração de referência anual – os rendimentos que teve incluindo o subsídio de férias e o de Natal – no caso € 10.552,00 [(€650x14m) +(€6x22x11)] Divide-se esse valor por 365 para encontrar a remuneração de referência diária - € 28,91 [€ 10.552,00:365]. Multiplica-se o valor obtido por 0,70 ou 0,75, conforme a duração da doença e obtém-se o montante diário de subsídio (quanto recebe por dia) - €21,68 [€28,91x0,75]. Multiplica-se pelo número de dias de incapacidade - de € 10.536,48 [€21,68x486dias].”, contudo, no referido período o Recorrido esteve protegido pelo subsídio de incapacidade temporária por doença natural, atribuído pelo seu médico assistente para compensar a perda de remuneração, resultante do impedimento temporário para o trabalho, por motivo de doença, num total de 7.753,11€, ora, de acordo com o n.º 1 do artigo 26.º do D-L 28/2004:“1- O subsídio de doença não é acumulável com outras prestações compensatórias da perda da remuneração de trabalho, concedidas no âmbito do subsistema previdencial ou de outros regimes de proteção social, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte. 2 - O subsídio de doença não é acumulável com prestações concedidas no âmbito do subsistema de solidariedade, exceto com o rendimento social de inserção, em que se observa o disposto no regime jurídico que regulamenta esta prestação.”
Donde, legalmente, não podia nem pode o Recorrente alterar a natureza do subsídio, bem como o pagamento do mesmo.
H.O artigo 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC/2013, aplicável ex vi artigos 1.º e 77.º do CPT, dispõe que “[é] nula a sentença quando: (…); e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”, nulidade esta que se prende com o artigo 609.º, do mesmo código, nos termos do qual: “1. A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.”, motivos pelos quais, considera o Recorrente que a douta Sentença recorrida cometeu um erro de julgamento, pois efetuou uma errada apreciação relativamente à matéria de facto e de direito reunida nos nestes autos, verificando-se a ocorrência de uma condenação em quantidade superior, o que determina a nulidade da sentença recorrida.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente Recurso e, consequentemente, ser revogada a Douta Sentença ora recorrida”.
Requereu a junção de um documento.
Contra-alegou o autor, pugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
Tendo o processo subido à Relação, por despacho da relatora foi indeferida a requerida junção de prova documental apresentada com o recurso.
O recurso foi mantido e dispensaram-se os vistos legais, com a anuência dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são as seguintes:
1.ª Nulidade da sentença.
2.ª Incorreto julgamento, de facto e de direito, do valor da remuneração considerada para efeitos de cálculo da indemnização e da pensão devidas ao recorrido.
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III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:
a) O Autor nasceu a 30/9/1986;
b) Em 06.08.2020, o Autor apresentou participação obrigatória, nos serviços do Réu, nos termos do disposto no artigo 142.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, por suspeita da doença profissional descrita como “Pé boto congénito à esq. com desenvolvimento normal e sem limitações. Com a sobrecarga da atividade física no local de trabalho agravou a escoliose compensatória e assintomática de início, desenvolvendo lombociatalgia com lesão radicular L5-Si Bilateral. Desde essa altura tem necessidade de usar apoios de marcha e tem dor não controlada”.
c) Após observação médica ao Autor, os serviços do Réu elaboraram parecer médico, o qual veiculava o seguinte: “Fundamentação: sequelas de patologia congénita pelo que não se enquadra no âmbito profissional.”, concluindo pela inexistência de Doença Profissional.
d) Após homologação do sobredito parecer pelo Diretor do Departamento de Proteção contra os Riscos Profissionais, foi o Autor notificado por ofício datado de 27.11.2020, em sede de audiência prévia do projeto de decisão de indeferimento relativo à pensão por incapacidade para o trabalho, com fundamento no seguinte: “Não está afetado por doença profissional nem esteve exposto, no trabalho habitual, aos riscos que causaram a doença”.
e) No mesmo ofício, constava a informação que o requerimento relativo à Pensão por Incapacidade para o Trabalho seria indeferido se, no prazo de 10 dias úteis a contar da data de receção daquele ofício, não desse entrada nos serviços do Réu, resposta por escrito da qual constassem elementos que obstem ao indeferimento, juntando meios de prova se fosse caso disso.
