Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
544/19.0T8FAR-B.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INTERESSE DO MENOR
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- Os direitos dos pais no convívio com as crianças não têm de ser protegidos em primeiro lugar pela ordem jurídica, estes direitos têm, isso sim, de estar subordinados a um interesse que lhes é superior – o interesse da criança.
II.- Não pode ser permitido pelo sistema de justiça um insistente e abusivo incumprimento da mãe da criança quanto ao regime de visitas, porque é lesiva do seu superior interesse a ausência do necessário, habitual e saudável convívio com o pai.
III.- Se o incumprimento da mãe quanto ao regime de visitas se continua a repetir em prejuízo do interesse da criança durante o iter processual, é motivo adequado e proporcional a alteração provisória das responsabilidades parentais, fixando-se a residência da criança com o pai, ainda antes de estar decidido em definitivo o pedido de alteração dessas responsabilidades.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 544/19.0T8FAR-B.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…).


Recorrido: (…)

*
No Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo de Família e Menores de Beja, no âmbito do processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor (…), foi proferida a seguinte decisão:
Em face do exposto, entendo que a situação em apreço impõe uma alteração provisória das responsabilidades parentais da Francisca no sentido de promover um amplo contacto com os dois progenitores, o que manifestamente só será possível se a residência da criança for fixada junto do pai.
Assim, e acompanhando a posição assumida nos autos pelo Ministério Público, decido alterar provisoriamente as responsabilidades parentais nos seguintes termos:
1. A (…) passará a residir com o pai, fixando-se a sua residência junto deste.
2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, exceto nos casos de manifesta urgência, em que qualquer um dos progenitores poderá agir sozinho, devendo comunicar ao outro progenitor logo que possível.
3. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente da criança cabe ao progenitor com quem ela reside habitualmente ou ao progenitor com quem se encontra temporariamente.
4. A criança passará fins de semana alternados com a mãe (de 15 em 15 dias), que para o efeito a deverá ir buscar a casa do pai, em Faro, às sextas feiras, após o termo das atividades escolares, para ser o pai a vir buscá-la aos domingos, a Beja, pelas 17h00, à Esquadra da PSP local.
5. As férias escolares de natal e de páscoa da (…) serão repartidas em períodos de uma semana com cada um dos progenitores, sendo que passará a véspera e o dia de natal com o progenitor com quem passar a primeira semana de férias, que neste ano será o pai, e a véspera e na passagem do ano com o progenitor com quem passar a segunda semana de férias, que neste ano será a mãe.
6. Os horários e os locais das entregas da criança serão os mesmos do regime previsto para os fins de semana.
7. No que respeita à prestação de alimentos, a mãe pagará, mensalmente, a quantia de € 150,00 (cento e cinquenta euros), até ao dia 8 de cada mês (com início em janeiro de 2021), por transferência/depósito para a conta da titularidade do pai.
8. Cada um dos pais suportará ainda, na proporção de metade, as despesas extraordinárias de saúde (médicas e medicamentosas não comparticipadas) e escolares da filha menor, devendo o comprovativo da realização da despesa ser entregue até ao final do mês em que a despesa foi feita, para o correspondente pagamento ser efetuado até ao final do mês seguinte do mesmo modo em que é paga a prestação de alimentos.
*
O regime de regulação das responsabilidades parentais agora fixado é o único que, por ora, dá garantias de segurança e estabilidade à criança, e não põe em causa o seu bem-estar, o seu desenvolvimento e o seu crescimento são e harmonioso.
*
O presente regime de regulação das responsabilidades parentais entra de imediato em vigor, devendo a progenitora entregar a criança ao pai, em Faro, no Sábado, dia 19 de dezembro de 2020, pelas 12horas, sendo que caso a entrega não seja cumprida de forma pontual, e por cada dia de atraso, se condena, desde já, a progenitora na sanção pecuniária compulsória que se fixa na quantia diária de € 250,00 euros.
Notifique.
*

Remeta cópia deste despacho à esquadra da PSP de Beja, solicitando os bons ofícios do Sr. Comandante no sentido de assegurar que as entregas da criança decorrem com a normalidade possível e sem exposição a situações de conflito, mais se solicita que qualquer incumprimento das entregas seja de imediato, e oficiosamente comunicado a este Juízo de Família e Menores.
*
Extraia certidão nos termos requeridos pelo Ministério Público.
*
Comunique à escola frequentada pela criança, devendo alertar-se para o facto da necessidade agilização do processo de transferência.
*
Da Perícia Psicológica

Oficie ao INML solicitando a realização de perícia psicológica em contexto das responsabilidades parentais e da convivência familiar, marcado por conflito parental, onde deverão ser abordados os itens indicados pelo Ministério Público, completados com a alteração sugerida pelo requerente.
D.N.
*
Decorridos 30 dias sem que nada seja dito nos autos, oficie à EMAT solicitando a elaboração de relatório social, a ambos os progenitores, com vista a apurar da sua capacidade e condições para o exercício da parentalidade, cfr. artigo 21.º, n.º 1 al. e) do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
16 de dezembro de 2020

***

Não se conformando com o decidido, a mãe da criança recorreu, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – artigos 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2, do CPC:

1. Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões da apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de que o tribunal «ad quem» possa ou deva conhecer oficiosamente, importa concluir que a decisão judicial de que ora se recorre fez uma incorreta aplicação do conceito de interesse da menor, quando fundamenta a sua decisão no facto da mãe e aqui apelante “vir assumindo um papel não frontalmente obstaculizador, mas passivo perante a filha, deixando ao critério desta, com apenas 9 anos a escolha de querer estar com o pai ou não, não promovendo minimamente o contacto, antes aliciando a criança com programas sociais apelativos a ocorrer nos dias em que está previsto convívio com o pai” (sublinhado nosso).

