Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
7096/18.7T8STB.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
REQUISITOS
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Estando em causa a obrigação de restituição de veículo automóvel, o que consubstancia uma prestação de coisa (de dare), não há lugar a condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Autora: (…), SA

Recorrida / Ré: (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação através da qual a A. peticionou que a R. seja condenada a restituir-lhe o veículo com a matrícula (…) e a pagar-lhe os alugueres vencidos até à resolução do contrato de locação operacional celebrado entre as partes, no valor de € 1.202,70 acrescido de juros à taxa contratual de 11,839% desde o vencimento até integral pagamento, de indemnização correspondente a 20% dos alugueres vincendos, no valor de € 1.665,37 acrescidos de juros à taxa de 4% desde a citação até integral pagamento, e ainda na sanção pecuniária compulsória no valor de € 50/dia durante os primeiros trinta dias subsequentes ao trânsito em julgado, passando a ser € 100/dia nos trinta dias seguintes e de € 150/dia daí em diante e até efetivo cumprimento.


II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, conforme segue:
«a) condeno a ré a restituir ao autor o veículo da marca (…), modelo (…), com a matrícula (...);
b) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 771,39 (setecentos e setenta e um euros e trinta e nove cêntimos) acrescida de juros à taxa contratual de 11,839% contados desde o vencimento de cada prestação e até integral pagamento;
c) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de € 1.665,37 (mil, seiscentos e sessenta e cinco euros e trinta e sete cêntimos) acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contados desde a citação e até integral pagamento;
d) absolvo a ré do demais peticionado.

Inconformada, a A. apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida na parte que absolveu a R. da condenação no pagamento da sanção pecuniária compulsória, a substituir por outra que decrete tal condenação. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«Em conclusão, portanto, por violação do artigo 829-A, nº 1, do Código Civil, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida na parte objeto do presente recurso, ou seja na parte que não condenou a ora recorrida no pagamento da sanção pecuniária compulsória que requerida foi, substituindo-se, em tal parte, a dita sentença por Acórdão que julgue procedente a condenação da R. no pagamento da sanção pecuniária compulsória que requerida foi.»
Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpre apreciar se a R deve ser condenada no pagamento da peticionada sanção pecuniária compulsória.