f) O Autor nasceu com pé boto esquerdo, que foi corrigido cirurgicamente.
g) O Autor tem vindo a ser assistido no SNS.
h) O autor trabalhou entre 2013 e 2018 para a sociedade Meo, como técnico de telecomunicações, efetuando, designadamente, trabalhos em altura (postes) e conduzindo viaturas, sem quaisquer queixas;
i) No dia 2/1/2019, o Autor e a Bos, Ldª celebraram acordo mediante o qual o Autor foi admitido para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da Bos, Ldª, para desempenhar as funções de técnico de manutenção informática mediante o pagamento da remuneração base mensal de 650€, acrescida de subsídio de alimentação, no valor diário de 6€;
j) A entidade empregadora e o Autor acordaram que este prestaria funções na sede da Bos, Ldª, em qualquer local indicado por esta, nas suas delegações, e em toda a área geográfica em que aquela tivesse que prestar assistência técnica a máquinas abrangidas por contrato de manutenção celebrado com vários clientes;
k) No dia 2/1/2019, o Autor começou a trabalhar para a Bos, Ldª, nos referidos termos, desempenhando as suas funções na zona da margem Sul do Tejo, Setúbal, Grândola e Santiago do Cacém, reparando equipamentos informáticos dos clientes da Ré, designadamente, entidades bancárias, o que fez ininterruptamente, sob as ordens, direção e fiscalização da Ré, até outubro de 2019;
l) Para o desempenho das suas funções, o Autor efetuava deslocações diárias de cerca de 200 Km, conduzindo uma viatura da empresa até às instalações dos clientes desta; efetuava, diariamente, cargas e descargas de caixas com terminais Multibanco, chegando a pesar cerca de 10 Kg e, frequentemente, tinha de efetuar percursos a pé, com as referidas caixas, pois não conseguia estacionar nas proximidades dos locais onde ia desempenhar as suas tarefas de manutenção;
m) Em consequência dos referidos períodos de condução o Autor sofreu ligeiro agravamento de atitude escoliótica e lombociatalgia L5-S1, bilateral;
n) Em resultado do referido agravamento o autor esteve totalmente incapacitado para o trabalho entre 13.09.2019 e 12.01.2021.
o) A Junta Médica reunida no âmbito dos presentes autos, decidiu, por unanimidade, que o autor se encontra, em consequência da referida doença profissional que padece, afetado do coeficiente de desvalorização de 6% de IPP, admitindo parestesias dos membros inferiores, e que a mesma não será impeditiva de conduzir por períodos não muito longos de tempos ou em extensão, ou impeditiva de carregar em pesos/carga até 10kg/15kg.
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IV. Nulidade da sentença
O recorrente veio arguir a nulidade da sentença, alegando que a 1.º instância condenou em quantidade superior ao que era devido.
Analisemos.
De harmonia com o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável, a sentença é nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Nos presentes autos, o recorrido pediu que fosse reconhecido que padece de doença profissional causadora de incapacidades (temporária e permanente) e a condenação do recorrente a pagar-lhe os direitos de reparação que lhe são devidos.
Na sentença recorrida, a 1.ª instância condenou em conformidade com a deduzida pretensão, não tendo ocorrido qualquer excesso relativamente ao pedido formulado.
O valor da retribuição que foi considerado para a concretização das prestações devidas baseia-se na retribuição anual que o recorrido alegou e demonstrou auferir.
Saber se houve erro de julgamento quanto ao valor da retribuição de referência é questão diversa, que não se confunde com a causa de nulidade prevista na alínea e) do n.º 1 do mencionado artigo 615.º.
Como tal, entendemos que não se verifica a invocada nulidade da sentença.
Improcede, pois, a primeira questão suscitada no recurso.
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V. Remuneração
Alegou o recorrente que o tribunal a quo julgou mal, de facto e de direito, no que respeita à remuneração auferida que deve ser considerada para efeitos de cálculo das prestações devidas.
Principiemos por analisar o apontado erro de julgamento quanto à decisão de facto.
Na alínea i) do acervo de factos assentes consta o seguinte:
- No dia 2/1/2019, o Autor e a Bos, Ldª celebraram acordo mediante o qual o Autor foi admitido para trabalhar sob as ordens, direção e fiscalização da Bos, Ldª, para desempenhar as funções de técnico de manutenção informática mediante o pagamento da remuneração base mensal de 650€, acrescida de subsídio de alimentação, no valor diário de 6€.