2. Ora no decurso do processo de regulação das responsabilidades parentais, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro, em 18 de março de 2019, os progenitores lograram alcançar acordo quanto à RRP da menor (…), tendo fixado a residência da menor com a apelante na cidade de Beja e foi fixado um regime de visitas amplo ao pai.

3. Desde a data da separação do casal que a (…) sempre residiu com a mãe.

4. A (…) conta atualmente com 10 anos, é uma menina bem integrada na escola, com bons resultados escolares e socialmente encontra-se bem integrada, quer no grupo de amigos oriundos da escola, quer nas atividades extracurriculares (natação e padell).

5. A decisão de alteração da residência da (…), ainda que provisória, retirando a menor do seio familiar nesta fase processual é manifestamente lesiva dos interesses e valores emocionais da menor, já que nesta fase, não se mostram apurados os motivos que levam a que a (…) se recuse, em algumas vezes a acompanhar o pai, centrando o tribunal a sua convicção na inércia da mãe em obrigar a (…) a acompanhar o pai, quando esta chora e grita na presença deste e este nada faz para a convencer em o acompanhar, sendo mais fácil virar as costas e culpar a mãe pela inércia em não a colocar à força no carro;

6. Acresce que o Tribunal na fundamentação que expende, assenta a sua convicção na análise crítica das declarações prestadas pelos progenitores em sede de conferencia de pais, em conjugação com a prova documental junta aos autos, designadamente as trocas de mensagens entre os progenitores, tendo a prova sido apreciada à luz da experiencia comum e da normalidade social;

7. Convicção essa que em nossa opinião se mostra inquinada por défice de prova suficiente para a criação da sua convicção;

8. O processo judicial em curso encontra-se já na fase de preparação para julgamento, e aguarda-se a realização de prova pericial agendada para o próximo dia 25 de Janeiro de 2021 – perícias psicológicas a ambos os progenitores e à criança, em contexto das responsabilidades parentais e da convivência familiar, marcado por conflito parental, e a realizar por um único perito.

9. Foram ainda indicadas pelos progenitores testemunhas a depor na audiência de discussão e julgamento.

10. Para além do recurso à mediação familiar, não concluída por desistência do pai logo na segunda sessão, inexistem nos autos quaisquer elementos que atestem as condições sócios profissionais e económicas do progenitor e a capacidade deste em assegurar todos os cuidados necessários à (…), contrariamente à mãe e aqui apelante.

11. Desde junho de 2020 que a menor se encontra a ter ajuda psicológica mensal, para se procurar saber as razões de recusa da menor em, algumas vezes, acompanhar o seu progenitor, e descortinar os verdadeiros motivos da sua recusa e procurar sanar esta situação da melhor forma possível.

12. No âmbito dessas consultas, que, repete-se, tiveram início por iniciativa da mãe, que pretende acima de tudo que a (…) visite o pai e esteja com este e com a restante família paterna, e que vá de forma livre e feliz, ao contrário do que o progenitor alega, a menor encontra-se a ser acompanhada, tendo em vista a superação desta negação e o entendimento da recusa, que alega que não gosta de estar em casa do pai, com a madrasta a quem fica confiada em muitos períodos de tempo.

13. Sabe a Apelante que em muitos períodos que a (…) tem de estar com o pai este encontra-se a trabalhar, pois trabalha no aeroporto de Faro, em regime de turnos, incluindo sábados e domingos, altura em que esta menor fica confiada à madrasta e ao avô paterno, quando o pai deveria assegurar que nos períodos em que a menor está consigo ele esteja maioritariamente presente com a menor, tal como a própria (…) já o referiu perante esse Tribunal.

14. Mas Tribunal não cuidou de acautelar o superior interesse da (…), na medida em que pese embora a menor tenha o direito e o dever de conviver com os seus progenitores e toda a sua família alargada, deve o tribunal tratar de apurar, em 1.º lugar, as razões pelas quais uma menor apresenta essa rejeição ao pai, pois só a compreendendo é que o tribunal pode fazer valer e acautelar os seus direitos.

15. E só numa fase mais avançada do processo, reunidos todos os elementos tidos como necessários para um conhecimento das realidades familiares de ambos os progenitores e da dinâmica social da relação de afetividade entre a (…) e o seu pai, se deveria ter decidido de acordo com o melhor interesse da menor.

16. Importa ainda relembrar que, face ao conhecimento constante dos autos, a figura materna tem sido sempre a figura presente na vida desta menor, que desde os 18 meses, data em que ocorreu a separação entre os progenitores ficou sempre na companhia da mãe.

17. E bem sabe o pai e também o Tribunal o deveria ter apurado, face ao superior interesse desta menor, que pese embora tivessem ambos residência em Faro até março de 2019, o pai visitava a (…), sem qualquer regularidade, sem hábitos de pernoita – o que começou a acontecer apenas em 2017 por 1 ou 2 dias durante a semana, sem qualquer regularidade, não passando habitualmente qualquer fim-de-semana com a menina.

18. De igual modo, e conforme alegado pela progenitora, e não infirmado pelo pai, só a partir de 2017 é que a (…) passou alguns dias de férias com o pai, cerca de uma semana, e nada mais.

19. E foi sempre a progenitora que esteve presente na vida da (…), assegurando o acompanhamento desta às consultas médicas, vacinas, colégio e outras atividades, às festas de aniversários dos coleguinhas, etc., até à presente data, sendo esta a figura de referência na vida da (…), critério norteador fundamental no superior interesse da criança.

20. A (…) tem toda a sua vida estruturada nesta cidade e a decisão da qual se discorda, peca por não ter primeiramente apurado os motivos de recusa da menor em visitar o pai, porque só será possível através das conclusões das perícias psicológicas já solicitadas e marcadas.

