Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1883/20.3T8STR-A.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
AUDIÊNCIA PRELIMINAR
NULIDADE
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- A decisão sobre uma exceção perentória é uma decisão que incide sobre o mérito da causa, como estipula o artigo 595.º/1, b), do CPC, onde se equipara o conhecimento do pedido ao conhecimento de uma exceção perentória.
II.- Se, no despacho saneador, o juiz pretende conhecer de uma exceção perentória ou do pedido, deverá convocar audiência prévia para os efeitos do artigo 591.º/1, b), do CPC, com vista a assegurar o exercício do contraditório.
III - Mesmo quando a exceção perentória tenha sido debatida nos articulados, deve convocar-se audiência prévia, ao abrigo do artigo 3.º/3, do CPC, assim se garantindo, não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, mas também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa.
IV- Caso seja dispensada a audiência prévia, para além dos casos previstos no artigo 593.º do CPC, a sua não realização será cominada com uma nulidade processual por prática de ato não permitido por lei com influência no exame ou decisão da causa, a que alude o artigo 195.º do CPC.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1883/20.3T8STR-A.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: (…) – Rações, Lda.


Recorrida: (…) – Indústrias (…) de Pecuária e Agricultura, Lda.

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No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central de Comércio – Juiz 2, (…) – Rações, Lda., propôs ação declarativa comum, pauliana, contra (…) – Indústrias (…) de Pecuária e Agricultura, Lda., pedindo:
a) Reconhecer-se que a 1.ª Ré deve à Autora a quantia de € 421.780,50 (quatrocentos e vinte e um mil, setecentos e oitenta euros e cinquenta cêntimos) acrescida dos juros moratórios vincendos até efetivo e integral pagamento, condenando-se aquela naquele pagamento;
b) Declarar-se totalmente ineficazes em relação à aqui Autora os negócios vertidos na escritura pública junta como doc. n.º 103 e nas vendas dos veículos/equipamentos Veículo ligeiro matrícula (…), (…) 14 M3 – UCPL14-P.Lat, (…), modelo S 175 AHC, Veículo Pesado matrícula (…), condenando-se todos os Réus a reconhecer essa mesma ineficácia e, bem assim, o direito da Autora à restituição do imóvel e móveis alienados na medida do seu interesse, por forma a poder executá-los no património da 2.ª Ré e, se necessário, a praticar os atos de conservação da sua garantia patrimonial autorizados por lei; tudo com custas a cargo dos Réus.
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A R. defendeu-se por exceção invocando a caducidade do direito de propor a ação pauliana, por terem decorridos mais de 5 anos contados desde os atos impugnáveis e a sua propositura – artigo 618.º do CC.
A A. respondeu à matéria da exceção alegando que ainda não tinha decorrido o prazo de 5 anos no momento em que propôs a ação, considerando o disposto no artigo 7.º da Lei 1-A/2020, alterada pela Lei 4-A/2020, que determinou a suspensão dos prazos de caducidade e prescrição.
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Após os articulados foi dispensada a audiência preliminar e proferido saneador-sentença, nos seguintes termos:
Dispensa da audiência prévia
Afigurando-se inexistir a possibilidade de conciliação das partes e não se verificando a necessidade de suprir eventuais insuficiências ou imprecisões da matéria de facto, estando assegurado o cumprimento do contraditório, nos termos dos artigos 593.º, n.º 1, 591.º, n.º 1, alínea d) e 595.º, n.º 1, alínea b), CPC, dispenso a realização da audiência prévia.
Caducidade
A 1ª Ré (…) – Indústrias (…) de Pecuária e Agricultura, Lda., na contestação invocou a caducidade do direito da A., por ter decorrido o prazo de cinco anos previsto no artigo 618.º do CC.
A A. pronunciou-se alegando não ter decorrido ainda o prazo de cinco anos previsto no artigo 618.º, face à suspensão dos prazos devido ao estado de emergência na sequência da pandemia por COVID 19.
Apreciando.
Nos termos do artigo 618.º do CC, o direito de impugnação caduca ao fim de cinco anos, contados da data do ato impugnável.
Como refere Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, em anotação ao artigo 618.º, trata-se de “um prazo de caducidade (e não de prescrição), sujeito, portanto, ao regime dos artigos 328.º e seguintes”, como decorre do próprio preceito.
Para impedir a caducidade deverá ser praticado o ato que a lei atribua efeito impeditivo (artigo 331.º, n.º 1, CC).
O prazo de caducidade fixado no artigo 618.º inicia-se na data do ato impugnável, que no presente caso se refere à data da escritura de dação em pagamento, que ocorreu em 15.05.2015, e à data da venda dos quatro veículos, que ocorreu em 16.05.2015, 19.05.2015 e 15.06.2015, e considera-se impedida a caducidade com a prática de um ato, com o qual a A. pretende exercer o seu direito de impugnação, que corresponde à interposição da ação, e que, praticado dentro do prazo de caducidade, impede a sua verificação.