A partir deste facto, a 1.ª instância concluiu que o recorrido, auferiu a retribuição anual de € 10.552,00 [(€650x14m) +(€6x22dx11m)].
Ora, o recorrente veio impugnar o facto, alegando que de acordo com o documento que apresentou com o recurso (extrato de remunerações auferidas retirado do Sistema de Informação da Segurança Social) deveria ter sido apurada uma remuneração média mensal de € 693,70, e o valor da retribuição de referência apurado para o cálculo das prestações deveria ter sido € 9.711,80.
Sucede que o documento junto com o recurso não foi admitido, por despacho proferido pela relatora.
Assim, não invocando o recorrente qualquer outro meio probatório para fundamentar a sua discordância com o decidido, fica sem sustentação a impugnação factual deduzida.
Também não vislumbramos que os demais meios probatórios originem uma alteração do decidido, tanto mais que consta da cláusula 3.º do contrato de trabalho celebrado entre o recorrido e a empresa “Bos, Lda.” que o mesmo auferia a retribuição mensal ilíquida no valor de € 650,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 6,00.
Por conseguinte, também não há fundamento para alterar a matéria factual, ao abrigo do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Em conclusão, improcede a impugnação de facto deduzida no recurso.
Avancemos para a apreciação da questão de direito suscitada: - a determinação da retribuição de referência que deve ser considerada para cálculo das prestações devidas ao recorrido.
Sobre esta matéria, escreveu-se na sentença recorrida:
«DA REPARAÇÃO
Quanto à reparação da doença profissional cumpre observar o que se dispõe nos artºs 110º a 112º da Lei dos Acidentes de Trabalho.
Artigo 110.º
Disposição geral
1 - O montante das prestações referidas nas alíneas a) a c) e g) do n.º 1 do artigo 47.º é determinado pela aplicação da percentagem legalmente fixada à retribuição de referência.
2 - O montante das demais prestações referidas no n.º 1 do artigo 47.º é determinado em função das despesas realizadas ou por indexação a determinados valores.
Artigo 111.º
Determinação da retribuição de referência
1 - Na reparação de doença profissional, a retribuição de referência a considerar no cálculo das indemnizações e pensões corresponde à retribuição anual ilíquida devida ao beneficiário nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder.
2 - No caso de trabalho não regular e trabalho a tempo parcial com vinculação a mais de um empregador, bem como nos demais casos em que não seja aplicável o n.º 1, a retribuição de referência é calculada pela média dos dias de trabalho e correspondentes retribuições auferidas pelo beneficiário no período de um ano anterior à certificação da doença profissional, ou no período em que houve efetiva prestação de trabalho.
3 - Na falta dos elementos referidos no número anterior, e tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do beneficiário e os usos, a retribuição é definida pelo serviço com competências na área da proteção contra os riscos profissionais.
4 - Para a determinação da retribuição de referência considera-se como:
a) Retribuição anual as 12 retribuições mensais ilíquidas acrescidas dos subsídios de Natal e de férias e outras retribuições anuais a que o trabalhador tenha direito com carácter de regularidade, nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder;
b) Retribuição diária a que se obtém pela divisão da retribuição anual pelo número de dias com registo de retribuições. [sublinhados nossos]
Artigo 112.º
Retribuição convencional
Quando a base de incidência contributiva tiver em conta retribuição convencional, a retribuição de referência corresponde ao valor que serve de base à incidência contributiva, sem prejuízo do disposto no artigo anterior.
No caso, o que o réu põe em causa a circunstância de, sobre o subsídio de refeição, não incidirem descontos para a Segurança Social e, assim, entende que o mesmo não integra a retribuição de referência para efeitos de reparação da doença profissional.
Quanto a esta matéria transcrevemos o que se deixou expresso no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 21-10-2020: «O art. 111º, nº 4, al. a), não exige, para o conceito de retribuição de referência, que ela corresponda ao valor que sirva de base à incidência contributiva, sendo que é o art. 112º que faz referência à incidência contributiva. Aquele, art. 111º, nº 4, al. a), para além da retribuição mensal e subsídios de férias e de Natal, apenas apela à regularidade do pagamento.
E o art. 112º, como decorre da sua epígrafe e letra, tem como campo de aplicação as situações em que a base da incidência contributiva é a retribuição convencional.