21. Em nossa opinião, o tribunal não procedeu a uma correta valoração dos interesses desta menor, na medida em que, conforme discorre da fundamentação do Despacho que alterou provisoriamente a residência da (…), a partir de Janeiro de 2021, com a abrupta retirada desta do seu núcleo familiar, onde sempre viveu com a mãe, do seu espaço escolar e do seu núcleo de amigos e familiares, é de tal forma violenta, que a (…) desde que foi confrontada com esta decisão, está triste, apática, revoltada e com um sofrimento incomensurável.

22. Esta é uma decisão, que não se compreende, e que acima de tudo não teve em conta o superior interesse da (…) e irá causar graves danos psicológicos na menor, já que o Tribunal não possui elementos essenciais para apurar se esta é a melhor decisão para a (…), o que desde já diremos não é!!!

23. Nesta decisão de alteração do regime provisório em vigor só se vislumbra uma finalidade: o de punir a mãe e a menor, quando a (…) já verbalizou razões para a sua recusa, encontra-se a ser acompanhada por técnica especializada no sentido de ultrapassar esta situação e encontra-se ainda em curso a concretização de perícias médico-legais que irão determinar a origem da situação emocional da menor.

24. O Tribunal errou clamorosamente na defesa dos interesses desta criança, refletida no Despacho Judicial, que determina a sua residência com o pai, em Faro, com manifesto desconhecimento das verdadeiras razões que importa apurar, nomeadamente a resposta pericial a todos os quesitos indicados pelo MP e demais prova a produzir, para se perceber a reais causas e a dinâmica desta relação afetiva da menor com a mãe e da menor com o pai.

25. Esta decisão causou e está a causar gravíssimas sequelas emocionais na menor, que a partir de hoje, será integrada numa escola em Faro, abandonando a sua turma, os seus amigos e professores, os seus explicadores semanais, as suas rotinas semanais e acima de tudo, a sua mãe e toda a família materna com quem vive desde que nasceu.

26. E não consegue entender, nem compreender porque razão o Tribunal a obriga a ir viver com o pai, a madrasta e uma irmã de 2 anos, quando o seu centro de vida e a sua casa é junto da mãe e restante família materna com quem tem passado quase toda a infância.

27. E a obriga a passar a residir em Faro, num apartamento T1, com apenas um quarto, destinada ao casal e uma bebé e onde a (…) não possui um quarto para si nem zona adequada de estudo, pois encontra-se a dormir quando visita o pai dorme num sofá desdobrável que é aberto todas as noites.

28. Residindo com o pai que trabalha por turnos no Aeroporto de Faro, incluindo trabalho aos sábados, domingos e feriados, não possuindo certamente a disponibilidade que a aqui apelante demostra para a (…), com o aliás sempre fez, em detrimento da sai vida profissional.

29. A alteração de residência ora decretada vai determinar que a (…) seja retirada da sua residência habitual, onde reside com a mãe, onde possui um quarto só para ela, com a sua zona de estudo e privacidade, aqui tem o seu núcleo de amigos e pode contar com todo o apoio dos avós paternos, da tia e primos.

30. A Apelante nunca tentou obstaculizar os contactos entre a menor e seu pai, antes os incentivando, e nem se diga que, aquando do acordo em sede de regulação das Responsabilidades parentais o pai ficou prejudicado nos convívios com a menor, pois que antes nem os providenciava, pois visitava a filha quando lhe apetecia, sem qualquer caracter de continuidade.

31. A (…) manifesta afeto e carinho pelo pai e verbaliza que gosta dele, mas diz também que não tem saudades de estar com o pai ou de ir para casa deste por longos períodos de tempo ou ainda de ter de permanecer à guarda e cuidado da madrasta quando o pai se encontra a trabalhar.

32. As queixas da (…) relativamente às visitas ao pai são inúmeras, e pelo facto de as mesmas não serem gratificantes, apresenta uma recusa que urge perceber, entender e sanar, com a ajuda de ambos os progenitores e ambas as famílias, e não impondo uma decisão desta natureza, que a fez cair num atroz sofrimento.

33. Como pôde o Tribunal decidir da forma como decidiu colocando em causa a integridade física e emocional da (…), que se mostra revoltada, triste, com perda de confiança nas pessoas que mais a deviam proteger, e onde em última instância deveria ser o Tribunal a salvaguardar os seus interesses, causando-lhe revolta, instabilidade emocional e a sua infelicidade!

34. Impondo-se a revogação do Despacho judicial que determina, a título provisório, a alteração de residência da menor para junto do pai, em Faro, por não ter respeitado os princípios de razoabilidade, bom senso, prudência e moderação, protegendo apenas os interesses do pai, em detrimento de uma procura dos reais motivos de recusa que a menor apresenta.

35. A alteração da residência da menor, ainda que a título provisório, não é a decisão que melhor se conforma com os interesses da menor, sendo que nos processos de jurisdição voluntária relativos à regulação ou alteração das responsabilidades parentais o interesse da menor, aparece no topo, acima do interesse de qualquer dos pais, sendo, aliás, até, aquele o único interesse a regular em tal processo de jurisdição voluntária.

36. E neste caso, salvo o devido respeito, entendemos que face aos elementos constantes dos autos, o Tribunal a quo não acautelou o superior interesse da (…), ao determinar neste fase processual, a alteração de residência da menor, deslocando-a de Beja para Faro, no início do 2.º período escolar, afastando-a da mãe com quem sempre viveu, de todo o núcleo familiar materno que sempre conheceu, obrigando-a a residir com o pai, madrasta e uma irmã de apenas 2 anos, onde residem num apartamento T1, no qual a (…) sequer tem quarto próprio e dorme num sofá desdobrável na sala.

37. E ainda por se entender que foram manifestamente violados os critérios orientadores de como aferir o interesse da (…) neste caso.