Como se pode ler no Acórdão do STJ, Processo 326/2002.E1.S1, de 29.09.2011, em que foi relator o conselheiro Sérgio Poças, disponível nas bases de dados:
“Sustentam os recorrentes ter ocorrido a caducidade do direito de instauração de ação por terem decorrido mais de cinco anos desde a data do ato impugnável e a data em que ocorreram as respetivas citações. (…)
De facto, e como resulta límpido dos artigos 331.º e 618.º do CC, o ato impeditivo da caducidade na ação (de impugnação pauliana) consiste na propositura da respetiva ação que se materializa com a entrada da petição inicial na secretaria do tribunal.”
Importa agora verificar se decorreu o prazo de caducidade de cinco anos, aplicável nos termos do artigo 618.º, CC, importando para o efeito verificar o termo inicial, ou seja, a data em que o direito puder ser exercido (artigo 306.º, CC) e a data em que efetivamente foi exercido.
Para o efeito, a data inicial a considerar é a data da transmissão dos bens: a escritura de dação em pagamento foi outorgada pelas RR. em 15.05.2015; a venda do equipamento (…) 14 M3 – UCPL14-P.Lat e (…) modelo S 175 AHC ocorreu em 16.05.2015; a venda do veículo pesado, de matrícula (…) foi efetuada em 19.05.2015; e a venda do veículo ligeiro, de matrícula (…) teve lugar em 15.06.2015.
Em condições normais, o direito à indemnização do A. teria de ser exercido até ao dia 15.05.2020, 16.05.2020, 19.05.2020 e 15.06.2020. Porém, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março veio, no artigo 7.º, n.º 3, criar uma norma especial de suspensão dos prazos de prescrição e caducidade em resposta à situação extraordinária que então se vivia, devido à pandemia provocada pelo coronavírus SARS – COV-2, alargando os prazos por um período de tempo em que vigorar a situação extraordinária, a definir por decreto-lei que declarará o termo da situação excecional (n.º 2 do diploma citado). A Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, que entrou em vigor a 03.06.2020, veio no seu artigo 8.º, revogar o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, reiniciando-se, a partir deste dia, a contagem dos prazos então suspensos.
Assim, por força do preceito atrás citado, com o esclarecimento quanto à interpretação e ao início da produção de efeitos da suspensão constante dos artigos 5.º e 6.º, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, a suspensão do prazo ocorreu entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020, por força do artigo 7.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, tendo resultado um período de 86 dias de suspensão dos prazos.
Até à data da suspensão, haviam decorrido:
a) 4 anos e 299 dias, desde a data da escritura de dação em pagamento, que foi outorgada pelas RR. em 15.05.2015;
b) 4 anos e 298 dias, desde a data da venda do equipamento (…) 14 M3 – UCPL14-P.Lat e (…) modelo S 175 AHC, que ocorreu em 16.05.2015;
c) 4 anos e 295 dias, desde a venda do veículo pesado, de matrícula (…), que foi efetuada em 19.05.2015; e
c) 4 anos e 268 dias, desde a venda do veículo ligeiro, de matrícula (…), que teve lugar em 15.06.2015.
Tendo em consideração que o termo do prazo para a interposição da ação seria os dias 15.05.2020, 16.05.2020, 19.05.2020 e 15.06.2020, entre estas datas e a data da interposição da ação (20.08.2020) ocorreu um período de tempo de 97, 96 e 93 dias, relativamente aos bens indicados nas alíneas a), b) e c), que é superior ao prazo de suspensão, pelo que a ação se considera ter sido interposta fora do prazo fixado pelo artigo 618.º, CC, relativamente a estes bens. No que tange ao veículo ligeiro, de matrícula (…), cujo termo para a interposição da ação ocorreria em 15.06.2020, entre esta data e a data da interposição da ação (20.08.2020) ocorreu um período de tempo de 66 dias, que é inferior ao prazo fixado no artigo 618.º, CC, pelo que a ação se considera ter sido interposta, relativamente a este bem, dentro do prazo fixado pelo artigo 618.º, CC.
Assim, procede parcialmente a exceção de caducidade invocada pela R., declaro caduco o direito de impugnação quanto aos seguintes bens:
a) Prédio rústico, descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche, sob o n.º (…), da freguesia de (…), inscrito na matriz sob o artigo (…) da secção R, objeto de escritura de dação em pagamento outorgada entre as RR. em 15.05.2015 (cfr. escritura junta a fls. 143 e 144);
b) a venda do equipamento (…) 14 M3 – UCPL14-P.Lat, pela 1ª R à 2ª R. em 16.05.2015 (cfr. fatura junta a fls. 147);
c) a venda do equipamento (…), modelo S 175 AHC, pela 1ª R à 2ª R. em 16.05.2015 (cfr. fatura junta a fls. 147 verso);
d) a venda do veículo pesado, de matrícula (…), pela 1ª R à 2ª R. em 19.05.2015 (cfr. fatura junta a fls. 148);
por ter decorrido o prazo de caducidade previsto no artigo 618.º do CC.