Nos termos do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, a proteção social conferida pelo regime geral dos trabalhadores por conta de outrem integra a proteção nas eventualidades de doença, parentalidade, desemprego, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte, de acordo com o especificamente regulado para cada eventualidade (art. 28º).
De harmonia com o art. 5º de tal diploma, “O regime geral dos trabalhadores por conta de outrem compreende: a) O regime aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem; b) O regime aplicável aos trabalhadores integrados em categorias ou situações específicas; (…)”.
Sendo o montante das contribuições e das quotizações “determinado pela aplicação da taxa contributiva às remunerações que constituem base de incidência contributiva, nos termos previstos no presente Código” (art. 13º), dispõe o art. 14.º que ”Considera-se base de incidência contributiva o montante das remunerações, reais ou convencionais, sobre as quais incidem as taxas contributivas, nos termos consagrados no presente Código, para efeitos de apuramento do montante das contribuições e das quotizações” e, o art. 44º, que: “1 - Para a determinação do montante das contribuições das entidades empregadoras e das quotizações dos trabalhadores, considera-se base de incidência contributiva a remuneração ilíquida devida em função do exercício da atividade profissional ou decorrente da cessação do contrato de trabalho nos termos do presente Código. 2 - O estabelecido no número anterior não prejudica a fixação de bases de incidência convencionais ou a sua sujeição a limites mínimos ou máximos.”.
Por sua vez, nos termos do art. 45º “1 - As bases de incidência convencionais são fixadas por referência ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS). 2 (…).”
Por fim, de acordo com o art. 46º: “1 - Para efeitos de delimitação da base de incidência contributiva consideram-se remunerações as prestações pecuniárias ou em espécie que nos termos do contrato de trabalho, das normas que o regem ou dos usos são devidas pelas entidades empregadoras aos trabalhadores como contrapartida do seu trabalho. 2 - Integram a base de incidência contributiva, designadamente, as seguintes prestações: a) A remuneração base, em dinheiro ou em espécie; (…) l) Os valores dos subsídios de refeição, quer sejam atribuídos em dinheiro, quer em títulos de refeição; (…) 3 - As prestações a que se referem as alíneas l), q), u), v), z) e bb) do número anterior estão sujeitas a incidência contributiva, nos mesmos termos previstos no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. (…)”, sendo que o subsídio de refeição, até ao montante diário de €4,77 não está sujeito a IRS, não integrando, na verdade a base da incidência contributiva para a Segurança Social.
Como decorre do que se expôs, a base de incidência contributiva pode ser de dois tipos: a remuneração real declarada e a remuneração convencional, correspondendo esta, não ao montante real, mas ao montante fixado por referência ao valor do indexante dos apoios sociais (IAS) e sendo as taxas contributivas do regime geral e da remuneração convencional diferentes.
O regime contributivo é, em geral, o da remuneração real, sendo que o da remuneração convencional aplica-se apenas a determinados sectores, nos termos previstos no mencionado Código, como, designadamente, aos trabalhadores em regime de contrato de trabalho de muito curta duração (arts. 80º a 83ª) e aos trabalhadores do serviço doméstico (art. 119º).
Ora, de acordo com o art. 112º da Lei 98/2009, este preceito reporta-se, como dele decorre, às situações em que a base de incidência é a da retribuição convencional e não a da retribuição real [não importando ao caso, uma vez que o A. nele não se enquadra, apreciar o segmento do preceito em que se refere “sem prejuízo do disposto no artigo anterior” e, designadamente, saber se, na situação a que se reporta o do art. 112º, o subsídio de refeição não integraria a base de incidência contributiva e, em consequência, se não integraria a retribuição de referência para o cálculo das prestações devidas por doença profissional].
No caso, o A. enquadra-se no regime geral contributivo, cuja base de incidência é a retribuição real, não lhe sendo aplicável o regime de retribuição convencional e, por consequência, não se lhe sendo aplicável o citado art. 112º, que, aliás, o Recorrente nem invoca, assim como não invoca que o A. se encontrasse enquadrado no regime de incidência contributiva com base na retribuição convencional. Ao A. é, pois, aplicável o art. 111º, nº 4, al. a). E este não faz depender o conceito de retribuição de referência do valor que serve de base à incidência contributiva.