38. A referência a este “interesse da criança” surge-nos em Convenções Internacionais que regulam os direitos e os estatutos dos menores [Cfr.: Princípio 2 do Anexo à Recomendação R (84) 4, adotada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de setembro de 1984, o qual estabeleceu, em sede de responsabilidades parentais, que “qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como estas responsabilidades são exercidas, deve basear-se, antes de mais, nos interesses dos filhos”. (sublinhado nosso)] e na nossa lei interna, desde logo nos artigos 1906.º, n.º 7, do Código Civil, e artigo 37.º, n.º 1, do RGPTC, onde se dispõe, no primeiro dispositivo, que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor e que, no segundo dispositivo, que o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais tem de corresponder aos interesses da criança.

39. Intencionalmente, a lei não define este conceito que, assim, terá de ser aferido casuisticamente, tendo como referência “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (In Almiro Rodrigues, “Interesse do Menor – Contributo para uma definição”).

40. “Em caso de rutura de vida em comum dos progenitores, a prossecução do interesse do menor tem sido entendida em estrita conexão com a garantia das condições materiais, sociais, psicológicas e morais que possibilitem o seu desenvolvimento saudável, equilibrado e estável, à margem dos compreensíveis conflitos que, eventualmente, surjam entre os pais, e que assegurem o estabelecimento de relações afetivas contínuas com ambos os pais, particularmente, e como bem se compreende, com o progenitor a quem o menor não tenha sido confiado” (In Paulo Guerra, Área de Família e Menores, Sentença de regulação do exercício do poder paternal, Novembro de 2002).

41. Portanto, na resolução das questões em causa, deve-se atender exclusivamente aos interesses da menor, devendo esta ser confiada ao progenitor que mais garantias dê de valorizar o desenvolvimento da sua personalidade e que lhe possa prestar maior assistência e carinho (Neste sentido, Ac. da Rel. do Porto de 17/05/1994, in: CJ/94, tomo III, pág. 200).

42. Decorre ainda de imposição constitucional, enunciada em vários preceitos, entre eles o artigo 69.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra que “as crianças têm direito a proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, que o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais quando estes sejam conflituantes com os daquela.

43. Também a lei ordinária estabelece que o poder paternal é um poder-dever dos pais funcionalizado pelo interesse dos filhos, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros e administrar os seus bens, tendo de o exercer, altruisticamente, no interesse da criança.

44. Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (artºs. 36º, n.ºs 3 a 6, 67º, 68º e 69º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse.

45. A Jurisprudência dos Tribunais, designadamente a do STJ, vai no sentido de, “por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo, é, no entanto, o denominado “interesse superior da criança” - conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto – que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse”.

46. Quanto à determinação da residência da criança, deve entender-se que deverá residir com o progenitor que seja a principal referência afetiva e securizante da criança, aquela com quem mantém uma relação de maior proximidade, aquele que no dia-a-dia, enquanto os pais viviam juntos, lhe prestava os cuidados, ao progenitor que se mostre mais capaz de lhe garantir um adequado desenvolvimento físico e psíquico, a sua segurança e saúde, a formação da sua personalidade, a sua educação, o seu bem-estar, o seu desenvolvimento integral e harmonioso, em clima de tranquilidade, atenção e afeto, como tem vindo a ser entendido pela jurisprudência e doutrina, no respeito pelo superior interesse da criança.

47. Atentando aos factos sumariamente provados nos autos, verifica-se que a (…) sempre manteve residência com a mãe, após a separação dos seus progenitores, tinha apenas 18 meses, sendo esta quem tem assegurado o crescimento e educação da (…) desde que nasceu.

48. A Apelante é a progenitora que desde sempre melhor conhece a (…).

49. E sabe que só com o estabelecimento de diálogo e afeto entre a menor e o pai, se poderá compreender as razões e tentar superar este bloqueio, no sentido de aproximação da menor ao pai, sem qualquer recusa por parte desta, o que tem vindo a fazer desde junho de 2020 com consultas psicológicas mensais.

50. Os laços afetivos que mantém com a (…) e esta consigo, a sua disponibilidade desde sempre para prestar à filha todos os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação social, cultural e moral, o grau de desenvolvimento da filha e as suas necessidades, a preferência da menor, a continuidade das relações afetivas e do ambiente em que tem vivido a criança, não foram devidamente acautelados na ponderação do interesse da (…).

51. O Tribunal a quo, errou na aplicação do direito aos factos quando deveria ter considerado que o superior interesse da (…), não é o de ser literalmente arrancada do seio familiar que sempre conheceu, apenas e tão só porque por vezes recusa visitar o pai.

52. O superior interesse da (…) é o de manter as relações afetivas que tem vivenciado, devendo promover-se a continuidade do caminho traçado – da educação e das relações afetivas desta criança –, procurando primeiramente apurar as reais causas de recusa da menor em visitar o pai por vezes;

53. Pelo que apenas com a revogação do Despacho que decretou provisoriamente a alteração da residência e mantendo-se a residência provisória da (…), junto da mãe até à conclusão do processo e da restante e fundamental produção de prova, se poderá repor a injustiça desta decisão, evitando-se assim a drástica desestabilização e descontinuidade da vida da menor.

54. Pois a manutenção da residência da (…) junto da mãe, sua figura primária de referência, constitui a solução mais conforme ao interesse da criança, já que é esta medida que permite promover a continuidade da relação afetiva primordial da criança, correspondendo, por isso, à real e efetiva preferência desta.


***

O requerido contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

I. O presente recurso incide sobre o Douto Despacho proferido pelo Tribunal a quo no dia 17.12.2020, através do qual foi alterado o regime provisório relativo ao exercício das responsabilidades parentais, tendo sido alterada a residência da criança para junto do pai, ora Recorrido.