Quanto à venda do veiculo ligeiro, de matrícula (…), pela 1ª R. à 2ª R., em 15.06.2015, está a A. em tempo para interpor a presente ação.
Custas pela A.
Registe e notifique.
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Fixo à ação o valor de € 105.500,00, por corresponder ao valor do ato indicado na petição inicial (cfr. artigos 27 e 30), nos termos dos artigos 296.º, 301.º, n.º 1 e 306.º, nºs. 1 e 2, CPC.
*
Os autos prosseguem apenas para impugnação da venda do veiculo ligeiro, de matrícula (…).
Tendo em conta o diminuto valor do bem, deve a A. informar nos autos se mantém interesse no prosseguimento dos autos.
Notifique.
Santarém, d.s.

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Não se conformando com o decidido, (…) – Rações, Lda. recorreu do despacho que dispensou a audiência preliminar quer do saneador-sentença, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:

1. Decidiu o douto tribunal a quo proceder à dispensa da audiência prévia, por estar em causa decisão sobre exceção dilatória, já debatida nos autos.

2. A Recorrente não aceita tal dispensa, porquanto embora possa ser dispensada a audiência prévia, deve tal dispensa revestir caráter excecional.

3. Não existindo audição prévia das partes em litígio pode afirmar-se que estamos perante uma situação de violação pelo tribunal do dever de consulta tendo sido omitida, pelo Julgador ao decidir de mérito, sem auscultar as partes e não convocar a audiência prévia com vista ao assegurar do contraditório, uma formalidade de cumprimento obrigatório, donde “depara-se-nos uma nulidade processual traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reação da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integre a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC.

4. Cremos, face ao que dispõe a lei, não é de perfilhar do entendimento que aceita a possibilidade de se dispensar a audiência prévia fazendo uso do mecanismo de gestão processual previsto nos artigos 547.º e 6.º do CPC, uma vez que a simplificação processual ou a adequação formal não pode ir contra normas que refletem determinado ritualismo como obrigatório ou necessário, o qual não se mostra de todo inadequado às especificidades da causa, antes pelo contrário, possibilitando às partes e respetivos mandatários, cara a cara com o juiz, fazerem valer os seus argumentos, quando se pretende “prematuramente” (na perceção de pelo menos uma das partes) pôr fim à causa, julgando da questão de mérito sem um efetivo debate quer relação aos factos a sequer fez uso de tal mecanismo para a dispensa da realização da diligência.

5. “Entendendo o juiz a quo que está em condições de conhecer, no despacho saneador, de exceção dilatória e exceção perentória invocadas, sendo que o conhecimento da exceção perentória de prescrição é um conhecimento de mérito, tem de dar cumprimento ao disposto no artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC, convocando audiência prévia. Não o fazendo, incorre na nulidade prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC – prática de um ato que a lei não admita, ou seja, dispensar a realização da audiência prévia quando tal dispensa não é viável legalmente, atentas as circunstâncias” cita-se Ac. TRL de 19/10/2017 no processo 155421-14.5YIPRT.L1-8 disponível em www.dgsi.pt.