Não assiste, pois, razão ao Recorrente ao defender que o subsídio de refeição não integra a retribuição de referência (para o cálculo das prestações devidas pela doença profissional) porque sobre aquele não incidem descontos para a Segurança Social.
De todo o modo, e sempre se dirá que, ainda que assim não fosse não assistiria razão ao Recorrido.
A pensão devida pela incapacidade permanente para o trabalho por doença profissional (assim como por acidente de trabalho), visa a reparação da perda da capacidade geral de ganho do doente profissional (seja para aquela ou outra atividade), donde decorre que o que releva é a retribuição a que o trabalhador teria direito em circunstâncias normais e não a retribuição que recebeu em consequência de alguma circunstância anormal que determinou a sua perda (designadamente por faltas, baixa médica, sanção disciplinar de suspensão do trabalho que implica perda de retribuição ou outra razão). Só com a atendibilidade da retribuição a que o doente, normalmente, tem direito é que se alcança a devida reparação pela perda da capacidade geral de ganho.
Aliás, o nº 4, al. a), do art. 111º reporta-se, e certamente por essa razão, às retribuições mensais, aos subsídios de férias e de Natal e às outras retribuições a que o trabalhador “tenha direito” e não já aos montantes que hajam sido efetivamente auferidos mormente por trabalho efetivamente prestado.
Sendo o subsídio de refeição devido por cada dia de trabalho efetivamente prestado, o montante a que o trabalhador tem direito a receber é o correspondente a 22 dias uteis por mês, durante 11 meses (uma vez que não é recebido no mês de férias) e, isso, foi o que foi tido em conta na sentença ao considerar que a pensão devida pela IPP de que o A. padece decorrente de doença profissional deve ser calculada com base na retribuição anual de €9.904,00 [€621 x 14 + €5,00 x 22 x 11].
É pois irrelevante que o subsídio de refeição, sendo embora devido por cada dia de trabalho efetivamente prestado, não haja em algum ou alguns períodos sido auferido por o trabalho não ter sido efetivamente prestado.” - relatora Paula Leal de Carvalho, proc. 85/19.6T8VFR.P1, disponível em www.dgsi.pt.
No que concerne ao cálculo e espécie das prestações a que o autor tem direito cumpre chamar à colação o disposto nos artigos 114º e segs da Lei dos Acidentes de Trabalho, que a seguir se transcrevem:
Artigo 115.º
Pensão por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual
Na incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, o montante da pensão mensal é fixado entre 50 % e 70 % da retribuição de referência, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível.
Artigo 116.º
Bonificação da pensão por incapacidade permanente
1 - A pensão por incapacidade permanente é bonificada em 20 % do seu valor relativamente a pensionista que, cessando a sua atividade profissional, se encontre afetado por:
a) Pneumoconiose com grau de incapacidade permanente não inferior a 50 %, e em que o coeficiente de desvalorização referido nos elementos radiográficos seja 10 %, quando completar 50 anos de idade;
b) Doença profissional com um grau de incapacidade permanente não inferior a 70 %, quando completar 50 anos de idade;
c) Doença profissional com um grau de incapacidade permanente não inferior a 80 %, independentemente da sua idade.
2 - O montante da pensão bonificada não pode exceder o valor da retribuição de referência que serve de base ao cálculo da pensão.
Artigo 117.º
Subsídios por elevada incapacidade permanente e para readaptação de habitação
O valor a ter em conta para a atribuição dos subsídios por elevada incapacidade permanente e para a readaptação de habitação, previstos nos artigos 67.º e 68.º, é o que estiver em vigor à data da certificação da incapacidade.
Volvendo ao caso dos autos:
Considerando a RA de € 10.552,00 [(€650x14m)+(€6x22x11)], o número de dias de incapacidade temporária absoluta para o trabalho (486) e a percentagem de desvalorização arbitrada (6%), o trabalhador/autor tem direito, nos termos do disposto nos artigos 97º, n.º1 conjugado com o artigo 19º, n.º 3; 100º; 110º, n.º 1 por reporte às alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 47º; 111º, n.º 1 e n.º 4; 115º, 117º e 67º, n.º 1 e n.º 3, todos da Lei dos Acidentes de Trabalho:
a) A uma indemnização por ITA, no valor global de € 10.536,48, calculada da seguinte forma:
Calcula-se a remuneração de referência anual – os rendimentos que teve incluindo o subsídio de férias e o de Natal – no caso € 10.552,00 [(€650x14m)+(€6x22x11)]
Divide-se esse valor por 365 para encontrar a remuneração de referência diária - € 28,91 [€ 10.552,00:365].