II. Na opinião da Recorrente, o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do conceito de superior interesse da criança, na medida em que se encontra demonstrado nos autos ser ela a principal referência da criança e principal cuidadora daquela desde a data da separação conjugal.

III. Sustentando, por isso, o seu recurso, na limitação do conceito de superior interesse da criança por forma a que o mesmo coincida exclusivamente com os interesses próprios e egoístas da Recorrente.

IV. Esquece-se, contudo, a Recorrente de mencionar os restantes critérios orientadores para se alcançar o que deve ser entendido como o superior interesse da (…)!

V. Como tem sido vastamente entendido, o conceito de superior interesse da criança deve ser aferido em função das características próprias de cada caso particular e das necessidades específicas de cada criança concreta.

VI. Para auxiliar os tribunais na ponderação do superior interesse das crianças, têm sido identificados alguns critérios orientadores que os tribunais devem ter em consideração aquando da tomada de qualquer decisão nos processos de regulação das responsabilidades parentais.

VII. A par com a preferência da criança e a existência de uma figura primária de referência na vida da mesma, existem outros critérios a ser ponderados e que alcançam uma importância extrema neste caso em concreto, e que são: a igualdade dos progenitores na capacidade e disponibilidade para cuidar da filha em condições similares e responder perante todas as necessidades físicas daquela e a incapacidade já demonstrada, por várias vezes, da Recorrente em promover os contactos da filha com o Recorrido e de responder positivamente às necessidades emocionais e psicológicas da filha.

VIII. É fácil para a Recorrente escudar-se na vontade da filha e na recusa desta em visitar o pai, deixando que o tempo os afaste afetivamente durante o apuramento pretendido por aquela das alegadas reais causas de recusa da menor em visitar o pai.

IX. Tais causas, na opinião do Recorrido e do Tribunal a quo, já estão perfeitamente identificadas e cabalmente demonstradas na prova já produzida e que estão brilhantemente vertidas na douta Promoção da Digníssima Magistrada do Ministério Público que se transcreve para uma melhor identificação:

Crê-se «que a relutância da criança relativamente aos contactos e à permanência com o pai, explica-se quase exclusivamente pelo comportamento negativo que esta mãe foi revelando em relação ao pai da menor, após a separação de ambos, muitas vezes ou quase sempre diante da própria filha, ao ponto de transpor para ela os seus próprios sentimentos de raiva e indignação, que a criança assumiu como seus e passou a exteriorizar como se da própria mãe se tratasse, representando o pai como uma pessoa nefasta na sua vida, com quem não se pretende relacionar nem conviver». (sublinhado nosso).

X. A verdade é que a (…), sempre que está com o pai e com o seu agregado familiar, está bem e feliz e nunca denota qualquer tipo de sentimento negativo como os referidos pela Recorrente nas suas alegações de recurso.

XI. Todos os sinais de rejeição da figura paternal são demonstrados perante a família materna, quase que nunca tentativa de ser aceite e causar menos dor aos adultos que a compõem e que não compreendem o grande afeto que a filha tem, igualmente, pela família paterna!

XII. Na sequência da decisão ora em crise, o pai, ora Recorrido, alterou a sua residência para uma casa onde a (…) tem o seu próprio quarto, com total privacidade.

XIII. A (…) já se encontra a viver com o Recorrido em Faro e com a sua madrasta e irmã, sendo uma menina muito meiga e afetuosa, encontrando-se a adaptar-se lindamente ao seu novo meio familiar, onde todos, sem exceção, lhe têm muita estima e carinho.

XIV. É pena que a Recorrente não entenda que a (…) precisa de estabilidade na sua vida – pois cria diariamente momentos de tensão através de vários telefonemas diários e/ou não contribui para uma fácil e confortável adaptação ao não enviar vestuário e outros bens pessoais da (…) para casa do pai –, e que, neste momento, acima de tudo, precisa de ser apoiada por ambos os progenitores.

XV. Refira-se, ainda, que a Recorrente foi várias vezes alertada pelo Tribunal a quo, seja oralmente nas conferências realizadas, seja através de despachos escritos, da possibilidade de alteração da residência da (…) para junto do Recorrido, caso aquela não se consciencializasse das suas atitudes e invertesse a sua posição de intransigência relativamente à necessidade da filha conviver e estar com o pai.

XVI. Apesar dos muitos avisos, a Recorrente manteve a postura que adotou desde sempre em relação à filha, continuando a vê-la e tratá-la como se de um objeto se tratasse, impedindo – passiva ou ativamente – que a filha convivesse com o pai em todos os fins-de semana que lhe estariam judicialmente fixados.

XVII. Foi com base nos sucessivos incumprimentos, nas declarações prestadas pelos progenitores e pela (…) em sede de conferência de pais, em conjugação com a prova documental junta aos autos, que o Tribunal a quo sensata, ponderada, fundamentada e razoavelmente decidiu ser urgente e imperioso alterar a residência da (…) para junto do pai, sob pena do seu superior interesse ficar seriamente comprometido e prejudicado.

XVIII. E à mesma conclusão chegou a Digníssima Magistrada do Ministério Público.

XIX. A Recorrida esqueceu-se de mencionar nas suas alegações de recurso que a matéria factual constante dos autos é gravíssima e reveladora do papel que entendeu assumir até à presente data que, não parecendo frontalmente obstaculizador, não promove minimamente os contactos entre pai e filha, antes aliciando a criança com programas sociais apelativos a ocorrer nos dias em que está previsto o convívio com o pai.

XX. O Recorrido não tem dúvidas que a decisão de alteração da residência da (…) para junto de si é a única decisão que, neste momento, possibilita que a (…) viva num ambiente harmonioso, familiar (com o pai, madrasta e irmã) e saudável necessário ao seu crescimento e desenvolvimento, sendo capaz de lhe proporcionar a estabilidade afetiva e emocional que a (…) tanto precisa e procura há quase dois anos.