6. A preterição da aludida formalidade processual que se reputa de essencial, gera para além de nulidade processual a nulidade do saneador-sentença e atenta a influência sobre esta decisão, implica a anulação do processado a fim da tramitação processual regressar ao momento anterior ao despacho que dispensou a realização da audiência prévia, de forma a possibilitar a efetiva audição das partes em sede de audiência de prévia, devendo no despacho que a designar esclarecer, em concreto, os fins a que se destina.

7. Termos em que será de anular a decisão recorrida.

8. No que concerne à caducidade do direito da recorrente de apresentar impugnação, o tribunal a quo, entendeu que:

Para o efeito, a data inicial a considerar é a data da transmissão dos bens: a escritura de dação em pagamento foi outorgada pelas RR. em 15.05.2015; a venda do equipamento (…) 14 M3 – UCPL14-P.Lat e (…) modelo S 175 AHC ocorreu em 16.05.2015; a venda do veículo pesado, de matrícula (…) foi efetuada em 19.05.2015; e a venda do veículo ligeiro, de matrícula (…) teve lugar em 15.06.2015.

Em condições normais, o direito à indemnização do A. teria de ser exercido até ao dia 15.05.2020, 16.05.2020, 19.05.2020 e 15.06.2020. Porém, a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março veio, no artigo 7.º, n.º 3, criar uma norma especial de suspensão dos prazos de prescrição e caducidade em resposta à situação extraordinária que então se vivia, devido à pandemia provocada pelo coronavírus SARS – COV-2, alargando os prazos por um período de tempo em que vigorar a situação extraordinária, a definir por decreto-lei que declarará o termo da situação excecional (n.º 2 do diploma citado). A Lei n.º 16/2020, de 29 de Maio, que entrou em vigor a 03.06.2020, veio no seu artigo 8.º, revogar o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, reiniciando-se, a partir deste dia, a contagem dos prazos então suspensos.

Assim, por força do preceito atrás citado, com o esclarecimento quanto à interpretação e ao início da produção de efeitos da suspensão constante dos artigos 5.º e 6.º, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, a suspensão do prazo ocorreu entre 9 de Março de 2020 e 3 de junho de 2020, por força do força do 7.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e artigo 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, tendo resultado um período de 86 dias de suspensão dos prazos.

Até à data da suspensão, haviam decorrido:

d) 4 anos e 299 dias, desde a data da escritura de dação em pagamento, que foi outorgada pelas RR. em 15.05.2015;

e) 4 anos e 298 dias, desde a data da venda do equipamento (…) 14 M3 – UCPL14-P.Lat e (…) modelo S 175 AHC, que ocorreu em 16.05.2015;

f) 4 anos e 295 dias, desde a venda do veículo pesado, de matrícula (…), que foi efetuada em 19.05.2015; e

e) 4 anos e 268 dias, desde a venda do veículo ligeiro, de matrícula (…), que teve lugar em 15.06.2015.

Tendo em consideração que o termo do prazo para a interposição da ação seria os dias 15.05.2020, 16.05.2020, 19.05.2020 e 15.06.2020, entre estas datas e a data da interposição da ação (20.08.2020) ocorreu um período de tempo de 97, 96 e 93 dias, relativamente aos bens indicados nas alíneas a), b) e c), que é superior ao prazo de suspensão, pelo que a ação se considera ter sido interposta fora do prazo fixado pelo artigo 618.º CC, relativamente a estes bens. No que tange ao veículo ligeiro, de matrícula (…), cujo termo para a interposição da ação ocorreria em 15.06.2020, entre esta data e a data da interposição da ação (20.08.2020) ocorreu um período de tempo de 66 dias, que é inferior ao prazo fixado no artigo 618.º CC, pelo que a ação se considera ter sido interposta, relativamente a este bem, dentro do prazo fixado pelo artigo 618.º CC.”

9. A A. não aceita tal entendimento, pese embora a fundamentação do douto despacho, por considerar que o alargamento dos prazos se deverá considerando que um prazo que terminasse durante o período da suspensão, deveria ser contado durante a mesma, somando-se-lhe apenas o período de suspensão ao seu termo.