Multiplica-se o valor obtido por 0,70 ou 0,75, conforme a duração da doença e obtém-se o montante diário de subsídio (quanto recebe por dia) - €21,68 [€28,91x0,75].
Multiplica-se pelo número de dias de incapacidade - de € 10.536,48 [€21,68x486dias]
b) A uma pensão pela IPATH no valor anual de € 5.402,62, devida desde 12.01.2021, apurada nos seguintes termos:
Estipula-se a pensão entre 50% e 70% da remuneração de referência, conforme a maior ou menor capacidade restante para o exercício de outra profissão compatível.
€ 10.552,00 x 70% = € 7.386,40
€ 10.552,00 x 50% = € 5.276,00
(€ 7.386,40 – € 5.276,00) x 6% = € 126,62
€ 126,62 + € 5.276,00 = € 5.402,62
c) A um subsídio por elevada incapacidade permanente, no valor único de € €4.331,09, tendo por base o valor do 1,1 IAS x 12 à data da certificação da doença, calculado da seguinte forma: 70% + diferença entre 100% - 70% x grau de IPP.
€443,20 x 1,1 = €486,42
€486,42 x 12 = €5.837,04
€5.837,04 x 70% = €4.085,93
Diferença [€5.837,04 – €4.085,93] x 6% = €245,16
€245,16 + €4.085,93 = €4.331,09».
Desde já adiantamos que a “retribuição de referência” considerada pelo tribunal a quo não nos merece censura, atento os factos provados e a exaustiva fundamentação jurídica exposta na sentença recorrida, à qual de adere integralmente para evitar tautologias.
Assim sendo, acrescentaremos apenas algumas notas complementares de reforço.
Na reparação emergente de doenças profissionais, as indemnizações e as pensões são calculadas com base na remuneração devida ao doente no ano anterior à cessação à exposição ao risco, ou à data do diagnóstico final da doença, se este a preceder, entendendo-se por retribuição anual, nos termos previstos pelo artigo 111.º, n.º 4, alínea a) da Lei n.º 98/2010, de 4 de setembro, as 12 retribuições mensais ilíquidas acrescidas dos subsídios de Natal e de férias e outras atribuições pecuniárias que o trabalhador tenha direito com carácter de regularidade.
Tendo em consideração a factualidade assente e o disposto na mencionada norma, não restam dúvidas que a remuneração base mensal auferida pelo recorrido no valor de € 650,00 deve ser considerada e multiplicada por 14 para determinação da remuneração de referência, que foi o que fez a 1.ª instância.
Infere-se da motivação do recurso que, no entender da recorrente, como o recorrido não trabalhou 12 meses para a empresa “Bos, Lda.”, o cálculo da remuneração de referência não deveria ter sido feito considerando 12 meses de trabalho e ainda os subsídios de férias e de natal.
Todavia, não lhe assiste razão.
Ainda que se possa deduzir do acervo de factos assentes que o recorrido começou a trabalhar para a identificada empresa em janeiro de 2019 e cessou funções em outubro desse mesmo ano, não tendo completado um ano de trabalho, tal não obsta à consideração para efeitos de cálculo da retribuição de referência dos 12 meses de retribuição base, acrescidos dos referidos subsídios, de acordo com o disposto no artigo 111.º da Lei n.º 98/2009.
Quanto ao subsídio de alimentação, escreveu-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 30-05-2013, Proc. 1089/09.2TTCBR-B.C1[2]:
«Dispõe-se no artº 111º, nºs 1e 4, da LAT:
“1 - Na reparação de doença profissional, a retribuição de referência a considerar no cálculo das indemnizações e pensões corresponde à retribuição anual ilíquida devida ao beneficiário nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder.
(...)
4 - Para a determinação da retribuição de referência considera-se como:
a)- Retribuição anual as 12 retribuições mensais ilíquidas acrescidas dos subsídios de Natal e de férias e outras retribuições anuais a que o trabalhador tenha direito com carácter de regularidade, nos 12 meses anteriores à cessação da exposição ao risco, ou à data da certificação da doença que determine incapacidade, se esta a preceder;
(...)”.