XXI. Razão pela qual se entende e se requer a V. Exas. que, ponderados os factos constantes do processo e que se encontram elencados na decisão recorrida, acordem em negar provimento ao recurso da Recorrente e, consequentemente, mantenham a decisão provisória de alteração da residência da (…) para junto do pai.


***

Contra-alegou também o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - A exequibilidade imediata da decisão recorrida não causa à criança um prejuízo considerável que justifique a derrogação da regra da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, pelo que ao mesmo não deverá ser atribuído efeito suspensivo, que nos parece definitivamente comprometido, pelo facto da criança já estar a residir com o pai, no Algarve, onde está a frequentar a Escola;

2.ª - Não estamos diante de uma situação diferente de tantas outras, em que se lança mão de um processo de alteração das responsabilidades parentais, chamando o Tribunal a decidir uma situação em que os progenitores não se entendem relativamente ao exercício das responsabilidades parentais sobre a sua filha menor. Por isso, não vislumbramos, fundamento plausível que imponha à atribuição de caráter urgente ao processo, tanto mais que o superior interesse da menor está, por ora, devidamente salvaguardado;

3.ª – As 54 (cinquenta e quatro) conclusões que constam do recurso interposto são manifestamente complexas ou prolixas, justificando-se, por isso, que a apelante seja convidada a aperfeiçoá-las;

4.ª - A decisão que fixou a alteração provisória do exercício das responsabilidades parentais da menor (…) não padece de qualquer vício e revela-se muito sensata, mudando a residência da criança para junto do pai;

5.ª - O objetivo do Tribunal é conseguir a melhor solução possível face às circunstâncias concretas do caso, é encontrar a solução geradora da menor desestabilização e descontinuidade da vida da menor, já abalada pela separação dos pais e pela atitude egoísta da mãe ao privá-la dos contactos e convívios com o pai;

6.ª – Ao decidir alterar a residência da criança para junto do pai, o Tribunal adotou a solução que se afigura mais conforme ao interesse da criança, por ser a única que permite promover a continuidade da sua relação afetiva primordial;

7.ª – A consagração legal do direito da criança à preservação das suas ligações psicológicas profundas, nomeadamente, no que concerne à continuidade das relações afetivas estruturantes e de seu interesse tem sido, há mais de duas décadas, reconhecida com base na interpretação sistemática das normas vigentes, e

8.ª – A decisão impugnada deve ser confirmada, negando-se integral provimento ao recurso interposto.


*
Foram dispensados os vistos.
*
A questão que importa decidir é a de saber se deve ser mantida a alteração provisória das responsabilidades parentais da criança, nos termos decididos pelo tribunal a quo.
*
A matéria de facto fixada na 1ª instância é a seguinte:

1.- O progenitor (…) veio, em 14 de agosto de 2019, requerer a alteração da regulação das responsabilidades parentais relativas à menor (…) contra a progenitora desta (…), alegando incumprimento reiterado por parte da mãe no cumprimento do acordo homologado por sentença em 18 de março de 2019, requerendo que a residência da filha seja fixada consigo.
2.- Em sede de conferência de pais, a 11 de dezembro de 2019, e após se ter constatado a impossibilidade de obtenção de acordo, os pais por consenso decidiram alterar provisoriamente, e de forma experimental, o regime de convívios entre o pai e a filha, a avaliar em conferência que ficou logo designada para o dia 3 de março de 2019.
3.- Em sede de nova conferência de pais, feita a avaliação do regime experimental, o requerente manifestou a sua intenção de conviver mais tempo com a filha, não tendo sido possível a obtenção de acordo quanto ao objeto do processo, tendo os autos seguido para mediação familiar nos termos do disposto no artigo 38.º, alínea a) e 24.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.
4.- Ainda antes de se iniciar a mediação familiar o requerente veio dar conta nos autos de nova situação de incumprimento ocorrida a 24 de Abril de 2020, cfr. ref.ª 1746800.
5.- A requerida notificada do requerimento do progenitor não se pronunciou.
6.- E o Ministério Público veio sugerir a alteração do regime provisório, no sentido de que as entregas da criança fossem feitas na esquadra da PSP de Beja, ref.ª 31073339.
7.- Ainda antes de os autos serem conclusos para apreciação do referido requerimento, o progenitor veio aos autos reportar nova situação de incumprimento ocorrida a 22 de maio de 2020, cfr. ref. ª 1757152.
8.- Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a alteração provisória sugerida pelo Ministério Público, veio a progenitora infirmar as alegações feitas pelo requerente, referindo que sempre incentiva, cuida e prepara a (…) para ir com o pai mas que perante a atitude da filha recusa-se a força-la a acompanhar o pai, cfr. ref.ª 1762331.
9.- Também o progenitor se pronunciou sobre a proposta do Ministério Público, e informou os autos de nova situação de incumprimento ocorrida a 5 de junho de 2020, cfr. ref.ª 1763279.
10.- Por despacho de 12 de Junho de 2020, com a ref.ª 31109446, foi alterado o regime provisório anteriormente fixado nos seguintes termos:
«1.ª A criança passará fins-de-semana alternados, de quinze em quinze dias com o pai, que a virá buscar a Beja, à esquadra da PSP, onde a mãe a deverá entregar, às sextas feiras, pelas 17 horas, indo a mãe buscar a filha a Faro, a casa do pai, aos domingos, pelas 17:00 horas.
2.ª Nas férias escolares de Verão (de 26 de Junho a 15 de Setembro), a criança passará períodos de 15 (quinze) dias com cada um dos progenitores, sendo a primeira quinzena passada com a mãe, a segunda com o pai e assim sucessivamente.
3.ª Durante as férias escolares de Verão o pai, virá buscar a filha a Beja, à esquadra da PSP, onde a mãe a deverá entregar, à sexta feira, pelas 17 horas, indo a mãe buscar a filha a Faro, a casa do pai, ao domingo, pelas 17:00 horas.»
11.- Por requerimento com a ref.ª 1772044 veio o requerente dar conta de nova situação de incumprimento ocorrida a 20 de junho de 2020.
12.- O Ministério Público, entretanto, teve vista nos autos e pugnou pela manutenção do regime provisório instituído em 18 de junho de 2020, até se mostrar conclusa a fase da mediação familiar, fazendo constar que apenas a título de derradeira oportunidade ainda se confia que a mãe se consciencialize das suas atitudes e inverta a sua posição de intransigência relativamente à necessidade da filha menor conviver e estar com o pai nos períodos fixados.
13.- Entretanto, a fase da mediação chegou ao fim sem o consenso das partes, cfr. ref.ª 1787440.
14.- Por requerimento com a ref.ª 1801383, o progenitor veio informar os autos de nova situação de incumprimento ocorrida durante as férias de Verão (em Junho e novamente em Julho). E posteriormente por requerimento com a ref.ª 1813895, veio o progenitor informar os autos de outras situações de incumprimento ocorridas a 8 de Setembro de 2020.
15.- A 14 de Setembro de 2020, por despacho com a ref.ª 31261237 o regime provisório foi novamente alterado no que respeita às entregas, e os progenitores foram nova e expressamente advertidos de que o normal funcionamento do regime provisório seria considerado para a determinação da guarda definitiva.
16.- Realizada a conferência de pais a 6 de outubro de 2020 os progenitores mantiveram as posições expressas e os autos prosseguiram para a fase do julgamento, cfr. 31312574.
17.- Foram apresentadas as alegações, ref.as 1842798 e 1842976, e arrolada prova testemunhal, tendo sido requerida a audição da menor na audiência de discussão e julgamento.
18.- O requerente e o Ministério Público requereram, respetivamente, a realização de perícia psicológica, à menor, e a toda a família, o que foi deferido, cfr. ref.ª 31381346.
19.- Uma vez mais veio o requerente em 11 de novembro de 2020 dar conta de novo incumprimento ocorrido a 6 de novembro, cfr. ref. ª 1860027.
20.- O Ministério Público teve vista nos autos e pronunciou-se pela alteração provisória da guarda, referindo que em seu entender se encontram esgotadas todas as soluções possíveis, sob pena do vínculo afetivo que deve sempre existir entre filhos e pais se quebrar definitivamente e a sentença que vier a ser proferida não ser capaz de os recuperar.
***
Conhecendo.
O artigo 1906.º/8 do Código Civil, que dispõe acerca do exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio e separação judicial de pessoas e bens, determina que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles.
Desígnio que é reproduzido ao longo do exaustivo normativo constante do artigo 40.º do RGPTC – Lei n.º 141/2015, 08-09.
Também a LPCJP – 147/99/01-09, estipula, no seu artigo 4.º, os Princípios Orientadores que devem reger a intervenção dos órgãos judiciais de controlo, fazendo constar na alínea a) do n.º 1 que deve obedecer-se ao superior interesse da criança ou jovem.
Nesta medida, a decisão do Tribunal cumprirá tal objetivo, independentemente da posição dos progenitores na ação, tendo em consideração tudo quanto se apurou no decurso do processo.

O princípio do superior interesse da criança decorre, desde logo, da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da AG da ONU 1386 (XIV) de 20 de Novembro de 1959 e da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em 26.01.1990, em Nova Iorque, aprovada pela Resolução da AR n.º 20/90, em particular nos seus artigos 3.º e 9.º, dos quais resultam que todas as decisões relativas a crianças devem respeitar, em primeira linha, o interesse superior destas, comprometendo-se os Estados subscritores a respeitar os direitos da criança separada de um ou de ambos os pais.

Conceito que foi recebido pelo direito da família e da criança, como é disso exemplo o que dispõe o artigo 1906.º do C. Civil e artigo 40.º do RGPTC, bem como o acima referido artigo 4.º da LPCJP.

Este princípio é propositadamente amplo e indeterminado porque a sua substanciação depende dos casos concretos que devem ser dirimidos pelos tribunais.

Com efeito, como se escreveu a propósito do superior interesse da criança na decisão deste Tribunal, proferida em 19-05-2016, Processo nº 1491/15.0T8PTM.E1, “a concretização do mesmo deve sempre ser norteada tendo por referência os princípios internacionais e constitucionais, na análise da situação concreta de cada criança enquanto ser humano único e complexo. Daí que o interesse superior de uma criança, nas suas circunstâncias de vida, não tenha de ser exatamente igual ao de outra criança com circunstâncias de vida diversas. Assim, estando acometidos aos pais o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, conforme anuncia o n.º 5 do artigo 36.º da Constituição, cabe aos pais, nos termos do artigo 1885.º do CC, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos.”

Quanto à essencialidade do regime de visitas de que deve beneficiar a criança, Tomé Ramião, in RGPTC Anotado e Comentado, 3.ª Ed. 2018, pág. 137, opina: Nunca será de mais sublinhar que a criança necessita igualmente do pai e da mãe e que, por natureza, nenhum deles pode preencher a função que ao outro cabe. A consciência desse facto, por ambos os pais, é essencial para o relacionamento do filho com o progenitor que não detém a guarda física se processe naturalmente, sem conflitos ou tensões.

E, mais adiante: Manter uma relação de grande proximidade impõe contactos regulares e frequentes do progenitor com o filho, de poder partilhar consigo o seu espaço, passar com ele fins-de-semana, datas festivas, aniversários, períodos de férias, podendo ainda conviver com o filho durante alguns dias úteis da semana, tudo dependendo das circunstâncias, nomeadamente do relacionamento dos pais, idade da criança, a localização da sua residência e disponibilidade do progenitor.