10. Significaria isto que os prazos deveriam ser praticados durante a suspensão, mesmo quando não tendo carácter urgente, pois poderia suceder que, terminando a suspensão, a parte poderia ter, por exemplo, num prazo de caducidade que terminasse a 15 de março de 2020, teria 8 dias para praticar o mesmo.

11. O que não se nos afigura ser o espirito da lei, quando pretendeu que, durante o estado de emergência, em obediência à obrigatoriedade de confinamento e permanência no domicilio,

12. Como já defendeu a A., no seu requerimento de resposta à exceção arguida pela Ré na sua contestação, sendo o prazo de caducidade de 5 anos, atendendo ao disposto no artigo 618.º do Código Civil, ainda não decorreram cinco anos sobre as referidas dações, como se disse, considerando o disposto no artigo 7.º da Lei 1-A/2020, alterada pela Lei 4-A/2020, que determinou a suspensão dos prazos de caducidade e prescrição.

13. Conforme estabelece o referido dispositivo, nos seus n.ºs 3 e 4

“3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.

4. O disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional.”

15. Nestes termos, não ocorreu a caducidade do direito da A., porquanto a ação foi proposta dentro do prazo que resultou da norma legal atrás estabelecida, uma vez que o prazo de caducidade foi alargado pelo período de tempo em que vigorou a suspensão, devendo ser aproveitado o tempo que ainda faltaria decorrer até à caducidade quando teve inicio a suspensão dos prazos, no dia 09.03.2020.

16. À A. restava ainda tempo suficiente para propor a ação, não tendo decorrido o referido prazo de caducidade, como resulta da decisão agora recorrida.

17. No que diz respeito aos prazos de prescrição e de caducidade – que é o que interessa nos presentes – o artigo 6.º preceitua que os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.

18. Esta norma tem o seu correspondente no revogado artigo 7.º, n.º 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, o qual estabelecia que o regime de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos prevalecia sobre quaisquer regimes que fixassem prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorasse a situação excecional.

19. Vale isto pode dizer que, se à data de 10 de março de 2020, estava em curso a contagem de um prazo de prescrição de três anos, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, esse prazo retoma a sua contagem e beneficia do aumento da sua duração, sendo esse aumento computado em função do período de tempo em que durou a suspensão do prazo. Assim, se, no dia 10 de março, faltavam, por hipótese, 20 dias para o termo de um prazo de prescrição ou de caducidade, com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, retoma a contagem desse prazo de prescrição ou de caducidade, contando-se, no entanto, não só os 20 dias que faltavam para a verificação do seu termo, como também o período de tempo em que vigorou, a título excecional, a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade.

20. Entende a Recorrente que, nos termos expostos o prazo para propor a ação pauliana terminaria:

a) Relativamente ao prédio rústico já atrás identificado, cuja escritura de dação em pagamento, foi outorgada pelas RR. em 15.05.2015, o terminus do prazo seria 3 de Novembro de 2020;

b) Relativamente à venda do equipamento (…) 14 M3 – UCPL14-P.Lat e (…) modelo S 175 AHC, que ocorreu em 16.05.2015, o terminus do prazo seria 04 de novembro de 2020;

c) Relativamente à venda do veículo pesado, de matrícula (…), que foi efetuada em 19.05.2015, o terminus do prazo seria 7 de novembro de 2020.

21. Estando, portanto em tempo para a propositura da ação e não sendo de julgar procedente a exceção dilatória da caducidade e assim jugar caducado o direito da A.

22. Sendo, portanto, de revogar a sentença que declarou a caducidade do direito da A., aqui recorrente de impugnar tais transmissões.

23. A Recorrente entende que a norma do artigo 7.º, n.º 3, da Lei 1-A/2020, não pode ser interpretada no sentido literal de se alargar o prazo caducidade pelo período da suspensão, revelando a data em que terminaria o prazo original, por considerar que tal interpretação não se adequa ao espirito da própria suspensão.

24. Efetivamente, quando o tribunal a quo interpreta tal norma no sentido de que os prazos de caducidade em curso beneficiam do período de suspensão da Lei 4-A/2020, de 6 de Abril – ocorrida entre 9 de Março de 2020 e 3 de Junho de 2020 – mantendo-se a sua contagem desde a data em que se terminaria o prazo, acrescida dos 86 dias de suspensão, ao invés de se interpretar que suspenso o prazo de caducidade, deve ser considerado quer o tempo que faltava decorrer para o final do prazo original acrescido do prazo de suspensão, tal colide com o espirito da lei.