Desta redação legal, e designadamente, da expressão “outras retribuições anuais a que o trabalhador tenha direito com carácter de regularidade” é legítimo extrair o entendimento de que se adotou um conceito de retribuição mais abrangente do que o previsto no artigo 258º do CT de 2009, abarcando, para além do salário normalmente auferido pelo trabalhador, tanto as prestações pecuniárias de base, como as acessórias – designadamente as que correspondem ao trabalho suplementar habitual, subsídio de refeição ou de transporte ou gratificações usuais, mesmo que não pagas mensalmente – e pagamentos em espécie (habitação, automóvel, alimentação, etc.). Têm é de corresponder a uma vantagem económica do trabalhador. (Vide Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 2ª ed. p. 822 e ss.)- cfr, neste sentido, o Ac. da Rel. do Porto de 30/1/2006, in www.dgsi.pt.
No regime jurídico estabelecido no art. 111.º da LAT o legislador conferiu especial atenção ao elemento periodicidade ou regularidade no pagamento. Esta característica da regularidade ou periodicidade que assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador não se verifica quando as prestações têm uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho.
Tal ocorre, por exemplo, nos casos da receção pelo trabalhador do valor correspondente ao preço do transporte, alojamento e alimentação no caso de transferência de local de trabalho, bem como das ajudas de custo e subsídio de deslocação devidos como compensação, transitoriamente, enquanto perdurar a execução de determinada tarefa, numa área de laboração distinta da habitual e num condicionalismo que não permita ao trabalhador organizar a sua vida pessoal e familiar nos termos normais.
Quanto às demais prestações regulares, a periodicidade da retribuição assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador e, por essa via, confere relevância ao nexo existente entre a retribuição e as necessidades pessoais e familiares daquele.
Como se salienta no Ac. da Rel. de Lisboa de 21/05/2008 (em que o aqui relator foi 2º adjunto), também disponível em www.dgsi.pt, “o subsídio de alimentação visa compensar as despesas que o trabalhador tenha de realizar com a sua alimentação, por não se encontrar no seu domicílio em virtude da prestação de trabalho, destinando-se, por isso, a fazer face a despesas concretas que o trabalhador tem de efetuar para poder executar o seu trabalho. No entanto não deixam de representar um ganho do trabalhador no seu orçamento familiar, que se traduz num benefício económico para o mesmo, determinado pela sua prestação de trabalho e que se vence independentemente do local onde o trabalhador toma a sua refeição, cf. acórdão do STJ de 13.1.93, CJ STJ, Tomo I pág. 226: “ No concernente ao subsídio de refeição, o seu pagamento começou por se justificar com o encargo imposto ao trabalhador de se deslocar ao local de trabalho, obrigando-o a tomar aí uma refeição, em lugar de o fazer em sua casa, com integração da correspondente despesa na economia conjunta do seu agregado familiar.
O subsídio de alimentação/refeição assumiu rapidamente uma feição diferente da sua justificação inicial, “passando a funcionar como um complemento do vencimento, que conta para a economia familiar do trabalhador e que se vence independentemente de o trabalhador ter que tomar a refeição no lugar de trabalho, por ser distante da sua residência. Razões de natureza fiscal conduziam a privilegiar esta forma de remuneração...” Assim, ainda que reconhecida uma natureza retributiva específica ao subsídio de alimentação, tem sido pacífica a jurisprudência no sentido de que aquele subsídio integra a retribuição do trabalhador; ver ainda, Acórdão RC de 7.4.94, In C.J., Tomo II p.59; Acórdão de RC de 13.11.98, CJ Tomo V, pág. 68”.
Acresce que, e como se acentua no citado acórdão da Rel. do Porto, “as pensões e indemnizações infortunísticas não têm apenas a função “reparadora” mas “reintegradora” do salário auferido pela vítima. Por isso a doutrina e jurisprudência se firmaram no sentido de considerarem que o subsídio de refeição integra a retribuição para efeito de cálculo de indemnização e das pensões emergentes de acidente de trabalho, devendo a ele atender-se onze meses por ano, dado que não se vence no período de férias ou similares. [Menezes Cordeiro, Manual Direito Trabalho, 1991, p. 726; Jorge Leite, Dtº Trabalho, 1982, p.298 e acs STJ. 14-04-1988, AD: 320/321-p 1151 e de 13.1.1993, CJ/STJ:I-1-227, entre outros]”
Essa mesma função “reintegradora” existe, da mesma forma, na reparação por doença profissional, não se concebendo que, neste particular aspeto, houvesse diferença de regime.