A importância das visitas é reconhecida pelo legislador, no seu artigo 1906º/8 do Código Civil.

No caso dos autos, a regulação do exercício das responsabilidades parentais da menor (…) encontrava-se fixada por sentença proferida em 18-03-2019, homologatória do acordo dos progenitores.

Contudo, logo em 14-09-2019, o pai veio requerer a alteração da regulação das responsabilidades parentais, alegando incumprimento reiterado por parte da mãe no cumprimento do dito acordo, quanto ao regime de visitas, pedindo que a residência da filha seja fixada consigo.

Já depois de iniciado o processo de alteração a que alude o artigo 42.º do RGPTC, o pai da criança veio dar notícia aos autos de que a mãe continuava a incumprir o regime de visitas, não procedendo à entrega da menor como estava acordado, o que se veio a verificar, para além dos incumprimentos que deram origem ao processo de alteração, também ao longo do ano de 2020 e nos seguintes dias:

- 24 de abril de 2020;

- 22 de maio de 2020;

- 5 de junho de 2020;

- 20 de junho de 2020;

- incumprimentos em junho e julho, durante as férias de Verão;

- 8 de setembro de 2020 e

- 6 de novembro.

O tribunal tentou resolver a questão, alterando o regime de visitas e, seguidamente, obrigando a mãe a entregar a criança ao pai nas instalações da PSP de Beja, contudo, a criança continuou a não ser entregue ao pai como estava determinado.

Foi neste contexto que o tribunal a quo decidiu a alteração provisória das responsabilizes parentais da criança, no sentido de promover um amplo contacto com os dois progenitores, o que só seria possível fixando a residência da criança junto do pai.

Em face da prova que se encontra acima elencada e no confronto dos vários princípios e interesses em conflito, a decisão que se revela mais benéfica para a criança, embora provisoriamente porque a questão apenas pode ser claramente equacionada após ponderação da prova produzida em julgamento, é que a residência seja alterada nos termos decididos pelo tribunal a quo.

Com efeito, o insistente e abusivo incumprimento da mãe da criança quanto ao regime de visitas, não permitindo que a (…) conviva com o pai, revela-se demasiado lesivo para o seu particular interesse, o que não pode ser permitido pelo sistema de justiça.

Foi inviabilizada a manutenção da necessária relação de grande proximidade com o pai, pela ausência de contactos regulares e frequentes do pai com a filha, não podendo a criança partilhar com este progenitor o seu espaço, passar com ele fins-de-semana, datas festivas, aniversários e períodos de férias.

Como se sabe, não são apenas os direitos dos pais no convívio com as crianças que têm de ser protegidos pela ordem jurídica, estes direitos têm, isso sim, de estar subordinados a um interesse que lhes é superior – o interesse da criança.

Este interesse, no caso concreto, só será suficiente e adequadamente protegido se a criança residir com o pai.

Os autos encontram-se a atingir a fase de julgamento, mas aguardam a realização de perícia psicológica à criança, bem como relatório social aos progenitores, a que se seguirá o julgamento e a sentença, pelo que a urgência em alterar o regime de visitas se impunha tal como decidido, uma vez que estas situações fácticas de ausência de contactos com o progenitor não se podem deixar cristalizar no tempo.

De onde se conclui que o tribunal a quo, ao contrário do exaustivamente alegado pela recorrente, não errou na aplicação do direito aos factos quando deveria ter considerado que, no interesse da (…), se deveria manter uma situação em que a criança continuaria a ser privada do contacto com o pai.

No mesmo sentido, cfr. Ac. TRP de 18-05-2006, Processo n.º 0632170:

I.- O direito de a mãe conviver com o seu filho é igual ao do pai conviver com o seu filho e, verdadeiramente, só são relevantes se resultarem do direito que o menor tem de conviver com ambos, porque terão sempre, em todas as situações, que estar subordinados aos direitos e interesses dos menores, como se define no artigo 1878.º do Código Civil. Por essa razão, o incumprimento repetido da regulação do poder paternal terá, se for necessário, que conduzir à alteração da guarda do menor. O menor não é propriedade provada da sua mãe e ela, se assim o entende, representa um enorme perigo para o desenvolvimento harmonioso da criança, que o tribunal não pode continuar a ignorar. A mãe, só porque é mãe, não é necessariamente uma boa mãe!

II.- Impõe-se que o Tribunal de 1ª instância adote medidas concretas para permitir o estabelecimento efetivo de um relacionamento entre o pai e o menor (Sublinhado nosso).

Também no Ac. TRE de 14-01-2021, Maria da Graça Araújo Processo n.º 214/09.8TBFTR-J.E2, se decidiu:
I - Quando há que decidir com qual dos progenitores deve ser fixada a residência do menor, o processo de decisão começa por uma selecção negativa, isto é, pela procura de aspectos a apontar fortemente contra a atribuição da guarda a um dos pais.
II – A indisponibilidade de um dos progenitores para promover relações habituais, consistentes e saudáveis entre os filhos e o outro progenitor constitui critério negativo da atribuição da guarda.
III – Se a mãe, com quem a residência dos menores estava fixada, ao longo dos anos foi reiteradamente incumprindo o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, no que às visitas concerne, sem que fosse judicialmente possível dar resposta útil e atempada a esses incumprimentos, é de considerar verificadas circunstâncias que justificam a alteração da residência dos menores (Sublinhado nosso).
O que equivale a dizer que a apelação é improcedente e se confirma a decisão recorrida.


***

Sumário:

(…)


***

DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga improcedente a apelação e confirma a decisão recorrida.

Custas pela recorrente – Artigo 527.º CPC
Notifique.

***
Évora, 25-03-2021

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Emília Ramos Costa