25. Revelando-se portanto inconstitucional tal interpretação da norma, ou a ser esse o entendimento que se retira da mesma, a inconstitucionalidade da própria norma.

26. E argui a recorrente expressamente tal interpretação, a ser esse o entendimento que se retira da norma.

27. Entende a recorrente que a interpretação normativa adotada pela decisão recorrida, está em desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, por violação dos princípios da proporcionalidade, da igualdade, da proteção da confiança, porquanto o cidadão, face à suspensão dos prazos decretada, num contexto de estado de emergência, não poderá ver ainda os seus direitos postergados de tal forma grave, que seja contabilizado o prazo decorrido durante a suspensão.

28. Requerendo-se a apreciação da constitucionalidade do artigo 7.º, n.º 3, da Lei 1-A/2020, no sentido de ser interpretada que, com a entrada em vigor da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio, se retoma a contagem do prazo de prescrição ou de caducidade, contando-se, no entanto, o prazo que faltava para a verificação do seu termo, como também o período de tempo em que vigorou, a título excecional, a suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade.

Pelo exposto, deve o presente recurso ser provido, revogando-se a douta sentença recorrida e substituída por outra que declare a impugnação tempestivamente proposta e ordene o prosseguimento dos autos relativamente a todos os bens indicados na P.I.., apreciando-se a inconstitucionalidade arguida.


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Foram dispensados os vistos.

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As questões que importa decidir são:

1.- A dispensa da audiência prévia quando está em causa exceção perentória acerca da qual o autor já foi ouvido.

2.- A caducidade do direto de propositura da ação.

3.- A inconstitucionalidade do artigo 7.º/3, da Lei 1-A/2020, de 19-03.


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A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório inicial.
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Conhecendo.

1.- A dispensa da audiência prévia, quando está em causa exceção perentória acerca da qual o autor já foi ouvido.

O juiz pode dispensar a audiência prévia nos casos elencados no artigo 593.º do CPC:

1 - Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º.

O artigo 591.º/1, d), e) e f) estipula o seguinte:

1 – (…) algum ou alguns dos fins seguintes: (…)

d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;

e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;

f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;

Por sua vez, o artigo 596.º/1 refere-se à prolação do despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.

Apenas nestes casos o juiz tem o poder discricionário de dispensar a audiência prévia, poder que é sempre vinculado porque está obrigado a buscar, entre as soluções possíveis, a que melhor solucione o problema e, por isso, se distingue do poder arbitrário.

No caso dos autos, a R. defendeu-se por exceção, alegando a caducidade do direito de propor a ação pauliana.

A A. respondeu defendendo a improcedência da exceção.

A questão controvertida no recurso identifica-se na divergência de entendimento do tribunal, relativamente ao poder do juiz em dispensar a audiência prévia.

Para o tribunal a quo, uma vez que a A. já se pronunciou acerca da exceção da caducidade, não existe necessidade de convocar uma audiência prévia para que a A. se pronuncie, novamente, sobre a mesma matéria.

A A., por seu lado, entende que o facto de ter já tomado posição acerca da exceção não exime o tribunal de a convocar para se pronunciar, novamente, em sede audiência prévia à audiência final.

Quid juris?

O Novo Processo Civil que resultou da reforma de 2013, acabou com uma polémica antiga que existia no anterior regime e que consistia na dúvida em saber se a decisão acerca da procedência de uma exceção perentória era ou não classificável como uma decisão de mérito, ou seja, que conhecia do mérito da causa.

Hoje não existem quaisquer dúvidas de que a decisão sobre uma exceção perentória é uma decisão que incide sobre o mérito da causa, como o estipula o artigo 595.º/1, b), do CPC, onde se equipara o conhecimento do pedido ao conhecimento de uma exceção perentória.

No novo regime a audiência prévia tem uma abrangência muito mais lata do que a anterior audiência preliminar.

Não nos podemos esquecer de que no atual processo civil, em regra, os autos apenas são conclusos ao juiz no final da apresentação de todos os articulados, para efeitos de gestão processual, sendo as partes convidadas a corrigir os articulados ou a juntar documentos e demais questões a que alude o artigo 590.º do CPC.