Assim, e a nosso ver, não podem restar dúvidas que valor percebido pela Autora a título de subsídio de alimentação deve integrar o cálculo da pensão que lhe é devida.
A circunstância, tão valorada pelo recorrente, de não incidência contributiva sobre o subsídio em questão, tem que ver, unicamente, com o benefício de natureza fiscal que é concedido ao recebimento do subsídio de alimentação, o que, como nos parece por demais evidente, em nada belisca as considerações que tivemos oportunidade de tecer.
E tanto é assim, que ao artº 112º da LAT, que trata da “Retribuição convencional”, ao fazer referência à “retribuição de referência corresponde ao valor que serve de base à incidência contributiva”, não deixa de conter uma significativa e decisiva ressalva: “sem prejuízo do disposto no artigo anterior”. E na al. a) do nº 4 do artº 111º nenhuma referência é feita a “incidência contributiva”.»
Subscrevemos, sem quaisquer reservas ou dúvidas, o entendimento manifestado no citado aresto.[3]
O subsídio de alimentação que o empregador se obriga a pagar mensalmente, num montante prefixado, constitui uma prestação certa e regular relacionada com a prestação efetiva de trabalho e, como tal, integra o conceito de retribuição de referência previsto no artigo 111.º da LAT.
Por conseguinte, nenhuma censura nos merece a sentença recorrida por ter contabilizado na retribuição de referência que considerou para cálculo do valor da pensão e da indemnização devidas ao sinistrado, o valor resultante da seguinte operação de multiplicação: € 6,00 x 22 dias x 11 meses.
Em conclusão, a retribuição de referência apurada tem o valor de € 10.552,00 [(650x14m) + (€6x22dx11m)], conforme consta da sentença recorrida.
Por fim, veio o recorrente alegar que a 1.ª instância não poderia condená-lo a pagar o valor que foi fixado para a indemnização por ITA no período entre 13-09-2019 e 01-09-2019, porquanto, neste período, o recorrido esteve protegido pelo subsídio de incapacidade temporária por doença natural, atribuída pelo seu médico assistente, pelo que o valor do subsídio auferido deveria ter sido descontado ao valor da indemnização a pagar, porque são inacumuláveis.
Esta é uma questão nova, pois nunca foi colocada à apreciação da 1.ª instância.
É consabido que o âmbito do recurso se define pelas conclusões formuladas pelo recorrente.
Todavia, existe um natural limite às questões suscitadas nas conclusões: a decisão recorrida.
Os recursos visam o reexame de uma decisão proferida pelo tribunal a quo, de forma a possibilitar, se houver fundamento para tanto, a correção de tal decisão.
Os recursos são, assim, meios de impugnação e de correção de decisões judiciais.
Está vedada ao tribunal de recurso a possibilidade de se pronunciar sobre questões novas, não suscitadas no tribunal recorrido, salvo se forem de conhecimento oficioso.
Tem sido este o entendimento unânime da nossa Jurisprudência[4].
Ora, o recorrente nunca suscitou perante o tribunal recorrido a questão que agora apresenta em sede de recurso.
Tal questão não é de conhecimento oficioso.
Consequentemente, não pode este tribunal conhecer da nova questão.
Sem embargo, sempre se dirá que da factualidade assente não resulta qualquer informação sobre eventual subsídio de doença pago ao recorrido, pelo que, atenta a base factual provada, a sua pretensão sempre teria que ser indeferida.
Enfim, considerando as questões apreciadas, resta concluir pela improcedência do recurso interposto.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
Notifique.

Évora, 9 de junho de 2022
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)

__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] Acessível em www.dgsi.pt.
[3] No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão da Relação do Porto de 21-10-2020, Proc. 85/19.6T8VFR.P1, citado na sentença recorrida
[4] Neste sentido, a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2009, P. 09P0308 e de 18-06-2006, P. 06P2536; e Acórdãos da Relação de Évora, de 31-05-2012, P. 245/08.5T8STC.E2 e de 08-05-2012, P. 595/09.3TTFAR.E1.