III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância
1 – A R. pretendia adquirir o veículo da marca (…), modelo (…), com a matrícula (…), tendo para o efeito contactado a firma “Automóveis (…), S.A., Sucursal de Setúbal”.
2 - Na sequência do que lhe foi solicitado, o A. (então Banco …, S.A.) veio a adquirir, com destino a dar de aluguer à R., o referido veículo automóvel pelo preço de € 16.499,99.
3 – Após o A. ter prestado à R. a informação pré-contratual referente ao contrato em questão, mediante acordo escrito denominado “Contrato de Locação Operacional” em 26/10/2012 deu de aluguer à R. o referido veículo.
4 - O prazo de aluguer foi de 120 meses, vencendo-se o primeiro aluguer em 05/12/2012, e os restantes alugueres no dia 5 de cada mês dos meses imediatamente subsequentes, do montante de € 193,24 o primeiro e de € 200,45 os restantes, incluindo já o IVA respetivo, o prémio de seguro e as despesas de cobrança.
5 - O referido preço mensal do aluguer de € 200,45 correspondia a € 157,11 de aluguer propriamente dito, € 36,13 de IVA à taxa então aplicável, € 4,13 de prémio de seguro de vida/acidentes pessoais e € 3,08 de despesas de cobrança.
6 - A taxa de juro de referência implícita era de 8,414% e variava consoante a média aritmética das cotações diárias do último mês de cada trimestre, sendo a alteração consequência desta variação repercutido no montante das rendas ou aluguer.
7 – As partes acordaram que em caso de resolução por incumprimento da R., ficaria esta obrigada a restituir ao A. o veículo, a pagar as rendas vencidas e não pagas acrescidas dos respetivos juros moratórios (juros à taxa implícita à data da resolução, acrescidos da sobretaxa de 4%), e a pagar uma indemnização correspondente a vinte por cento do valor total dos alugueres vincendos – cláusulas 10ª, n.º 4 e 13.ª, n.º 1, do contrato.
8 - Após a celebração do referido contrato, a R. recebeu o veículo no dia 26/10/2012.
9 – A R. efetuou os seguintes pagamentos parcelares:
- em 20 de Fevereiro de 2018, a quantia de € 216,46,
- em 04 de Abril de 2018, a quantia de € 219,89
- em 05 de Abril de 2018, a quantia de € 218,15
- em 05 de Junho de 2018, a quantia de € 216,35
- em 05 de Junho de 2018, a quantia de € 216.35.
10 – Valores esses que o A. imputou a alugueres já vencidos, do seguinte modo:
- a importância de € 216,46 recebida em 20.02.2018, acrescida de € 2,50 que a R. tinha em conta corrente, destinou-se à liquidação do 59º aluguer, vencido em 05.10.2017, e dos respetivos juros e encargos;
- a importância de € 219,89 recebida em 04.04.2018, destinou-se à liquidação do 60º aluguer, vencido em 05.11.2017, e dos respetivos juros e encargos, ficando a crédito da R. em conta corrente o valor de € 0,23;
- a importância de € 218,15 recebida em 05.04.2018, destinou-se à liquidação do 61º aluguer, vencido em 05.12.2017, e dos respetivos juros e encargos, ficando a crédito da R. em conta corrente o valor de € 0,17;
- as demais quantias recebidas em Junho de 2018 (€ 214,56 e € 216,35), ficaram a crédito da R. em conta corrente, num total de € 431,31.
11 - A R. não pagou os alugueres 62º a 67º, vencidos entre 05/01/2018 e 05/06/2018.
12 – Por carta registada com aviso de receção, datada de 04/06/2018, o A. concedeu à R. um prazo adicional de vinte dias de calendário para pagar os referidos alugueres acrescidos dos respetivos juros e demais encargos, tudo no valor de € 1.271,59, com a advertência de que, não o fazendo, o A. consideraria o contrato resolvido.
13 – A carta veio devolvida com menção “não reclamado”.
14 – A R. nada pagou ao A., nem restituiu o veículo.
15 – À data de 05/06/2018, a taxa de juro implícita era de 11,839%, já com o acréscimo da sobretaxa de 4%.

B – O Direito

Nos termos do disposto no art. 829.º-A, n.º 1, do CC, «Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.»
Trata-se da consagração da sanção pecuniária compulsória, que constitui uma medida de coerção no domínio das prestações de facto não fungíveis, pois visa vencer a resistência da vontade do obrigado, forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou desleixo, indiferença ou negligência.[1] É-lhe reconhecida uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, alcançando-se o reforço da soberania dos Tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da Justiça, e favorece-se a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
Porém e desde logo cumpre levar em linha de conta que tal regime legal tem aplicação a obrigações de prestação de facto. E, no âmbito destas, a prestações não fungíveis, aquelas que apenas podem ser cumpridas pelo devedor, não sendo possível a realização por outrem à custa do devedor ou a execução por equivalente.
Ora, as prestações de facto (de facere) caraterizam-se por o seu objeto se esgotar num facto, seja ele um facto material ou um facto jurídico; podem ser positivas ou negativas, consoante se traduzem numa ação (num comportamento de sinal positivo) ou numa abstenção, omissão ou mera tolerância. Às prestações de facto corresponde, no processo executivo, a denominada execução para prestação de facto.[2]
As prestações de coisa (de dare) têm por objeto mediato uma coisa. Se não se tratar de quantia em dinheiro, no processo executivo está em causa a execução para entrega de coisa certa. Pode tratar-se da obrigação de dar, da obrigação de entregar ou ainda da obrigação de restituir.[3]
No caso em apreço, a obrigação que impende sobre a Recorrida é a de restituir à Recorrente o veículo automóvel devidamente identificado nos autos. Por conseguinte, está em causa a obrigação de restituição, modalidade que integra a prestação de coisa. Não consubstanciando prestação de facto, desde logo por via disso (pois também não se trataria de obrigação infungível) não pode ter lugar a condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória.

Termos em que nenhum reparo merece a decisão recorrida.

As custas recaem sobre a Recorrente – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo: (…)


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 11 de Julho de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

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[1] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. II, 3.ª edição, págs. 106 e 107.
[2] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 75 a 80.
[3] Cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 81 a 83.