Segue-se a audiência prévia, onde as partes encontram pela primeira vez o juiz, sendo por isso, de extrema importância para a defesa dos vários interesses que na lide se defrontam, que, antes de prosseguirem para julgamento, sejam discutidas todas as questões, de facto ou de direito, que ainda se mostrem pendentes ou que resultem da discussão e debate a realizar na audiência prévia (art.º 591.º do CPC).

Ora, esta discussão tem de ser feita oralmente perante o juiz, pelo que só em casos muitos restritos se pode dispensar a audiência prévia.

Com efeito, mesmo nos casos em que uma exceção perentória já foi discutida pelas partes, a audiência previa será a última oportunidade de as partes trazerem ao conhecimento do tribunal novos argumentos, de facto ou de direito, acerca da questão controvertida, assim facultando ao tribunal um acréscimo de informação que vai ajudar a decisão e se cumpre o magno princípio do contraditório (artigo 3.º/3, do CPC).

É também este o entendimento de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado, volume 2.º, 3.ª Ed., Almedina, pág. 650, “Mesmo quando a questão tenha sido debatida nos articulados, a decisão de dispensa deve ser precedida da consulta das partes, ao abrigo do artigo 3.º-3, assim se garantindo, não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, mas também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa.”

Após a realização da audiência prévia, preclude a possibilidade de as partes praticarem os atos para os quais tenham sido convocadas (artigo 591.º/2), o que reforça também a sua importância na marcha do processo.

Sobre a obrigatoriedade de o tribunal convocar a audiência prévia, Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, À Luz do CPC de 2013, 4ª Ed., 2017, pág. 201 anota que “No CPC de 1961 posterior à revisão de 1995-1996, excetuava-se o caso em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e revestindo-se a apreciação da causa de manifesta simplicidade.”

Ora, o tribunal a quo teve este entendimento, e, por isso, dispensou a audiência prévia.

Contudo, o ilustre professor, continua no loc. cit., esclarecendo: “No novo Código esta exceção desapareceu: o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes.”

No mesmo sentido, Rui Pinto, CPC Anotado, Vol. II, 2018, pág. 123: “(…) o tribunal que está em condições de pôr termo à causa (seja por procedência de exceção dilatória, seja por julgamento integral do mérito) ou de, sem pôr termo à causa, conhecer do mérito parcial (julgamento de um pedido cumulado contra uma mesma parte ou de uma exceção perentória) deve facultar às partes a discussão de facto e de direito, cumprindo o artigo 591.º/1, 2, b) (…)”

O que vale por dizer que, fora dos casos a que alude o artigo 593.º do CPC, acima transcrito, o juiz está impedido de dispensar a audiência prévia pelo que, não se integrando o caso dos autos em qualquer dessas circunstâncias, a audiência prévia não pode ser dispensada, sendo o despacho atinente atingido pela nulidade, nos termos preconizados pelo artigo 195.º do CPC.

No mesmo sentido, Ac. TRE, de 18-10-2018, Cristina Dá Mesquita, Proc. 3870/17.0T8FNC-A.E1:
I - Sempre que o juiz pretenda conhecer, no despacho saneador, de uma exceção perentória ou de algum pedido, deverá convocar audiência prévia para os efeitos do artigo 591.º, n.º 1, alínea b), do CPC, com vista a assegurar o exercício do contraditório.
II - Mesmo quando a questão tenha sido debatida nos articulados, a decisão de dispensa deve ser precedida da consulta das partes, ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3, do CPC, assim se garantindo, não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, mas também uma derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa.
II. Fora destes apertados limites que consentirão a dispensa da audiência prévia, a sua não realização terá como inevitável consequência a verificação de uma nulidade processual, por prática de ato não permitido por lei com influência no exame ou decisão da causa, enquadrável no artigo 195.º do CPC.

Assim sendo, deve concluir-se que as conclusões atinentes a esta questão são procedentes.

O que implica ficar o conhecimento das restantes questões prejudicado, pelo que a apelação é procedente devendo a decisão que dispensou a audiência prévia ser revogada e substituída por outra que designe data para a sua realização.


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Sumário:

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DECISÃO.

Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação procedente e revoga a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que designe data para a realização da audiência prévia.

Custas pelo recorrido – artigo 527.º CPC
Notifique.

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Évora, 09-09-2021

José Manuel Barata (relator)

Conceição Ferreira

Emília Ramos Costa